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ESTRATÉGIAS CAMPONESAS E USO DIVERSO DO TERRITÓRIO: CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS EXPERIÊNCIAS AGROECOLÓGICAS EM GRAVATÁ, PERNAMBUCO, BRASIL
PEASANT STRATEGIES AND DIVERSE USE OF THE TERRITORY: CONSIDERATION OF THE AGROECOLOGICAL EXPERIENCES IN GRAVATÁ, PERNAMBUCO, BRAZIL
ESTRATEGIAS CAMPESINAS Y USO DIVERSO DEL TERRITORIO: CONSIDERACIÓN DE LAS EXPERIENCIAS AGROECOLOGÍCAS EN GRAVATÁ, PERNAMBUCO, BRASIL
GEOSABERES: Revista de Estudos Geoeducacionais, vol. 9, núm. 17, pp. 1-13, 2018
Universidade Federal do Ceará


Recepção: 16 Setembro 2017

Aprovação: 16 Novembro 2017

DOI: https://doi.org/10.26895/geosaberes.v9i17.605

Resumo: Neste artigo trazemos a relevo algumas considerações acerca dos resultados obtidos nos estudos de investigação de mestrado. Temos como objetivo central a análise das estratégias dos sujeitos sociais camponeses para a manutenção de seus territórios como também para a conquista de mais autonomia, no município de Gravatá - PE. Utilizamos uma metodologia de base qualitativa com uma abordagem integradora da realidade vivenciada. Na década de 1980 emergiram discussões vinculadas à prática da agricultura alternativa e à degradação da natureza. Assim em 1997 surge em Gravatá - PE a AMA GRAVATÁ (Associação dos Amigos do Meio Ambiente de Gravatá), que dissemina e desenvolve a Agroecologia nos territórios camponeses de Gravatá, Pernambuco, Brasil. Então gerando melhores condições de vida para o campesinato.

Palavras-chave: Territórios, Camponeses, Agroecologia.

Abstract: In this article we bring some theoretical reflections and results in the Masters research studies. We have the general objective of analyze the strategies of social subjects peasants to keep in their territories as well as for achieving greater autonomy in the county of Gravatá - PE. We use a qualitative methodology based on an integrative approach of experienced reality. In the 1980s emerged from discussions related to alternative agriculture and degradation of nature. So in 1997 comes in Gravatá - PE the AMA GRAVATÁ (Association of Friends of the Environment of Gravatá), which disseminates and develops the Agroecology in the peasant territories of Gravatá, Pernambuco, Brazil. Then generating better living conditions for the peasantry.

Keywords: Territories, Peasants, Agroecology.

Resumen: En este ensayo traemos algunas reflexiones teóricas y los resultados obtenidos en los estudios de investigación de maestría. Tenemos como objetivo general analizar las estrategias de los sujetos sociales campesinos para mantenerse en sus territorios, así como para lograr una mayor autonomía en la ciudad de Gravatá - PE. Utilizamos una metodología cualitativa basada en un enfoque integrador de la realidad experimentada. En la década de 1980 surgieron discusiones relacionadas con la agricultura alternativa y la degradación de la naturaleza. Así en 1997 se presenta en Gravatá - PE la AMA GRAVATÁ (Asociación de Amigos del Medio Ambiente de Gravatá), que disemina y desarrolla la Agroecología en los territorios campesinos de Gravatá, Pernambuco, Brasil. Entonces generando mejores condiciones de vida para el campesinado.

Palabras clave: Territorios, Campesinos, Agroecología.

INTRODUÇÃO

Neste artigo trazemos a relevo algumas considerações acerca dos resultados obtidos nos estudos de investigação de mestrado[1]. Ao nos debruçarmos na leitura para compreender o processo contraditório do desenvolvimento capitalista no campo brasileiro. Correlacionando com a abordagem multidimensional do território, vista em Haesbaert (2006). Além dos estudos sobre Agroecologia e campesinato como: Casado; Sevilla-Guzmán; Molina (2000), Altieri (2009), Oliveira (1991) para discutir como se desenvolveram no Brasil as experiências agroecológicas, colocadas em práticas pelos povos camponeses.

Utilizamos uma metodologia de base qualitativa, contendo entrevistas semi-estruturadas com os camponeses gravataenses, análise documental, coleta de dados secundários em institutos de pesquisa e levantamento bibliográfico. Ao considerarmos os aspectos socioculturais indissociáveis dos político-econômicos e dos naturais, principalmente tratando-se da agricultura, propomos para o desenvolvimento desta pesquisa uma abordagem integradora segundo Machado et. al. (2009).

