Recepção: 31 Julho 2018
Aprovação: 15 Dezembro 2018
DOI: https://doi.org/10.26895/geosaberes.v10i20.697
Resumo: Na constituição do atual território do estado do Paraná houveram vários momentos históricos de grande relevância, os quais desencadearam sucessivos processos de des(re)territorialização. Uma das passagens históricas, que por vezes fica negligenciada nos documentos oficiais, é aquela que conta as relações no âmbito das missões jesuíticas que existiram no território, e que envolveram múltiplos sujeitos. O presente artigo tem como intuito discutir a construção de territorialidades no âmbito das missões jesuíticas no estado do Paraná, a partir de base teórica e de pesquisas em campo. Os vários momentos históricos tiveram sua importância na constituição de um território rico em culturas, produto da confluência entre os povos, constituído a partir dos processos de des(re)territorialização que existiram, e que continuam permanentemente ocorrendo.
Palavras-chave: Paraná, Missões Jesuítas, Reduções, Indígenas, Territorialidades.
Abstract: In the constitution of the present territory of the state of Paraná there were several historical moments of great relevance, which triggered successive processes of des(re)territorialization. One of the historical passages, which is sometimes neglected in the official documents, is the one that tells the relationships in the Jesuit missions that existed in the territory, and which involved multiple subjects. The purpose of this article is to discuss the construction of territorialities within Jesuit missions in the state of Paraná, based on theoretical and field research. The various historical moments had their importance in the constitution of a territory rich in cultures, product of the confluence between the peoples, constituted from the processes of des(re)territorialization that existed, and which continue to occur permanently.
Keywords: Paraná, Jesuit Missions, Reductions, Indigenous people, Territorialities.
Resumen: En la constitución del actual territorio del estado de Paraná hubo varios momentos históricos de gran relevancia, los cuales desencadenaron sucesivos procesos de des(re)territorialización. Uno de los pasajes históricos, que a veces se descuida en los documentos oficiales, es aquella que cuenta las relaciones en el ámbito de las misiones jesuíticas que existieron en el territorio, y que involucrar a múltiples sujetos. El presente artículo tiene como propósito discutir la construcción de territorialidades en el ámbito de las misiones jesuíticas en el estado de Paraná, a partir de base teórica y de investigaciones en campo. Los diversos momentos históricos tuvieron su importancia en la constitución de un territorio rico en culturas, producto de la confluencia entre los pueblos, constituido a partir de los procesos de des(re)territorialización que existieron, y que continúan permanentemente ocurriendo.
Palabras clave: Paraná, Misiones Jesuitas, Reducciones, Indígena, Territorialidad.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como base um resgate sobre a questão indígena no estado do Paraná, especificamente no que tange a presença das missões jesuíticas neste. A presença dos jesuítas é uma parte da história paranaense que por vezes acaba sendo negligenciada nas referências oficiais, talvez até mesmo como uma tentativa de minimizar a importância dos grupos indígenas que já habitavam a região do atual estado do Paraná antes da chegada dos europeus. Os acontecimentos quando do contato entre padres jesuítas e os povos nativos, com a constituição das reduções jesuíticas por meio das ações missioneiras, são importantes momentos na formação das territorialidades do que viria a ser um dos estados oficialmente delimitados no Brasil. Nas entrelinhas da construção das territorialidades das missões jesuíticas, se relacionam múltiplos atores, dentre eles as duas Coroas (portuguesa e espanhola), grupos indígenas da região, bandeirantes, encomendeiros, padres da ordem jesuíta, etc.
Na tentativa de promover a evangelização dos povos indígenas, bem como de inseri-los em uma lógica de produção, os padres da ordem jesuíta, oriundos da Companhia de Jesus, desenvolveram várias ações junto aos sujeitos que encontraram nas terras sul-americanas, reunindo-os no âmbito das reduções, criando vilas e povoados, implantando novas relações sociais nestes espaços. Os indígenas que antes tinham uma organização comunitária própria, em conformidade com seus preceitos e tradições, passaram a ser inseridos em um modelo ainda desconhecido para estes até aquele momento. Com isso, passaram por um profundo processo de des(re)territorialização. Ao mesmo tempo em que criam novas territorialidades, desta vez pautadas em uma conversão de costumes segundo as premissas da cultura europeia, especialmente quanto a questão religiosa (cristianismo) e ao trabalho (labor com a finalidade de acumulação), desterritorializam-se aos poucos daquilo que o explorador considera como imoral (festividades, divindades). No entanto, esse processo não se estabelece em definitivo, já que nenhuma desterritorialização acontece sem um novo processo reterritorializante.
