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CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA: A CARTOGRAFIA PARTICIPATIVA COMO CAMINHO DIDÁTICO METODOLÓGICO
BRENDA THAÍS GALDINO DA ROCHA; ADRYANE GORAYEB; LEILANE OLIVEIRA CHAVES;
BRENDA THAÍS GALDINO DA ROCHA; ADRYANE GORAYEB; LEILANE OLIVEIRA CHAVES; THANIA GORAYEB SUCUPIRA
CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA: A CARTOGRAFIA PARTICIPATIVA COMO CAMINHO DIDÁTICO METODOLÓGICO
CONSTRUCTION OF GEOGRAPHICAL KNOWLEDGE IN QUILOMBOLA SCHOOL EDUCATION: PARTICIPATORY CARTOGRAPHY AS A METHODOLOGICAL DIDACTIC PATH
CONSTRUCCIÓN DEL CONOCIMIENTO GEOGRÁFICO EN LA EDUCACIÓN ESCOLAR QUILOMBOLA: LA CARTOGRAFÍA PARTICIPATIVA COMO CAMINO DIDÁCTICO METODOLÓGICO
GEOSABERES: Revista de Estudos Geoeducacionais, vol. 9, núm. 17, pp. 1-12, 2018
Universidade Federal do Ceará
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Resumo: O presente estudo sintetiza a experiência, avaliação e reflexão da proposta didático-pedagógica da Cartografia Participativa no ensino de Geografia para a Educação Escolar Quilombola. A intervenção foi aplicada na E.M.E.F. Olímpio Nogueira Lopes no Quilombo Alto Alegre em Horizonte – Ceará, e centrou-se na construção coletiva e participativa de mapas a partir da técnica overlay, utilizando-se de imagens de satélite e papel poliéster para a representação dos elementos a serem mapeados. Nota-se a que construção da Cartografia Participativa na escola é uma potencial ferramenta didática para aprendizagem dos conhecimentos conceituais e procedimentais da Cartografia, além e sobretudo, ter sido instrumento para conhecer, reconhecer e ressignificar o conhecimento sobre o território, saberes e tradições quilombolas no espaço escolar.

Palavras-chave:Educação Escolar QuilombolaEducação Escolar Quilombola, Ensino de Geografia Ensino de Geografia, Cartografia Participativa Cartografia Participativa.

Abstract: The present study synthesizes the experience, evaluation and reflection of the didactic-pedagogical proposal of Participative Cartography in the teaching of Geography for Quilombola School Education. The intervention was applied in E.M.E.F. Olímpio Nogueira Lopes in Quilombo Alto Alegre in Horizonte - Ceará, and focused on the collective and participatory construction of maps using the overlay technique, using satellite images and polyester paper to represent the elements to be mapped. It is noteworthy that the construction of the Participatory Cartography in the school is a potential didactic tool to learn the conceptual and procedural knowledge of Cartography, besides, and above all, to have been an instrument to know, recognize and re-signify the knowledge about the territory, quilombola knowledge and traditions in the School space.

Keywords: Quilombola School Education, Teaching Geography, Participatory Cartography.

Resumen: El presente estudio sintetiza la experiencia, evaluación y reflexión de la propuesta didáctico-pedagógica de la Cartografía Participativa en la enseñanza de Geografía para la Educación Escolar Quilombola. La intervención se aplicó en la E.M.E.F. Olimpio Nogueira Lopes en el Quilombo Alto Alegre en Horizonte - Ceará, y se centró en la construcción colectiva y participativa de mapas a partir de la técnica overlay, utilizando imágenes de satélite y papel poliéster para la representación de los elementos a ser mapeados. Se nota que la construcción de la Cartografía Participativa en la escuela es una potencial herramienta didáctica para el aprendizaje de los conocimientos conceptuales y procedimentales de la Cartografía, además y sobre todo, haber sido instrumento para conocer, reconocer y resignificar el conocimiento sobre el territorio, saberes y tradiciones quilombolas en el Espacio escolar.

Palabras clave: Educación Escolar Quilombola, Enseñanza de Geografía, Cartografía Participativa.

