Resumo: Roraima apresenta uma diversidade de paisagens, com fitofisionomias distintas como florestas, campinas-campinaranas e savanas, o qual constitui a maior área de campos naturais da Amazônia. O estudo dos fatores que possam causar perturbações ao ambiente aquático é fundamental para discussões e ações relacionadas a sua conservação. O objetivo do trabalho é realizar um levantamento dos fatores geoambientais que envolvem a bacia do Igarapé Água Boa do Bom Intento. As características geoambientais demostram que a bacia do Igarapé apresenta quatro tipos de solos, predominando o Argissolo Amarelo e o Latossolo Amarelo com pequena mancha de Argissolo Acinzentado e Neossolos Fluvicos, são solos frágeis a erosão e pobres quimicamente. O relevo é plano a levemente ondulado com a presença de lagos nas épocas de maior intensidade de chuvas. O clima é o tropical monçônico do tipo Awi, com altas temperaturas médias anuais de 26ºC e estação seca acentuada com pico entre dezembro e março e o período de chuvas que entre os meses de abril a setembro. O sistema de savanas é classificado em Savana Parque – Sp, Savana Graminosa ou Gramíneo-Lenhosa – Sg e outras como Ilha de Mata.
Palavras-chave:CerradoCerrado, Savana Savana, Lavrado Lavrado, Amazônia Amazônia.
Abstract: Roraima presents a diversity of landscapes, establishing distinct phytophysiognomies such as forests, campinas-campinaranas and savannas, which constitutes the largest area of natural fields of the Amazon. The study of factors that causes disruption to the aquatic environment are fundamental for discussions and actions related to its conservation. The objective of this work is to do a research about the geoenvironmental factors that inflict directly to the water from the Igarapé Água Boa do Bom Intento. The geoenvironmental characteristics show that the Igarapé basin presents four types of soils, predominating the Yellow Argisol and the Yellow Latosol with a small spot of Argisol and Fluid Neosols, are fragile soils and poor chemically. The relief is flat to slightly undulating with the presence of lakes in times of greater intensity of rains. The climate is tropical Awi type monsoon, with high average annual temperatures of 26ºC and sharp dry season with peak between December and March and the period of rains that between the months of April to September. The savanna system is classified in Savana Park - Sp, Graminaceous or Gramineous - Lenhosa - Sg, and others such as Mata Island.
Keywords: Cerrado, Savanna, Lavrado, Amazon.
Resumen: Roraima tiene una diversidad de paisajes, el establecimiento de distintos tipos de vegetación, como los bosques, praderas y sabanas-campinaranas, que constituye la mayor superficie de campos naturales de la Amazonia. El estudio de los factores que podrían causar interrupciones en el medio acuático son fundamentales para las discusiones y acciones relacionadas con su conservación. El objetivo es llevar a cabo un estudio de los factores geo-ambientales relacionados con la cuenca del Igarapé Agua Boa do Bom Intento. Las características geoambientales demuestran que la cuenca del Igarapé presenta cuatro tipos de suelos, predominando el Argissolo Amarillo y el Latosol Amarillo con pequeña mancha de Argisolo Acinzentado y Neosolos Fluvicos, son suelos frágiles la erosión y los pobres químicamente. El relieve es plano a ligeramente ondulado con la presencia de lagos en las épocas de mayor intensidad de lluvias. El clima es el tropical monzónico del tipo Awi, con altas temperaturas medias anuales de 26ºC y estación seca acentuada con pico entre diciembre y marzo y el período de lluvias que entre los meses de abril a septiembre. El sistema de sabanas se clasifica en Savana Parque - Sp, Savana Graminosa o Gramíneo-Lenhosa - Sg y otras como Isla de Mata.
Palabras clave: Cerrado, la sabana, Lavrado, el Amazonas.
