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Alguns desafios na condução dos estágios nos cursos de licenciatura
Some challenges in the Internship conduct in degree courses
Algunos de los desafíos en la realización de prácticas en cursos de grado
Laplage em Revista, vol. 2, núm. 2, pp. 6-17, 2016
Universidade Federal de São Carlos

Dossiê Temático

Atribuição não comercial internacional. Direitos de compartilhar igual e dar crédito aos autores e periódico.

Recepção: 30 Maio 2016

Aprovação: 27 Junho 2016

DOI: https://doi.org/10.24115/S2446-6220201622156p.6-17

Resumo: O artigo procura caracterizar e pontuar alguns desafios na condução do estágio curricular na formação inicial de professores. O texto traz questionamentos sobre a concepção e a intencionalidade de constituir-se em um eixo articulador, considerando o contexto da formação de professores, da escola atual e da complexidade da prática docente. Tomando como base a pesquisas realizadas com professores iniciantes e as diretrizes para a formação de professores no Brasil, no primeiro momento trazemos uma reflexão sobre um panorama geral do estágio docente na grade curricular e no segundo momento descrevemos a condução de uma experiência desenvolvida nas disciplinas estágio supervisionada de matemática da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Palavras-chave: Formação de professores Cursos de licenciatura. Estágios supervisionados..

Abstract: The article seeks to characterize and score some challenges in conducting the traineeship in initial teacher training. The text raises questions about the design and the intention to establish itself in a pivotal point, considering the context of teacher education, the current school and the complexity of teaching. Based on the research conducted with beginning teachers and guidelines for teacher training in Brazil, at first we bring a reflection about an overview of teacher intership in the curriculum and in a second moment we described the conduction of a developed experience in the supervised interships subjects of mathematics of the Federal University of São Carlos (UFSCar).

Keywords: Teacher training Courses of degree. Supervised internships..

Resumen: El artículo busca caracterizar y puntualizar algunos desafios en la realización de prácticas curriculares durante la formación inicial de los profesores. El texto plantea preguntas sobre la concepción y la intención de constituir un eje articulador, teniendo en cuenta el contexto de la formación del profesorado, de la escuela actual y de la complejidad de la enseñanza. Tomando como base las investigaciones llevadas a cabo con profesores principiantes y las directrices para la formación de profesores en Brasil, en un primer momento traemos una reflexión sobre el panorama general de la formación docente en el plan de estudios y en un segundo momento, describe la realización de una experiencia desarrollada en los cursos de formación de matemática supervisadas de la Universidad Federal de São Carlos (UFSCar).

Palabras clave: La formación del profesorado Cursos de grado. Prácticas supervisadas..

Introdução

A literatura internacional tem apontado a necessidade de mais pesquisas e do repensar a formação inicial de professores para enfrentar o desafio da escola atual e a complexidade da prática docente.

O ensino é uma prática social complexa, carregada de conflitos de valor e que exige posturas éticas e políticas. Ser professor requer saberes e conhecimentos científicos, pedagógicos, educacionais, sensibilidade, indagação teórica e criatividade para encarar as situações ambíguas, incertas, conflituosas e, por vezes, violentas, presentes os contextos escolares e não escolares. (BITTENCOURT, 2004, p.16-17)

Em relação a esta complexidade, Hargreaves (2001) também nos chama a atenção sobre o “novo profissional” a ser formado, dizendo que nunca se exigiu tanto das escolas e dos professores. A Educação e o trabalho docente, em relação a sua função social, passaram a ser considerados elementos fundamentais na formação profissional do mundo informatizado e globalizado. Segundo o autor (op.cit) esse “novo profissional” deve possuir características específicas, apontando demandas para a formação inicial dos professores, como: aprendam a ensinar de um modo que eles mesmos não foram ensinados; sejam capazes e obrigados a se comprometer com seu próprio aprendizado muito além do ponto de qualificação inicial; possam trabalhar eficazmente e estejam ávidos por aprender com outros professores em suas escolas e em outros lugares; considerem a pesquisa e os estudos no ensino e aprendizagem como vitais para o aperfeiçoamento; vejam o pais e as comunidades como fonte de aprendizagem e apoio, e não como amontoados de problemas e deficiências; tornem-se seus próprios agentes de mudança qualificados, reagindo rápida e eficazmente ás mudanças sociais e educacionais constantes que ocorrem à sua volta; considerem a diferença, o conflito e o debate como uma oportunidade para aprofundar o coleguismo e não como uma ameaça ao mesmo e vejam os alunos como parceiros, e não apenas como objetos, na aprendizagem e no aperfeiçoamento.

