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ABORDAGEM DA PAISAGEM PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL: CAMINHOS PARA UM CURRÍCULO QUE VÁ ALÉM DA GEOGRAFIA TRADICIONAL
LANDSCAPE APPROACH FOR STUDENTS WITH VISUAL DEFICIENCY, PATHWAYS FOR A CURRICULUM THAT GOES BEYOND TRADITIONAL GEOGRAPHY
ENFOQUE DEL PAISAJE PARA ALUMNOS CON DISCAPACIDAD VISUAL, CAMINOS PARA UN CURRÍCULO QUE VAYA DE LA GEOGRAFÍA TRADICIONAL
GEOSABERES: Revista de Estudos Geoeducacionais, vol. 10, núm. 20, pp. 1-12, 2019
Universidade Federal do Ceará

Geosaberes está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-Não Comercial 4.0 Internacional.

Recepção: 09 Setembro 2018

Aprovação: 15 Dezembro 2018

DOI: https://doi.org/10.26895/geosaberes.v10i20.699

Resumo: O presente artigo apresenta o resultado de uma proposta metodológica para trabalhar a categoria paisagem nas aulas de Geografia para alunos com deficiência visual. A pesquisa foi realizada em quatro etapas: entrevista com um profissional do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais (NAPNEE) do Colégio Universitário da Universidade Federal do Maranhão (COLUN), diálogo com um aluno cego; discussão e elaboração da metodologia e por fim aplicação da intervenção pedagógica focada na ferramenta aula de campo, com discussão teórica em autores como Sassaki (2003), Sena e Carmo (2005), Santos e Chiapetti (2014), entre outros. Como resultado se tem a prática metodológica que proporciona experiências no espaço geográfico, discutindo as características da paisagem na percepção do aluno cego, além da reflexão sobre a inclusão desses estudantes nas aulas de geografia.

Palavras-chave: Deficiente Visual, Paisagem, Geografia Escolar, Geografia Tradicional.

Abstract: The present article presents the result of a methodological proposal to work the landscape category in Geography classes for students with visual impairment. The research was carried out in four stages: interview with a professional of the Nucleus of Assistance to People with Special Educational Needs (NAPNEE) of the University College of the Federal University of Maranhão (COLUN), dialogue with a blind student; (SASSAKI, 2003), Sena and Carmo (2005), Santos and Chiapetti (2014), among others. In this paper we present a discussion of the methodology and finally the application of the pedagogical intervention focused on the field teaching tool. As a result, there is the methodological practice that provides experiences in the geographic space, discussing the characteristics of the landscape in the perception of the blind student, besides the reflection on the inclusion of these students in the geography classes.

Keywords: Visual Impairment, Landscape, School Geography, Traditional Geography.

Resumen: El presente artículo presenta el resultado de una propuesta metodológica para trabajar la categoría paisaje en las clases de Geografía para alumnos con discapacidad visual. La encuesta fue realizada en cuatro etapas: entrevista con un profesional del Núcleo de Atención a las Personas con Necesidades Educativas Especiales (NAPNEE) del Colegio Universitario de la Universidad Federal de Maranhão (COLUN), diálogo con un alumno ciego; (por ejemplo, en el caso de las mujeres, en el caso de las mujeres, en el caso de las mujeres). Como resultado se tiene la práctica metodológica que proporciona experiencias en el espacio geográfico, discutiendo las características del paisaje en la percepción del alumno ciego, además de la reflexión sobre la inclusión de esos estudiantes en las clases de geografía.

Palabras clave: Deficiente Visual, Paisaje, Geografía Escolar, Geografía Tradicional.

INTRODUÇÃO

Atualmente, diante das rápidas transformações ocorridas na realidade vivida, o ambiente escolar requer profissionais docentes que possuam a sensibilidade de compreender a realidade do aluno, e a partir deste entendimento elaborar planos e ações para efetivamente construir o conhecimento. Neste sentido o professor deve mais do que nunca atuar como um mediador entre a realidade e a construção dos conhecimentos, reconhecendo as potencialidades e necessidades do aluno para então conduzir a relação ensino-aprendizagem da melhor maneira possível.