O presente artigo foi desenvolvido a partir de estudos teóricos em referenciais bibliográficos que abordam a questão de forma mais ou menos direta, como autores regionais que estudam a formação do estado do Paraná, bem como outros que realizam seus trabalhos sob um viés da compreensão da organização dos povos indígenas. Conjuntamente, foram realizados trabalhos em campo para conhecimento da história das missões jesuíticas no estado do Paraná, com visitação em museus como o localizado no Parque Estadual de Vila Rica do Espírito Santo em Fênix, o Ecomuseu de Itaipu em Foz do Iguaçu, o Museu Paranaense no Paraná. Houve ainda uma visitação ao Parque Estadual de Vila Rica do Espírito Santo, especialmente nas trilhas preservadas nestes, região na qual estão as ruínas da antiga cidade espanhola de Villa Rica del Espiritu Santu.
TERRITORIALIDADES NAS MISSÕES JESUÍTAS DO PARANÁ
Historicamente a presença de grupos indígenas no território que compreende o atual Estado do Paraná tem sofrido uma tentativa de diluição por meio dos discursos de grupos hegemônicos em favor de uma naturalização da ocupação dos europeus no território sul-americano. Há, neste sentido, uma tentativa de esquecimento quanto aos acontecimentos que marcaram a constituição dos limites territoriais atuais, relevando a figura do desbravador ao papel de agente responsável pelo desenvolvimento, portador das diretrizes para constituição de um modelo de civilização eurocêntrica. Entretanto, a história mostra que conflitos e confluências foram os responsáveis pela formação do recorte territorial denominado na atualidade como Paraná e, dentre estes acontecimentos, o fenômeno das missões jesuíticas possui papel fundamental, enquanto fenômeno responsável pelo processo de des(re)territorialização de grupos específicos, no caso representados por indígenas, em especial da matriz guarani.
O atual Estado do Paraná foi ocupado ao longo do tempo pelos diversos grupos de imigrantes que vieram de partes diversas do mundo , dentre os quais estão os grupos indígenas advindos de várias partes da América do Sul.
Partindo da premissa que o atual território do Estado do Paraná não possui população autóctone, pode-se afirmar que todos que participaram do processo de ocupação da região são imigrantes, a começar pelos pré- ceramistas e pré-colombianos, ou seja, as famílias linguísticas Jê e Tupi-Guarani (LAZIER, 2003, p. 89).
Portanto, conforme citado, os índios presentes no Paraná pertenciam a dois grandes grupos culturais, sendo eles os da família Tupi-Guarani, divididos em diversas tribos, e os da família dos Jês (WACHOWICZ, 2010). Quanto a estes, o primeiro grupo compunha-se a partir das matrizes Guaranis e Xetás, enquanto o segundo a partir dos Kaingángs e Botocudos ou Xokléngs, sendo que estes agrupamentos eram subdivididos conforme a matriz linguística predominante. Cabe destacar, segundo Wachowicz (2010), que existe uma lacuna a respeito dos estudos acerca da pré-história paranaense, o que denota a dificuldade de definição da localização precisa das tribos que ocupavam o território, o que gera confusões acerca da delimitação destas, por conta dos deslocamentos que estes grupos efetuavam, sendo povos seminômades.
Os referidos grupos também podem ser divididos segundo uma delimitação que os denomina enquanto indígenas de “floresta tropical”, no qual os tupi-guarani estão incluídos, sendo indivíduos com maiores habilidades técnicas e mais facilmente relacionáveis. E o grupo “marginal”, o qual era caracterizado principalmente por índios Jês, os quais no contexto com os colonizadores, mostraram-se portadores de técnicas mais rudimentares e pouco receptíveis ao contato com os alheios. Enquanto os guaranis já detinham conhecimentos cerâmicos com qualidade e em quantidade superior, os Jês ainda apresentavam uma cerâmica e uma agricultura muito precárias.
Dentre os principais indícios dos avanços técnicos dos guaranis estão os artefatos que estes produziam, como “cestas e peças variadas, com fibras e taquaras. [Utilizaram-se] do algodão nativo para fazerem fio, com o qual realizavam magníficos trabalhos de tecelagem, dos quais destacam-se a rede de embalar” (WACHOWICH, 2010, p. 15). Além disso, o domínio da técnica para extração da enzima venenosa contida na mandioca (dihidrocianídrico) foi um grande avanço, uma vez que possibilitou uma alimentação mais completa aos indígenas, especialmente com base na fabricação da farinha. Devido a esse desenvolvimento superior dos grupos guaranis, os exploradores tiveram maior facilidade de contato com estes.
No atual Estado do Paraná, a ocupação das frentes europeias de exploração ocorreu por duas vias distintas, uma espanhola pelo Oeste do Estado, outra portuguesa pelo Leste, correspondendo à possiblidade de intervenção cedida por cada uma das coroas frente ao Tratado de Tordesilhas. Tendo o litoral atlântico como ponto de partida das investidas exploratórias naquele território, o bandeirante Aleixo Garcia foi o primeiro que consta nos relatos históricos como desbravador das terras que atualmente compõem o Paraná. O segundo nome amplamente referenciado como significativo desbravador destas terras foi Dom Álvar Nuñes Cabeza de Vaca, o qual percorrendo a região desde a ilha de Santa Catarina até Asunción, simbolicamente tomou posse do território em nome da coroa espanhola, criando naquele contexto cidades e reduções.