Embora a agricultura seja uma atividade humana intimamente ligada às condições histórico-culturais, edafoclimáticas e à diversidade ecológico-cultural, ela está cada vez mais, de modo geral, sendo colocada em prática segundo uma ideologia que tem como orientação o domínio industrial dos bens naturais. Os efeitos disso são: desequilíbrios sociais, econômicos, culturais e ambientais, além de provocar uma subalternização do campesinato aos interesses político-econômicos internacionais.

Esse domínio gera dependências dos sujeitos sociais, morte da fauna e flora nativas, empobrecendo assim a diversidade sociocultural e ecológica. “(...) A imposição do modelo desenvolvimentista, inserido no contexto da mercantilização da natureza, que se utiliza do discurso de proteção ambiental como um aspecto da modernização...” (PEREIRA; MELLO, 2011, p. 146). A ideologia burguesa capitalista transformou culturalmente as relações entre o homem e a natureza, ao considerar o primeiro como não integrante da natureza e impor a lógica financeira à agricultura, dessa forma transformando as culturas/cultivos em mercadorias e padronizando as dietas alimentares dos povos.

Dessa maneira, contextualizando os pressupostos teóricos com a realidade local, começamos a perceber e a questionar as transformações ocorridas no espaço agrário de Gravatá- PE, desde a década de 1990. Temos como objetivo geral analisarmos as estratégias dos sujeitos sociais camponeses para manterem-se em seus territórios como também para a conquista de mais autonomia.

Gravatá está localizada na mesorregião Agreste Central e na Microrregião Vale do Ipojuca do estado de Pernambuco (Figura 1). A sede do município tem uma altitude aproximada de 447 metros e coordenadas geográficas de 08º 12' 04'' de latitude sul e 35º 33' 53'' de longitude oeste, distando 87,7 km da capital.

Na década de 1980 emergiram mais expressivamente no Brasil movimentos sociais no campo, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que discordavam do modelo produtivo capitalista baseado na concentração fundiária. No mesmo período surgiram discussões vinculadas à agricultura alternativa e à degradação da natureza. Assim em 1997 surgiram em Gravatá - PE propostas de sujeitos vinculados à AMA GRAVATÁ (Associação dos Amigos do Meio Ambiente de Gravatá), para uma produção agrícola sem insumos químicos, diversificada, que valorizava o conhecimento popular tradicional, e propunha a comercialização em feiras agroecológicas. Tais propostas materializaram-se em iniciativas de camponeses, em áreas de assentamento rural e acampamento de luta pela terra no município.



Figura 1 - Mapa de localização do município de Gravatá no estado de Pernambuco e a mesorregião e microrregião nas quais está situado.
Fonte: IBGE, Área territorial oficial. Consulta por Unidade da Federação. Rio de Janeiro: IBGE [2009]. ArcGIS 9.3. Organizado por: Girlan Cândido, 2010.

O campesinato praticante da agroecologia em Gravatá - PE são associados desde 2008 à AMA TERRA (Associação das Famílias Agroecológicas do Distrito de São Severino e seus Arredores). Esta associação é composta apenas por camponeses, diferente da AMA GRAVATÁ, que continha também agrônomos, professores, advogados e funcionários públicos do município. O estabelecimento das experiências agroecológicas gravataenses advêm essencialmente de dois processos.

Primeiro o de luta pela terra no município a partir de 1994 que fez surgir os Assentamentos rurais Perseverança (1995), Várzea Grande (1996) e o Acampamento de São Severino (desde 1996). E segundo o processo de mobilização social, com a criação da AMA GRAVATÁ em 1997. Esta foi desenvolvendo atividades, junto aos camponeses, de incentivo e experimentação do manejo ecológico da terra, como também conscientização dos malefícios gerados pelos agrotóxicos. Logo em seguida, veio a iniciativa de criar uma Feira Agroecológica em Gravatá, que existe até hoje (2015).

O avanço da agroecologia gravataense é relacionado à luta camponesa por terra, eclodida nos anos 1980/90, vinculada ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), além da resistência camponesa para manter-se no território e manter seu modo de vida. Segundo relato de agricultores em trabalho de campo, até o início dos anos 1990 a maioria dos camponeses gravataenses possuíam pouca ou nenhuma terra para trabalhar, quadro relacionado à concentração de terras nas mãos de poucas famílias.