Carátula del artículo

CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA: A CARTOGRAFIA PARTICIPATIVA COMO CAMINHO DIDÁTICO METODOLÓGICO

CONSTRUCTION OF GEOGRAPHICAL KNOWLEDGE IN QUILOMBOLA SCHOOL EDUCATION: PARTICIPATORY CARTOGRAPHY AS A METHODOLOGICAL DIDACTIC PATH

CONSTRUCCIÓN DEL CONOCIMIENTO GEOGRÁFICO EN LA EDUCACIÓN ESCOLAR QUILOMBOLA: LA CARTOGRAFÍA PARTICIPATIVA COMO CAMINO DIDÁCTICO METODOLÓGICO

BRENDA THAÍS GALDINO DA ROCHA
Universidade Federal do Ceará, Brasil
ADRYANE GORAYEB
Universidade Federal do Ceará, Brasil
LEILANE OLIVEIRA CHAVES
Universidade Federal do Ceará, Brasil
THANIA GORAYEB SUCUPIRA
Universidade Federal do Ceará, Brasil
GEOSABERES: Revista de Estudos Geoeducacionais, vol. 9, núm. 17, pp. 1-12, 2018
Universidade Federal do Ceará

Recepción: 10 Agosto 2017

Aprobación: 20 Noviembre 2017

INTRODUÇÃO

Muitos são os elementos que conduzem o sucesso ou insucesso dos processos da aprendizagem escolar. A interação professor-aluno, contextos social, espacial e histórico, a utilização de recursos midiáticos, dentre outros, são exemplos de condicionantes que podem influenciar significativamente para que as metas do ensino e aprendizagem sejam alcançadas.

Um dos elementos primordiais da condução dos processos educacionais é o currículo, mecanismo que organiza e propõe os conteúdos a serem lecionados nas instituições escolares (SANTOMÉ, 1995). Entretanto, são diversos os sujeitos sociais - de contextos distintos e singulares – atendidos pelo mesmo sistema educacional brasileiro, que majoritariamente privilegia visões hegemônicas e insuficientes frente à sociedade e sua intensa dinâmica.

As propostas mais vigentes de escolarização possuem lacunas que abrem margem para muitas críticas didático-pedagógicas. Santomé (1995) destaca que é evidente a presença de culturas hegemônicas no currículo brasileiro, onde culturas e vozes de grupos sociais minoritários e/ou marginalizados, que não dispõem de grandes estruturas de poder, são esquecidas, quando não estereotipadas; o que dificulta ou anula possibilidades de reação desses grupos.

Inseridos nesse quadro, os Quilombolas, que possuem grande representatividade na formação étnica e territorial brasileira, fazem parte da camada que, por muito tempo, foi silenciada nos documentos históricos oficiais. Lembrados também como mucambos e terras de preto, constituíam-se em comunidades isoladas que hoje significam “parte fundante da história brasileira, permanecendo até os dias atuais como símbolo de resistência e conservação de tradições” (SILVA, 2015, p.7). Contudo, estas comunidades, que sofreram desde a sistemática perseguição à posterior invisibilidade e abandono, carregam reflexos ao longo da história marcados por desprezo aos avanços sociais e efetivação de direitos desse povo (SILVA, 2015).

Diante da invisibilidade e descaso historicamente construídos, demonstra-se a importância de voltar o olhar às questões étnico-raciais no Brasil, e principalmente aos sistemas educacionais, que são os responsáveis pela difusão de uma educação justa e democrática. Dessa forma, neste artigo, pretende-se traçar reflexões e propor uma situação de aprendizagem a partir da utilização aplicada da Cartografia no ensino de Geografia, como subsídio de uma construção contextualizada e significativa da Educação Escolar Quilombola (EEQ).

