Resenhas

| . 2002. 224pp. |
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Recepção: 10 Junho 2017
Aprovação: 10 Agosto 2017
A presente obra, objeto dessa resenha, é o resultado de uma tese de doutorado em educação, defendida na Universidade Estadual de Campinas e a posteriori transformada em livro, publicado pela Editora Autores Associados em parceria com a Fapesp. Esse estudo analisa as mediações que conduziram o processo de intervenção do Banco Mundial na formulação e no monitoramento das políticas para a educação pública do País, com o consentimento do governo federal e elites, entre os anos de 1985 a 1996. A obra mostra que as políticas para a educação pública são resultantes das imposições das instituições internacionais, especialmente do Banco Mundial, não somente nas questões financeiras, mas também no gerenciamento e manipulação, com o consentimento dos governos. A partir do consentimento do governo federal e das elites dirigentes nacionais, o Banco Mundial trabalha na regulação direta e constante das políticas da educação básica pública brasileira, que estão afinadas com as políticas de modelo neoliberal de desenvolvimento econômico, comprimindo os direitos sociais.
As seguintes perguntas nortearam seu trabalho: quais foram as políticas para a educação básica publica elaboradas entre 1985 e 1996? Que concepções de educação estão subjacentes às políticas e estratégias do Banco Mundial? Em que medida a intervenção externa vem sendo materializada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9.394/96 e nas normas complementares que dão forma ao que se pode considerar um modelo de educação de concepção liberal conservadora? Quais as forças político-econômicas que mediaram as relações entre Brasil e Banco Mundial, no que se refere às políticas para a educação básica pública? Para responder a essas perguntas a autora recorreu a vários autores marxistas e autores que procuram compreender criticamente as políticas econômicas de ajuste estrutural, que se desenvolveram nos anos 70 e 80, e passaram a ser hegemônicas na América Latina nos anos 90. Pesquisas documentais realizadas no México, no Chile e em Brasília, em subsedes do Banco Mundial e outras instituições, utilizou a metodologia histórica dialética para compreender o fenômeno educacional.
A autora é graduada em história pela Universidade estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, Campus de Franca. Foi professora da rede estadual paulista de campinas entre 1986 a 1993. Fez metrado e doutorado pela Faculdade de educação da Unicamp. É professora da Unesp e membro do grupo de pesquisa “Formação de professores, políticas públicas e espaço escolar”, do departamento de educação da Unesp, campus Presidente Prudente. Intervenção e Consentimento: A política educacional do Banco Mundial foi publicado pela Fapesp em 2002, tem 224 páginas, e é composto por prefácio, introdução, listagem de siglas, considerações finais, bibliografia e todo o corpo escrito, desenvolvendo a temática proposta. A obra é dividida em apenas três capítulos, mas em cada um deles são apresentados tópicos que descrevem o seu conteúdo. No capítulo 1 temos três tópicos, no capítulo 2 temos quatro tópicos, e no capítulo 3, temos sete tópicos.
Na introdução, a autora responde resumidamente às questões centrais do trabalho a partir de sua pesquisa documental, apontando que as mediações políticas efetivadas entre o Estado brasileiro e o Banco Mundial foram construídas, acima de tudo visando a acumulação do capital e o favorecimento dos princípios do mercado, prejudicando as instituições nacionais, especialmente aquelas de amparo social e de proteção aos trabalhadores.
O capítulo um, "A intervenção das instituições financeiras internacionais na construção da ordem capitalista: o consentimento dos governos latino-americanos" (p. 09-48), apresenta 3 tópicos com os seguintes títulos:
1 - Políticas para o desenvolvimento econômico e social nas décadas de 1980 e 1990.
2 - Da crise da dívida externa aos programas de ajustes estruturais.