CARACTERÍSTICAS GEOAMBIENTAIS DA BACIA HIDROGRÁFICA DO IGARAPÉ ÁGUA BOA DO BOM INTENTO, BOA VISTA, RORAIMA
GEOAMBIENTAL CHARACTERISTICS OF THE IGARAPÉ ÁGUA BOA DO BOM INTENTO, BOA VISTA, RORAIMA
CARACTERÍSTICAS CUENCA GEOAMBIENTAL IGARAPÉ ÁGUA BOA DO BOM INTENTO, BOA VISTA, RORAIMA
Recepção: 17 Maio 2017
Aprovação: 20 Novembro 2017
Roraima localiza-se no extremo norte da Amazônia Brasileira e abrange uma área física de 224.301,08 km2 (IBGE, 2015). É uma das regiões do território nacional de maior variedade de ambientes ecológicos, onde as altitudes variam de 100 até mais de 3.000 metros (VELOSO et al, 1975). Faz fronteira com os países da República Cooperativista da Guiana e a República Bolivariana de Venezuela e com os estados do Amazonas e do Pará. Seu espaço fitofisionômico original pode ser dividido em três grandes sistemas ecológicos: Floresta, Campinas-campinaranas e Savanas ou Cerrados (BARBOSA, COSTA E SOUSA, XAUD, 2005). Savana é um termo indígena oriundo da América Central que foi incorporado à língua espanhola, e que passou mundialmente a designar estas paisagens de vegetação aberta encontradas na zona tropical do planeta (FONSECA, 2008).
Segundo Fonseca (2008), Simões-Filho, Turcq, Sifeddine, (2010) podemos acrescentar ainda o termo o qual é regionalmente chamado: lavrado. Assim os termos para a região de campos abertos: Savanas, Cerrados e Lavrados serão considerados sinônimos. O lavrado de Roraima corresponde a mais de 2/3 das chamadas Savanas da Guiana, que se estendem entre Venezuela, Brasil e República da Guiana. O Estado possui a particularidade de apresentar a maior área continua de savanas da Amazônia, ocupando cerca de 20% do estado (BARBOSA et al, 2007).
É nesta região que se encontra o objeto de estudo, o Igarapé Água Boa do Bom Intento, também conhecido como Água Boa de Cima. Em relação a região onde ele se localiza também é conhecido em dois nomes: Região do Jararaca ou Região do Bom Intento, sendo este último mais usado pelos proprietários de lotes da região.
Essa região onde está localizada o Igarapé, descriminado como Lavrado está localizado ao longo de toda a bacia do Alto Rio Branco, caracterizada pelos campos que se estendem pelas ondulações do pediplano de Boa Vista, entremeados de lagoas temporárias, as vezes permanentes e densa rede de drenagem ladeada por veredas de Buritis (Mauritia flexuosa L.) (BARBOSA, MIRANDA, 2005)
Igarapé é um curso d'água presente na região amazônica de primeira ou segunda ordem, componentes primários de tributação de rios pequenos, médios e grandes. Existem em grande número na Bacia Amazônica. Na região de lavrado, caracterizam-se pela pouca profundidade, estreitos, faixas estreitas de matas ciliares, ou ausência destas e águas claras com poucos sedimentos. A palavra foi adotada da língua derivada do tupi. Significa, literalmente, "caminho de canoa", através da junção dos termos ygara (canoa) e apé (caminho) (BARBOSA et al, 2007).
Nos ambientes naturais como o Lavrado, os igarapés apresentam características que tendem a ser bem estabelecidas, sofrendo apenas variações sazonais, que se repetem regularmente ao longo do tempo, alterando muito lentamente esta condição à medida que o sistema evolui. Os igarapés característicos do Lavrado Roraimense, embora bastante heterogêneo, mantém nítidas regularidades nos ambientes e nos processos. Quando começa a haver influência do homem, as alterações já não são assim tão regulares, ainda que o sistema natural consiga absorver certo grau de perturbação mantendo suas propriedades.
Os seres humanos causam perturbações que muitas vezes não permitem que o ambiente se recupere. Um exemplo de pressão excessiva sobre o meio ambiente é a ocupação desordenada das bacias hidrográficas, principalmente quando um grande contingente se estabelece sem o menor planejamento e sem o devido acompanhamento do estado.
O objetivo deste trabalho é realizar o levantamento dos fatores geoambientais que envolvem a bacia do Igarapé Água Boa do Bom Intento, o qual auxiliará na pesquisa relacionada a identificação e prevenção de impactos ambientais, manutenção e recuperação da qualidade ambiental do igarapé, podendo estas informações serem utilizadas, para outras áreas do lavrado, tão rica e abundante de igarapés e de condições similares, auxiliando na melhor definição de tipos de manejo e práticas de conservação de solos, água e vegetação para cada sistema de ocupação e uso do solo e consequentemente, à saúde da fauna, flora e ao homem que ali vive, assim como as suas futuras gerações.