Estas demandas nos remetem a olharmos as pesquisas que estão sendo realizadas sobre o processo de inserção profissional docente, que podem trazer contribuições para a formação inicial dos professores, em especial para os estágios supervisionados.

As necessidades formativas e o estágio curricular supervisionado

No âmbito internacional, as pesquisas apontam necessidades formativas, porém destacam a importância de apoio específico do conteúdo, da área pedagógica e até mesmo emocional para enfrentar os aspectos e os problemas característicos da inserção profissional na docência, como o “choque de realidade”, isolamento acadêmico, descobertas da profissão e a própria sobrevivência na profissão (VEEMAN, 1988; HUBERMAN, 1997; MARCELO GARCIA, 1999; FLORES, 1999).

No caso brasileiro, as pesquisas têm indicado que o professor iniciante, tem sido exposto a desafios e a dificuldades que se mostram geralmente mais complexos que os dos professores experientes, por serem atribuídas a eles turmas mais problemáticas, os horários mais desfavoráveis e em escolas de difícil acesso ou marcadas pela violência escolar; ou seja, assumem as posições em escolas e turmas que são rejeitadas e/ou evitadas pelos professores mais antigos (GUARNIERI, 2000; LIMA, 2002; GAMA, 2001 e 2007). Desde a primeira pesquisa brasileira sobre o início da carreira docente, já podemos identificar a constatação que “não há propriamente uma formação voltada à realidade complexa da escola atual” (LEQUERICA, 1983).

Em um levantamento de estado da arte constituído de vinte e oito pesquisas brasileiras, realizadas entre 1983 e 2005 (GAMA, 2007), foi apontado três aspectos desafiadores que têm mais implicações nas dificuldades do início da carreira: contextuais; pessoais e formação docente. Os aspectos contextuais se referem prioritariamente a condição de trabalho, a cultura escolar e a gestão da sala de aula. Rufino (2000) em sua pesquisa destaca a importância do contexto em que se realiza a docência e afirma que ele deve estar presente no momento da reflexão e das aprendizagens, para ser possível compreender os saberes na complexidade em que eles se engendram.

Na sua tese de doutorado Inforsato (1995) detalha duas dimensões diretamente relacionadas com o contexto escolar: espaço da sala de aula e organização escolar. Na primeira dimensão aponta que as principais dificuldades dos professores iniciantes apresentam estão relacionadas com classes heterogêneas; falta de interesse; indisciplina; alunos mal acostumados em relação a atividades escolares; dificuldade em estabelecer critérios de avaliação; manejo da classe (adoção de regras); falta de recursos didáticos; desânimo e falta de esquemas adaptativos; tempo de preparo de aulas; conteúdo – descompasso entre formação e o que os professores lecionam; estratégias instrucionais não seguras para desenvolvimento de inovações; autoridade pouco prestigiada no recinto escolar.

Em relação a segunda dimensão aponta que a organização escolar dificulta a inserção profissional e que os professores iniciantes apontam alguns aspectos como; ausência de comando (gestão escolar); burocracia escolar excessiva e destituída de sentido; e, sobretudo, condições de trabalho precárias, com número excessivo de aulas e de alunos por sala. O segundo aspecto está mais relacionado ao pessoal, ou seja, destaca os principais sentimentos que podem definir a continuidade na carreira e/ou influenciar a própria identidade profissional, como os sentimentos de insegurança, medo, lembranças do próprio período de escolarização, descoberta da profissão e de isolamento docente. Dentro deste aspecto, também são destacados os aspectos sociais nas áreas específicas que influenciam sobre escolha da área de atuação e a questão do conteúdo específico e suas exigências, sobretudo no trabalho de Gori (2000), com professores de Educação Física, ao revelar a influência de possuir histórico de atleta e Gama (2001) sobre o status/valorização em relação à inteligência ou facilidade com cálculos.