Tal pretensão, auxiliada à análise de outros elementos influenciadores dos processos de ensino e aprendizagem, foi permitida através de experiências com 19 alunos do 9º Ano nas aulas de Geografia na Escola de Ensino Fundamental Olímpio Nogueira Lopes, situada na comunidade quilombola de Alto Alegre em Horizonte, região metropolitana de Fortaleza-Ceará, especializada no mapa abaixo:

A intervenção didática estruturou-se a partir da construção coletiva e participativa de mapas locais do território quilombola, dentro do espaço de construção do conhecimento geográfico no espaço escolar. Por meio da técnica overlay, utilizou-se imagens de satélite para a percepção espacial e sobre ela, papel poliester para a representação dos elementos a serem mapeados, trazendo e valorizando os conhecimentos sobre o "lugar" para a construção dos mapas e, assim, construindo um conhecimento geográfico aplicado e potencialmente atribuído de significado para os estudantes.

As análises permeadas neste ensaio foram referenciadas em experiências de mapeamento participativo em comunidades urbanas e rurais desenvolvidas por Gorayeb, Meireles e Silva (2015) e, em termos de aplicações didáticas da Cartografia na leitura geográfica do espaço, referenciais baseados nas experiências de Evangelista et al. (2015).

Dessa forma, este estudo privilegia os diversos aspectos do contexto local para a compreensão e a construção de proposições educativas para a Educação Escolar Quilombola, considerando a busca histórica e bibliográfica das questões étnico-raciais na legislação educacional e os contextos comunitários, físicos e simbólicos que influenciam no cotidiano escolar.

A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL NAS LEIS EDUCACIONAIS E A EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA NO BRASIL

É falho iniciar as discussões sobre a Educação dos negros no Brasil sem considerar os processos de exclusão aos quais foram submetidos durante a História, neste caso, especialmente os processos de escolarização.

Cruz (2005) destaca o silenciamento de vozes negras nos processos educacionais, onde evidencia o silenciamento legal (documental), marcado pela ausência de temas e fontes históricas que poderiam nos ensinar sobre as experiências educativas, escolares ou não, não só de afrodescendentes, como também de indígenas e outros povos tradicionais. Trata-se, portanto, de uma importante crítica conceitual dentro da problemática da carência de abordagens históricas sobre as trajetórias educacionais dos negros no Brasil.

Esse negligenciamento vem sendo amenizado ao longo do tempo, sendo fruto de lutas do Movimento Negro no Brasil. Desse modo, é importante salientar as leis educacionais numa perspectiva histórica, para analisar o avanço das abordagens étnico-raciais na construção educacional.

Dias (2005) salienta que a Lei de Diretrizes e Bases 4.024/61 (BRASIL, 1962), mesmo que de forma secundária, tratava como um de seus fins a condenação a quaisquer manifestações de preconceitos de classe ou de raça. A abordagem racial, mesmo que tangenciada e superficial, passa a existir e não se pode negar a relevância desse primeiro e significativo avanço.

Nesse quadro, o acesso à educação ainda era rarefeito, marcado pelo acesso às escolas públicas evidenciado apenas a partir do século XIX, onde foi possível perceber, pela primeira vez, a forte presença de negros nos processos de escolarização (CRUZ, 2005).

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de Geografia (BRASIL, 1998) ainda se abordam as questões raciais como temas transversais, revelando traços de um currículo ainda racialmente enviesado, onde as abordagens étnico-raciais são folclóricas, especialmente em datas comemorativas, e que refletem apenas em momentos pontuais do trabalho docente.

Muitas foram as etapas no percurso educacional brasileiro e a conquista mais assertiva dentro desse quadro, refere-se à Lei 10.639 que altera a Lei de Diretrizes e Bases de 1996 (BRASIL, 1996). Um dos primeiros atos do primeiro governo do ex-presidente Lula foi sancionar o projeto de lei que alterou, em 9 de Janeiro de 2003, os artigos 26 e 29 da mesma, atribuindo obrigatoriedade para a inclusão oficial da temática “História e Cultura Afro-brasileira” no ensino básico (DIAS, 2005).

De todos os avanços regidos pelas leis oficiais da educação, este, sem dúvida, revela-se o mais significativo. As questões étnico-raciais deixam de ser abordadas de forma tangencial e secundarizada para ser efetivamente orientada, em cunho obrigatório, em todas as escolas e modalidades do país. Observa-se, contudo, uma grande dificuldade de aplicação da lei, especialmente em relação à entrega dos materiais didáticos nas escolas e a formação contextualizada dos docentes.