A imersão na realidade do educando, muitas vezes, não é uma tarefa simples, quando falamos do ensino especial voltado a indivíduos com limitações visuais, cegos e pessoas com baixa visão. Nesse contexto, a compreensão do que é ser cego não acontece quando fechamos nossos olhos, buscando simular a situação da cegueira, mas sim quando buscamos entender como uma pessoa cega concebe o mundo e como interage com ele por meio dos sentidos remanescentes, principalmente o tato e a audição. (ZUCHERATO, et al. 2012).

O ensino da Geografia para alunos com deficiência visual sem dúvida é um grande desafio, mas que nos últimos anos tem evoluído, posto que a atuação da universidade por meio de pesquisas e de aplicações de metodologias em escolas tem se mostrado importante. É necessário que se tenha consciência que para ensinar Geografia para deficientes visuais, assim como para os alunos ditos “regulares”, a maneira tradicional de ensino oral/escrita deve ser superada, ultrapassando a barreira da verbalização e partir para práticas palpáveis e concretas, como por exemplo: realização de aulas de campo, elaboração de mapas em baixo e alto relevo e utilização da cartografia tátil. Neste momento estaremos de fato entrando em um novo mundo, onde o conhecimento é construído de maneira bastante peculiar, e viabilizando e significando conteúdos para este público.

Nessa perspectiva o presente trabalho trás discussões sobre o ensino de Geografia para alunos com deficiência visual abordando a visão tradicional e novas propostas, objetivando a elaboração e aplicação de uma metodologia de trabalho com a categoria paisagem para esses alunos, essa foi elaborada com auxílio de um profissional do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais (NAPNEE) considerando os alunos cegos do Colégio Universitário da Universidade Federal do Maranhão (COLUN). Apresentando uma alternativa para aulas de Geografia com uso da aula de campo no ensino da paisagem, se comportando como uma ferramenta com possibilidades para os diversos níveis e temáticas, visto que proporciona ao aluno identificar em sua realidade os conhecimentos estudados.

OS DESAFIOS NO ENSINO DE GEOGRAFIA PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL DIANTE DE UMA ÓTICA ATUAL E TRADICIONAL

Entende-se por deficientes visuais, pessoas que apresentam im­pedimento total ou parcial da visão. Especificamente, a deficiência visual diferencia-se em parcial, também denominada visão subnormal ou, mais corretamente, de baixa visão, e cegueira, quando a deficiência visual é total, (SAS­SAKI, 2003). Segundo Sena e Carmo (2005) é considerado cego o indivíduo que apresenta acuidade visual menor que 0,05 no seu melhor olho, sem ajuda de equipamento auxiliar, o que significa que poderá ver a três metros o que um indivíduo sem problemas de visão enxerga a sessenta met­ros. Essa diminuição da visão ou cegueira pode ocorrer por causas congênitas que podem ser adquiridas pré-nascimento ou após o primeiro mês de vida ou ainda pode ter origem hereditária, a diminuição da visão pode ser classificada em leve, moderada, severa, profunda (visão subnormal ou baixa visão) e ausência total da resposta (cegueira).

O Artigo 58 da LDB (Leis de Diretrizes Básicas) assegura que a escola regular disponibilizará apoio especializado para atender às demandas do público-alvo da educação especial. Quando não for possível a integração do aluno nas classes comuns de ensino regular, esse atendimento educacional específico deve ser feito em classes especiais denominadas “Salas de Recursos”. Ainda no artigo 59 da LDB, afirma-se que os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais, currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização peculiar, para atender às suas necessidades.

O ensino de Geografia para deficientes visuais se mostra importante no desenvolvimento da autonomia espacial. Entende-se por autonomia espacial o processo de deslocamento no espaço escolar de modo independente no sentido de ter em mente no pensamento, a consolidação da organização espacial da escola. Desse modo, o aluno com deficiência visual, consegue não somente se deslocar com mais confiança no espaço escolar, bem como no entendimento do seu espaço de vida no geral (ARRUDA et al, 2010).