No último aspecto o estudo aponta o formativo, indicando que as pesquisas se remetem a uma diversidade de dicotomias existentes no próprio processo de formação de professores. A desarticulação nesse processo pôde ser evidenciada em relação à escola e universidade. As pesquisas indicam o pouco oferecimento de disciplinas curriculares e não-curriculares da graduação que objetiva uma parceria em colaboração enquanto espaços formativos e esta desarticulação pode gerar um distanciamento das possíveis relações entre os conteúdos do curso e do campo profissional.

A segunda desarticulação destacada está entre os conteúdos específicos e pedagógicos, depositando no próprio licenciando a função de integrar e articular estes conteúdos na situação de ensino, sem ter oportunidade de participar de uma reflexão coletiva e sistemática sobre esse processo. Por último, a desarticulação da teoria e prática é apresentada como uma supervalorização do conhecimento acadêmico aos saberes práticos docentes. Nesse momento, o estágio supervisionado é considerado uma instância privilegiada que permite essa articulação, em especial, em Angotti (1998) e Mogone (2001) discutem e propõem uma distribuição aumento das horas de estágio durante o curso e apontam sua influência sobre as características dos professores iniciantes.

Porém, outros estudos nos chamam a atenção que ainda prevalecem o distanciamento ou, como destacam Fiorentini e Castro (2003), uma justaposição entre teoria e prática: “embora aconteçam num mesmo tempo, teoria e prática podem apresentar-se apenas justapostas, não se estabelecendo entre elas uma relação efetivamente dialética” (p. 153). Pensar nestas dicotomias identificadas podem contribuir para o repensar da formação inicial docente, pois muitas dificuldades podem ser relacionadas ou serem decorrentes desse processo.

Em relação as políticas públicas, através das Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores para a Educação Básica (CNE CP1, 2002), em nível superior, e o Plano Nacional de Educação, temos vivido nas universidades a criação de pelo menos dois espaços formativos que estão relacionados a problemática citada e buscam especialmente a articulação entre teoria e prática docente. Em um primeiro assiste-se as iniciativas de adequação curriculares das universidades no que diz respeito à superação do modelo de formação de professores no Brasil, chamado “3+1”, ou seja, procurando um avanço desse modelo consecutivo que apresenta a parte teórica do curso (normalmente em três anos) e uma segunda parte prática (normalmente em um ano) para o concorrente onde teoria e prática pretendem ocorrer concomitantemente.

Também precisamos destacar a mudança curricular obtida com o aumento da carga horária dos estágios supervisionados (400 horas) que contribuiu para que este se constituísse eixo articulador entre teoria e prática docente. Na área da Educação Matemática, Fiorentini e Castro (2003, p.122) também apontam que “a prática de ensino e o estágio supervisionado podem ser caracterizados como um momento especial do processo de formação do professor em que ocorre de maneira mais efetiva a transição ou a passagem de aluno a professor”. Nesse momento, como formadora de professores, em especial de Matemática, tenho presenciado precocemente com os graduandos as características do início de carreira docente apontadas em estudos nacionais e internacionais – choque de realidade, conflitos, inseguranças, contradições, dilemas, desistências da carreira, entre outras -, o que nos trazem a necessidade de novas percepções/reflexões e nos colocam outros desafios para a formação inicial.