Possuímos no Brasil uma constituição limitada aos interesses dos latifundiários, sendo muitos destes integrantes da bancada ruralista[2] que compõe a Câmara Federal, o Senado, como também o Judiciário. Este vínculo entre política e latifúndio é antigo, ocorre desde os primórdios do período colonial e foi materializado pela Lei das Sesmarias[3] como afirma Moreira (2011):

É por conta dessa lei que durante todo o correr do tempo a fazenda centra as relações globais do espaço brasileiro, hierarquiza e institui, embaixo de suas necessidades de reprodução da fazenda de gado à policultura de subsistência, a sociedade brasileira como uma sociedade agrária. E, mesmo quando a centralidade do ordenamento espacial passa para a fábrica, é ainda a norma de arranjo emanada da Lei sesmarial a regra da organização que determina, dada a presença-chave estrutural do monopolismo fundiário (MOREIRA, 2011, p. 137-138).

Moreira (2011) ressalta o papel exercido pela concentração fundiária brasileira na constituição de políticas públicas, territoriais, programas sociais e reordenamento espacial do país. Segundo a lógica monopolista, viabilizada pelo pacto federalista, a erradicação dos latifúndios é algo fora de qualquer cogitação, dessa forma as políticas serão direcionadas à manutenção e expansão daqueles sobre os territórios. No Brasil quem detêm a propriedade privada da maior parte das terras possui também o poder político sobre a organização e reorganização territorial em escala nacional.

Dessa maneira, sem a posse dos meios de produção (terra), o campesinato gravataense e de cidades circunvizinhas, em sua maioria, acabava trabalhando nos latifúndios do antigo Engenho Jussará e da Usina N. Senhora do Carmo. Então como não tinham terra manejavam as terras dos latifundiários de acordo com a lógica da agricultura agroindustrial capitalista.

A falta de acesso à terra não proporciona o estabelecimento das experiências agroecológicas. Tendo em vista que "é a partir da segurança gerada pelo acesso à terra que as famílias assentadas esboçam diferentes estratégias para conseguir a reprodução do grupo doméstico". (FIGUEIREDO, 2011, p.33). Logo, torna-se impossível as famílias camponesas desenvolverem estratégias para melhorar suas condições de vida nas terras do agronegócio. Este é geralmente materializado em latifúndios, utilizados na produção monocultura de commodites (soja, cana-de-açúcar, café, entre outros) para o mercado externo. Além de aderirem expressivamente ao pacote tecnológico (maquinaria, agrotóxicos, fertilizantes químicos, sementes transgênicas, etc.) da revolução verde.

Entretanto, nas unidades camponesas de produção são encontradas muitas dificuldades, como: o limitado apoio estatal, problemáticas relacionadas à comercialização e ao manejo da terra, burocratização do processo referente à reforma agrária, estabelecimento tardio de infraestrutura básica nas áreas de assentamento, entre outros. Todavia apesar desses entraves destacaremos as estratégias utilizadas pelo campesinato de Gravatá - PE para sobressair-se e colocar em prática as experiências agroecológicas. Propondo caracterizar uma unidade produtiva camponesa em experiência agroecológica, Petersen (2014) afirma:

As experiências sistematizadas pela AARJ demonstram que a luta por autonomia manifesta-se em várias esferas da existência: no âmbito do manejo produtivo, na organização para a comercialização, no encurtamento dos processos que encadeiam a produção e o consumo, na revalorização de saberes e práticas culturais, na afirmação de identidades socioculturais, no empoderamento das mulheres, na construção do protagonismo juvenil, na reconstrução da cultura da paz e do cuidado em comunidades urbanas conflagradas, etc. O reencontro com a natureza também aparece como elemento estruturante e como pano de fundo do conjunto dessas práticas emancipatórias. Por meio dessa reconciliação, a produção econômica e a reprodução social são ressituadas, material e simbolicamente, como dinâmicas de co-produção entre o humano e a natureza. Nessa concepção, a noção de desenvolvimento enfatiza processos endógenos que canalizam os saberes e o trabalho em direção aos potenciais ambientais localmente disponíveis (PETERSEN, 2014, p. 13).

