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A GEOGRAFIA ESCOLAR NO CONTEXTO DOS MOVIMENTOS DE OCUPAÇÃO DAS ESCOLAS BRASILEIRAS
SCHOOL GEOGRAPHY IN THE CONTEXT OF THE OCCUPATION MOVEMENTS OF BRAZILIAN SCHOOLS
LA GEOGRAFÍA ESCOLAR EN EL CONTEXTO DE LOS MOVIMIENTOS DE OCUPACIÓN DE LAS ESCUELAS BRASILEÑAS
GEOSABERES: Revista de Estudos Geoeducacionais, vol. 8, núm. 15, pp. 31-40, 2017
Universidade Federal do Ceará


Recepção: 16 Janeiro 2017

Aprovação: 20 Junho 2017

DOI: https://doi.org/10.26895/geosaberes.v8i15.574

Resumo: Este trabalho tem como ambição entrelaçar metodicamente alguns apontamentos sobre os caminhos e os desafios da Geografia Escolar no contexto de significativos movimentos estudantis de ocupação das escolas brasileiras. Representados pelas lutas de redemocratização e de resistência frente às reformas educacionais no país, os movimentos revelam as características de um novo sujeito escolar e provocam a reflexão acerca das práticas pedagógicas desenvolvidas pela escola, de forma geral e pela educação geográfica, de forma particular. Em virtude disso, por meio de revisão bibliográfica que versa sobre essa temática, bem como de pesquisa empírica com os jovens protagonistas do movimento realizado na cidade de Formosa-Goiás, busca-se destacar a função da Geografia na formação cidadã do estudante a partir da leitura crítica do mundo

Palavras-chave: Cidadania, Geografia Escolar, Ocupação de escolas.

Resumen: Este trabajo tiene como ambición entrelazando metódicamente algunos apuntes sobre los caminos y los desafíos de la Geografía Escolar en el contexto de significativos movimientos estudiantiles de ocupación de las escuelas brasileñas. Los movimientos revelan las características de un nuevo sujeto escolar y provocan la reflexión acerca de las prácticas pedagógicas desarrolladas por la escuela, de forma general y por la educación geográfica, de forma particular, representadas por las luchas de redemocratización y de resistencia frente a las reformas educativas en el país. En virtud de ello, por medio de una revisión bibliográfica que versa sobre esta temática, así como de investigación empírica con los jóvenes protagonistas del movimiento realizado en la ciudad de Formosa-Goiás, se busca destacar la función de la Geografía en la formación ciudadana del estudiante a partir de la lectura crítica del mundo.

Palabras clave: Ciudadanía, Geografía Escolar, Ocupación de escuelas.

Abstract: This work has the ambition to methodically weave some notes on the paths and challenges of School Geography in the context of significant student movements of occupation of Brazilian schools. Represented by the struggles of redemocratization and resistance to the educational reforms in the country, the movements reveal the characteristics of a new school subject and brings reflection on the pedagogical practices developed by the school, in general and geographic education, in a particular way. On the basis of this, through a bibliographical review on this theme, as well as empirical research with the young protagonists of the movement carried out in the city of Formosa-Goiás, the objective is to highlight the role of Geography in the citizen's formation of the student from the world’s critical reading.

Keywords: Citizenship, School Geography, Occupation of schools.

INTRODUÇÃO

Dentre os movimentos sociais, o principal foco deste trabalho é discutir singularmente o movimento de ocupação das escolas ocorrido no Brasil nos anos 2015 e 2016, cujos protagonistas foram os jovens estudantes secundaristas (alunos do Ensino Médio da Educação Básica) e relacioná-lo com a Geografia Escolar. Isso se justifica pela dimensão alcançada tanto nas delimitações territoriais do país quanto na repercussão do fenômeno em escala global, bem como pelo movimento revelar o perfil e a complexidade das espacialidades produzidas pela juventude da contemporaneidade, considerada pela pesquisa como os novos sujeitos escolares.