Os desafios também aparecem nas resoluções e pareceres do ministério da educação. No artigo 13, das Diretrizes (CNE CP1, 2002), é apresentado que “em tempo e espaço curricular específico, a coordenação da dimensão prática transcenderá o estágio e terá como finalidade promover a articulação das diferentes práticas, numa perspectiva interdisciplinar. Essas práticas possuem indicativos de condução postos nos parágrafos do artigo 13, ou seja, a prática “será desenvolvida com ênfase nos procedimentos de observação e reflexão, visando à atuação em situações contextualizadas, com o registro dessas observações realizadas e a resolução de situações-problema”. Porém, no § 2º indica “que não prescinde da observação e ação direta, poderá ser enriquecida com tecnologias da informação, incluídos o computador e o vídeo, narrativas orais e escritas de professores, produções de alunos, situações simuladoras e estudo de casos”. Outro indicativo importante é nominado no § 3º O estágio curricular supervisionado, definido por lei, a ser realizado em escola de educação básica, e respeitado o regime de colaboração entre os sistemas de ensino, deve ser desenvolvido a partir do início da segunda metade do curso e ser avaliado conjuntamente pela escola formadora e a escola campo de estágio.

Nestes indicativos de condução das práticas na formação inicial dos professores e os artigos da LDB (BRASIL, 1996) referentes a determinação das cargas horárias das práticas e dos estágios supervisionados (LBD, 1996 e CNE CP1, 2002) foram motivos de várias consultas ao CNE em relação as diferenças entre as práticas e os estágios supervisionados. Assim, o parecer do CNE/CES 15/2005 nos esclarece que:

A prática como componente curricular é o conjunto de atividades formativas que proporcionam experiências de aplicação de conhecimentos ou de desenvolvimento de procedimentos próprios ao exercício da docência. Por meio destas atividades, são colocados em uso, no âmbito do ensino, os conhecimentos, as competências e as habilidades adquiridos nas diversas atividades formativas que compõem o currículo do curso. As atividades caracterizadas como prática como componente curricular podem ser desenvolvidas como núcleo ou como parte de disciplinas ou de outras atividades formativas. (...) Por sua vez, o estágio supervisionado é um conjunto de atividades de formação, realizadas sob a supervisão de docentes da instituição formadora, e acompanhado por profissionais, em que o estudante experimenta situações de efetivo exercício profissional. O estágio supervisionado tem o objetivo de consolidar e articular as competências desenvolvidas ao longo do curso por meio das demais atividades formativas, de caráter teórico ou prático. (Grifo nosso)

Também em consulta sobre reformulação curricular dos Cursos de Graduação o CNE, através do parecerCNE/CES 0228/2004, apresenta que as “normas legais definem o estágio curricular, os seus objetivos e as condições para sua realização, merecendo destaque os seguintes pontos” destacados a seguir:

I. O estágio não cria vínculo empregatício de qualquer natureza e o estagiário poderá receber bolsa, ou outra forma de contraprestação que venha a ser acordada, ressalvado o que dispuser a legislação previdenciária, devendo o estudante, em qualquer hipótese, estar segurado contra acidentes pessoais. (Lei 6.494/1977, art. 4º)

II. Para caracterização e definição do estágio curricular é necessária, entre a instituição de ensino e pessoas jurídicas de direito público e privado, a existência de instrumento jurídico, periodicamente reexaminado, onde estarão acordadas todas as condições de realização daquele estágio, inclusive transferência de recursos à instituição de ensino, quando for o caso. (Decreto 87.497/1982, art. 5º)

III. A realização do estágio curricular, por parte de estudante, não acarretará vínculo empregatício de qualquer natureza. (Decreto 87.497/1982, art. 6º)

IV. A instituição de ensino, diretamente, ou através de atuação conjunta com agentes de integração, referidos no "caput" do artigo anterior, providenciará seguro de acidentes pessoais em favor do estudante. (Decreto 87.497/1982, art. 8º)

Ainda em relação à condução dos estágios nos aspectos legais, foi publicada a nova lei dos estágios (Lei no 11.788, de 25-9-2008) que traz aspectos importantes a serem considerados como a necessidade de um agente de integração para identificar oportunidades de estágio, ajustar suas condições de realização, fazer o acompanhamento administrativo, encaminhar negociação de seguros contra acidentes pessoais, cadastrar os estudantes. Os agentes no § 3o diz que “Os agentes de integração serão responsabilizados civilmente se indicarem estagiários para a realização de atividades não compatíveis com a programação curricular estabelecida para cada curso (...)”.