Petersen (2014) pontua que a caracterização das experiências agroecológicas perpassa por questões: técnicas (manejo ecológico, organização produtiva), sócio-culturais (valorização das identidades, do conhecimento tradicional, da mulher, dos jovens) e econômicas (ciclo curto de comercialização, relação produtor-consumidor). Então a partir desses aspectos iniciarão processos de reconciliação entre os seres humanos e a natureza, utilizando o potencial endógeno material (solo, vegetação, água) e imaterial (saberes-fazeres) existente em cada território para estabelecer as experiências agroecológicas.

Nesse sentido, iremos pontuar quais as estratégias utilizadas pelo campesinato gravataense para manter suas unidades produtivas agroecológicas e fortalecer seus saberes-fazeres, interferindo no processo de organização do território gravataense.

ESTRATÉGIAS DO CAMPESINATO E FORTALECIMENTO DOS SABERES-FAZERES.

Desde meados do século XX, com a modernização na agricultura, que tinha como objetivo aumentar a produtividade e os lucros da produção agrícola, implantando uma racionalidade industrial no campo, vinculada à utilização do pacote tecnológico. Tais objetivos foram consolidados e disseminados pela revolução verde, que é o conjunto de políticas e ações as quais levaram, segundo Graziano da Silva (1982) à modernização conservadora da agricultura nos países "desenvolvidos" e posteriormente na América Latina, ao fim da Segunda Guerra Mundial.

A revolução verde trouxe para a agricultura brasileira transformações técnico-científicas. Como a utilização de máquinas (tratores, semeadoras hidráulicas, colheitadeiras, entre outras), agrotóxicos, fertilizantes químicos, corretivos de solo, pulverização aérea, biotecnologia, sementes híbridas. Porém não objetivava transformar a estrutura agrária concentrada do nosso país. Fato que favoreceu a expansão do capital no campo como também o fortalecimento e surgimento de mais latifúndios, priorizando as classes hegemônicas.

Com este processo ocorreu uma intensificação, inicialmente do uso de máquinas e insumos químicos no campo. Posteriormente foram inseridas sementes produzidas em laboratórios de biotecnologia. Isso gerou uma homogeneização e simplificação da agricultura, das dietas alimentares, colaborando também com a permanência dos latifúndios e suas monoculturas, os consolidando. Como também expandindo monoculturas em áreas de mata, tendo como exemplos a inserção da soja na Amazônia e no Cerrado brasileiro.

"A segurança alimentar das sociedades em várias partes do mundo está ameaçada, assim como a soberania alimentar, visto que foi sendo imposto o mesmo pacote tecnológico para os vários continentes [...]" (PEREIRA, 2012, p. 690). Para a autora, o modelo agrícola consolidado pela revolução verde, gera pobreza aos povos camponeses, degradação da natureza e marginalização do conhecimento popular/tradicional, diferente de seu discurso que diz priorizar acabar com a fome.

Todavia a revolução verde não se resume ao incremento industrial à agricultura e está relacionada com questões conjunturais e estruturais de origem político-econômica na qual o mundo encontrava-se com o surgimento da bipolaridade enquanto geopolítica[4].

Em contraponto, vêm sendo desenvolvidas experiências agroecológicas em unidades produtivas camponesas. Com uma agricultura diversificada, baseada no potencial endógeno da unidade de produção e na não utilização de agrotóxicos, trazendo assim melhorias das condições de vida

Pontuamos que nesta pesquisa melhorias nas condições de vida estão associadas à diminuição ou ausência da insegurança alimentar (falta e/ou insuficiente acesso aos alimentos), acesso à terra, acesso à água limpa, acesso a uma dieta - alimentar variada, acesso à políticas públicas condizentes com a realidade dos beneficiados, diminuição de problemas de saúde relacionados à aplicação de agrotóxicos (cansaço, tontura, vômito, desmaio, alergia...), valorização dos povos e do conhecimento tradicional camponês, ausência da dependência da compra de insumos químicos, ausência do trabalho degradante nos latifúndios, ter mais autonomia para comprar bens de consumo e de produção.

Com a reconfiguração das estratégias do campesinato contemporâneo observamos o processo de transformação no território gravataense desde o surgimento, na década de 1990, de movimento sociais no campo vinculados à luta pela terra e posteriormente, a um manejo da natureza divergente do colocado pela lógica agroindustrial capitalista e fomentado pelo estado brasileiro. Atualmente existem dez unidades camponesas agroecológicas em Gravatá, vinculadas à Associação AMA TERRA, que têm passado por algumas dificuldades.