Esta é uma etapa de grande importância no desenvolvimento cognitivo do sujeito com deficiência visual, pois para que ele consiga compreender as informações geográficas é necessário o desenvolvimento das habilidades tátil-espaciais. Para Tuan (1980, p. 9) “O tato é a experiência direta da resistência, a experiência direta do mundo como um sistema de resistência e de pressões que nos persuadem da existência de uma realidade independente de nossa imaginação”. Nessa perspectiva o conhecimento do espaço de vida do educando seja a escola ou os locais de seu cotidiano não são conhecidos ou entendidos tomando por base somente o sentido visual, mas é acessível por meio do sentir, seja qual for a forma esse sentir possibilita o conhecimento e o aprendizado.

A perspectiva fenomenológica de Tuan (1980) é ainda um desafio frente a visão da Geografia tradicional remetendo sua presença em cenário nacional desde o período colonial, focada no pragmatismo e não possibilitando sua criticidade ou valorização do vivido pelo educando. Essa visão da Geografia embora antiga ainda está presente na atualidade por vezes de forma conjunta com outras proposições como a crítica e a fenomenológica, fato é que os alunos com deficiência visual dentro de uma ótica tradicional têm mais dificuldade de compreender a realidade geográfica, numa visão mais inclusiva esse aluno adquire outras possibilidades quando a Geografia é vinculada a sua vida e dada importância na sua realidade.

Porém é fato que em qualquer que seja a Geografia desenvolvida em sala de aula é preciso haver uma adaptação do conteúdo para que alunos com deficiência visual possam ser contemplados no processo de ensino e aprendizagem. A simples presença física do educando com deficiência visual na escola, não quer dizer que de fato ele esteja incluído, o ambiente tem que estar totalmente adaptado, com total acessibilidade, além de que os professores devem possuir formação adequada e especializada, usando de metodologias de ensino que atendam esses educandos com necessidades especiais. (PERAINO, 2007; EFFGEN; JESUS, 2012 apud VIEIRA; FERRAZ, 2015).

Outra perspectiva que deve ser considerada é a metodologia de avaliação desses alunos tendo a clareza de que sua avaliação não pode ser igual a dos demais, pois seu aprendizado deverá ser baseado conforme seu tempo e ritmo, daí deve ocorrer uma adaptação do currículo para que o aprendizado de todo aluno portador de alguma necessidade especial, seja significativo (HUMMEL; VITALIANO, 2010).

Por vezes esse aluno tem sido avaliado de forma tradicional requerendo do mesmo que apenas reproduza conceitos prontos sem significado com sua vivência, quando não são excluídos da mesma por serem considerados incapazes de responderem aos questionamentos lançados, onde uma visão crítica desse ensino deve ser empregada onde o educador se questiona sobre as formas mais eficazes e inclusivas para o aprendizado do aluno, bem como coloca Gauthier et al. (1998, p. 186) “alguém que sabe o que e porque faz” gerando dessa forma uma aprendizagem significativa.

Um dos maiores desafios quanto à educação inclusiva e mesmo especial se coloca, no caso da Geografia, de como os professores, formados no interior da lógica visual de leitura do mundo, enfrentam o desafio de ter que aprender com seus alunos as formas de como elaborar outros sentidos geográficos, não pautados na visualidade da paisagem e do território e sim no sentir os mesmos (VIEIRA; FERRAZ. 2015).

O ensino de Geografia para tais alunos pode ser um desafio, mas se a sociedade, escola, academia e professores buscarem soluções, novas metodologias isso será transformado. É com esse objetivo que o presente trabalho busca uma nova forma de ensinar a categoria paisagem para o aluno em pesquisa, com o alcance dos devidos resultados da metodologia essa poderá ser expandida a outros alunos e não somente nessa categoria, mas também em outras.

PRÁTICA DE ENSINO DA CATEGORIA PAISAGEM PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL, UMA PROPOSTA PARA O CURRÍCULO DA GEOGRAFIA ESCOLAR

Partindo do ponto da definição do conceito de paisagem tendo em vista o uso recorrente da visão para perceber o espaço, “Tudo aquilo que vemos, o que nossa visão alcança, é a paisagem. Esta pode ser definida como o domínio do visível, aquilo que a vista alcança. Não é formada apenas por volumes, mas também de cores, movimentos, odores, sons, etc”. (SANTOS, 1996, p. 61).