Em relação às obrigações das instituições o art. 7o aponta a necessidade de celebrar e zelar cumprimento de termo de compromisso, avaliar instalações e adequação à formação da parte concedente, indicação de orientador, apresentação periódica de relatório das atividades, normas de avaliação, comunicar calendário do estágio à parte concedente, entre outros. Neste contexto nos perguntamos sobre a condução dos estágios nos cursos de licenciatura: os professores são os agentes de integração? Que tipo de estrutura institucional possui as universidades para o cumprimento da lei dos estágios?

Para além dos aspectos legais destacados aqui sobre a condução dos estágios, temos nos deparado com as diversas concepções foram identificadas como: Estágio por imitação de modelos, ou seja, o modo de aprender a profissão a partir da observação, imitação, reprodução e, às vezes, reelaboração dos modelos existentes. A segunda concepção de Estágio como instrumentalização técnica que reduz às técnicas a ser empregadas em sala de aula, ao desenvolvimento de habilidades específicas do manejo de classe – oficinas pedagógicas; atividades de microensino; miniaula; dinâmica de grupo, entre outros.

Por último, o Estágio - Superando a separação entre teoria e prática que propicia ao aluno uma aproximação à realidade na qual atuará. Este modelo parte da reflexão a partir da realidade – objeto da práxis - sendo uma atividade teórica de conhecimento, fundamentação, diálogo, pesquisa e intervenção na realidade. A partir dessas concepções, outros questionamentos quanto à formação dos professores nos são postos em direção a condução dos estágios. Quais são as nossas opções enquanto instituição e projetos políticos pedagógicos dos nossos cursos de licenciatura? Essas opções são intencionais? São definidas coletivamente ou individualmente em cada curso de licenciatura?

Para além dos desafios em relação aos aspectos legais e conceituais na condução dos estágios, temos os aspectos contextuais da escola, os aspectos pessoais, as dicotomias apontadas sobre os cursos de licenciatura e também podemos apontar o desafio da construção compartilhada de saberes docentes entre a universidade e as escolas. Esta construção compartilhada exige uma concepção que reconhece os espaços da universidade e da escola para a formação de professores, sem hierarquias nos tipos de saberes e conhecimentos. Sendo assim, precisamos repensar o perfil do curso, das atividades propostas de formação e das experiências dos próprios formadores para criarem as parcerias.

Estágio curricular supervisionado: desvelamento de nossa realidade

Em nossa experiência, no Departamento de Metodologia de Ensino (DME) da Universidade Federal de São Carlos que atua nas licenciaturas de Biologia, Física, Química, Matemática, Educação Musical, Educação Física, Letras, Filosofia e Enfermagem, temos adotado em consonância com as diretrizes para formação de professores e enquanto departamento responsável pelas disciplinas de Estágio supervisionado nestas diversas licenciaturas, a premissa de desenvolver um profissional capaz de atuar de forma significativa na sociedade e, para tanto, consideramos que:

1) a formação docente é um processo permanente e envolve a valorização identitária e profissional dos professores;

2) a identidade do professor é simultaneamente epistemológica e profissional, realizando-se no campo teórico do conhecimento e no âmbito da prática social1

3) a transformação da prática do professor decorre da ampliação de sua consciência crítica sobre essa mesma prática;

4) na complexa tarefa de aprimoramento da qualidade do trabalho escolar, os professores contribuem com seus saberes, seus valores e suas experiências;

5) para enfrentar os desafios das situações de ensino, o profissional da educação precisa da competência do conhecimento, de sensibilidade ética e de consciência política (BRASIL, 2002).

Vale a pena ressaltar que, as atividades de estágio não estão restritas à sala de aula, mas são complementadas pela atuação, em conjunto com os professores da Educação Básica, em atividades diversas, como por exemplo: estudos das realidades de cada uma das escolas, incluindo-se o entorno das escolas campo dos estágios; projetos e Atividades de Ensino; mini-cursos e oficinas; regências; participação nos horários as HTPCs e reuniões de planejamento; organização de eventos; participação nos Conselhos de Classe e Séries, dentre outras. Em relação aos principais instrumentos de formação utilizados nas disciplinas oferecidas no DME temos: planos de aula, Filmagens, fotos, diários reflexivos, narrativas escritas, relatórios, entre outros. No caso específico da licenciatura em matemática, temos privilegiado um plano conjunto de trabalho entre os professores responsáveis pelo estágio, que destaca para cada semestre/disciplina um objetivo específico na formação.