A bacia hidrográfica do igarapé Água Boa do Bom Intento está inserida nas coordenadas geográficas: Norte (N) – Lat. 3º 08’ 17,58” e Long. 60º 37’ 00,15”; Sul (S) - Lat. 2º 52’ 41,12” e Long. 60º 35’ 01,25”; Leste (L) – Lat. 2º 59’ 52,97”e Long. 60º 30’ 57,69” e Oeste (O) – Lat. 3º 00’ 33,08” Long. 60º 39’ 46,88”, (Figura 1) distante a 22 km da cidade de Boa Vista – RR, com acesso pela estrada BVA-349 (margem esquerda) e pela BVA-347 (margem direita). O igarapé apresenta um comprimento de 32,1970 km, partindo da sua nascente que fica próximo a estrada (RR - 319) de acesso da Região do Passarão a até o encontro com a margem direita do Rio Branco. A bacia apresenta uma área total de 27.179,3948 hectares.
A metodologia usada inicialmente foi uma pesquisa bibliográfica para o levantamento de informações a respeito do assunto abordado, destacando autores que discutem os parâmetros geológicos, geomorfológicos, pedológicos e fitogeológicos da região da savana de Roraima. Foram realizadas visitas na região, compreendendo os meses de agosto de 2016 a março de 2017.
As visitas em campo foram realizadas para se conhecer in loco a região, buscando o levantamento de informações a respeito do solo, relevo, vegetação, recursos hídricos, assim como as atividades humanas do entorno do igarapé. Durante as visitas, por meio de GPS (Global Positioning System) foram obtidas coordenadas geográficas e fotografias para registrar ao longo da bacia os diferentes tipos de relevo, vegetação, solos, recursos hídrico e fatores de degradação como lixos, erosões, desmatamentos, assim como a localização das residências e foças sépticas.
Imagens de satélite também foram essenciais para complementar o estudo da região do Igarapé Água Boa do Bom Intento, sendo utilizados software QGIS e shapes do Zoneamento Ecológico Econômico - ZEE (2002), do estado de Roraima, imagens LANDSAT 8. Os dados de campo foram utilizados para a complementação das informações presentes no material cartográfico produzido.
CONDIÇÕES GEOLÓGICAS E GEOMORFOLÓGICAS
A área de estudo está presente na Formação Boa Vista (Pleistoceno Superior – Holoceno), que é o resultado geomorfológico de um arrasamento erosional que preencheu totalmente o Graben do Takutu com mais de 2.000m de sedimentos provenientes da destruição de remanescentes do Grupo Roraima (SCHAEFER, VALE JR. 1997) e na formação Areias Brancas, que são áreas úmidas abertas sendo associadas a areias brancas, depósitos desenvolvidos no Terciário e Quaternário, formados pelos processos constante de intemperismo químico do relevo de escudos cristalinos e mobilização do manto de intemperismo (saprólito) pela oscilação do freático, com pequenos igarapés que drenam estes ambientes (CARVALHO, 2014).
Os lavrados onde está o Igarapé Água Boa do Bom Intento são de baixa a média altitude (<600m) localizadas no centro sul do estado, com depressões do terreno (abaciamento) que geram sistemas de lagos perenes e estacionais.
Reis et al., (2003) caracteriza o estado de Roraima em 4 domínios, sendo Guiana Central onde está localizado a região do Igarapé Água Boa do Bom Intento. Esse domínio caracteriza-se por associações geológicas, idades e feições estruturais específicas, de erosões e deposições cíclicas, desde o jurássico, e a alternâncias climáticas (VALE JR, SOUSA, 2005)
Na área do domínio da Guiana Central, Reis et al. (2003) assinalaram ampla sedimentação cenozoica relacionada a formação Boa Vista (Neogeno) e Areias Brancas (Pleistoceno Superior – Holoceno).
O solo é um componente ambiental complexo, e variações em suas propriedades físicas, químicas e biológicas. São importantes definidoras de padrões ecológicos e do próprio uso da terra (MELO et al, 2010).
Na região da formação Boa Vista, domínio Guiana Central apresentam os solos da bacia do Igarapé Água Boa do Bom Intento classificados em dois tipos principais: Argissolo Acizentado alumínico e Latossolo Amarelo alumínico, (Figura 3)(CPRM, 2003;ZEE, 2002).