Qualquer agroecossistema é produto das relações de mútua determinação entre os sistemas naturais e sociais. Os sistemas naturais co-evoluem com os sistemas sociais, sendo estes divididos em um conjunto de subsistemas de conhecimento, valores, tecnologias e organizações. (CASADO; SEVILLA-GUZMÁN; MOLINA, 2000, p. 86).

Os autores pontuam que os agroecossistemas estão vinculados tanto aos aspectos naturais determinados pelas diferenças climáticas, pluviométricas e ecossistêmicas, como também pelas questões socioculturais. Estas advêm de processos históricos e políticos, os quais condicionarão a forma como cada sujeito lida com a terra. É importante correlacionar o agroecossistema com as dimensões sociopolítica e cultural, pois as múltiplas formas de manejo da natureza vão direcionando-se no tempo e no espaço a partir das transformações ocorridas nas sociedades.

Em contrapartida, a estratégia camponesa com perspectiva agroecológica é reconhecer e promover mudança para essa classe social baseando-se na agricultura como uma forma de articulação entre o sistema sociocultural local e a manutenção dos bens naturais locais. Isso pode gerar um maior dinamismo no território, pois as práticas exercidas nas unidades agroecológicas contrapõem-se às práticas do modelo agroindustrial, que propõe a homogeneização do território e degradação da natureza. Veremos na Tabela 1 a utilização do território no município de Gravatá.


Tabela 1 - Utilização do território, por número de estabelecimentos agropecuários em Gravatá - PE

Fonte: Censo Agropecuário, IBGE, 2006, Org. Izabela Gomes.

Nesta tabela verificamos a relação existente entre o fortalecimento das experiências agroecológicas com as áreas de matas/florestas naturais (2.486 ha), que são superiores às áreas de pastagens degradadas em Gravatá - PE, no ano de 2006. Os sistemas agroflorestais ocupam 2.399 dos hectares enquanto que as pastagens degradadas ocupam 697 ha.

Isso ocorre devido ao processo de luta pela terra protagonizado pelos camponeses gravataenses desde 1994, pois as terras que anteriormente foram consideradas improdutivas, por estarem sendo pouco manejadas ou com inexistência de manejo tornarem-se, em parte, unidades produtivas agroecológicas. Outra questão a ser ressaltada é que nos assentamentos rurais existem áreas destinadas à preservação ambiental. Podemos observar áreas de mata e florestas nas Figuras 2 e 3.



Figura 2 - Mata em unidade produtiva agroecológica em Gravatá - PE.
Fonte: Izabela Gomes, Assentamento Várzea Grande, março de 2014.



Figura 3 - Afloramento de água em unidade produtiva agroecológica em Gravatá - PE
Fonte: Izabela Gomes, Assentamento Várzea Grande, março de 2014.

Dessa maneira visualizamos nas figuras 2.0 e 3.0, a presença de matas conservadas. Todavia notamos que também nos acampamentos, assentamentos e sítios transmitidos de geração em geração, existem relações mais harmoniosas de convivência com a natureza, sendo então a conservação e reestruturação das matas uma práxis camponesa agroecológica. Em contraponto observamos na tabela 1.0 o cultivo de flores com 195 hectares e as pastagens plantadas em boas condições com 2.994 ha. Este número ainda possui alta representatividade no uso do solo gravataense devido à concentração fundiária existente. Todavia as áreas destinadas à pastagem auxiliam no processo de destruição ambiental, por serem relacionadas ao desmatamento da vegetação existente e também à utilização de agrotóxicos.

Ademais nos latifúndios são estabelecidas relações que degradam a natureza, propõem a homogeneização das paisagens e a concentração dos meios de produção. Já que a concentração fundiária ocorre quando poucas pessoas possuem grande quantidade de terras enquanto outras não possuem terra. Ao considerarem os dados do Censo Agropecuário, 2006, Hoffmann; Ney (2010) retratam que no estado de Pernambuco não houve necessariamente aumento da concentração de terra.

Porém devido a processos históricos, políticos e sócio-econômicos Pernambuco possui muitos latifúndios devido à monocultura da cana-de-açúcar desde o início da colonização, primeiramente na mesorregião zona da mata e em meados do século XX se expandiu para áreas de brejo de altitude, pelo interior do estado. Assim apesar de não terem aumentado significativamente segundo o Censo Agropecuário (2006) ainda existem, e não podemos negligenciar, por isso os processos de luta pela terra tornam-se uma estratégia relevante ao desenvolvimento da agricultura agroecológica em Pernambuco.