3- Hegemonia do governo norte-americano
Nesse capítulo, a autora descreve como surgiu a vinculação do Brasil com o Banco Mundial após a Segunda Guerra Mundial, contando também a história política do Brasil dos anos 70, 80 e 90, a reestruturação do Brasil pela opção liberal, conservadora, e o combate às medidas de bem-estar social. Apresenta o contexto histórico desde 1944, a união de representantes de 44 países que estabelecem a direção política externa dos EUA em relação aos países da América Latina e traçam o desenvolvimento econômico para a região. A partir daí elaboraram projetos condutores de desenvolvimento para os Estados capitalistas periféricos. A autora afirma como as instituições financeiras internacionais constituem poderosas burocracias internacionais na conferência de Bretton Woods.
O Banco Mundial assume as direções das políticas macroeconômicas e estabelece reformas institucionais. Assim ocorreu o monitoramento de gestores antissociais e antidemocráticos, financeiramente dispendioso para os países devedores. O Banco Mundial e o FMI monitoram as economias dos Estados da América Latina. Em 1946, o governo brasileiro começou a se relacionar com o Banco Mundial devido ao primeiro empréstimo, no valor de 75 milhões de dólares. A autora descreve o déficit fiscal crônico e poupança interna insuficiente; o cenário mundial de restauração liberal; o início da doutrina neoliberal no País e o discurso ideológico de que os países periféricos não conseguem oferecer uma educação de qualidade sozinhos; dez medidas políticas; decisões unilaterais nos anos 70; valorização do dólar (superioridade bélica, combate às ideias comunistas); descreve também como o contexto em que os Estados Unidos se afirmam como inteligência mundial desde 1979, devido à obtenção do domínio tecnológico.
Segundo a autora, visto que hierarquizaram os adversários, determinaram critérios para financiamentos, e impuseram aos Estados da América Latina os ajustes estruturais e setoriais. Ela descreve também como a conjuntura histórica internacional das décadas de 1960 e 1970 permitiu ao Banco mundial assumir o controle da divisão internacional do conhecimento e do trabalho, definir quais seriam os países produtores de ciência e tecnologia e restringir as políticas educacionais dos países da África e da América Latina a educação primária e formação profissional rudimentar. A partir dos anos 70 a difusão da teoria do capital humano de T. W. Schultz, expressando o valor econômico da educação, os governos nacionais e as instituições financeiras internacionais passaram a concebê-la como parte intrínseca do projeto de desenvolvimento econômico.
Essa lógica coloca a educação pública como bem econômico que deve responder, da mesma forma que uma mercadoria, à lei da oferta e da demanda. Mercadoria de exploração mercantil dos empresários, a educação pública passou a ser submetida à lógica da produtividade e competitividade, favorecendo o deslocamento do debate do eixo da educação para ser manipulado no terreno dos valores econômicos.
O capítulo 2, “Política educacional do Banco Mundial entre 1970 e 1996” (p. 49-114), é composto pelos seguintes tópicos:
1. A intervenção e a estrutura política ideológica e organizacional:
2. Educação pública: políticas e estratégias do Banco Mundial
2.1- Anos 1970: políticas de contenção de financiamento
2.2- Anos 1980: políticas educacionais e políticas de desenvolvimento.
2.3- Anos 1990: mudanças nas políticas educacionais do Banco Mundial
3. A intervenção do Banco Mundial na educação pública
4. A atuação do Banco Mundial na formulação de políticas e projetos para a educação pública.
Nesse capítulo encontramos explicações a respeito do Banco Mundial, a sua composição, quando foi criado, a função dele e que tipos de investimentos ele realiza. E como o banco realiza hoje a sua ampliação nas formulações de políticas e estratégias, sob o manto de processos de cooperação técnica e financeira com os países devedores. O marco da mudança no eixo político-econômico mundial e a afirmação da hegemonia do centro financeiro de Wall Street foi o final da conferência de Breton Woods, em 1944.