Com efeito, no campo da educação em que medidas afirmativas para esse segmento já se faziam presentes, avança-se com o reconhecimento da necessidade de abordagem específica para Educação Escolar Quilombola (SILVA, 2015). Tal fato, abriu espaço para o surgimento das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a Educação Escolar Quilombola (EEQ), que em meio as comemorações do Dia Nacional da Consciência Negra em 2012, foi homologado o parecer do Conselho Nacional de Educação com a aprovação das referidas diretrizes (SILVA, 2015).

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola visam estabelecer orientações para o desenvolvimento da EEQ, o que representa a culminância de uma trajetória de debates e de reconhecimento, assim como aponta o início de uma nova etapa na efetivação de direitos para este segmento (SILVA, 2015, p. 9).

Com as referidas diretrizes cuidadosamente detalhadas, ao estabelecerem responsabilidades para União , Estados e Municípios, busca-se orientar o sistema de ensino para garantia da oferta da EEQ de forma articulada federativamente (SILVA, 2005). Em termos legais, a EEQ é oficializada por meio da Resolução CNE/CEB n. 8, de 20 de Novembro de 2012 (BRASIL, 2012).

Esta Resolução define que a EEQ compreende as escolas quilombolas – entendidas como aquelas localizadas em território quilombola – ou as escolas que atendem estudantes oriundos de territórios quilombolas, onde deve-se organizar o ensino ministrado informando-se, fundamentando-se e alimentando-se da memória coletiva, das línguas remanescentes, dos marcos civilizatórios, das práticas culturais, das tradições e demais manifestações que envolvem o patrimônio cultural das comunidades quilombolas em todo o país (BRASIL, 2012).

A Educação Escolar Quilombola delineia-se então sob os objetivos centrais de orientar os sistemas de ensino para garantir a EEQ nas diferentes etapas da Educação Básica e assegurar que os modelos de organização e gestão considerem as práticas socioculturais, a história, a territorialidade, a ancestralidade e os conhecimentos tradicionais desses povos, garantindo a construção de propostas educativas contextualizadas a tal realidade (BRASIL, 2012).

Desse modo, mesmo evidenciados avanços nas trajetórias educacionais, Sucupira (2015, p.41. Grifo nosso) lembra que

O estado brasileiro deve à população afrodescendente mecanismos de redução de desigualdade social, como formação educacional em todos os níveis [...] [e] as políticas públicas executadas não dão conta de abranger com amplitude o conjunto da população afro-brasileira e pobre, pois a qualidade da educação básica ofertada é insuficiente para conduzir a maioria dos cidadãos para os últimos anos do ensino médio.

Por tal motivo, as lutas e ações dos movimentos negros se alimentam, requerendo a busca pela efetivação dos direitos rumo a uma inclusão efetiva levando-se em consideração a igualdade sociorracial, incluindo a aplicabilidade da legislação e a formação de docentes para este novo ciclo.

Assumindo esta necessidade e entendendo a importância de empreender investigações e contribuições científicas acerca do tema, aponta-se também a necessidade de reconhecer os espaços, físicos e culturais, onde configuram-se as práticas educativas da EEQ, mecanismo diagnóstico que subsidia na avaliação e otimização do trabalho docente.

CONTEXTOS E ESPAÇOS DO AMBIENTE ESCOLAR

Alto Alegre é uma comunidade de 375 famílias quilombolas localizada nos municípios de Horizonte e Pacajus, ambos pertencentes à região metropolitana de Fortaleza – Ceará. Recentemente, em 2015, o território deste grupo foi regularizado pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), autorizando a desapropriação dos imóveis inseridos no território, com área de 498 hectares. (INCRA, 2015).

A instituição escolar, E.M.E.F. Olímpio Nogueira Lopes, localizada na porção territorial pertencente ao município de Horizonte, foi analisada na sua conjuntura administrativa, física e ideológica, buscando compreender quais fatores são significativos na construção e facilitação das aprendizagens no contexto quilombola.