Partimos do pressuposto no plano de trabalho a relevância de proporcionar atividades intencionais em cada uma das quatro disciplinas que priorizam a análise e discussão baseada no estudo de referências teóricas que possibilitem formular propostas para os problemas identificados relativamente à profissão docente do professor de matemática. Também é priorizado o aprofundamento dos conteúdos fundamentais, dos pontos de vista matemático e da didática, procurando conjugar os interesses da sua formação com interesses manifestados pela instituição escolar e pelo professor da classe ou dos alunos. Neste sentido, optamos na Disciplina de “Estágio Supervisionado de Matemática na Educação Básica I”, localizada no 5° semestre do curso de Licenciatura em Matemática (60h), enfatizarmos a discussão sobre “a escola e o seu entorno”, através de atividades de observação e pesquisa da realidade social da escola e dos seus agentes. Estas atividades contemplam a história da escola, sua localização, sua clientela, entre outros e têm gerado normalmente reflexões sobre o sistema educativo e articulado outras disciplinas pedagógicas oferecidas no curso de Licenciatura. Por exemplo:

Embora o Banco Mundial considere não haver relação entre o rendimento escolar e o número de alunos por sala, afirmando textualmente que “acima de vinte alunos por sala, não faz diferença se são trinta ou cinquenta ou mais”(...) A Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Unesco têm uma posição diferente. Segundo essas organizações, o número ideal estaria entre vinte e trinta, e o Brasil é um dos países com o maior número de alunos por classe, o que prejudica o ensino e acarreta ao professor uma série de problemas de saúde. (Estágio 1, LE, diário 5)

Dando continuidade no “Estágio Supervisionado de Matemática na Educação Básica II”, localizada no 6° semestre (60h), a temática elegida é o “projeto político pedagógico da escola e o seu planejar”. Procuramos nesse momento, destacar o contexto profissional por meio de atividades que focalizem os principais aspectos da gestão escolar como a elaboração da proposta pedagógica, do regimento escolar, a gestão de recursos, a escolha dos materiais didáticos, o processo de avaliação e a organização dos ambientes de ensino, em especial no que se refere às aulas de Matemática. Para exemplificar apresento um trecho relatado sobre a percepção do desafio da profissão e as articulações que a estagiária estabelece com as discussões teóricas realizadas nas orientações realizadas na universidade:

À noite ficamos cortando papéis para as sextas séries e refizemos a folha atividade para sétima, terminamos tudo já eram umas dez da noite. Aqui cabe citar a fala de uma professora que participou, de um estudo feito pelo GEPFPM publicado no artigo “O desafio de ser professor de matemática hoje no Brasil”: “O grande desafio hoje é fazer com que o aluno entenda e compreenda a matemática, tenha prazer em estudar, conhecê-la; com isso precisamos proporcionar aulas diferentes, isso dá trabalho. (Estágio 2, FA, diário 5)

Partindo do entorno da escola e do contexto escolar, no próximo semestre na disciplina de “Estágio Supervisionado de Matemática na Educação Básica III, localizada no 7° semestre do curso (180h), destacamos no planejamento as ações sobre “O professor pesquisador da sua própria prática”. As atividades incluem análise dos princípios e critérios para seleção e organização dos conteúdos matemáticos adotados pelos professores do Ensino Fundamental e Médio, das formas usadas pelo professor no sentido de levantar e utilizar os conhecimentos prévios dos alunos, das diferentes dimensões do conteúdo: conceitos, procedimentos e atitudes. Nesta disciplina também destacamos a importância dos estagiários analisarem o uso de estratégias para atender às diferenças individuais de aprendizagem e a incorporação de alguns aspectos metodológicos, como a resolução de problemas, a história da Matemática, os jogos, os recursos tecnológicos, entre outros. Cabe destacar que neste momento do curso os licenciandos já tiveram entre outras, as disciplinas de “Pesquisa em Educação Matemática e de “Metodologia de Ensino de Matemática I e II”. A seguir, apresentamos um episódio destacado por um licenciando no campo de estágio.