Por muitas vezes a categoria paisagem foi definida como “aquilo que a visão alcança” principalmente na perspectiva tradicional da Geografia escolar, marcada pelo seu caráter decorativo e descritivo, essa visão desde o fim do século XIX e início do XX já vinha sendo criticada por diminuir as potencialidades do conhecimento geográfico nas escolas, Delgado de Carvalho foi um dos primeiros na crítica a essa vertente, vista como mnemônica valorizando unicamente a memorização, tal método não englobaria a ótica onde a verdadeira Geografia objetivaria como estudo a terra sendo habitat do homem, onde o conhecimento da realidade do aluno seria considerado (ROCHA, 1999).

Na perspectiva da paisagem percebida somente como o campo de alcance da visão alguns questionamentos se destacam, será que, para os alunos com deficiência visual, não se poderia falar de paisagem? Por ser um conceito chave da Geografia os alunos cegos teriam enquanto pressuposto inicial, uma lacuna na reflexão sobre uma contribuição singular de pensar geograficamente através da paisagem? Para esses alunos a percepção da paisagem é feita de forma diferenciada, na medida em que possui uma dimensão subjetiva e por isso pode ser aprendida a partir de outros sentidos.

Para isso é necessário que durante o processo educacional sejam estimulados os outros sentidos para que assim possam orientar, organizar e facilitar o desempenho de habilidades e outras capacidades, pois é equivocada a opinião de que a deficiência visual grave ou a ausência total da visão “aguça de maneira inata os demais sentidos. É necessário que exista uma estimulação sistemática adequada, que abranja todas as capacidades”(BUENO, 2003, p. 193). O aluno deve ser levado a situações que permitam o uso desses outros sentidos na educação, quando se trata da paisagem deve-se pensar e elaborar metodologias e recursos que possibilitem a percepção dessa categoria em sua realidade.

A paisagem não é apenas visual, mas dinâmica e carregada de sons, movimentos, odores, valores sociais e culturais, podendo ser compreendida como: “Uma composição mental que resultante de uma seleção e estruturação subjetiva a partir da informação emitida pelo entorno, mediante o qual este se torna compreensível ao homem e orienta suas decisões e comportamentos”. (CAVALCANTE apud ARRUDA et al, 2010, p.06).

Essa afirmativa pode ser comprovada a partir da realização de aulas de campo, onde a experiência vivida por cada aluno com deficiência visual é um fator importantíssimo na sua percepção espacial. Logo a noção de paisagem no ensino de Geografia para esses alunos não é anulada por não poderem usar o sentido da visão. Sobre o uso da aula de campo e suas possibilidades no entendimento de realidades Castrogiovanni; Callai; Kaercher (1999) afirmam que a mesma é:

[...] um rico encaminhamento metodológico para analisar a área de estudo (urbana ou rural), de modo que o aluno poderá diferenciar, por exemplo, paisagem de espaço geográfico. Parte-se de uma realidade local, bem delimitada para se investigar a sua constituição histórica e as comparações com os outros lugares, próximos ou distantes. Assim a aula de campo jamais será apenas um passeio, por que terá importante papel pedagógico no ensino de Geografia (CASTROGIOVANNI; CALLAI; KAERCHER, 1999, p. 99).

O aluno deficiente visual deve assim ser inserido no seu espaço, para que entenda a paisagem ali existente de formas variadas que não se esgotem somente no campo visual, isso quer dizer que “enxergar” o espaço não significa mirá-lo, avistar suas formas. A paisagem é multi-escalar, é construída por outros sentidos que não a visão, nos faz ir além das formas que constituem um determinado espaço. A multisensorialidade então nos permite ver a pluralidade de formas de construção intelectual do espaço, nos possibilita uma reflexão sobre o espaço enquanto um objeto de estudo que tem uma dimensão simbólica conjunta com seu substrato material.