Nos aspectos administrativos, encontrou-se uma realidade muito semelhante à de maioria massiva das escolas públicas do Brasil: salas pequenas, com climatização ineficiente e grande densidade de alunos, fato que influencia diretamente na dinâmica dentro de sala de aula e, consequentemente, no aproveitamento escolar. Na organização das estruturas físicas, notou-se a preocupação da equipe gestora pela adequação ao contexto quilombola. Zelo notado pela presença de artigos alusivos à cultura negra, como elementos de decoração e ludicidade no ambiente escolar, a exemplo, as bonecas (negras) de pano produzidas pelo Grupo de Mulheres de Alto Alegre, que compõem a decoração da biblioteca, demonstrando também a articulação com os projetos comunitários produzidos localmente.

Para a compreensão sobre organização ideológica da escola, realizou-se uma breve análise documental sobre o Projeto Político Pedagógico (PPP), documento que reflete a gestão e identidade docente da escola. Nas DCNs para a Educação Escolar Quilombola enfatiza-se que o PPP deve intrinsecamente estar organizado com a realidade histórica, regional, política, sociocultural e econômica das comunidades quilombolas, por isso orientou-se a análise buscando palavras-chave como etnia, raça, negro, quilombo e identidade racial. Contudo, pouco foi evidenciada a presença dos termos relacionados às questões étnico-raciais, encontrada apenas no ponto dedicado a tratar sobre a comunidade escolar, ou seja, se reconhecem os sujeitos, mas não há direcionamentos oficiais para a condução de um ensino e aprendizagem diferenciados.

Tal realidade é contrastada com o contexto comunitário local, que se manifesta com estruturas que reafirmam e trabalham sob o prisma da visibilidade da cultura negra na comunidade, sendo um quilombo de referência no Estado do Ceará pela atuação de políticas públicas afirmativas. A presença e ações conjuntas do Centro Cultural Negro Cazuza, do Núcleo de Promoção de Políticas Públicas de Igualdade Racial de Horizonte e a própria inserção de artigos produzidos pelos grupos comunitários dentro da escola, representam fortemente uma apropriação e reconhecimento do espaço escolar como formador de consciência étnica e racial.

A análise sobre as diversas esferas do ambiente escolar permite um rico diagnóstico sobre o funcionamento e possibilidades de atuação na escola, o que é primordial para o planejamento consciente e a atuação eficaz do professor. Nesse sentido, considerar tais fatores foi imprescindível para planejar e propor a Cartografia Participativa para o contexto escolar quilombola.

A CARTOGRAFIA PARTICIPATIVA NA CONTRIBUIÇÃO DO ENSINO DE GEOGRAFIA NA EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA

O mapa sempre foi um instrumento utilizado para localização, informação, comunicação e orientação para a vida humana. É, portanto, a forma conhecida de linguagem mais antiga, expressa por povos pré-históricos que não foram capazes de documentar seus registros de forma escrita, mas o fizeram por meio de expressões gráficas, recorrendo ao mapa como o mecanismo central de comunicação (ALMEIDA, 2011).

Desde as primeiras representações espaciais até os mapas virtuais e interativos que hoje temos acesso, há uma grande evolução de métodos, técnicas, materiais e teorias que acompanham o próprio desenvolvimento das ciências e tecnologia (ALMEIDA, 2011). Na esfera escolar, acompanhar tal dinamismo e trabalhar com a densidade técnica da Cartografia, tem sido desafiador para o trabalho dos docentes. A apreensão dos conteúdos não tem sido um processo simples e prático, o que exige do professor estar ainda mais atento ao aluno, considerando as suas experiências cotidianas como referência da Geografia construída em sala de aula e à contextualização das abordagens educativas, para a construção de saberes procedimentais e valorativos, princípios defendidos por Cavalcanti (2012) como “ideias motrizes” para o ensino de Geografia.

Rompendo a ideia de mera ilustração e localização que os mapas têm carregado nas utilizações em sala de aula, foi proposto um exercício de construção participativa com os conteúdos cartográficos, onde os conhecimentos conceituais e procedimentais da Cartografia são alcançados a partir de um envolvimento ativo no processo de aprendizagem.