-Ela2: Então vou dividir 1640 por 40?

-Eu: Isso!

-Ela falou: Dá 41!!!!!!

-Eu: Você já fez a conta?

-Ela: Já fiz!

-Eu perguntei: Você pode me mostrar?

-Ela: Eu não fiz no caderno.

-Eu: Onde você fez?

-Ela: Na cabeça.

-Eu: Como assim, você dividiu de cabeça?

-Ela: Fiz.

Perguntei umas três vezes se ela tinha feito de cabeça mesmo. E ela afirmava que sim.

Eu perguntei: Como você pensou pra fazer essa divisão?

Ela: Eu sei que 40×40=1600, daí percebi que dava menos que 1640 e pensei em fazer 40×41 e deu certo!

Todavia, não era somente esperteza e sim habilidades com o cálculo mental ao estabelecer uma estimativa, dizendo que 40×40 era igual a 1600, mas que ainda era menor que 1640, então pensou em 40×41 que dava certo.

Ela possui em mente as regras que determinam os algoritmos sem muita necessidade de colocá-los no papel.

E conforme Grando, “o mais importante ao cálculo mental é a reflexão sobre o significado dos cálculos intermediários, facilitando a compreensão das regras que determinam os algoritmos do cálculo escrito. ”

Fiquei muito impressionada com isso, comentei com a professora [da escola](...) (Estágio 3, JÁ, diário 3)

Nas disciplinas os registros possuem a função de descrever, analisar e que os alunos discutam sobre o que aprendem, destacando sua opinião a respeito do que aprendem, os sucessos que obtêm, suas preocupações etc. Nesta disciplina com a maior carga horária, outra atividade importante consiste na elaboração de um projeto temático individual de formação profissional, proporcionado ao futuro professor a possibilidade de construir competências para gerenciar sua própria formação, identificando suas deficiências, seus interesses e aprendendo a buscar informações necessárias. Esses projetos individuais devem ser socializados para que o grupo possa identificar interesses e necessidades comuns que podem originar a organização de grupos de estudos. Por último, temos a disciplina de “Estágio Supervisionado de Matemática na Educação Básica IV”, localizada no 8° semestre do curso (120h), dedicada a construção de uma cultura colaborativa na profissão docente e na escrita do próprio professor.

(...) fomos informadas que devemos entregar um projeto de estágio, e ao final do estágio entregar o relatório. Esse fato nos deixou muito animadas para esse estágio, pois a escola demonstrou interesse pelo nosso trabalho, e nos enxergou como pessoas que podem auxiliar o trabalho do professor na sala de aula. (Estágio 4, NA, diário1)

A experiência rendeu bons momentos de aprendizado e também oportunidades de fazermos algo com nossas próprias mãos com auxílio das professoras na UFSCar e também da professora [da escola]. (Estágio 4, LU, diário 1)

O espaço da escola enquanto parceria para as primeiras ações docentes e a escrita como uma das formas de levantar, utilizar e revelar os diversos conhecimentos adquiridos na formação e a percepção dos conhecimentos prévios, especialmente em se tratando de uma profissão que será permeada por experiências escolares anteriores e de vida. As escritas registram suas vivências, destacando os problemas enfrentados, os resultados positivos e a avaliação de outros aspectos considerados relevantes de modo a produzir uma síntese que expresse suas reflexões sobre diferentes aspectos do desenvolvimento do processo de aprendizagem profissional com o qual interagiu.