Dentre os territórios de maior relevância constituídos naquele contexto está a Província do Guairá, a qual correspondia ao território paranaense quase que em sua totalidade. A Província do Guairá foi inicialmente chamada de Província de Vera, e era densamente habitada por indígenas da matriz tupi-guarani, desde os rios Paraná, Paranapanema, Tibagi e Iguaçu (WACHOWICZ, 2010). Quanto às condições físicas do território do Guairá, Schallenberger (1998) analisa que existiam solos bastante férteis, florestas de tipo subtropical, rios de ampla abundância, clima e distribuição de chuvas propícios aos cultivares, o que era um fator atrativo aos guaranis, uma vez que já praticavam a agricultura, ainda que de forma relativamente rudimentar.
É relevante, no entanto, destacar que antes da unificação das coroas espanhola e portuguesa, fato este que ocorreu entre 1580 e 1640, a região do Guairá não possuía representatividade estratégia aos interesses de expansão colonial portugueses, os quais estavam voltados principalmente à expansão da indústria açucareira na região nordeste e no litoral do sudeste brasileiro. Na região do Guairá, uma das principais atividades econômicas foi o cultivo de erva-mate, a qual era praticada por meio do trabalho indígena. Aliou-se a isso a intenção da colônia espanhola de ocupar e desenvolver o território, tendo em vista evitar invasões por parte dos portugueses, em terras supostamente desabitadas.
A busca de rotas de conexão para fortalecer as relações internas entre os núcleos da colonização, o propósito de fazer circular bens e produtos e a possiblidade de integrar os nativos como força de trabalho, para fomentar a produção colonial, representaram, de forma velada, possibilidades de fortalecimento da dinâmica interna do colonialismo (SCHALLENBERGER, 2010, p. 35).
Neste sentido, o Guairá foi um local estratégico para atingir aos fins do projeto colonial, uma vez que representava um ambiente abundante em recursos naturais, mas também em potencial humano apto ao trabalho, configurado na imagem dos guaranis.
Antes da chegada dos europeus, os indígenas se caracterizavam enquanto povos seminômades, ou seja, que migravam quando havia escassez de alimentos ou de recursos naturais. Além disso, viviam em um sistema de tribos, conforme afinidades linguísticas ou de costumes, convivendo em pequenas povoações. Como comumente ocorre nos grupos tribais, possuíam um líder ao qual todos deviam obediência, sendo que este representava a liderança organizacional, na figura do cacique. Além de uma liderança espiritual, configurada na imagem do pajé ou xamã. Cabe destacar ainda que antes do contato com os europeus, os indígenas praticavam a poligamia, ou seja, a possiblidade de casamento com mais de uma mulher da mesma tribo. A divisão do trabalho era elaborada a partir dos gêneros, de modo que as mulheres cuidavam dos afazeres domésticos, dentre eles o cultivo, e da criação dos filhos, enquanto os homens eram pescadores, caçadores e guerreiros (SCHALLENBERGER, 1998). Deste modo, nota-se que havia um sistema de organização social das aldeias, regido por normas culturais próprias, e que variavam em conformidade com o grupo indígena.
Com a chegada dos espanhóis na região do Guairá projeta-se articular a ocupação e desenvolvimento do território a partir do uso da mão-de-obra destes indígenas, enquanto sujeitos conhecedores das especificidades físicas do território, bem como em quantidade suficientemente grande para suprir as necessidades do projeto colonizador. Sobre essa intervenção, Schallenberger (1998, p. 18) analisa que:
A incorporação do índio no processo de colonização do Prata e do Guairá, especificamente, dar-se-ia pelo “sistema de encomienda”. Por este sistema os colonos espanhóis poderiam se valer do trabalho indígena de forma temporária, mediante a sua introdução na fé católica e nas práticas culturais da sociedade colonizadora.
Assim, tem-se um primeiro momento de desterritorialização, quando por meios coercitivos o indígena percebe-se diante de uma configuração religiosa que até então era desconhecida, mas que, aos poucos vai sendo incorporada em sua cotidianidade. Como forma de coerção é inserido no imaginário do índio a imagem do bem e do mal, representados por um deus europeizado a partir da religião cristã e um demônio conformado na figura do punidor. Deste modo, inculcando estas representações na vida dos indígenas, obteve-se obediência e reverência. Certamente que essa intervenção sobre a configuração das aldeias causou uma desestabilização, bem como inúmeros conflitos, especialmente no âmbito de uma disputa territorial no campo simbólico.