INTERVENÇÃO DIDÁTICA E APLICAÇÃO DO MÉTODO DE CARTOGRAFIA PARTICIPATIVA

Com o objetivo de otimizar o ensino/aprendizagem e aproximar os contextos históricos, espaciais e sociais do alunado, os mapas envolveram o recorte espacial a que os alunos estão inseridos. Os conhecimentos prévios foram, neste caso, essenciais para a construção e trouxeram dinamismo à prática por associarem intrinsecamente os conteúdos da Cartografia com os conhecimentos e experiências cotidianas.

Assim, na experiência considerou-se o contexto quilombola de Alto Alegre, utilizando a delimitação territorial da terra coletiva disponibilizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), recorte espacial utilizado para o mapeamento, já que todos os alunos são residentes nesse território.

Foram realizadas, ao todo, nove visitas que antecedem o momento da aplicação e fizeram parte do diagnóstico para o planejamento da atividade, que envolveram momentos de reconhecimento do espaço escolar, acompanhamento de aulas de Geografia, entrevistas com gestores, professora e funcionários e visitas a equipamentos comunitários como o Centro Cultural Negro Cazuza e o Núcleo de Promoção das Políticas de Igualdade Racial de Horizonte. Todo o processo de acompanhamento e aplicação em sala de aula foi desenvolvido na turma de 7º ano, série que sucede o 6º ano, no qual as primeiras noções sistemáticas da Cartografia são trabalhadas.

O processo de construção da Cartografia Participativa teve seu desenvolvimento estruturado por três etapas ou princípios essenciais:

1. Preparação: Coube ao professor/facilitador da prática, em consenso democrático, delimitar o recorte espacial a ser mapeado e coletar as imagens de satélite para o reconhecimento e georreferenciamento das representações a serem cartografadas. As imagens com a delimitação sinalizada foram impressas para possibilitar a prática de overlay. Também foram necessários materiais para a delimitação das feições, como lápis de cor e canetas esferográficas.

2. Aplicação: Anterior à aplicação, esta intervenção exigiu um tratamento preliminar da matéria, pois as possibilidades de situação de aprendizagem são primordialmente a fixação de conteúdos e/ou avaliação da aprendizagem. Foram socializados conteúdos como os elementos essenciais de um mapa, a importância do mapa enquanto registro documental e reivindicatório e os princípios básicos da Cartografia Participativa. Os alunos organizaram-se em 3 grupos de aproximadamente 6 integrantes, para possibilitar uma partilha e construção coletiva, onde os conhecimentos sobre o território foram socializados (Figura 1), discutidos e mapeados sistematicamente (Figura 2). Cada equipe recebeu o material, passou por um momento de reconhecimento espacial com o encontro de pontos de referência e, após isso, foram orientados a desenvolveram os mapas participativos de acordo com os critérios que optaram por destacar no mapeamento, com 100 minutos dedicados à prática.



Figura 1 – Momento de reconhecimento e estabelecimento de pontos de referência na imagem de satélite.
Fotografia: Brenda Galdino (2015)



Figura 2 – Construção coletiva dos mapas participativos do território quilombola de Alto Alegre.
Fotografia: Brenda Galdino (2015)

3. Avaliação: Prezou-se pela análise na perspectiva dos principais atores da prática educativa: alunos e professor. A avaliação pelo professor aconteceu de forma indireta, processual e contínua. Assim, por meio de observações sistemáticas, atentou-se ao grau de interesse empreendido na atividade, à aplicação dos conteúdos conceituais da Cartografia – como a compreensão das relações de proporção, escala e demais sistemas de orientação – e o nível artístico e simbólico de organização das feições mapeadas. A avaliação pelos alunos foi mensurada através de um questionário simplificado com questões subjetivas para reconhecer a percepção dos alunos sobre a colaboração do mapeamento para a compreensão do território e a relevância do trabalho participativo e coletivo da construção para a ampliação de descobertas sobre o lugar, onde 19 alunos participantes registraram suas impressões.

Tais etapas de aplicação e características gerais da proposta foram sintetizadas no Quadro 1.


Quadro 1 - Síntese da proposta didática

RESULTADOS

Os resultados aqui representados são fruto da conexão dialógica entre a dimensão avaliativa do professor – por meio de observações sistemáticas - e a dimensão avaliativa do aluno – por meio da aplicação do questionário subjetivo.

