Resenhas

Recepção: 30 Dezembro 2016
Avaliação de aprendizagens: das políticas e práticas ao sucesso do aluno
Domingos Fernandes é doutor em Educação Matemática pela Texas AEEM University, professor associado na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. Foi diretor-geral do Departamento de Avaliação Pedagógica (IIE) Instituto Inovação Educacional (1991-1994), diretor-geral do Departamento de Ensino Secundário (1996-2000) e secretário de Estado da Administração Educativa no XIV Governo Constitucional português (2001-2002). Coordenou e foi coautor do Dossiê Pensar a avaliação, melhorar a aprendizagem, distribuído para todas as escolas de Portugal (1992-1994). Atualmente é professor catedrático na Universidade de Lisboa.
O autor contempla (FERNANDES, 2009) um tema que é ao mesmo tempo deslumbrante e paradoxal, desvelando especificamente a avaliação das aprendizagens, pontuando a complexidade do tema que abarca diferentes áreas, principalmente pedagogia, didática, psicologia, sociologia, antropologia e ética. A avaliação é o tema que deu origem a vários estudos e pesquisas, sendo base de grande parte da autoridade pedagógica docente e de sua identidade profissional, e pode ser considerada como peça central da “modernidade escolar”. Qualquer tipo de mudança no sistema de avaliação é sempre o ponto crítico de qualquer reforma ou inovação.
A obra de Domingues Fernandes, segundo Nóvoa1, é tida como “estado da arte” sobre o tema e concomitantemente um “grito inconformado” perante o sistema que não consegue se democratizar ou responder às necessidades dos alunos, pois Fernandes coloca precisamente durante todo seu texto reflexões cruciais sobre as atuais avaliações e as implicações dela decorrentes, apontando para a necessidade de aprendizagens efetivas que proporcionem o verdadeiro sucesso dos alunos, para a formação docente adequada no contexto avaliativo, tecendo relações entre como ensino e avaliação são entendidos e organizados, os novos modelos avaliativos (Avaliação alternativa), as avaliações internas e as relações no desenvolvimento do currículo.
O livro é uma obra de 222 páginas, dividindo-se em uma Introdução e mais 4 seções principais: 1) Três razões suficientes para mudar a avaliação; 2) Avaliação Interna: dos fundamentos e das práticas; 3) Avaliação Externa: exames e estudos internacionais e 4) Investigação, formação, práticas e políticas: uma agenda, muitos desafios; e ao final possui um Anexo com síntese telegráfica de artigos e livros sobre o tema de autores anglo-saxônicos, francófonos, espanhóis e portugueses, bem como as Referências utilizadas nesta obra.
Na Introdução, já em suas considerações gerais o autor coloca sobre os desafios entre o acesso à educação e a plena integração desse aluno na sociedade, entre o ensino e a aprendizagem, para tanto a avaliação é elemento essencial de desenvolvimentos de sistemas educativos. O desejo do autor é que o livro ecoe como um “grito inconformado” diante de milhões de discentes que perdem o interesse pela escola e/ou são por ela reprovados e destinando seu livro a todos os profissionais da área da Educação, desde professores e formadores até técnicos das mais diversas Secretarias e formadores de professores, pois para discutir sobre avaliação, a contextualização é de suma importância. Questões como organização, funcionamento e concepções que sustentam a aprendizagem geram dificuldades que se arrastam a anos, e o autor apresenta Três razões suficientes para mudar as avaliações das aprendizagens: 1) Desenvolvimento das teorias de aprendizagem; 2) Desenvolvimento das teorias de currículo; e 3) Democratização dos sistemas educacionais
Na seção sobre Avaliação Interna: Dos Fundamentos e da Práticas – discussão sobre as diferentes concepções e principais características de avaliação de aprendizagens, o autor aborda: 1) Avaliação alternativa / avaliação autêntica; 2) Avaliação reguladora; 3) Avaliação formadora; 4) Avaliação contextualizada; 5) Avaliação educativa. Na seção sobre Avaliação Externa: Exames e Estudos Internacionais – pontua-se aquelas que decorrem integralmente de iniciativa e responsabilidade externa. E na Investigação, Formação, Práticas e Políticas: Uma agenda, Muitos Desafios - busca-se uma contextualização e atualização do tema em meios aos atuais entraves e percalços. São sugestões de cursos de ação buscando encontrar formas de resolução de problemas, exequíveis, necessárias e urgentes, pontuando que é uma agenda e não a agenda, resultado de uma leitura atual do estado das coisas e que interfere no domínio das políticas educativas, organização e funcionamento de práticas pedagógicas e didáticas, formação de professores e produção de conhecimento por parte das instituições de ensino superior.