São solos com severas limitações químicas, que em grande parte, são ditadas pela natureza geológica do substrato (material de origem) e das condições climáticas (MELO et al, 2010; VALE JR, SOUSA, 2005). Apresentam baixa fertilidade natural, baixa saturação de bases, elevada saturação por alumínio. Porém, apresentam boas características morfológicas e físicas, que quando bem manejados no que diz respeito a sua fertilidade podem ter bons índices de produção agrícola (VALE JR, SOUSA, 2005).
Os Argissolo Acinzentado e Latossolo amarelo são solos bem desenvolvidos, formados a partir de sedimentos argilosos e argilo-arenosos referidos ao Quaternário-Pleistoceno e cobertura Sedimentar Terciária à Pleistocênica (VALE JR, SOUSA, 2005). São solos profundos, bem drenados com características bastante uniformes ao longo do perfil, com horizonte A fraco ou moderado, e teores de carbono baixos. Esses solos apresentam textura média (15 a 35% de argila) a argilosa (35 a 60% de argila), altamente intemperizados e ausência de cerosidade (MELO et al, 2010;VALE JR, SOUSA, 2005). Quando secos são duros (coesos) principalmente entre 20 – 50 cm de profundidade, sendo uma das maiores limitações ao uso com plantas perenes, devido à dificuldade de enraizamento (MELO et al. 2010).
Como características desses solos, eles apresentam baixa fertilidade natural, ácidos a fortemente ácidos, com baixos valores de cátions trocáveis (Ca2+, Mg2+, e K+), com Al dominando o complexo de troca, embora não superior a 0,5 cmolckg-1 de solo. O fosforo disponível é baixo, sendo um dos fatores mais limitantes a exploração agrícola, baixo teor de matéria orgânica principalmente pela ação constante do fogo e rápida mineralização, apresentam valores inferiores a 2%. São solos que requerem corretivos e fertilizantes para produzir de forma satisfatória (MELO et al., 2010).
Já no encontro do Igarapé com o Rio Branco, principal rio do Estado de Roraima, há presença de Neossolo Flúvico, que pertence as áreas de calha do Rio Branco (várzea), áreas que alagam nos períodos de maior precipitação pluviométrica (Figura 4).
O Neossolo Flúvico encontrado são solos jovens (Sedimentos do Quaternário, período Holocênico) derivados do depósito de sedimentos transportados pelas águas fluviais do Rio Branco (várzea). Apresenta textura indiscriminada dependendo da composição do material originário, são excessivamente a imperfeitamente drenados. Devido receberem adição de material transportado pelo rio, durante as cheias anuais, apresentam alta concentração de matéria orgânica, sendo solos com melhores níveis de fertilidade, com maiores valores de bases trocáveis e maiores valores de para CTC, quando comparados ao Latossolo amarelo e Argissolo Acinzentado (MELO et al., 2010; VALE JÚNIOR, SOUSA, 2005).
A cabeceira que corresponde ao alto curso do igarapé, é representado por um relevo plano, originado pelo entalhamento incipiente da drenagem. A drenagem é constituída por pequenos igarapés, efluentes do Igarapé Água Boa do Bom Intento, marcados por alinhamentos de buritis em um sistema de vereda, mostrando a influência da dissecação atual em avanço sobre a área de campo.
Na cabeceira do Igarapé (Figura 4), o lavrado apresenta um sistema de lagoas perenes ou estacionais relacionadas a redes de drenagens jovens e pouco desenvolvidas. Elas se formam em regiões planas associadas a bacias pequenas, geralmente sem influência de descargas fluviais de médio e grande porte, existentes na Formação Boa Vista (SIMÕES-FILHO et al. 1997).
Essas regiões se destacam para a conservação tanto pela importância hidrológica quanto pela fauna e flora associada. As lagoas estão diretamente relacionadas à recarga dos aquíferos e podem ou não estar interligadas entre si, ou com igarapés e buritizais (CARRANZA, 2006).
ASPECTOS CLIMÁTICOS
Os dados de clima da região do Igarapé Água boa do Bom Intento, serão representados por estudos realizados na cidade de Boa Vista, uma vez que este a única referência mais próxima e que está presente no Bioma Cerrado.