O capítulo traz um panorama da década de 1970 e contextualiza o que havia ocorrido nos anos 60. Fala das leis e expansões mundiais na educação; as diferenças ressaltadas pelo Banco nas políticas educacionais para o setor moderno urbano e o setor agrícola–rural; governos autoritários na América Latina e a organização dos sistemas educacionais, revelando a perversidade da política de equilíbrio forçado entre a formação escolar e a formação para o trabalho; desvios que foram alternativas encontradas para os controles dentro da desordem autoritária nas décadas de 60 e 70. A autora descreve o contexto e as características políticas assumidas em cada década. Desde 1970 o Banco Mundial promulga políticas para educação pública como eixo do caráter distributivista-contencionista expresso no disciplinamento rígido para investimentos no setor público.
A incapacidade dos países latino-americanos de pagamentos da dívida externa em meados dos anos 80 permitiu que o Banco Mundial, instituição voltada para assistência técnica e cooperação financeira, assumisse também a tarefa de formular políticas para educação, subordinando-a à racionalidade dos procedimentos econômicos. Na década de 80 as políticas imperaram com característica contencionista –reformista. A descentralização proposta pelo Banco Mundial, que preconiza a participação familiar devido ao aumento do ensino privado, restringe-se ao envolvimento financeiro para aumentar a receita da empresa educativa.
Nesse capítulo a autora relata, através de outras pesquisas, como os países que aceitaram as intervenções do Banco Mundial não modificaram sua situação para um avanço e progresso nas políticas sociais. Pelo contrário, estão piores do que antes dos empréstimos. Apresenta também as mudanças jurídicas, partidárias e financeiras feitas nos Estados para as intervenções do Banco Mundial em relação às políticas; os programas de educação a distância e a transposição do padrão fabril de produção de mercadorias para a organização e funcionamento da educação pública, políticas governamentais que estão sendo implementadas em todo o País sem resistências.
A autora descreve como ocorreu a aproximação entre a equipe do Banco Mundial e o governo brasileiro. Uma parcela de intelectuais que estiveram trabalhando no interior da sede do Banco Mundial, em seguida, foi indicada para ocupar cargos na equipe ministerial de educação. A autora afirma que isso ocorreu durante o governo de Fernando Collor de Mello, que aderiu aos postulados neoliberais prescritos no consenso de Washington.
São relatados na obra o sigilo das cláusulas contratuais exigidas pelo Banco Mundial e a verticalidade e autoritarismo das relações, privando a sociedade brasileira dos princípios da democracia, que seriam a transparência, diálogo e justiça social. Afirma também os objetivos para a educação primária e mostra por que a escolha da educação primária. As razões da baixa qualidade e ineficiência da educação apontados pelo Banco Mundial, a falta do livro didático, baixa capacidade de gestão, insuficiente formação dos professores e muitas outras razões são denunciadas, mas não sem propósito, pois a instituição aproveita para inserir suas políticas e ideologias.
No terceiro capitulo, "O consentimento do governo federal e das elites dirigentes", (p.115-199), temos os seguintes tópicos:
1. A construção das mediações: políticas e intervenção e política de consentimento.
2. A nova república: o consentimento do governo federal e das elites dirigentes
2.1 - A estratégia reformista no Governo Sarney (1985-1989)
2.2 - O consentimento de Fernando Collor de Melo (1990-1992)
2.3 - O compasso do consentimento no governo Itamar Franco (1992-1994)
3. O consentimento político nas políticas educacionais.
4. Processos de incorporação na educação básica pública
4.1 - Estratégias incorporadas na educação infantil
4.2 - Políticas para o ensino fundamental
4.3 - Políticas para o ensino médio
4.4 - Políticas para educação de jovens e adultos.
5. Desencontros e tensões na formação dos profissionais da educação.
6. A incorporação no financiamento da educação básica pública
7. O consentimento pela via dos planos nacionais de educação.
Nesse capítulo, a autora analisa a constituição da sociedade brasileira e as estruturas jurídicas constitucionais e administrativas, edificadas desde o império, e que foram permeadas por um conjunto complexo de interesses das forças dirigentes e hereditárias, que se reproduziram como clientelismos, casuísmos e corporativismos, alocados no interior do aparato governamental em distintos períodos históricos. As elites dirigentes conservadoras, pela capacidade de adaptação e pela unidade em torno de seus interesses comuns, perpetuaram-se no poder nas três instancias políticas. O Brasil foi constituído sobre dois princípios: o da dominação e o corporativismo político partidário.