A maneira como o aluno cego percebe o mundo e se relaciona com ele sem dúvida passa pelos demais sentidos, não que os videntes também não utilizam todos os sentidos, mas ver o mundo pelo olfato, pelo paladar, pelo tato, pela audição enfim pelo corpo toma dimensão de um ato visível para uma pessoa cega, pois como Porto (2007, p. 25) afirma “o invisível aos olhos do cego não é invisível a sua sensibilidade, intencionalidade e interioridade”.

Para a realização desse trabalho, visando a elaboração de uma metodologia de ensino da categoria paisagem para alunos com deficiência visual, foi tomado como área de estudo o Colégio Universitário da Universidade Federal do Maranhão (COLUN). Todo o processo do trabalho foi dividido em quatro etapas: a primeira composta por pesquisa e entrevista com representante do colégio; a segunda com realização de uma entrevista com o aluno foco da metodologia (aqui identificado como Aluno com Deficiência Visual – ADV01); a terceira etapa trata das discussões e elaboração da metodologia a ser aplicada e na quarta etapa realizou-se efetivamente a experimentação da metodologia, por meio de uma aula de campo dentro do Campus da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

A primeira etapa da pesquisa buscou realizar um levantamento acerca de toda a estrutura do Colégio Universitário, assim como compreender como o aluno com deficiência visual é contemplado nas aulas de Geografia, principalmente quando se trabalha conteúdos que carecem tradicionalmente de observações visuais, como a categoria paisagem. Para tanto, foi realizada uma entrevista com um servidor da escola, responsável pelo Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais (NAPNEE) e consequentemente pelo acompanhamento dos alunos, especificamente aqueles com deficiência visual, uma vez que ele também tinha tal deficiência, realizando inclusive a função de transcritor braile.

Durante a entrevista foi apresentada a proposta, imediatamente aceita pelo servidor, que informou ainda que a instituição atendia a três alunos com deficiência visual, mas que um deles apresentava uma maior necessidade de conhecer os elementos da paisagem de maneira diferenciada, uma vez que possuía cegueira total. Apesar da escola oferecer o acesso à sala de recursos no contraturno, esta sozinha não é suficiente para suprir as necessidades dos alunos, representando então a metodologia proposta, uma grande oportunidade de aprendizado para tais sujeitos.

Partindo de tais informações foi escolhido o aluno, aqui denominado de ADV01 (cursando o 9ª ano do Ensino Fundamental e com 19 anos de idade), como alvo da metodologia a ser aplicada. Conforme o entrevistado, esse aluno em comparação com os outros dois estudantes cegos da instituição, estava um pouco atrasado no que se refere ao conhecimento de braile, assim como os conhecimentos referentes ao entendimento do espaço geográfico, com isso optou-se por tomar ADV01 como objeto de estudo e da aplicação metodológica.

Diante desse quadro mesmo em uma instituição de ensino que apresenta os recursos e profissionais para educação especial, é perceptível que algumas especificidades de temáticas ou conteúdos ainda evidenciam desafios, como é o caso da categoria paisagem para alunos cegos. Dessa forma, foi discutido em conjunto com o profissional do COLUN uma proposta metodológica de trabalho dessa categoria como uma alternativa para o currículo da disciplina de Geografia, que posteriormente poderia ser adaptada em outras realidades escolares, fugindo assim da simples descrição espacial evidenciada na geografia tradicional.

Como parte da segunda etapa da pesquisa foi realizada uma conversa com o ADV01 (Figura 1), visando entender suas dificuldades em temáticas compostas no conteúdo de geografia, principalmente as relacionadas à categoria paisagem. Na ocasião o aluno declarou gostar de geografia, uma vez que as temáticas lhe agradavam, como: a natureza, árvores e rios; informou ainda não ter grandes oportunidades para conhecer o espaço geográfico no campo em atividades extraclasse, tento suas poucas experiências restritas aos momentos de lazer na praia com sua família.



Figura 1 - Conversa com ADV01 sobre os elementos da pesquisa - 2017
Fonte: Dados dos Autores, 2017. COLUN/São Luís – MA

Depois das informações obtidas na entrevista com o profissional do NAPNEE e na conversa com ADV01 se passou a terceira etapa desse artigo, que trata da elaboração de uma metodologia de trabalho com a categoria paisagem tomando como base as dificuldades compartilhadas pelo aluno e por seu tutor. Considerando o que já foi exposto nesse texto sobre a ótica do conceito de paisagem da geografia tradicional, que exclui o aluno cego ao restringir tal conhecimento à visão, buscou-se uma ação que o incluísse como participante desse saber.