Os produtos gerados por essa aplicação também permitiram uma avaliação qualitativa da aprendizagem, por meio da observação da aplicação de elementos que indicam as noções de alfabetização cartográfica proposta pelos PCNs, como as noções de legenda, escala, lateralidade, orientação e etc. (BRASIL, 1998).

Percebeu-se, através dos mapas gerados (Figuras 3, 4 e 5), que as noções de alfabetização cartográfica foram facilmente aplicadas, sem dificuldade notória. Todos atentaram a confecção da legenda, título e autoria, não estando visíveis apenas a escala e orientação de norte, possivelmente devido à presença destas informações na imagem de satélite utilizada.

Outro aspecto relevante a ser considerado foi o tipo da representação mapeada, ou mesmo as ausências, os “vazios cartográficos”, que revelam o pouco conhecimento (ou desconhecimento) sobre o território onde residem. A Figura 3 ilustra o mapa construído por uma das equipes, que tratou de abordagens mais genéricas (sem indicativos próprios), privilegiando a representação das infraestruturas, como ruas, casas e as empresas que são de relevante expressividade nesse município.

A Figura 4, que ilustra o mapa construído pela Equipe 2, evidencia o trabalho numa abordagem mais específica, nomeando as representações, inserindo vários tipos de representação, como ligados à infraestrutura, espaços da saúde, do trabalho, do lazer e espaços da cultura quilombola – percebido pelo mapeamento do Centro Cultural Negro Cazuza.

No mapa da Equipe 3, ilustrado pela Figura 5, percebem-se poucas feições representadas, porém diversificadas em vários tipos, representando também as hidrografias, espaços de trabalho (fábricas e indústrias) e os espaços de lazer, com destaque para os Parques de Vaquejada.



Figura 3 – Mapa, com legenda ampliada, construído pela equipe 1



Figura 4 - Mapa, com legenda ampliada, construído pela Equipe 1

Em relação à dimensão perceptiva dos alunos, através do questionário, evidenciou-se que a totalidade dos registros apontaram positivamente a construção da Cartografia Participativa para uma compreensão e aprendizado mais amplos sobre o território, assegurados por comentários como:

“Conheci alguns territórios perto do açude que eu não conhecia” (Aluno 1),

“Localizamos locais novos não só no Alto Alegre como em comunidades próximas” (Aluna 2),

“Podemos ter mais clareza sobre o lugar onde moramos” (Aluna 3),

“Facilitou a melhor circulação tanto para as áreas de trabalho quanto para as áreas de diversões” (Aluna 4).

As respostas sinalizaram o alcance positivo de uma dimensão perceptiva do espaço, anseio primordial dos estudos e produção dos materiais de cunho cartográfico no ensino.



Figura 5 - Mapa, com legenda ampliada, construído pela Equipe 3

Todos os mapas, além de representarem tecnicamente os elementos exigidos, trouxeram destaque para particularidades do território materializando, assim, a pretensão de articular os conhecimentos conceituais da Cartografia com o contexto de vivências e experiências no território quilombola.

A diversidade de tipos de representação mapeados revela a singularidade de percepções possíveis sobre o espaço. As experiências cotidianas junto à todas as outras construções cognitivas formam o prisma de análise que permite construir uma percepção espacial. Neste caso, a rarefeita presença de feições que remetem ao contexto quilombola diagnosticam o pouco conhecimento sobre os elementos deste território, porém, a construção processual da Cartografia Participativa foi um importante mecanismo de intervenção com essa realidade, ao trabalhar, dentro do espaço de ensino da Geografia, com a territorialidade quilombola.

Além de oferecer subsídios para novas compreensões sobre o território – e tal fato empreender importantes significados na EEQ – a CP oferece uma situação lúdica de aprendizagem, dinâmica e convidativa, onde os alunos aplicam sistematicamente os conteúdos conceituais e procedimentais da Cartografia e potencialmente constroem parte de uma formação cultural e racial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Educação tem sido um dos maiores desafios da sociedade contemporânea. Percebemos cada vez mais as múltiplas variáveis que condicionam e reconfiguram o ensino e aprendizagem, onde as reflexões e a criação de novos mecanismos para otimização da Educação são essencialmente necessárias para traçar novos caminhos.