No primeiro capítulo “Três razões suficientes para mudar a avaliação”, Fernandes destaca que as pesquisas internacionais apontam que é possível melhorar a avaliação em sala de aula e em larga escala, e para justificar a necessidade de mudança das atuais práticas de avaliação, pontua três razões para mudar a avaliação: Primeira razão: desenvolvimento das teorias de aprendizagem - a organização e desenvolvimento das avaliações dentro das salas de aula não são independentes das concepções que se sustentam acerca da aprendizagem, e o behaviorismo tem marcado o ensino e a avaliação nas últimas décadas. Estão presentes nas teorias de aprendizagem princípios, e faz-se necessário que a avaliação envolva processos complexos de pensamento, contribuindo na motivação aos alunos para resolução de problemas e valorização dos aspectos de natureza socioafetiva, centrando-se nas estratégias metacognitivas, tornando-se necessário recorrer a tarefas de avaliação mais abertas e variadas, diversificar estratégias, as técnicas e os instrumentos empregados na coleta de informação, desenvolver uma avaliação que informe em cada disciplina o que os estudantes precisam saber e ser capazes de fazer, analisar deliberada e sistematicamente a informação avaliativa obtida com os alunos.
Segunda razão: desenvolvimento das teorias do currículo - Fernandes demonstra que os currículos lançam desafios que vão para além de memorização e meros procedimentos, e que Shepard considera que o Currículo da Eficiência Social está dando lugar a uma Visão Reformada do Currículo, permeada de teorias construtivistas, socioculturais e cognitivistas das aprendizagens. Terceira razão: democratização dos sistemas educativos - o autor declara que, em última análise, a consolidação e o desenvolvimento das democracias dependem do que fizemos no domínio da educação, ciência e cultura. Se a avaliação for bem planejada gerará um impacto profícuo nos sistemas educacionais e consequentemente nos processos democráticos.
No segundo capítulo “Avaliação Interna: dos fundamentos e das práticas” o autor discute sobre a avaliação psicométrica, em contraste com a avaliação formativa alternativa. Reflete sobre a avaliação como medida à avaliação formativo-alternativa, observando o progresso da complexidade da avaliação, como descrição e como juízo de valor, entrando numa nova geração de avaliação como negociação e construção, chegando-se a avaliação formativa alternativa (à psicométrica de matriz behaviorista), recebendo outros nomes como avaliação autêntica, avaliação contextualizada, avaliação formadora, avaliação reguladora, de regulação controlada aos processos de aprendizagem e avaliação educativa. Ainda nesta seção, o autor trata de uma articulação das perspectivas francófonas e anglo-saxônicas de avaliação formativa, de regulação, das relações entre a avaliação formativa alternativa e a avaliação somativa, da avaliação psicométrica e a avaliação formativa alternativa. Também contempla a prática da avaliação formativa alternativa, a integração ensino-aprendizagem-avaliação, seleção de tarefas, funções, triangulações, transparência, o papel e natureza do feedback, e o portfólio como estratégia de avaliação formativa alternativa e encerra o capítulo fazendo considerações sobre os professores e a avaliação, pontuando que a ausência de políticas de ensino e de avaliação nas escolas é uma dificuldade que merece ser cuidadosamente enfrentada, pois os docentes acabam realizando seus afazeres avaliativos sem ter uma visão ampla e clara sobre o que realmente poderá estar em causa na organização do complexo processo ensino-aprendizagem-avaliação.
No terceiro capítulo “Avaliação Externa: Exames e Estudos Internacionais” Fernandes salienta que em muitos países do mundo existe uma insatisfação quase crônica a respeito da qualidade do serviço prestado pelos sistemas educacionais, e particularmente pelas escolas. Os problemas e as reformas lançadas ficam aquém do desejável e falta concretização de medidas ligadas a agendas educacionais que efetivamente melhorem a educação, e no que tange a avaliação os esforços concentram-se mais nas avaliações externas, buscando-se obter informações confiáveis sobre o que os alunos sabem para contribuir com a melhoria da qualidade do ensino e das escolas. Estudos internacionais são realizados e críticas ferozes surgiram ao monitoramento e avaliação do sistema, e a discussão se abre para os Exames Públicos Nacionais, seu breve histórico, suas características gerais, suas funções, considerações sobre o tipo de questões, a equidade, a validade e confiabilidade dos exames, vantagens e desvantagens do exame; e os Estudos Internacionais de Avaliação de Aprendizagens, que a partir da década de 80 comparam as aprendizagens adquiridas pelos alunos em diferentes sistemas educacionais, sendo que três organizações de natureza bem distinta têm-se destacado na realização de tais estudos, sendo a IEA (International Association for the Evaluation of Educational Achievement), a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e ETS (Educational Testing Service).