Sendo assim, mediante as dificuldades apresentadas por ADV01 em relação a compreensão da categoria paisagem optou-se pela elaboração de uma aula de campo dentro do campus da UFMA, com objetivo de trabalhar com essa categoria dentro de suas especificidades, que segundo Santos (1996) pode ser destacada por sua relação de envolvimento entre os fatores naturais e culturais (natureza transformada). A ferramenta da aula de campo apesar de muito importante e relativamente comum, não esteve tão presente na formação desse aluno, daí a necessidade de explorar suas potencialidades junto ao estudante alvo da pesquisa.

Percurso da aula de campo foi pensado de forma que possibilitasse a ADV01 apropriar-se do espaço de seu cotidiano dentro do campus da UFMA, onde também está localizado o COLUN, buscando ainda trabalhar com a categoria paisagem partindo da análise do que essa porção do espaço geográfico proporciona ser discutida, desde a distribuição de áreas vegetadas; construções antrópicas; ações degradadas pela poluição e a própria inter-relação existente entre a paisagem natural e a transformada.

Partindo da estimulação dos sentidos como destacado por Bueno (2003) fazendo assim com que o aluno cego possa perceber a paisagem fora dos moldes da geografia tradicional, tocando, sentindo, percebendo os odores, as texturas, os volumes, ou seja, identificando as diferenciações bem como sua ação ativa como participante da paisagem.

A aplicação da intervenção de campo, com a presença dos autores, de ADV01 e do profissional do COLUN é apresentada no tópico seguinte desse artigo de forma mais detalhada demonstrando as ações desenvolvidas com o aluno dentro do espaço da UFMA e que proporcionaram o trabalho com a categoria paisagem em um ambiente próximo ao convívio de ADV01, nas proximidades da instituição onde estuda, ampliando assim, as possibilidades de trabalho com a geografia escolar, haja vista que a presença de um profissional da instituição em todas as etapas do trabalho possibilitou maior credibilidade à ação pedagógica.

AULA DE CAMPO COMO FERRAMENTA DE CONHECIMENTO DA PAISAGEM PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL

A metodologia pensada foca na saída do aluno do ambiente escolar e o entendimento da paisagem no campo, ou seja, na realidade onde ela se apresenta, estimulando os sentidos em ações simples, como tocar os elementos pertencentes a paisagem (tipos de árvores; tipos de textura de solos, diferenças de temperaturas, entre outros. Pretendeu-se estimular o conceito de paisagem que o aluno previamente possuía, e acrescentar novas ideias a partir das experiências vivenciadas no campo. Objetivou-se ainda trabalhar os conceitos de natureza modificada e não modificada, conhecendo também a paisagem da escola em que estudava.

A aula de campo enquanto ferramenta pedagógica possui papel significativo no ensino de geografia nas escolas, para Santos e Chiapetti (2014) possibilita a ação de observar, analisar e interpretar fenômenos que se mostrem nas condições em que ocorrem, essas mesmas autoras fazendo referência a Neves (2010) colocam que:

O trabalho de campo vem a ser toda a atividade que proporciona a construção do conhecimento em ambiente externo ao de quatro paredes, através de concretização de experiências que provocam a observação, percepção, o contato, o registro, a descrição e a representação, a análise e a reflexão crítica de uma dada realidade, bem como a elaboração conceitual mais ampla, que é o ensino escolar (NEVES, 2010 apud SANTOS; CHIAPETTI, 2014, p. 75-76).

Dessa forma, a prática de campo com ADV01 buscou proporcionar-lhe a oportunidade de trabalhar com os fenômenos da categoria paisagem dentro de uma realidade próxima, provocando por meio dos sentidos, a observação da paisagem, percepção dos fenômenos, contato, registro, descrição, representação, análise e reflexão crítica, assim como anteriormente citado, porém tomando como base não a visão, mas sim, os outros sentidos como o tato, olfato e a audição.