Deste modo, para discutir a educação geográfica neste cenário, faz-se necessário tecer algumas reflexões - por meio de uma revisão bibliográfica inicial - no intuito de conhecer e caracterizar este jovem que ecoa a sua voz na defesa da escola pública, gratuita e de qualidade, ao mesmo tempo que produz uma geografia a ser considerada, a exemplo da produção do espaço geográfico no espaço físico da escola ocupada.

São práticas sociais produtoras de espacialidades e, por isso nos reportaremos a práticas sócio-espaciais materializadas pelo exercício de cidadania. Tais ações nos levam a questionar a contribuição da função da Geografia Escolar na formação política destes sujeitos que se apresentam críticos, autônomos, ativos, enfim cidadãos diante do atual contexto de reformas educacionais, muitas vezes centralizadas - antidemocráticas - reforçando as contradições e as desigualdades na sociedade brasileira.

O que nos faz voltar os nossos olhares para o ensino de Geografia e a relação com essas práticas cidadãs se deve ao fato dessa área do conhecimento se constituir naquela disciplina do espacial: aquela que tem como objetivo a leitura do espaço eminentemente social, com vistas a levar o aluno a compreendê-lo, a refletir e atuar frente as suas contradições a partir do seu lugar (espaço vivido), que por meio da força que esta escala possui, seja capaz de transformar o mundo. Assim, requer que a escola, inclusive a Geografia se organizem para cumprir papéis específicos na formação dos educandos diante de tal realidade.

A pedagogia que apontamos nesta perspectiva, deve propiciar aos alunos, espaços de reflexão sobre a organização social, a sua condição neste espaço, a sua maneira de apropriar-se deste espaço, bem como de seu protagonismo na produção deste espaço. Tudo isso significa dispor possibilidades para ler, interpretar e mudar o mundo, a partir da consciência de sua espacialidade.

Trata-se portanto, de uma pedagogia centrada na problematização, reflexão e criticidade aos fatos sociais por meio dos conteúdos/temas escolares a partir da geografia do aluno. Esse é o caminho, pois a educação geográfica com este viés, germinam as sementes do raciocínio crítico, da significação dos saberes, da luta e das ações emancipatórias. Os desafios são muitos, entretanto, pode-se elencar alguns: cabe ao Estado, a escola e aos educadores a missão de refletir sobre o seus papéis, pois o contexto em que essa juventude está inserida, bem como o perfil e os seus anseios são outros que correspondem ao mundo dual: ao mesmo tempo que se caracteriza como integrado, conectado, fluido, das informações e do conhecimento, se revela fragmentado, desigual e conflitante.

É valido evidenciar que esse artigo se constitui em um esboço da dissertação de Mestrado, intitulada: Uma leitura geográfica do movimento de ocupação das escolas: caminhos e desafios para o ensino de Geografia, desenvolvida pela autora no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade de Brasília – UnB.

JUVENTUDE E O MOVIMENTO DE OCUPAÇÃO DAS ESCOLAS BRASILEIRAS

A participação da juventude brasileira nos movimentos sociais e políticos nos últimos anos tem sido um fenômeno que chama a atenção da sociedade em geral. Um ponto de maior destaque nas participações é o protagonismo direto dos jovens na liderança dessas práticas sócio-espaciais, caracterizadas como lutas pela redemocratização no país. Além do Brasil, para fins de uma contextualização mais específica do objeto desse trabalho, convém compreender os movimentos estudantis que se eclodiram nos últimos anos em outras nações, a saber:

Em 2011, foi possível acompanhar nos meios de comunicação várias manifestações de movimentos políticos organizados por jovens que reivindicam mudanças em aspectos da vida social, no contexto em que estão vivendo. Podem ser citados como exemplos dessas mobilizações as ocorridas em alguns países do Oriente Médio, da África e da Europa, como Tunísia, Líbia, França, Inglaterra e Espanha. Mais recentemente, do “lado” da América Latina, pode-se citar o movimento estudantil do Chile (luta pela educação gratuita de qualidade) (CAVALCANTI, 2012, p. 109).