As encomiendas foram o sistema pelo qual os indígenas pagavam pela promessa de proteção representada pela coroa espanhola, muito embora os encomendeiros acabavam por escravizar os indígenas. Havia um outro risco associado, representado pelos bandeirantes paulistas, os quais capturavam indígenas para servir como mão-de-obra escrava na colônia portuguesa. Assim, as missões jesuíticas serviram como meio de concentrar os índios em um local específico, com a finalidade de “frear o colonialismo interno, evitar a alteridade possível decorrente da miscigenação e firmar as bases da Igreja e do Estado pela conversão e pelo assentamento indígena (GREGORY; SCHALLENBERGER, 2008, p. 75). Assim, a opção pela fixação de povoados missioneiros no Guairá serviria para que os propósitos da coroa e da igreja fossem atingidos.
Deste modo, optou-se pelo sistema reducional no território do Guairá, sistema este pautado na constituição de clarões na mata, relativamente urbanizados, nos quais eram delimitados, a partir das crenças cristãs, os conceitos de bem e de mal, devendo os indígenas seguirem esta configuração social. A mata caracterizava-se enquanto ambiente perigoso, no qual os índios ficavam à mercê das investidas dos bandeirantes, correndo o risco de serem pegos para trabalhos forçados. A redução, era, portanto, o espaço do bem, no qual havia, supostamente, segurança garantida pelos padres jesuítas (STERLING, 2006).
Os padres, designados a partir da Companhia de Jesus, fundada por Inácio de Loyola, eram os responsáveis pela manutenção do ordenamento nas reduções, criando uma nova configuração territorial, pautada em uma relação de poder físico e moral. Os conflitos se estabeleciam de modo que “os índios ofereciam uma dupla resistência ao trabalho missionário: por um lado, desconfiavam tratar-se de uma nova estratégia de dominação dos brancos e, por outro, através da ação de seus líderes messiânicos, contestavam a liderança dos padres” (SCHALLENBERGER, 1998, p. 22).
Para que as reduções pudessem ser efetivamente constituídas, os padres utilizaram-se da influência que os caciques possuíam junto aos índios, porém destituindo, pouco a pouco, a figura dos pajés, enquanto “guardiões da tradição e da transmissão de mitos e crenças que davam coesão aos grupos tribais guaranis” (SCHALLENBERGER, 2007, p. 37). Assim, configura-se um novo processo de desterritorialização, representado pela perda do domínio de sua origem cultural em um verdadeiro processo de apagamento das memórias, uma vez que os pajés eram as figuras responsáveis pelo repasse dos conhecimentos acumulados ao longo das gerações. Esse processo de perda territorial é pautado na desconstrução simbólica que ocorreu constantemente no âmbito das reduções, não aculturando, mas reconfigurando os elementos culturais que eram próprios dos grupos indígenas antes da chegada dos europeus.
Alguns elementos foram relevantes na constituição das reduções, como a manutenção de alguns hábitos dos indígenas, com a finalidade de reduzir os conflitos. Assim, para construir um espaço missioneiro, optava-se por locais que fossem nas proximidades de cursos d’água, permitindo que os índios mantivessem seus hábitos de higiene, como os banhos diários. Além disso, a noção de propriedade familiar foi mantida, configurada na noção de amambaé, ou seja, relativos à subsistência da família, enquanto entidade singular. E ainda a noção de propriedade coletiva, representada pelo tupambaé, ou seja, os encargos tributários cobrados pela coroa, a manutenção dos momentos de cultos – logicamente diferentes dos rituais exclusivamente indígenas –, a atenção dos mais necessitados, na figura dos pobres, das viúvas e das crianças órfãs (SCHALLENBERGER, 1998). Dentre os elementos que foram recriminados pelos padres jesuítas estão a poligamia, a antropofagia, bem como a proibição da inserção do uso da moeda. Estas medidas visavam aproximar os índios das bases do cristianismo, e ainda, evitar que ficassem gananciosos.
As reduções foram, portanto, territórios de ambiguidade, uma vez que se “buscavam salvar o índio do serviço pessoal que o consumia [...] foram responsáveis, também, pela destruição do espaço humano e social destes mesmos índios” (SCHALLENBERGER, 1998, p. 23). Assim, forçados pelas circunstâncias, os indígenas viram os elementos de sua cultura dissolvidos em meio à cultura do “civilizador”, obrigados a aceitar uma religião desconhecida, um deus estranho, e hábitos que foram impostos por meio de ações violentas contra o físico e a moral. “A coesão social e a organização das reduções como um espaço de liberdade para o índio e um campo missional para o jesuíta requereram a interação de elementos culturais e dependeram da eliminação dos conflitos internos” (SCHALLENBERGER, 1998, p. 28). Assim, não apenas os indígenas tiveram que se adequar aos padrões jesuíticos, mas os padres também se viram forçados a compreender a cultura indígena e, aos poucos, ir transformando-a conforme os padrões cristãos.