Diante disso, a paisagem foi apresentada a ADV01 como espaço de relações onde esse aluno é conscientizado de sua ação transformadora, o conhecimento desta categoria como coloca Callai (2005, p. 235) é feito “olhando em volta, percebendo o que existe, sabendo analisar as paisagens como momento instantâneo de uma história que vai acontecendo” a autora destaca a percepção nesse conhecer que pode ser pela visão, porém abre um campo vasto para se trabalhar essa “visão” com a percepção, pois várias formas de se ver podem ser utilizadas por meio dos outros sentidos. Como visto em Santos (1996) a paisagem é sentida possui som, cheiro, volume dessa forma apresenta possibilidades para que o aluno cego possa entendê-la por outros meios que não somente a visão.

A Figura 2 mostra o momento da saída de campo com ADV01 dentro do campus da UFMA nas proximidades do COLUN, na intervenção o aluno foi incentivado a identificar os elementos da paisagem no local onde ela se evidencia, tocando, pisando, sentindo as diferenciações. Na figura em destaque se observa o estudante caminhando no local percebendo as modificações de onde pisa, se, solo com presença de pedras, grama, folhas ou típicas ações antrópicas como as calçadas ou áreas asfaltadas.



Figura 2 - Intervenção de Campo no Campus Universitário com ADV01 – 2017
Fonte: Dados dos Autores, 2017. Campus UFMA/São Luís – MA

Na mesma figura é visto o aluno tocando na vegetação identificando as diferenças existentes entre cada espécie, ADV01 também percebeu a presença de automóveis na área onde havia as árvores, sua capacidade de conhecer a marca dos veículos por meio do tato chamou a atenção, nesse ponto levantou uma indagação sobre a presença de carros nos locais onde existia vegetação, sendo discutida a questão da paisagem transformada pela ação do homem, nessa interelação de aspectos do natural com o transformado presentes nessa categoria.

ADV01 também destacou a diferenciação de temperatura entre as áreas com a presença das árvores que tocou e outros pontos que percorreu onde havia ausência de vegetação, ou seja, por meio dessa percepção foi possível ao aluno discutir as diferenciações que podem existir na paisagem analisada, nesse ponto é válido destacar as possibilidades de se trabalhar no campo outras temáticas relacionadas ao que foi identificado pelo aluno, como no caso da climatologia no que diz respeito a questão do tempo, temperatura, sensação térmica, conforto térmico entre outros assuntos.

Como continuação da intervenção de campo outros pontos do campus da UFMA foram visitados, em um deles havia uma área com presença de esgotamento à mostra, logo percebido pelo aluno por meio dos odores diferenciados, cabendo no momento a discussão sobre as ações humanas degradantes na paisagem, modificando sua configuração, trazendo elementos novos, como no caso da experiência o mau cheiro.

A Figura 3 evidencia outros pontos de exploração da aula de campo, tratando sobre a presença da vegetação na paisagem, ADV01 se mostrou interessado com a capacidade das plantas conseguirem água por meio do sistema radicular, tocando no caule, nas raízes, e mostrou-se com dúvida quando tocou uma área impermeabilizada com cimento próximo as raízes, perguntando como elas teriam acesso a água com essa ação do homem.



Figura 3 - Percepção dos Elementos da Paisagem no Campus universitário - 2017
Fonte: Dados dos Autores, 2017. Campus UFMA/São Luís – MA

Mediante essa indagação novamente se trabalhou com a conceituação da natureza transformada pelo ser humano e sua expressão na paisagem, a pergunta do aluno foi respondida levando-o a tocar outros pontos próximos a árvore onde não havia presença de cimento, facilitando assim a permeabilidade do solo e oferta de água para a planta. Abordando dessa forma as variadas funções e ações que existem em uma paisagem, desde a importância da vegetação na sensação de conforto térmico, ações do homem modificando a paisagem para atender suas necessidades, como no caso da construção de estacionamentos e pontos de ônibus.