São esses movimentos, assim como os ocorridos no Brasil nos anos de 2013, 2015 e 2016, que expressam abertamente o espírito político da juventude do século XXI, que por meio de suas culturas adquirem relevância e significado para a construção histórica das sociedades e a construção de uma nova humanidade.

O que se evidencia é que os jovens se mostram cada vez mais politizados e críticos em relação aos acontecimentos/realidades sociais, políticos, econômicos e culturais da época, bem como mais autônomos, enquanto sujeitos sociais às suas práticas espaciais. Esses sujeitos vislumbram desafios e possibilidades de novos rumos ao país. Segundo Dayrell e Carrano (2004, p. 109) a juventude “corresponde a uma construção social, histórica, cultural e relacional que, por meio das diferentes épocas e processos históricos e sociais, foram adquirindo denotações e delimitações diferentes”. Mais recente, o que podemos perceber é que esta categoria social vem sendo caracterizada ora como jovens cidadãos, ora como baderneiros, desocupados, dentre outros estereótipos dados pela sociedade brasileira, o que nos conduz a refletir sobre estas suas práticas, analisando-as cautelosamente de forma a revelar esse sujeito e a sua formação política sob a ótica geográfica.

As práticas sociais, em especial as ocorridas a partir do ano 2013 explicitam uma verdadeira mudança no comportamento juvenil ao longo da história da humanidade. A presença e, mais que isso, a liderança desses movimentos por jovens nas lutas sociais revela a importância e o peso de suas forças na redefinição das estruturas consolidadas e nas estratégias políticas de construção de novo desenho do Brasil. As razões se baseiam na questão de o pano de fundo desses movimentos serem os atos políticos impactantes e conflitantes na vida individual e social dos brasileiros, notadamente à juventude.

Mais recentemente (2015), um movimento social tem evocado a atenção da população brasileira pela sua rápida expansão e intensa extensão espacial: o movimento estudantil de ocupação de escolas em todo o território do país, caracterizado como ações centradas em bases de resistência por implantação de algumas reformas educacionais.

Segundo a União Brasileira de Estudantes Secundaristas - UBES (2016), atualmente (novembro/2016) existem no Brasil mais de mil e cem instituições ocupadas por jovens escolares do Ensino Médio e do Superior, sendo o Paraná o estado com o maior número de ocupações (cerca de oitocentas). Esses dados nos apresentam um fato inédito na história brasileira, denominado pela UBES Primavera Secundarista.

O movimento se justifica por tentativa de implementação de reformas educacionais verticalizadas pelo Estado, como a reforma do Ensino Médio por meio de uma reorganização curricular que simplifica a ampliação dos saberes e a Proposta de Emenda Constitucional – PEC 241 (mais recentemente conhecida por PEC 55) que, entre outros fatores, por meio de novo regime fiscal, comprometem a oferta da educação pública, gratuita e de qualidade, que dentre outros fatores, também não atendem aos interesses da juventude estudantil.

Além disso, lutam contra: a privatização da gestão no estado de Goiás, a escola sem partido que visa eliminar a discussão ideológica no ambiente escolar, restringir os conteúdos de ensino a partir de uma pretensa ideia de neutralidade do conhecimento. Por essas razões as vozes das juventudes ecoam nas mais diversas instituições de ensino espalhadas pelo país.

Os movimentos estudantis desvelam o cenário atual como um verdadeiro desmonte da educação pública, onde os princípios democráticos que versam pela sua construção, estão sendo desconsiderados pela atual política do governo em exercício. Esse quadro de significativos movimentos sociais - de base espacial - cujos protagonistas são os jovens estudantes, nos provoca a discutir quem são esses novos sujeitos escolares (alunos da Geografia) e qual a função desta área do conhecimento na formação política, que se converte no exercício da cidadania representada pela luta democrática pela garantia e proteção dos seus direitos.