Percebe-se a importância da atividade proposta como uma potencial ferramenta didática para conhecer, reconhecer e ressignificar o conhecimento sobre o espaço. No contexto quilombola, esse significado alcança dimensões ainda mais amplas, visto que, se faz necessário – em caráter de obrigatoriedade - o maior trabalho com a “geografia do aluno”, com a territorialidade, saberes e tradições quilombolas.

A Cartografia Participativa, no seu alcance cognitivo de (re)conhecimento espacial e construção ativa da aprendizagem reflete uma prática educativa contextualizada aos objetivos da Educação Escolar Quilombola e que responde ao trabalho de reconhecimento e reafirmação dos espaços (físicos ou ideológicos) da cultura negra dentro do espaço escolar. Além disso, este estudo representa um esforço de sistematizar experiências para o ensino de Geografia que contribuam para a construção de uma Educação contextualizada, alcançável e significativa.

Material suplementario
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, R, D. (Org). Cartografia Escolar. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2011.
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola. 2012. Resolução nº 08, de 20 de novembro de 2012. Diário Oficial da União. Brasília, 2012.
BRASIL. Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996.
BRASIL. Lei n. 4.024 de 20 de dezembro de 1961. Fixa a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1962.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Geografia. 1998. Disponível em: . Acesso em: 04 abril 2015.
CAVANCANTI, L. S. O ensino de Geografia na Escola. Campinas: Papirus Editora, 2012.
CRUZ, M. S. Uma abordagem sobre a história da Educação dos negros. In: ROMÃO, J. (Org). História da Educação do negro e outras histórias. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.
DIAS, L. R. Quantos passos já foram dados? A questão de raça nas leis educacionais – Da LDB de 1961 à Lei 10.639, de 2003. In: ROMÃO, J. (Org). História da Educação do negro e outras histórias. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.
EVANGELISTA, A. N. A; COSTA, J. M; ROCHA, B. T. G; ALBUQUERQUE, A. M; GORAYEB, A; SANTOS, J. O. A Cartografia e sua aplicação no conhecimento prático de comunidades urbanas vulnerabilizadas. In: GORAYEB, A; MEIRELES, A. J. A; SILVA, E. V (Org.). Cartografia Social e Cidadania: experiências de mapeamento participativo dos territórios de comunidades urbanas e tradicionais. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora, 2015. P. 25 -38.
GORAYEB, A; MEIRELES, A. J. A; SILVA, E. V. Princípios básicos de Cartografia e construção de mapas sociais: metodologias aplicadas ao mapeamento participativo. In: GORAYEB, A; MEIRELES, A. J. A; SILVA, E. V (Org.). Cartografia Social e Cidadania: experiências de mapeamento participativo dos territórios de comunidades urbanas e tradicionais. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora, 2015. P. 9 -24.
INCRA. Decreto regulariza território quilombola Alto Alegre e Adjacência / Base no Ceará. Disponível em: . Acesso em: 19 Junho 2016.
SANTOMÉ, Jurjo Torres. As culturas negadas e silenciadas no currículo. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Trad. Tomaz Tadeu da Silva. Petrópolis: Vozes, 1995.SILVA, T. D. Educação Escolar Quilombola no senso da Educação Básica. Rio de Janeiro: IPEA, 2015.
SUCUPIRA, T. G. Quilombo Boqueirão da Arara, Ceará: Memórias, Histórias e Práticas Educativas. 2015. 107 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2015.
Notas


Figura 1 – Momento de reconhecimento e estabelecimento de pontos de referência na imagem de satélite.
Fotografia: Brenda Galdino (2015)


Figura 2 – Construção coletiva dos mapas participativos do território quilombola de Alto Alegre.
Fotografia: Brenda Galdino (2015)

Quadro 1 - Síntese da proposta didática



Figura 3 – Mapa, com legenda ampliada, construído pela equipe 1


Figura 4 - Mapa, com legenda ampliada, construído pela Equipe 1


Figura 5 - Mapa, com legenda ampliada, construído pela Equipe 3
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