O capítulo percorre as políticas econômicas desde Vargas até o período da Ditadura Militar. Fala sobre o período da chamada "Nova República", iniciado em 1985, apresentando uma herança imperial. Descreve o Estado nacional desenvolvimentista e sua configuração híbrida que permitiu vários cargos. Enfatiza o conhecimento e entendimento que os dirigentes brasileiros tiveram para o consentimento construído pelas elites conservadoras em defesa das políticas de ajuste estrutural e das reformas institucionais impostas pelo consenso de Washington, no período de 85 a 96, acompanhado pelo cenário mundial, instaurando outra ordem capitalista nas políticas liberais.
A partir de documentos do Banco Mundial, apresenta as propostas para a educação infantil e descreve que essa não estava contemplada nas políticas do Banco Mundial, pois não oferecia retorno lucrativos e não atenderia interesses do mercado. A prioridade seria apenas o ensino fundamental. As propostas para o ensino fundamental seria incentivo a aprender a competir, saber os valores do mercado, naturalizar as desigualdades e incitar o individualismo e o consumo. Em relação ao ensino médio as ações implementadas buscam desmobilizar e desqualificar esse ensino, primeiramente através da limitação na oferta, que não alcançou a todos, e através de políticas corporativistas e utilitárias. A educação de jovens e adultos ficou a cargo dos municípios, ou seja, foi retirado o direito dos proventos financeiros do Fundef.
A formação do professor e a capacitação ao serviço vivenciam uma realidade muito mais dinâmica e veloz que exige reflexão. A classe econômica desfavorecida ingressa em cursos geralmente noturnos e em licenciaturas. De maneira geral, esses cursos não exigem muitos pré-requisitos. O ensino se torna menos reflexivo e gera a lógica excludente e índices elevados de reprovação. Os caminhos para a formação e qualificação dos professores está longe das medidas técnicas ditadas pelo ministério da educação. Nas últimas páginas da obra a autora analisa o consentimento político na formulação dos planos nacionais de educação do Brasil. Nas considerações finais, a autora propõe alternativas, como o orçamento participativo, instâncias de discussão democrática na sociedade civil, como os fóruns de educação, profissionalização de funcionários, formação de professores, educação de jovens e de adultos, etc.
A leitura dessa obra é indicada a todos os professores e pessoas envolvidas direta ou indiretamente com a educação neste País. É importante destacar que essa obra contribui para a formação de professores de todos dos níveis: fundamental, médio e superior. Fala sobre as políticas educacionais, uma vez que apresenta o contexto quanto das mudanças e reformas nos currículos e leis, e mais ainda os infelizes e reais objetivos. É um tanto quanto estarrecedora a leitura desse livro, que promove no mínimo duas reações no leitor: melancolia e desconfiança.
Melancolia pela realidade em que se encontra a educação brasileira, mas não desesperança, como aponta a obra em alguns momentos. Acredito que o consentimento pode ser abalado quando tivermos a consciência da democracia. Essa obra de alto nível é um início para isso. E desconfiança em relação às políticas sociais obtidas nos últimos anos, se realmente foram frutos de movimentos, memória e necessidades de um povo. Essa desconfiança gera dúvidas preciosas e a postura de pesquisa e investigação.
Referência
SILVA, M. A. Intervenção e consentimento: a política educacional do Banco Mundial. Campinas, SP. Autores Associados, São Paulo: Fapesp, 2002. 224 p.
Ligação alternative
http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/download/381/602 (pdf)
Artigo relacionado
[Artigo corrigido , vol1. 3, 274-278] http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/view/381/602