O clima na região de Lavrado é úmido e marcado por estações de secas prolongadas de até seis meses, essa região encontra-se inserida entre dois centros de alta precipitação: as Guianas que recebem diretamente a umidade atlântica traída pelos ventos alísios de leste a nordeste e a Amazônia Central, onde se encontra o máximo da zona de convergência intertropical (SIMÕES-FILHO, TURCQ, SIFEDDINE, 2010).
O clima que caracteriza a região dos lavrados de Roraima é o tropical monçônico do tipo Awi (tropical úmido sem estação fria) pela classificação de Köppen, com altas temperaturas médias anuais de aproximadamente 26ºC e estação seca acentuada com pico entre dezembro e março e o período de chuvas que ocorrem de entre os meses de abril a setembro, que concentra cerca de 80% dos totais anuais precipitados ao longo do ano (SILVA et al., 2015). Araújo et al. (2001) acrescenta que nos meses de junho e julho ocorrem as maiores precipitações do ano com médias superiores a 330 mm e que 80% da precipitação ocorrem nos meses de maio, junho, julho e agosto. Essa condição diverge ao observado na maior parte da Amazônia, onde o seu período chuvoso é entre os meses de outubro a março (BARBOSA, MIRANDA, 2005;SANDER, 2015; SILVA et al., 2015).
A série histórica mais completa da região está estabelecida na cidade de Boa Vista (capital de Roraima), levantada de um pouco mais de um século (1910 a 2014) na Estação de Meteorologia de Boa Vista, situada na porção centro-sul dos lavrados locais, apresentou uma média total de 1.637,7 mm/ano (SILVA, et al, 2015). Essa média é bem semelhante as apresentadas por Araújo et al. (2001) e Barbosa et al., (2007), onde apresentaram para o período de 1910-2000 uma média anual de 1.634,00 mm/ano e média mensal da umidade relativa do ar varia de 66-82%.
Nos meses de novembro a março, durante a vigência da estação seca, há a presença de uma massa de ar Equatorial Atlântica (Norte) que atua na região de lavrados, promovendo ventos alísios constantes, sendo denominados localmente de Cruviana, que são responsáveis por favorecer a dissipação da umidade do ar e redução das chuvas (SILVA et al.,2015).
A região do lavrado está localizada totalmente no hemisfério Norte, porém, as estações do ano, para Roraima, são determinadas pelo período de chuva e pelo período de estiagem, conhecidos localmente como inverno e verão. Quando no hemisfério Norte é inverno (boreal), nos meses de dezembro a março, especificamente chamamos de verão, devido a extrema queda dos índices pluviométricos, e quando é verão no hemisfério Norte, nos meses de junho a setembro, regionalmente chamamos de inverno.
Esses períodos extremos (quatro meses de chuvas intensas e quatro meses de extrema falta de chuva) segundo Barbosa et al., (1997), possui uma estreita relação com o tipo de vegetação e do relevo local, pois em ambos os casos, a pluviosidade se torna, em parte, responsável pela manutenção da paisagem fisionômica do presente.
RECURSOS HÍDRICOS (BACIA HIDROGRÁFICA) E SUPERFICIAIS E SUBTERRÂNEOS
O lavrado é um ecossistema único, sem correspondente em outra região do pais que apresenta uma característica de possuir uma diversidade de recursos hídricos (lagos, igarapés, rios). Os lavrados são cortados por uma gama de igarapés com veredas de buritizais, o qual demostra a sua importância como reserva hídrica e ainda como viveiros de diversos animais.
Os lagos apresentam importante papel na paisagem do lavrado, possuindo formas goticulares, circulares, elipsoidal e geminas estão sempre ligados a igarapés os quais constituem suas nascentes. Na sua grande maioria são influenciados pela sazonalidade, ou seja, grande parte é intermitente, devido apresentarem tamanho pequeno e pouca profundidade, correspondendo com cerca de 65% do total dos lagos segundo estudos realizados por Meneses, Costa, Costa (2007).
Os lagos surgiram quando o pediplano pós-formação Boa Vista aplainou essa área deixando algumas depressões, onde inúmeras lagoas, geralmente de formas circulares ocuparam estas depressões isoladas por tesos, e a partir do transbordamento de várias lagoas em coalescência formam-se os igarapés e cursos d’águas locais, onde os igarapés originam sistemas de veredas com drenagem continua, criando o entalho de talvegue (margens), instalando os igarapés (SIMÕES-FILHO, TURCQ, SIFEDDINE, 2010). Nas margens vão se penetrando elementos de floresta, árvores, arbustos e palmeiras formando uma área verde de mata ciliar.