A GEOGRAFIA ESCOLAR: CONCEPÇÃO, FUNÇÃO E PERSPECTIVAS

Este contexto social contemporâneo, caracterizado pela complexidade das relações e práticas sociais, conforme já ilustrado, requer que a escola, notadamente o ensino de Geografia se organizem para cumprir papéis específicos na formação dos educandos diante de tal realidade. Afinal, os conhecimentos geográficos escolares são relevantes na formação crítica, reflexiva e cidadã do jovem estudantil e na interpretação dos fatos/fenômenos sociais. Conforme Carlos (2015, p. 18), “trata-se de apreender o sentido da Geografia como disciplina capaz de produzir uma compreensão da espacialidade como momento de elucidação da realidade social”.

Em outros termos, a Geografia Escolar permite desvelar os conflitos e os impactos desta realidade (política, econômica, cultural e social) na vida de cada sujeito e de cada sociedade. Nesse quadro, cabe à escola explorar essas questões sob a ótica espacial e se apropriar das experiências, dos conhecimentos e do cotidiano espacial dos alunos, ampliando-os a partir da reflexão e da problematização, necessárias ao exercício da cidadania.

A Geografia Escolar, por meio da mediação dos seus conteúdos possibilita ao aluno a leitura, a interpretação do espaço geográfico para nele atuar, pois a relação do sujeito com a sociedade e com o espaço é mediada pelos seus conhecimentos sobre os mesmos. Como afirma Santos (1987, p. 14), “a cidadania se aprende”. Logo, para se tornar cidadão é preciso ter conhecimentos que, pelo ensino de Geografia se torna possível, já que esta empodera, qualifica e instrumentaliza o sujeito a fazer a leitura de mundo, necessária ao exercício da cidadania.

Mas, em que consiste a Geografia Escolar? Se a ciência geográfica tem como objeto de estudo o espaço geográfico, ou seja, a materialização das relações sociais num jogo de interação sociedade versus natureza, logo, a Geografia Escolar cumpre a tarefa de levar o aluno a compreender essas relações em sua totalidade, desenvolver uma leitura crítica deste mundo, compreender as relações sociais contraditórias e elaborar pensamentos e estratégias de ações diante destas dinâmicas.

Conforme a Base Nacional Comum Curricular - BNCC, à Geografia Escolar cabe “instigar os/as estudantes a compreender as espacialidades e suas relações, muitas vezes contraditórias. Isso caracteriza a função social da Geografia, na medida em que possibilita a elaboração de um pensamento crítico sobre a realidade” (BRASIL, 2016, p. 159). Assim, Geografia Escolar aos nossos olhos é aquela área do conhecimento, que mediada pela prática pedagógica do professor, de forma significativa, conduza o aluno a conhecer, compreender, interpretar e intervir no mundo, ou seja, a raciocinar geograficamente, tendo como base os elementos geográficos/espaciais do seu cotidiano. Em outros termos, é uma disciplina (re)construída e significada a partir das geografias produzidas pelos sujeitos escolares. Conforme Straforini (2004),

o papel do ensino de geografia é trazer à tona as condições necessárias para a evidenciação das contradições da sociedade a partir do espaço para que, no seu entendimento e esclarecimento, possa surgir um inconformismo e, a partir daí, uma outra possibilidade para a condição da existência humana (STRAFORINI, 2004, p. 57).

Nesta perspectiva de possibilidades para a condição da existência humana, torna-se relevante a discussão de outro elemento a ser considerado como crucial pela educação geográfica: a cidadania, caracterizada como “a perspectiva de participação da vida coletiva. Trata-se de uma noção, cujo centro é a participação política e coletiva das pessoas nos destinos da sociedade; uma participação que está ligada à democracia participativa, ao pertencimento à sociedade” (CAVALCANTI, 2012, p. 46).