Nesse contexto para compreendermos os territórios camponeses agroecológicos de Gravatá - PE, utilizamos a abordagem de Haesbaert (2006), que considera as territorialidades existentes a partir do vínculo sociedade-território. Este vínculo se materializa de diversas maneiras, como no corpus de um povo. Aqui consideramos que esse corpus trata-se da reunião de saberes-fazeres de comunidades rurais camponesas, sendo o conhecimento desses sujeitos sociais que foi passado e mantido de geração em geração.

As formas de manipulação do espaço, parece claro, não jogam apenas um papel decisivo para a realização das estratégias político-econômicas dominantes. Elas podem corresponder também à base para a formulação de propostas minoritárias de convivência social e um referencial indispensável para a articulação e/ou preservação de identidades coletivas diferenciadoras (HAESBAERT, 2006, p. 14).

Quando Haesbaert (2006) aborda as formas de manipulação do espaço, refere-se à abordagem territorial multidimensional ao considerar as várias facetas que os mais diversos sujeitos poderão concretizar no território; sendo estas de hegemônicas e hierárquicas à minoritárias e autárquicas. Todavia ressaltamos que o autarquismo ao qual nos referimos, simboliza a capacidade autogestionária existente nas comunidades camponesas, não o entendemos como uma ruptura total com o estado brasileiro. Dessa forma, muitos camponeses utilizam de programas sociais advindos do estado, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) por exemplo, como suporte à resistência de seus modos de vida nos territórios.

Contudo consideramos que os processos de luta pela terra, de produção – prioritariamente para consumo próprio –, de manejo da terra contrário ao manejo agroindustrial, de ajuda mútua, entre outros, pelo qual passou a maioria dos camponeses agroecológicos gravataenses, os identifica como camponeses.

A escolha dessa categoria está associada à relação existente entre esses sujeitos sociais e a luta para permanecerem em seus territórios e estabelecerem uma agricultura agroecológica, resistindo assim à utilização do pacote tecnológico da revolução verde. Utilizamos a perspectiva de Oliveira (1991), que colocou em pauta as questões de luta pela terra, como também as desigualdades sociais geradas pela sua concentração nas mãos de uma minoria.

Dessa maneira, a propriedade/posse da terra é básica e fundamental para a existência dessa forma de exploração na agricultura. Daí deriva a lógica da luta pela posse/propriedade da terra travada pelos camponeses expropriados ou que nunca tiveram acesso à terra no Brasil (OLIVEIRA, 1991, p. 50).

Os povos camponeses estão intimamente ligados à natureza, quando a manejam respeitam suas condições naturais e ciclos, isso está associado às questões simbólicas e culturais existentes nas relações sociedade-natureza. Logo, a luta pela terra que eclodiu no Brasil durante os anos 1980, ressalta como a lógica capitalista de produção mercantilizou e mercantiliza os bens naturais, transformando-os em mercadoria, desvinculando qualquer aspecto que enaltecesse o manejo da terra à identidade com o território.

A estratégia do manejo agroindustrial é potencializar quanto de renda pode-se obter de determinada área. Essa estratégia não considera os conhecimentos ancestrais camponeses, ricos em criatividade e experimentação, pois o objetivo é alienar o campesinato, fazendo com que ele não dê mais importância aos sinais que a natureza responde de acordo com os diversos modos de manejá-la.

Todavia a estratégia camponesa possui é fundada em um conjunto de práticas coerentes com a sua realidade e necessidades essenciais. As unidades produtivas camponesas atendem prioritariamente aos interesses da família. A lógica da produção de base familiar, não assalariada, está centrada na diversificação produtiva e integração de seus componentes, fortalecendo o potencial endógeno de cada unidade produtiva.

Ressaltando que cada sujeito faz parte de processos históricos, culturais e sociopolíticos ocorridos no espaço-tempo, logo a maneira como cada um irá manejar a terra será de acordo com seu modo de vida, partindo de suas interações com a natureza. E assim vai constituindo-se uma multiplicidade de manejos no espaço agrário gravataense.