Além da construção das reduções no espaço missioneiro do Guairá, foram constituídas também cidades por meio da autorização da coroa espanhola. Destas cidades, a primeira a ser fundada foi Ontiveros, no ano de 1554, a qual estava, supostamente, localizada na foz do rio São Francisco com o rio Paraná (existem discrepâncias quanto à exata localidade, devido a inexistência de artefatos ou construções que comprovem esta localização, permanecendo apenas os relatos documentais como fontes). Por ter enfrentado rígida resistência dos indígenas que viviam naquelas terras, a cidade foi transferida em 1557 para a margem esquerda da foz do rio Piquiri, recebendo a denominação de Ciudad Real del Guairá (GREGORY, SCHALLENBERGER, 2008). Os sítios urbanos eram construídos a partir do trabalho indígena e levavam em considerações aspectos relativos à mobilidade e recursos naturais.
Por volta de 1570 “é fundada a cidade de Villa Rica del Espiritu Santu, localizada nas proximidades do Rio Tibagi, sendo posteriormente transferida para a região de confluência do Rio Corumbataí com o Rio Ivaí, mais especificamente em 1576” (POLON, 2013, p. 41), tornando-se o ponto de maior importância dentre os centros urbanos da Província do Guairá. Nestas cidades espanholas eram desenvolvidas atividades diversas, como o cultivo de hortaliças, uvas e laranjas. E ainda, “cultivo de milho, do trigo, da mandioca e da criação de animais, era desenvolvido o extrativismo, que tinha na erva-mate o seu produto principal” (GREGORY, SCHALLENBERGER, 2008, p. 64).
Portanto, os povoados eram os locais das negociações do que acontecia no âmbito das missões. Quanto ao ambiente da reprodução da vida dos guaranis, cabe frisar que:
A conquista e a ocupação colonial fragmentaram a territorialidade guarani, o que significa dizer que limitaram a espacialidade que, na diversidade cultural, representava o elemento material central da sua identidade. Houve, portanto uma interferência externa que foi minando os laços que unificavam a cultura, a visão de mundo e as ações dos guaranis (GREGORY, SCHALLENBERGER, 2008, p. 66).
Portanto, entende-se que havia uma territorialidade própria dos grupos guaranis, pautada na organização das aldeias, nas figuras centrais mantenedoras da ordem e dos limites. Quando esse equilíbrio é rompido pela presença dos europeus, esses territórios constituídos em bases históricas e culturais começam a ser transformados, configurados segundo a lógica do explorador. As resistências guaranis não deixaram de ter uma territorialidade, uma vez que o contato não se estabelecia sem o conflito, seja em relação à ação jesuítica, quanto à intervenção da coroa, contra encomendeiros ou bandeirantes. Nesse ambiente de fragmentação territorial, criam-se e intensificam-se, portanto, novas territorialidades, todas pautadas na resistência.
Conforme reflexão de Haesbaert (2011, p. 95) é possível afirmar que “o território, enquanto relações de dominação e apropriação sociedade-espaço, desdobra-se ao longo de um continnum que vai da dominação político-econômica mais ‘concreta’ à apropriação mais subjetiva e/ou ‘cultural-simbólica’”. No espaço missioneiro não foi diferente, pois por meio de relações de poder os padres conquistaram (em parte) a confiança dos indígenas, com promessas de segurança contra as investidas bandeirantes e dos encomendeiros. Ao mesmo tempo, representam também a possiblidade de recursos ilimitados em termos alimentares, uma vez que introduziram técnicas no cultivo de grãos e criação de animais. Para além da questão econômica, as reduções representavam um espaço seguro em termos de manutenção da união das famílias e grupos, mesmo inserindo continuamente aspectos culturais e simbólicos importados de uma cultura diversa. Assim, ao longo da história das missões, foram formadas diversas territorialidades no espaço missioneiro.
As missões foram ambientes de conflito entre os múltiplos atores que as constituíam ou influenciavam. Por um tempo a estratégia missioneira foi viável ao colonialismo, mas cabe frisar que para a coroa espanhola, apesar do incentivo ao trabalho missioneiro, o indígena continuava a ser mera mão-de-obra, um recurso humano apto ao trabalho. O que entrava em conflito com a ação jesuítica, para os quais os índios eram um povo a ser catequisado, libertado de suas práticas erradas frente aos princípios do cristianismo. Há ainda a presença dos colonos, os quais se beneficiavam do trabalho indígena, em muitas ocasiões em um regime praticamente de escravidão. E, como figuras centrais desta trama, encontram-se os índios, os quais destituídos de sua territorialidade original, veem-se obrigados, apesar das resistências que haviam, a migrar com os padres para as áreas missioneiras.
Os conflitos no Guairá se intensificaram com a União Ibérica, em 1580, quando da anexação de Portugal à Espanha, fenômeno que designou todas as colônias portuguesas ao domínio espanhol. Com isso, os bandeirantes paulistas começaram a tornar mais frequentes e violentos os ataques às reduções, com a finalidade principal de prear índios para que servissem de mão-de-obra. Os jesuítas não cederam às investidas, e muitos dos quais tiveram que abandonar as reduções e sair da região.