Fiquei um pouco decepcionada com o fim da aula. Mas mesmo assim, a professora [da escola] nos parabenizou salientando pontos importantes das nossas aulas, assim como a professora [da universidade], e foi muito bom ter ouvido o que falaram naquele momento, pois olhando tudo pelo todo, acho que perdi pequenos detalhes que foram muito significativos para cada aluno em particular e isso fez com que a autoestima melhorasse e pudesse perceber que só se aprende através de acertos e erros... e assim ficou aquela vontade de logo fazer tudo de novo para que na próxima de tudo certo. (Estágio2, FA, diário 5)

Encerro o curso com a certeza de que muito aprendi, mas como o conhecimento não é algo acabado, sei que este é apenas o começo da minha vida profissional, e que ainda tenho muito o que aprender, principalmente com meus futuros alunos. (Estágio 4, AB, relatório final)

Neste momento da formação do professor, os conhecimentos teóricos e os conhecimentos práticos se articulam, visando a uma reflexão sobre a futura profissão. É necessário que essas disciplinas não se configurem como espaço isolado em que o estágio fique reduzido a algo fechado em si mesmo e desarticulado do restante do curso. Isso porque não é possível deixar ao futuro professor a tarefa de integrar e transpor o conhecimento sobre ensino e aprendizagem para o conhecimento na situação de ensino e aprendizagem, sem ter oportunidade de participar de uma reflexão coletiva e sistemática sobre esse processo.

Considerações finais

A partir da caracterização da complexidade da prática docente e suas demandas, para finalizar aponto alguns desafios na condução dos estágios curriculares na licenciatura partindo de uma adoção de concepção das disciplinas de estágio como eixo articulador do curso. Nessa concepção temos que destacar o que a literatura tem apontado sobre a relevância das diversas articulações entre teoria e prática que o curso de licenciatura precisa promover (GAMA, 2007). As articulações necessárias referem-se à intencionalidade da instituição formadora de ir além de uma definição da concepção nas ementas das disciplinas, mas criar condições de trabalho docente e espaços formativos próprios para o desenvolvimento das atividades. A partir de uma idealização de formação de professores baseada na parceria universidade e escola, não podemos continuar na dependência de iniciativas individuais de professores responsáveis pelas disciplinas e iniciarmos um trabalho coletivo de parceria institucional do ensino superior com o ensino básico.

Estas condições perpassam sobre cargas horárias do docente responsável na universidade e na escola, bem como sobre os espaços de integração desses docentes para que se constituam verdadeiramente parcerias colaborativas e não hierárquicas. Também é necessário apoio institucional de funcionários específicos para o cumprimento dos aspectos legais que envolvem essas atividades práticas. Outro aspecto das articulações perpassa questões de formação do próprio docente universitário para o curso de licenciatura, em especial para a condução dos estágios supervisionados. Também se apresenta a problemática do professor da escola básica que recebe os estagiários em relação ao seu perfil profissional e da motivação para a continuidade da carreira. Não podemos ter a ilusão que qualquer professor tem o perfil, formação e disponibilidade para promover a inserção profissional de novos docentes. Esse fator nos remete diretamente as características do início de carreira, ao “choque de realidade” que muitas vezes pode definir a permanência ou não do licenciando na profissão docente.

Referências

ANGOTTI, M. Aprendizagem profissional: os primeiros passos no magistério pré-escolar. 1998. p. Tese. (Doutorado em Educação). Universidade Federal de São Carlos. São Carlos-SP.

BITTENCOURT, C. M. F. Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.

BRASIL, Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP 1. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Brasília: DF, 2002. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/0102f ormprof.pdf

BRASIL, Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CES 0228. Consulta sobre reformulação curricular dos Cursos de Graduação. Brasília: DF, 2004. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/ pces228_04.pdf

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BRASIL. Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes; altera a redação do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996; revoga as Leis nos 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do art. 82 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6o da Medida Provisória no 2.164-41, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Brasília: DF, 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/ 2008/lei/l11788.htm

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Notas

1 Documento interno do Departamento de Metodologia de Ensino apresentado na Diretoria de Ensino de São Carlos em 2010.
2 Ela: Aluna do Ensino Fundamental; Eu: Licencianda em Matemática.

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[Artigo corrigido , vol1. 2, 6-17] http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/view/156/413



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