Para o ensino de Geografia, a noção de cidadania aparece ligada ao processo de formação crítica e reflexiva das realidades sociais vivenciadas pelos alunos. Os conteúdos geográficos, mediadores da formação cidadã devem permitir o desenvolvimento da consciência crítica dos jovens estudantes sobre as suas condições de vida, de sobrevivência, de acesso aos espaços, da garantia e proteção dos seus direitos, e mais que isso, o desenvolvimento do pensamento autônomo com vistas a práticas capazes de transformar a realidade social.

O nosso pensamento é de que o ensino de Geografia, quando observadas suas funções elementares contribui para a formação da cidadania por meio da prática de construção e reconstrução de conhecimentos, habilidades, valores que ampliam a capacidade dos jovens compreenderem o mundo em que vivem e atuam, conforme preconiza Cavalcanti (2012), já que a ciência geográfica tem como objeto de estudo o espaço geográfico, que como propõe Santos (1996, p. 63), o espaço é “formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá”.

Nesses termos, a Geografia na escola deve propiciar ao educando espaços de reflexão sobre a organização social, a sua condição neste espaço, a sua maneira de apropriar-se deste espaço, bem como de seu protagonismo na produção deste espaço. Tudo isso significa dispor possibilidades para ler, interpretar e mudar o mundo, a partir da consciência de sua espacialidade. Práticas de ensino com essas intencionalidades, ou seja, para a construção e o exercício da cidadania se direcionam ao encontro das colocações de Damiani (1999):

É possível, embora não seja o único objetivo, realizar um trabalho educativo, visando esclarecer os indivíduos sobre sua condição de cidadãos, quando se apropriam do mundo, do país, da cidade, da casa e, ao mesmo tempo, decifrando os inúmeros limites decorrentes das alienações. O trabalho consiste em discernir as experiências sociais e individuais e, assim, potencializá-las (DAMIANI, 1999, p. 58).

Entende-se que em suas atividades cotidianas e não cotidianas (como as ocupações das escolas), as juventudes estudantis produzem geografia: “constroem lugares, produzem espaço, delimitam seus territórios [...]; ao construírem geografia, constroem também conhecimentos sobre o que produzem, conhecimentos que são geográficos” (CAVALCANTI, 2012, p. 45). E tudo isso – essas práticas espaciais - deve ser considerado e utilizado pela escola como base para a ampliação destes saberes geográficos, conduzindo o aluno a fazer reflexões necessárias sobre o espaço contraditório em que vive, de forma que, por suas práticas produza um espaço novo, conduzidas pela formação para a cidadania.

Por práticas espaciais entende-se “o conjunto de ações espacialmente localizadas que impactam diretamente sobre o espaço, alterando-o no todo ou em parte ou preservando-o em suas formas e interações espaciais; essas ações resultam da consciência da diferenciação espacial” (CORREA, 2008, p. 35). São práticas sociais produtoras de espacialidades.

Nesse sentido, considera-se que o movimento de ocupação das escolas é uma prática espacial, por resultar da ação e relação sociais dos jovens estudantes (sujeitos sociais) com o objeto material (escola) - na qual possuem um vínculo de pertencimento - cujo foco é participar das decisões sobre as reformas educacionais, ou seja, sobre os rumos do país, bem como pela redemocratização brasileira.

Tudo isso se revela como produção do espaço geográfico, afinal “toda ação social se realiza num espaço determinado, num período de tempo preciso [...]; a prática social é espacializada. Nessa perspectiva, as relações sociais se realizam na condição de relações espaciais” (CARLOS, 2015, p. 13-19), por isso caracterizamos o movimento de ocupação como uma prática espacial. Essas espacialidades compõem o mundo vivido e as geografias produzidas do/pelos alunos, na qual a escola deve voltar os seus olhares quando no desenvolvimento de suas práticas educativas.

PEDAGOGIA E JUVENTUDE: COMO A ESCOLA DEVE LIDAR COM ESSES NOVOS SUJEITOS ESCOLARES?