Dentre as principais bandeiras que adentraram o espaço missioneiro do Guairá está a liderada por Antônio Raposo Tavares (mas houveram outros de destaque, como Manoel Preto, Fernão Dias Paes Leme, etc.), a qual deixou um rastro de destruição a partir do uso de hostilidades bélicas. Para além dos indígenas que foram mortos nos conflitos, vários conseguiram empreender fuga, se embrenhando na mata. Enquanto muitos foram capturados e levados para São Paulo para exercer trabalhos forçados. Estima-se que “em maio de 1629, Raposo Tavares retornava a São Paulo com cerca de 20.000 índios escravizados” (WACHOWICZ, 2010, p. 46). E ainda, possivelmente 12.000 teriam migrado para a Província do Uruguai.
Frente a isso, os indígenas remanescentes ficaram novamente suscetíveis às investidas dos bandeirantes, mas desta vez sem a presença dos jesuítas como forma de proteção. Além disso, as reduções, que eram os territórios da segurança, constituídos a partir do trabalho entre os padres e os índios, locais nos quais foram dispendidos muitos esforços, e que eram a nova territorialidade dos indígenas, estavam destruídas. Era preciso encontrar outras formas de sobrevivência. Neste contexto, é possível notar uma fragmentação do grupo, uma vez que os índios fugiram para locais diversos, se distanciando, por vezes, dos próprios familiares mais próximos.
Diante disso, destituídos de um território, tornava-se necessário estabelecer novos laços territoriais, com a finalidade de fortalecimento dos índios diante da ameaça dos bandeirantes. Esse processo de des(re)territorialização se perpetua desde antes do período das missões até o contexto atual, uma vez que ao serem desterritorializados, os indígenas são reabsorvidos em novas territorialidades, em um processo de reterritorialização permanente. O problema são as marcas históricas e culturais que acabam fragmentadas ou diluídas ao longo deste processo. Um exemplo disso é a linguagem comum dos guaranis, a qual é um forte elemento caracterizador da territorialidade indígena nos dias atuais, apesar de ter sofrido intervenção de vocábulos oriundos da Europa e dos povos com os quais os indígenas tiveram contato posteriormente ao fim das missões.
A primeira grande desterritorialização indígena no contexto das missões foi o estabelecimento de fronteiras, em um viés diverso daquele que representava limites ao indígena em seu território original. Entende-se que a territorialidade propriamente indígena era pautada nas relações com a natureza, mas também com base nas disputas pelo poder entre grupos diferentes. As relações, portanto, constituíam-se em um sistema de “fronteiras vivas” (SCHALLENBERGER, 1998, p. 15), pautadas nas necessidades do grupo.
O território Guarani passa a ter a sua força representativa pelos elementos da natureza, onde expressam seu mundo simbólico e vivido. As relações sociais e culturais dos Guarani expressam uma forte relação “deles” com a natureza, e sugerem-se possíveis entendimentos desta espacialidade marcada por tais povos: Isso até a chegada dos primeiros desbravadores Ibéricos que fazem a desconstrução dessas territorialidades e iniciam novas territorialidades (CURY, 2010, p. 96).
Assim, com a chegada dos europeus “a desterritorialização dos Guarani foi marcada pela influência e fixação cultural que fizeram ocupação e demarcação de fronteiras, ou seja, delimitaram para fins econômicos e políticos um território que lhes interessava” (CURY, 2010, p. 100). Deste modo, delimitando fronteiras com base nos aspectos políticos e econômicos, o que era comum aos europeus, restringe os limites dos índios, os quais deslocavam-se livremente pela natureza de acordo com suas necessidades. Agora, viam-se territorializados aos moldes do europeu. Portanto, seguindo a premissa clássica de Raffestin (1993, p. 144), “o espaço é a ‘prisão original’, o território é a prisão que os homens constroem para si”, assim, os guaranis foram limitados segundo a “prisão” que os europeus lhes destinaram.
Todo movimento de desterritorialização pode ser pensado sob dois vieses, segundo Haesbaert (2011, p. 130), um primeiro caracterizado como “desterritorialização relativa” e outro designado como “desterritorialização absoluta”. No âmbito das missões, é possível se pensar que ambos os processos aconteceram concomitantemente, uma vez que os indígenas desterritorializavam-se de sua cultura original e reterritorializavam-se segundo suas resistências.
Os conflitos nas reduções foram os elementos de resistência territorial indígena, não permitindo que esse processo fosse absoluto, mas sim relativo. Apesar disso, é possível pensar que elementos culturais dos índios foram esquecidos, dissolvidos diante das investidas da cultura europeia, especialmente sob a destituição do papel dos pajés, guardadores das memórias e dos conhecimentos ancestrais. Assim, também pode-se pensar em um processo de desterritorialização absoluta, pela perda de conhecimentos construídos historicamente.