Contudo segundo Altieri (2009) a reprodução e construção dos saberes camponeses se dão pela convivência com a natureza e pelas trocas entre os sujeitos que vivem em um determinado território ao longo das gerações. O autor enfatiza que na Agroecologia o estudo dos agroecossistemas ultrapassa a visão agronômico-biológica, que sectariza a natureza dos demais integrantes das unidades produtivas, além de realizar separações entre os próprios bens naturais (solo, água, plantas, animais, vento, umidade, luz solar).

Assim foram sendo materializadas diversas estratégias agroecológicas, que auxiliaram o campesinato gravataense a manterem-se em seus territórios. Como a produção agroecológica (evitando gastos com agrotóxicos), a conservação das sementes tradicionais, a policultura (priorizando a alimentação para o consumo próprio), a comercialização direta em feiras agroecológicas (eliminando a figura do atravessador), a valorização do saber-fazer tradicional (passando hereditariamente as técnicas de manejo e formas de lidar com a natureza), o estabelecimento de sistemas próprios para capturar água (bicas, cacimbas, açudes) e utilização majoritariamente de trabalho familiar. Sobre a diversificação da produção agrícola em Gravatá - PE segue o Quadro 1.


Quadro 1 - Produção agrícola agroecológica no município de Gravatá - PE

Fonte: Camponeses agroecológicos gravatae

Verificamos analisando o quadro 01 uma grande diversidade de alimentos advinda da produção agroecológica gravataense, que consta com 64 variedades de alimentos, entre eles frutas, legumes, verduras, leguminosas, tubérculos, raízes e 2 espécies de flores, sendo elas o Carinho-de-mãe e a Cessa. Assim constatamos a importância da agricultura camponesa para manutenção da diversidade de espécies, como também na oferta dos alimentos que compõem a mesa dos brasileiros.

Cabe pontuar que as espécies destacadas em negrito, alho branco (Figura 4) e feijão fogo-na-serra são advindas de sementes crioulas tradicionais da região, passadas de geração em geração, e são plantadas no inverno (período de chuvas) para serem colhidas no verão.



Figura 4 - Alho branco em unidade camponesa agroecológica, Gravatá - PE.
Fonte: Izabela Gomes, Acampamento, São Severino - Pernambuco, 2015.

Apesar da diversidade ecológica e sociocultural advinda das unidades camponesas agroecológicas, existem fatores que freiam a disseminação da agroecologia no Brasil, um deles são as dificuldades enfrentadas durante a transição agroecológica. Quando uma unidade produtiva é manejada com a utilização de agrotóxicos, aquela leva mais tempo para responder positivamente ao manejo ecológico (sem insumos químicos, sementes geneticamente modificadas e maquinaria pesada). Passando assim primeiramente por um processo de conversão até restabelecer sua capacidade energético-ecológica natural. Essa reconstituição geralmente é lenta e muitas vezes os camponeses acabam não esperando e desistindo. Além desses obstáculos existe o pouco apoio estatal, o difícil acesso ao crédito e à assistência técnica gratuita.

A partir dessa problemática Jesus (2005) pontua que a partir das contribuições de diversos sujeitos sociais de variados segmentos da sociedade, serão estimulados processos de mobilização social questionadores da lógica agroindustrial para a agricultura. Contudo torna-se importante destacarmos o papel da mobilização social, enquanto estratégia para relatar os danos sociais e naturais causados pelo modelo agrícola da revolução verde.

Em contraponto, a partir do início do século XXI, os camponeses gravataenses foram incentivados a utilizarem o pacote tecnológico da revolução verde, principalmente para a produção de flores. Assim, o impulsionamento social exerce uma função primordial para a manutenção das experiências agroecológicas existentes e o estabelecimento de novas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A retomada de práticas e experiências agroecológicas na agricultura camponesa brasileira vem sendo desenvolvido em áreas de sítios, acampamentos, assentamentos, territórios de comunidades tradicionais e indígenas desde os primórdios da ocupação e utilização do território por esses sujeitos. Contudo vale ressaltar que segundo Diegues (2001) os povos indígenas como também os povos tradicionais sempre manejaram a terra de acordo com o princípio do convívio entre seres humanos e a natureza, baseado na sabedoria de seu povo ao longo dos anos.

As estratégias de camponeses com perspectiva agroecológica são fundadas no reconhecimento e na promoção de melhorias das condições de vida dessa classe social, baseando-se na agricultura como uma forma de articulação entre o sistema sociocultural local e a manutenção dos bens naturais locais.