Reinventar o trabalho pedagógico é o ponto de partida e/ou o caminho, pois é de importância imensurável para a motivação dos alunos e ao cumprimento da tarefa elencada à escola. Na concepção de Libâneo (2006) essa reinvenção do fazer pedagógico deve

levar em conta os determinantes sociais e que propicia a crítica dos mecanismos e imposições resultantes da organização da sociedade em classes sociais antagônicas; ao mesmo tempo, trata-se de uma pedagogia que vai buscar, no interior da escola, respostas pedagógico-didáticas que permitem o exercício dessa crítica, a partir das próprias determinações sociais das situações pedagógicas concretas (LIBÂNEO, 2006, p. 12).

Levar em conta os determinantes sociais (antagônicos) não é uma tarefa fácil, uma vez que a própria escola, é desigual por natureza. Mesmo nesta condição, o trabalho do professor ocupa uma centralidade fundamental, pois a mediação no processo de ensino-aprendizagem é o que substancia uma formação humana e significativa aos experimentos cotidianos e não cotidianos dos jovens estudantis. O que propõe aqui é a pedagogia centrada na problematização, reflexão e criticidade aos fatos sociais por meio dos conteúdos/temas escolares. Considerando ainda as proposições de Libâneo (2006),

(...) aprender dentro desta pedagogia, é desenvolver a capacidade de processar informações e lidar com os estímulos do ambiente, organizando os dados disponíveis da experiência. Em consequência, admite-se o princípio da aprendizagem significativa que supõe, como passo inicial, verificar aquilo que o aluno já sabe. O professor precisa saber(compreender) o que os alunos dizem ou fazem, o aluno precisa saber compreender o que o professor procura dizer-lhes (Ibidem, p. 42).

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Os saberes escolares quando ligados às experiências dos sujeitos escolares adquirem um significado para a construção de sua aprendizagem, bem como à sua formação cidadã, pois o conhecimento se constitui em instrumento de empoderamento dos sujeitos sociais. Neste sentido, partir das práticas sócio-espaciais e dos anseios desta juventude, problematizando, enriquecendo e ampliando-os é o caminho para o alcance da tão almejada formação humana, crítica, reflexiva e cidadã, com vistas à produção transformadora do espaço menos desigual e mais democrático.

Quando apontado que se trata de uma tarefa árdua, nos reportamos em primeiro lugar à função da escola, enquanto legitimadora das desigualdades sociais - aquela que ainda se encontra altamente controlada pelo Estado em questões que se estendem desde as prescrições curriculares e formas de organização específicas, até as condições de avaliações padronizadas e de aprendizagens aos alunos com menor acesso às fontes do conhecimento – e em segundo, às precariedades físicas, estruturais e humanas que permeiam as instituições de ensino.

É válido destacar neste momento da discussão as questões que envolvem a precarização humana (quadro de pessoal), notadamente ao professor. Como se sabe, a formação deste profissional, seja em instância inicial ou continuada, exerce uma influência contundente no exercício de sua prática pedagógica, sendo ela satisfatória ou não. Essa variável – formação – urge ser redefinida tanto nos cursos de licenciatura como no âmbito das políticas educacionais voltadas para a formação permanente do docente.

Do campo analítico das licenciaturas, o que se verifica são as matrizes curriculares e as suas práticas desvinculadas e vazias de abordagens prático-pedagógicas voltadas para a formação crítica, reflexiva e cidadã dos educandos da Educação Básica (nível em que se encontra a maioria dos jovens políticos da atualidade). Esse fator que compromete a atuação do professor nas escolas, resulta na precarização do processo de ensino-aprendizagem numa perspectiva da pedagogia crítica, aquela que conduz os sujeitos escolares a ações sociais conscientes e transformadoras (como as presenciadas no contexto de intensas mobilizações por jovens estudantis).

Afinal, como discorre Libâneo (2008), a escola é um meio insubstituível de contribuição para as lutas democráticas, na medida em que possibilita as classes populares, ao terem acesso ao saber sistematizado e as condições de aperfeiçoamento das potencialidades intelectuais, participarem ativamente no processo político, sindical e cultural.