No âmbito das reduções, os indígenas passam por novos processos de des(re)territorialização permanentes, de modo que:
Os vários e dispersos povos começaram a estabelecer-se em unidades maiores – reduções –, onde havia falantes de várias línguas que foram reduzidos a uma geral [guarani] As línguas vernáculas, contestadas pelas autoridades coloniais enquanto gerais uma vez que pretendiam impor o espanhol, representaram importantes instrumentos para infundir a cultura cristã (SCHALLENBERGER, 2007, p. 38).
Assim, era viável que houvesse uma padronização linguística com a finalidade de difundir as crenças cristãs, especialmente em relação ao ensino voltado para as crianças. Na mesma lógica, também era pertinente que o espanhol fosse implantado como língua predominante, pois ao preservarem a linguagem original, os indígenas possuíam condições de comunicação não entendíveis aos padres e demais sujeitos envolvidos nas missões, gerando possiblidades de manifestações e resistências, pautadas na manutenção de uma linguagem apenas relativa aos próprios indígenas.
A inserção da religiosidade entre os índios nas missões foi outra modalidade de desterritorialização, mas também um processo de reterritorialização. “A religiosidade guarani não esteve associada a um corpo doutrinal e não revelava uma fé contida na crença de um ser sobrenatural [...] a religiosidade era expressa no cotidiano, diante de situações e fenômenos naturais que requeriam respostas imediatas” (GREGORY, SCHALLENBERGER, 2008, p. 54). Assim, as divindades eram associadas aos acontecimentos diários dos indígenas, sendo, por exemplo, um período de seca explicado a partir da intervenção das divindades. Assim, o sagrado se manifestava nas relações diárias entre os indígenas e destes com o meio. “A própria natureza se encarrega de anunciar os seus deuses, que se revelam na dádiva ou na privação” (GREGORY, SCHALLENBERGER, 2008, p. 55).
Com a intervenção jesuítica, é apresentado aos indígenas um deus ao qual eles deviam respeito, adorações e temor. Além disso, lhes é inculcada também a imagem do pecado, em conformidade com as práticas consideradas inadequadas pelos padres, pautados nos ensinamentos cristãos. Constituía-se uma forma de des(re)territorialização pautada em uma relação coercitiva, punitiva, sob a qual os índios deveriam viver, em conformidade com um modelo de pureza e castidade.
Um detalhe em especial chama atenção neste sentido, o estranhamento por parte dos caciques em relação ao fato de os padres, enquanto líderes, não terem mulheres. No contexto das aldeias indígenas era comum a poligâmica, em especial em relação aos líderes dos grupos, os quais possuíam muitas mulheres (GREGORY, SCHALLENBERGER, 2008). Era, portanto, uma configuração de poder totalmente diferente daquela a qual os indígenas estavam habituados, representada por hábitos que causavam estranhamento aos indígenas.
Outra questão relativa aos processos de formação de territorialidades diz respeito ao contexto educativo nas missões. Certamente que para os jesuítas foi um desafio contrastar a cultura historicamente constituída pelos indígenas com aquela que estavam buscando implantar, vinculada aos costumes e crenças do cristianismo. Foram desenvolvidas, junto aos índios, expressões artísticas, como a musicalidade, inerente ao processo de evangelização. O momento da educação, coordenado pelos próprios padres, e os sermões, eram os grandes ambientes para o exercício da persuasão, no qual os padres alimentavam os imaginários acerca do bem e do mal, de deus e do diabo.
É relevante pensar nas transformações pelas quais os índios passaram após a destruição das reduções, quando acabam se espalhando por locais diversos, destituídos dos laços territoriais que haviam consolidado no âmbito das missões. Tornava-se necessário, por uma questão de sobrevivência, que novos territórios fossem construídos. Com o esvaziamento da Província do Guairá, foi possível observar que:
Os povos mais atingidos foram os guaranis, tidos como os mais próximos das práticas culturais europeias. Com a desestruturação do território guarani, tanto pelas encomendas, quanto pelas missões e, sobretudo, pelo bandeirantismo, houve um significativo avanço dos povos Gê [Jê] para o interior dos sertões. Merecem destaque os grupos Kaingang e Xókleng (GREGORY, SCHALLENBERGER, 2008, p. 94).
Estes grupos estavam em um processo de expansão territorial, e foram atraídos pelas condições naturais apropriadas ao cultivo, especialmente em relação à horticultura, prática que assimilaram dos guaranis. Diferentemente dos guaranis, estes povos representaram maior resistência à intervenção dos padres nas missões e, não foram preferência para as aproximações devido ao menor desenvolvimento técnico que apresentavam. Como os guaranis tinham conhecimentos mais avançados em várias áreas, e permitiram de forma relativa o contato com os europeus, foram a opção primordial. Sendo, portanto, os que mais sofreram no contexto da destruição das missões. É relevante, no entanto, frisar que os guaranis nunca deixaram totalmente da habitar a região da Província do Guairá, muito embora em número bastante reduzido em comparação com o período antes e durante as missões.