Alguns lagos chegam a desaparecer devido a erosão dos tesos, pela instalação da drenagem que passa a transportar o material do entulhamento das lagoas, onde as veredas evoluem com a vegetação das margens, passando a nível de drenagem de primeira ordem. Esse processo também implica na formação de lagoas fechadas e redondas, tendendo a ovaladas ou ameboides. No período de estiagem algumas tendem a secar, mas não desaparecer da paisagem, podendo manter-se com um pequeno núcleo de água ou brejos (SIMÕES-FILHO, TURCQ, SIFEDDINE, 2010).
Na cabeceira do Igarapé Água Boa do Bom Intento ocorre a presença de inúmeras lagoas, que acumulam água por um período determinado do ano, mas que são fundamentais para a recarga do lençol freático, que abastece o igarapé de maneira intermitente.
São lagos que apresentam diversas formações, interligados, rasos e sem presença de vegetação superior. Ainda dentro da bacia do Igarapé Água Boa do Bom Intento nas áreas do igarapé consolidadas, há a presença de alguns lagos que dependendo da distribuição das chuvas, passam uma sequência de anos cheio e em outros períodos, secam completamente.
Os lavrados de baixa e média altitude (< 600m) estão quase que totalmente concentradas ao centro e ao sul desta ecorregião, em meio a alguns resíduos geológicos basálticos e depressões do terreno (abaciamentos) que geram sistemas de lagos perenes e estacionais. Em ambos os casos existem redes de drenagem baseadas em interconexões denominadas de “veredas” de buritizais (M. flexuosa L.) que nada mais são do que córregos que ligam os lagos aos rios de maior fluxo de água.
A região do Igarape Água Boa do Bom Intento está no sistema águifero Boa Vista que apresenta as seguintes características, segundo ZEE (2002): aquífero Intergranular descontínuo, livre a semiconfinado, por vezes confinado. Alta potencialidade, permeabilidade na faixa de 6,7 a 8x10-4 m/s e transmissividade na faixa 1,3 a 3 x 10-2 m2 /s. Água de boa qualidade com baixos teores de sais dissolvidos (condutividade elétrica média de 33 microS/cm2). Aproveitamento por poços tubulares com média de 40 metros de profundidade, com vazões de produção de até 79,2 m3 /h.
FITOGEOGRAFIA
Segundo Schaefer e Vale Júnior (1997) o processo de construção da paisagem dos lavrados presente no extremo norte da Amazônia Brasileira está diretamente ligada a eventos tectônicos, erosionais e flutuações climáticas do passado. Essa cobertura vegetal se desenvolve sobre extensa superfície plana e levemente ondulada, com dissecação variando de muito baixa a baixa, esculpidas em rochas sedimentares pleistocênicas e ígneo-metamórficas (ZEE, 2002).
Segundo Veloso et al., (1975), vários estudos foram realizados para a determinação da tipologia vegetal para as regiões de Roraima, onde Burtt-Davy em 1938 classificou dos tipos de vegetação para os trópicos, onde citou pela primeira vez o termo savana para formações herbáceas tropicais. Azevedo em 1950 apresentou o termo cerrado e para a formação arbustiva e herbáceas para o Brasil. Já em 1951 Oviedo e Valdes usaram o termo savana para designar as savanas Venezuelanas, mas somente a partir de 1806 é que o termo foi inserido no vocabulário fitogeográfico.
O termo savana, cerrado e lavrado são sinônimos e podem ser usados para identificar a paisagem de vegetação aberta situada nos limites internacionais do Brasil, Guiana e Venezuela (BARBOSA et al., 2007). O termo lavrado é o mais estabelecido pela população local para se determinar áreas de campos abertos, com vegetações predominantes de gramíneas, com poucas árvores, com relevo plano a levemente ondulado e com presença de lagos nas épocas de maior intensidade de chuvas.
Por definição fitogeográfica, o lavrado faz parte da ecorregião das Savanas das Guianas que pertence ao Bioma Amazônia (CAPOBIANCO et al., 2001; FERREIRA, 2001;BARBOSA, MIRANDA, 2005).