Gerando assim um maior dinamismo nos territórios, pois as práticas exercidas nas unidades agroecológicas contrapõem-se às práticas do modelo agroindustrial. Propositor da homogeneização do território e degradação da natureza com os latifúndios monocultores, que são manejados segundo o pacote da revolução verde.

Concordamos com Sevilla-Guzmán (2013) ao discorrer sobre o papel da Agroecologia como estratégia de enfrentamento à modernidade capitalista. Enfatizando como os princípios e as práticas que ancoram essa sociedade do lucro a qualquer custo e da exploração dos bens naturais, estão contribuindo para o desenvolvimento destrutivo da natureza e também da sociedade. Nessa perspectiva ressaltamos a Agroecologia enquanto resistência ao modelo de produção da agricultura industrial capitalista, pois a Agroecologia não existe sem sua dimensão política, sendo muito mais que um simples processo de ecologização dos agroecossistemas.

A agroecologia se reconfigura nos territórios camponeses de Gravatá - PE, por estar atrelada, segundo Luzzi (2007) além de uma transformação técnica, a um processo de transformação política. A partir de processos de luta pela terra, de produção – prioritariamente para consumo próprio –, de manejo da terra sem agrotóxicos, de ajuda mútua e mobilização social. Estando situadas em sítios, acampamentos ou assentamentos rurais, as experiências agroecológicas gravataenses trazem heterogeneidade ao território, por estarem vinculadas à diversidade de sujeitos, cultivos e manejos.

Priorizando então o potencial endógeno das unidades produtivas (capacidade reprodutiva do solo, manejo e conservação da vegetação tradicional, policultura, esterco, cultivo de forrageiras, rotação de culturas, criação de animais, otimização do uso da água, quebra ventos, cercas vivas...) juntamente com a valorização do conhecimento camponês adquirido em anos de experimentação. Sendo assim constatamos que houve uma melhoria nas condições de vida desse campesinato agroecológico gravataense.

REFERÊNCIAS

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CASADO, G. G.; SEVILLA-GUZMÁN, E.; MOLINA, M. G. Introducción a la agroecología como desarrollo rural sostenible, Madrid, Mundi-Prensa, 2000.

DIEGUES, A.; ARRUDA, R. Saberes tradicionais e biodiversidade no Brasil, Brasília: Ministério do Meio Ambiente; São Paulo: USP, 2001.

FIGUEIREDO, M. A. B. Reflexões a respeito do movimento agroecológico em Pernambuco. In: LIMA, J. R. T. (org.). Agroecologia e movimentos sociais. Recife: Bagaço, 2011, p.16-38.

GRAZIANO DA SILVA, J. A modernização dolorosa. Rio de Janeiro, Ed. Zahar, 1982.

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Notas

[1] Dissertação elaborada a partir do desenvolvimento de experiências agroecológicas nos Brejos de Altitude, Gravatá - PE. A compreensão desse processo trouxe considerações acerca das estratégias camponesas, manutenção de saberes-fazeres sobre os territórios e melhoria das condições de vida.
[2] Bancada ruralista é o termo utilizado no Brasil para designar os latifundiários, que possuem cargos como deputados, senadores, juízes... Sempre legislando em favor de si próprios. Além de terem ligação com empresas multinacionais do agronegócio, crimes ambientais e crimes contra os povos camponeses e indígenas. Fonte: República dos ruralistas [Internet]. República dos ruralistas. acesso em 2015, Mai. 20.
[3] A Lei Sesmarial foi instituída a partir da Coroa Portuguesa e dos capitães-donatários de cada Capitania Hereditária durante o Brasil Colônia. As sesmarias eram lotes de terra menor, que eram doadas a um sesmeiro com o intuito, principalmente, de tornar a terra produtiva. É no contexto das sesmarias que surge a plantation, sistema vastamente utilizado na exploração européia da América, constituído da utilização de mão-de-obra escrava africana e de plantações monocultoras. No Nordeste brasileiro destacam-se os latifúndios monocultores de cana-de-açúcar como produto dessa lei. Fonte: NOZOE, N. Sesmarias e apossamento de terras no Brasil colônia, 2006.
[4] No período da Guerra Fria era utilizado o termo mundo bipolar, pois este foi dividido em dois blocos: dos países capitalistas e dos países socialistas. Nessa conjuntura cada bloco sofria influência político-econômica dos países líderes, EUA e URSS respectivamente. Fonte: Mundo Educação [Internet]. R7 Educação. acesso em 2015, Out 15.


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