Ainda na análise da Figura 3 ADV01 obteve contato com uma área com bambus no campus, essa planta não era conhecida do aluno por meio do tato, somente pelo ouvir falar, assim como as outras espécies, a saber: mangueiras e cajueiros que não foram identificados pelo estudante de imediato precisando da ajuda dos pesquisadores na apropriação desse saber, porém quando houve a possibilidade de comparar as diferenças entre as plantas o aluno soube identificá-las, mostrando que o campo do saber somente teórico não basta se não aplicado ou identificado na prática. Daí a importância de se inserir uma visão que fuja do tradicionalismo na geografia escolar, e quando se trata de alunos com deficiência visual a tarefa de incluí-los no processo de ensino e aprendizagem é importante, haja vista que ter o aluno cego em uma turma do ensino regular não é garantia de inclusão, por vezes se torna o contrário.

Por isso a validade da discussão aqui apresentada, discutindo somente a categoria paisagem se mostrou válida, onde todas as etapas foram importantes na elaboração de uma ação pedagógica mais adequada ao ensino de geografia para alunos cegos. O ato de levar o aluno onde a paisagem se apresenta, mostrar suas diferenças no campo tocando, sentindo ou mesmo percebendo os contrastes existentes é um grande passo para que as aulas de geografia não se resumam somente a visualização de imagens ou construção de maquetes, práticas que tem sua importância, porém não substituem a realidade, principalmente quando se fala de algo tão dinâmico quanto a paisagem, as ideias metodológicas devem andar juntas com a prática de se perceber o meio para que o conhecimento seja oferecido de maneira satisfatória a alunos com deficiência visual.

Outro ponto importante é a adaptação curricular que deve ser adotada para que o aluno com deficiência visual possa ser realmente incluído dentro de uma educação dita inclusiva, pois estudar Geografia sem recursos que o possibilitem entendê-la com áudio descrição, mapas em auto relevo, maquetes entre outras ferramentas não é inclusão, mas sim exclusão dentro da sala de aula, onde esse aluno com deficiência visual é cobrado e submetido a avaliações requerendo do mesmo que desenvolva conhecimentos que a ele não são passados de maneira satisfatória.

O estudo da Geografia deve romper os limites da sala de aula e o aluno deve ser levado a conhecer sua realidade para que assim possa conhecer o mundo e não é a deficiência visual que vai impedir esse aluno de alcançar essa autonomia, como foi mostrado ele deve ser estimulado a conhecer o mundo de outras formas, e isso não é demérito algum.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A título de conclusão a proposta apresentada se mostra importante no desenvolvimento e assimilação do conceito de paisagem para alunos com deficiência visual, pois o ato de levar o aluno a sentir a paisagem por meio de estímulos de outros sentidos é uma forma de inseri-los dentro da perspectiva da paisagem, seja ela natural ou modificada. A compreensão da realidade do aluno valorizando seu entendimento prévio do conceito é uma maneira de se praticar educação inclusiva, a saída para o espaço onde a paisagem se apresenta não é importante somente para aprendizado de alunos com deficiência visual, mas também para os outros alunos da sala que poderão ter outra perspectiva da paisagem por meio do estímulo de outros sentidos, aliada a saída ao campo não é somente um auxílio para o entendimento dessa categoria como também de outras temáticas, pois é no espaço que a Geografia se apresenta com suas transformações e amplitude.

Fato importante é a adaptação curricular e adequação dos processos avaliativos à necessidades dos alunos com deficiência visual, diante disso as discussões aqui levantadas se mostram relevantes para uma melhoria do ensino de Geografia para esses alunos o que amplia a discussão para a educação inclusiva em geral. Onde o aluno é respeitado, sua vivência é valorizada e considerada na abordagem do processo de ensino e aprendizagem.

Sendo assim a paisagem não deve ser negligenciada para esses alunos pelo fato de não a perceberem pala visão, como visto a abordagem tradicional deve ser superada, haja vista que o deficiente visual pode perceber essa categoria de outras formas visto que a mesma é sentida e não somente visualizada. Dessa forma a metodologia apresentada é apenas uma alternativa para o currículo do cotidiano escolar, apresentando ainda outras possibilidades na abordagem da ciência geográfica numa perspectiva atual e crítica.

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