O estado de Roraima possui o maior bloco contínuo de lavrados do extremo norte da Amazônia brasileira, com grandes semelhanças com o Bioma do Cerrado da região central do Brasil, porém os lavrados Roraimenses, apresenta funcionamento e florística diferentes (BARBOSA et al., 2007).
Pelo fato de serem constituídas por um conjunto diversificado de fitofisionomias, formadas por mosaicos não florestais (formação abertas) e florestais, associadas a diferentes tipos de solo e clima, a Ecorregião das Savanas das Guianas é classificada de forma diferente do Cerrado do Brasil Central, uma vez que possui vegetação aberta, dominada pelo estrato herbáceo (ervas e capins), eventualmente com árvores e arbustos em diferentes densidades (BARBOSA et al., 2007)
As áreas de lavrado apresentam alta concentração de indivíduos em poucas espécies, sendo consideradas as espécies chaves a Curatella americana L. (Dilleniaceae), Byrsonima crassifolia (L.) Kunth., (Malpighiaceae) e B. coccolobifolia Kunth. (Malpighiaceae), que representam cerca de 60-70% do número de indivíduos e mais de 80% do total de biomassa viva acima do solo nas savanas de Roraima (BARBOSA, 2001). Somadas a outras espécies arbóreas comuns, como Bowdichia virgilioides Kunth. (Fabaceae), Himatanthus articulatus (Vahl.) Woods. (Apocynaceae), Antonia ovata Pohl. (Loganiaceae), Roupala montana Aubl. (Proteaceae), Xylopia aromática (Lam.) Mart. (Annonaceae), e mais cinco espécies descritas em Barbosa e Fearnside (2004, 2005), formam a base do estrato arbóreo-arbustivo de toda a área de lavrados abertas de Roraima.
Barbosa et al., (2007) contabiliza mais de 250 espécies do estrato herbáceo como Poaceae, Cyperaceae e outras ervas de pequeno porte, além de 71 espécies (52 gêneros e 30 famílias) de plantas arbóreo-arbustivas
O lavrado é drenado por igarapés, que na sua grande maioria são intermitentes, consorciados com Mauritia flexuosaI (SIMÕES-FILHO, TURCQ, SIFEDDINE, 2010).
As savanas de Roraima são classificadas em Savana (Savana Arbórea Densa - Sd, Savana Arbórea Aberta – As, Savana Parque – Sp, Savana Graminosa ou Gramíneo-Lenhosa – Sg) Savana Estépica (Savana Estépica Arbórea Densa – Td, Savana Estépica Arbórea Aberta – Ta, Savana Estépica Graminosa – Tg) e Outros Sistemas (Ilha de Mata, Mata de Galeria, Matas de Buritis ou Buritizais) como demonstra Barbosa e Miranda (2005).
Dentre estas, a área de estudo está presente nas seguintes fisiografia:
- Savana Parque (Sp): agrupam-se principalmente na região centro e oeste das savanas, limites com floresta estacional de transição. Entretanto, não são continuas e podem ser percebidas facilmente em outras áreas. Caracteriza-se por uma distribuição agrupada dos elementos lenhosos, o que pode lhe conferir uma fisionomia em moitas, apresentando uma elevada área basal, densidade de indivíduos e grau de cobertura. A Curatela americana L (caimbé) e as Brysonima spp (mirixis e muricis) as espécies características dessa tipologia.
- Savana Graminosa ou Gramíneo-lenhosa (Sg): localizada ao longo de toda a bacia do alto Rio Branco, caracteriza-se pelos campos que se estendem pelas ondulações do pediplano de Boa Vista, entremeados de lagoas temporárias, às vezes permanentes, e densa rede de drenagem ladeada por veredas de buritis. Esses campos podem ser divididos em duas sub-unidades paisagísticas: 1 – campo limpo – caracterizado pela dominância do extrato graminoso e pela presença ou não de espécies sub -arbustiva Byrsonima verbascifolia (L) DC. (Mirixi orelha de burro) e 2 – campo sujo – ainda com forte presença do extrato graminoso, mas observadas com maior densidade de espécies arbóreo-arbustuvas de pequeno porte, principalmente de Byrsonima cf intermedia A. Juss. e B.crassifolia (L) H.B.K, além de raros indivíduos de C. americana L.