Diante dos processos de des(re)territorializações pelos quais passaram os guaranis no âmbito das missões, é possível afirmar que estes foram os que mais sofreram com os percalços da história, passando por desestabilizações constantes, que acabaram por fragilizar estes sujeitos, apesar das tentativas de resistências. Segundo Sterling (2006, p. 182):
O Guairá nasce para o mundo como fronteira de duas nações linguísticas ocidentais, a espanhola e a portuguesa, interceptadas ou separadas por uma outra nação, os guaranis, inédita para o mundo conhecido. A terra dos guaranis será o saco de pancadas de dois adversários que o batem pelos dois lados. Os guaranis foram sacrificados pelo desentendimento luso-hispânico, passando por cima da intermediação jesuítica. Dentro de uma história que não permite utopias, duas nações históricas acabaram massacrando dois grupos de homens utópicos: Jesuítas e Guaranis. A história do Guairá nasce como fronteira imaginada e morre por ser fronteira imaginária.
Assim, as configurações territoriais que se estabeleceram no contexto das missões não foram suficientes para que uma fronteira concreta fosse estabelecida, uma vez que as fronteiras são fenômenos dinâmicos, esta estava passível de ser reconfigurada a qualquer momento e, assim o foi. Com a delimitação política de uma nova fronteira no território do Guairá, também as territorialidades que se delimitaram dentro deste foram reestabelecidas.
Nesse processo, todos os atores envolvidos sofreram processos de desterritorialização ocasionados pelo contato com culturas alheias, as quais, muitas vezes, os forçavam a abandonar suas próprias culturas. Mas também processos de reterritorialização, de modo que ninguém vive desterritorializado, sendo, portanto, toda desterritorialização uma nova forma de territorializar. Assim, as missões jesuíticas junto aos indígenas no território que compreende hoje o Estado do Paraná, foram processos de intensa dinâmica territorial, imprimindo marcas no espaço que são perceptíveis até os dias atuais, configurados e materializados no espaço geográfico.
Os processos de des(re)territorialização dos guaranis se perpetuam ao longo do tempo, tendo em vista que outros momentos relevantes ocorreram após a destruição das missões jesuíticas, como a colonização das terras do Oeste do Paraná, por exemplo, fenômeno que acabou por expulsar os índios dos territórios que haviam reconstituído. Além disso, ainda no âmbito da região Oeste, a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu foi outro fator relevante para as desterritorializações dos indígenas no contexto contemporâneo, fazendo com que muitos se deslocassem aos outros estados brasileiros, como o Mato Grosso do Sul, ou ainda para o Paraguai. Assim, continuamente os territórios guaranis têm sido reconstruídos ao longo do tempo, como marcas que advém de um momento histórico marcado por confluências e conflitos entre grandes nações, espanhola, portuguesa e guarani.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vários foram os processos de des(re)territorialização que estiveram presentes na formação histórica do território do atual estado do Paraná. Com a chegada dos europeus em terras brasileiras, os vários grupos indígenas que antes viviam segundo seus costumes e organização social, passaram a ser submetidos a um novo sistema de regras e crenças, embora este processo não tenha se estabelecido sem conflitos. Com a finalidade de catequisar dentro de um contexto cristão, e inserir o índio na lógica produtiva dos europeus, os padres jesuítas tiveram um papel fundamental. No entanto, os mesmos padres estiveram na linha de frente quando da defesa dos índios em relação as capturas promovidas pelos bandeirantes, visando a constituição de mão-de-obra na produção. Os indígenas, no entanto, nunca deixaram totalmente seus elementos identitários, mesmo quando submetidos aos castigos físicos e morais. Coexistiram, portanto, novas e velhas crenças, modos de perceber o outro e o meio, formas de relacionar-se.
As missões foram o momento no qual grandes lutas foram travadas neste território, não apenas as que envolviam o sofrimento físico, mas também aquelas menos visíveis, do deixar de crer em algo que fazia todo sentido antes, para acreditar no novo trazido pelos novos habitantes destas terras. Os processos de des(re)territorialização, neste sentido, são uma verdadeira reconstrução do sujeito, não eliminando os elementos que o faziam ser quem era antes, mas incorporando novas concepções. O indígena, neste processo, passa por uma mudança forçada, seja através de coerção ou castigo físico, a aceitar padrões que antes lhe eram desconhecidos, inclusive em relação a uma nova e única divindade. Aprende a se relacionar segundo preceitos europeus, insere-se num sistema produtivo que envolve acumulação e exploração, é visto como recurso disponível na produção, disputado por seu valor comercial. Quando, por fim, destruídas as reduções, vilas e povoados, é novamente lançado de forma precária em uma natureza que já não é mais a de antes, depositado através de medidas governamentais em áreas que não lhe são sagradas e suficientes, e tem sua identidade e seu modo de vida questionados pelos mesmos sujeitos que lhe tiraram o direito de continuar sendo quem eram no passado.
Referências
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