No quarto capítulo “Investigação, Formação, Práticas e Políticas: Uma agenda, muitos desafios” – tratam-se das questões de natureza teórica e prática que tangem a avaliação das aprendizagens. Nas dimensões explanadas problemas foram detectados que se discutem na literatura, bem como práticas e questões se mantêm em aberto. O autor pontua que certas questões ainda necessitam de uma reflexão profunda, e que há muito por fazer nesse campo, mas constata que é necessário conceber e pôr em prática programas de investigação minimamente consequentes e consistentes na área de avaliação de aprendizagens, bem como um grande empenho em formação docente visando promover avaliações alternativas eficientes e amplas, enfatizando que o objetivo da avaliação é que o aluno aprenda, aprofundando a relação Formação-Investigação-Prática, para que as escolas para que definam suas próprias políticas de avaliação de aprendizagens.
No que tange a avaliação externa, também é necessária uma reflexão, e as escolas não devem ser indiferentes aos resultados desta, mas verem seu “reflexo neste espelho” e decidirem se há algo a fazer diante da imagem refletida, analisando os efeitos nas políticas da escola, nos professores e no seu ensino, nos alunos e nas suas aprendizagens. O Ministério da Educação não pode deixar as escolas à margem, os materiais devem ser associados a processos de formação que englobem escolas e docentes, com ações planejadas e articuladas com objetivos e consequências formativas e de desenvolvimento para o sistema, escolas, alunos e pais. O processo de exames, inclusive as correções, deve ser transparente, bem como as análises e interpretações dos resultados, sendo estes correlacionados a avaliação curricular. Nas avaliações externas internacionais, urge a necessidade de delineamento da estratégia, com objetivos que considerem o desenvolvimento do sistema, com ampla discussão e elaboração de relatórios nacionais que tenham real impacto na sociedade e, sobretudo, nos níveis de decisão política, nas escolas e nos professores. A promoção de programas de pesquisa e a divulgação objetiva das limitações que estes estudos revelam são fundamentais, assim como a definição de uma política de avaliação que integre e relacione todas essas variáveis.
Fernandes pontua que a avaliação pode melhorar a qualidade das aprendizagens e, em consequência, a qualidade do sistema educacional globalmente considerado. Mas temos que saber utilizá-la. Apesar de sabermos que não há quaisquer resultados da pesquisa que nos mostrem que aumentar a quantidade de exames, ou de outros tipos de avaliações dessa natureza, melhora a aprendizagem dos alunos, os governos de muitos países insistem nessa linha de ação. E o necessário é investir mais nas avaliações que se desenvolvem pelos professores nas salas de aula, onde se pode e deve aprender, e as políticas educacionais necessitam ser mais focadas nas escolas e salas de aula, apoiando os professores para avaliar e ensinar melhor. O autor pontua que para melhorar o atual estado dos sistemas educacionais são necessárias medidas simples, que possam ser concretizadas com meios relativamente modestos, para que se torne realidade no decorrer dos anos.
Para concluir a obra, Fernandes traz um Anexo com uma seleção de publicações nas áreas de avaliação das aprendizagens, onde relaciona e brevemente comenta literaturas sobre a área, sendo autores anglo-saxões, autores francófonos, autores espanhóis e autores portugueses, cujas produções são relevantes em si mesmas e influenciam a comunidade de pesquisadores da área.
Conclusões e encaminhamentos da resenhista
De um modo geral, o autor desenvolve a temática do livro como uma profunda reflexão sobre o sistema avaliativo e suas implicações, com base em seus anos de estudo e atuação na área da Avaliação das aprendizagens. Embora grande parte da literatura de subsídio seja europeia e americana, observa-se profundo estreitamento com a realidade brasileira. A obra fornece subsídios à pesquisa sobre o tema da Avaliação e suas relações práticas, políticas e teóricas. Com reflexões profundas sobre a questão, uma primeira leitura desperta o interesse sobre o assunto, e através dos anexos finais e referências o autor contribui para o entendimento maior do tema em leituras posteriores. Fernandes com propriedade contempla questões “macro” que envolvem a avaliação, fundamenta seus pilares e ainda consegue discorrer sobre pormenores importantíssimos na prática das avaliações e seus diversos processos. Uma obra importante para pesquisadores e para aqueles que atuam na linha de frente da educação, dentro das unidades escolares e sistemas de ensino. Uma obra sucinta, mas de grandeza e percepção sem igual no tema da avaliação.
Referências
FERNANDES, D. Avaliar para aprender: Fundamentos, práticas e políticas. São Paulo: Editora UNESP, 2009. 222 p.
Notas
Ligação alternative
http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/download/152/424 (pdf)
Artigo relacionado
[Artigo corrigido , vol1. 2, 143-147] http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/view/152/424