- Outros Sistemas: distribuídas pelas savanas encontra-se na região outras formações distintas como: 1 – Pequenas Ilhas de Florestas (ilha de mata), geralmente de forma circular ou elíptica, 2 – Matas de Galeria às margens dos igarapés ou rios que drenam a região e 3 – Matas de Buritis ou Buritizais que acompanham pequenos cursos d’água, geralmente estacionais, muito comum principalmente não região da Formação Boa Vista. Embora distantes de uma fisionomia graminosa com esparsas árvores, estes ecossistemas florestais são parte integrante do grande mosaico de unidades vegetais que formam a paisagem geral das Savanas de Roraima.
A origem da atual flora e diversidade de ecossistemas naturais dos lavrados em Roraima é agora mais claramente explicada como o resultado de interações edafoclimáticas ocorridas ao longo dos últimos períodos glaciais e interglaciais. Estas interações, associadas, por exemplo, ao tipo de solo e dinâmica de flutuação do lençol freático, produziram ecossistemas em mosaico, formando veredas de buritizais, lagos, florestas ribeirinhas, ilhas de mata e florestas de altitude.
As interações naturais desses ambientes produzem “rotas” de dispersão e trocas gênicas muito específicas neste ambiente amazônico. Entretanto, o uso intensivo do fogo para “limpar” as pastagens naturais, o pastoreio extensivo de diferentes criações animais, o uso não-sustentado de recursos naturais (fauna e flora) e a recente reorganização da política pública local em apoiar grandes projetos de desenvolvimento nas áreas de savana (soja, silvicultura e arroz irrigado) estão alterando as paisagens naturais e quebrando as interações ecológicas destes ambientes.
Por ser uma região próxima da Capital Boa Vista, a pressão antrópica sob esse sistema vem crescendo com a expansão do limite urbano, onde o estabelecimento de bairros provenientes de invasões (áreas sem planejamento), tem acarretado degradação de igarapés circunvizinhos gerando a perda de APP, erosões, esgoto, entre outros processos que fogem a um controle por meio dos órgãos fiscalizadores.
O processo de ocupação pelo homem em regiões frágeis como o sistema de lavrado, onde está inserido a Bacia do Igarapé Água Boa do Bom Intento deve ser feito de maneira cautelosa, principalmente em relação ao solo, que apresenta grande suscetibilidade a erosão.
Hoje estamos em dois extremos, onde temos em uma ponta o lavrado, que possui uma biodiversidade ainda pouco conhecida, que dificulta a proposição adequada para a sua conservação e em outra ponta, a pressão por parte do homem nas regiões próximas e nas propriedades que fazem parte da bacia do igarapé água Boa do Bom Intento.
Esses igarapés precisam ser preservados, estudados e avaliados. O levantamento de informações a respeito dos fatores que interferem na dinâmica da bacia, principalmente a ação antrópica (ocupação e uso), devem ser feitos para serem utilizados como ferramenta na busca de uma gestão equilibrada com o meio ambiente, onde os usuários, proprietários e os órgãos governamentais possam trabalhar em conjunto pela conservação desses recursos hídricos (igarapés), que ainda estão presentes no lavrado roraimense.
Outra realidade recém-chegada é o plantio de soja nas propriedades que fazem limite com o igarapé (fazendas antigas que não foram loteadas) e a atividade de piscicultura presente na cabeceira do igarapé, podendo estas atividades ocasionar o arraste de resíduos provenientes de adubos, inseticidas, herbicidas, rações, entre outros.
Porém, em se tratando de áreas de lavrados os fatores relevo, vegetação, solo, clima e material de origem, quando relacionados ao processo de ocupação e o uso do solo da bacia passam a ter uma importância fundamental, sendo urgente e necessário estudos das interações destes fatores que podem influenciam na dinâmica das águas do igarapé Água Boa do Bom Intento.
Para ações de conservação ambiental dos sistemas de lavrado, algumas recomendações são necessárias neste primeiro momento:
Não ultrapassar a capacidade de suporte dos sistemas ambientais apresentados.
Envolvimento dos proprietários, através de capacitações para que os mesmos tenham noções básicas de conservação do solo e seu uso.
Controle imediato dos processos erosivos.
Aplicação de políticas de educação ambiental e da legislação ambiental pelos órgãos ambientais municipais e estaduais.