Outro ponto que merece ser destacado são as condições físicas e estruturais da escola e as influências no processo educativo. No enfoque da formação emancipadora, o contato do aluno com as mais diversas linguagens e tecnologias é imprescindível no processo de aquisição de conhecimento, a começar pela contextualização e integração dos conteúdos à realidade dos alunos.

Não cabe a utilização dos recursos tecnológicos por si, pois muitos dos seus conteúdos podem se apresentar prontos e acabados, bem como desconectados do mundo vivido na qual se encontram inseridos. Mas, cabe ao professor utilizar do universo tecnológico do aluno, caracterizado como instrumento altamente potencializador do processo de ensino-aprendizagem e provocar a análise crítica e reflexiva das formas como os fenômenos se estruturam, bem como despertar a curiosidade para a ampliação dos seus conhecimentos por meio da inquietação instigada pela apreciação do antagonismo presente na sociedade. O grande entrave é que em muitas situações, a escola não dispõe de recursos e estruturas adequadas para essa prática significativa ao educando.

Mesmo diante desta realidade, a questão nos fornece elementos para que destacamos a escola como a instituição social singular frente a existência de outras fontes educativas da contemporaneidade, pois mesmo com tamanha motivação e facilidades ao acesso a informação, é por meio dela (a escola) mais especificamente do professor - mediador do processo educativo - que germinam as sementes do raciocínio crítico, da significação dos saberes e das ações exclusivas de intencionalidade às formações humana e intelectual do jovem.

Diante dessas fundamentações, eis os desafios à educação escolar: cabe ao Estado, a escola e aos educadores a missão de refletir sobre os seus papéis, pois o contexto em que estão inseridos, bem como o perfil dos novos sujeitos escolares não são mais os mesmos de tempos passados. Propõe-se que o Estado crie e execute políticas públicas que visem uma educação para todos, menos excludentes e com condições de produzir saberes significativos aos alunos; a escola precisa ser redesenhada física e estruturalmente falando; o professor necessita de novas pedagogias, aquelas que superem a transmissão de conteúdos fragmentados e desarticulados das experiências de vida e das necessidades imediatas dos jovens; precisa ainda de formações - inicial e continuada - adequadas e coerentes a realidade social.

Por se falar em realidade social, cabe destacar que se vivencia o mundo de céleres e intensas transformações, que se constituem como elementos definidores das práticas sócio-espaciais das juventudes, afinal esses sujeitos nasceram e vivem numa sociedade repleta de novas tecnologias e mídias digitais. Conforme Leão e Carmo (2014),

é importante considerar que todas essas dimensões se cruzam na vida das juventudes contemporâneas a partir das quais os jovens aprendem e compartilham saberes e conhecimentos. Para além da escola, eles vivenciam processos educativos em outros tempos e espaços. São sujeitos socioculturais que trazem para a escola as questões e demandas de suas vidas cotidianas (LEÃO E CARMO, 2014, p. 24)

O espaço em que os estudantes vivenciam trata-se de um universo complexo: do mundo conectado, das mídias e imagens, das rápidas e acessíveis redes de comunicações, das transformações e trocas culturais intensas, do acesso à informação, da complexidade na configuração espacial, dos mais variados espaços de sociabilidade, dos ativismos políticos vivos etc.

Essa malha de acontecimentos em que o jovem vivencia e experimenta, como já introduzido nas linhas anteriores, tornam-se as bases para que a escola desenvolva um trabalho pautado na formação cidadã, na valorização e ampliação desses conhecimentos a fim de os tornarem instrumentos para a apreensão do espaço vivido em sua totalidade. Esse jovem, já inserido nos movimentos de luta possui certa noção do que seja cidadania, do que seja política, do que seja lutar pela transformação de um mundo menos desigual, ou seja, conhece as formas de delinear novos caminhos em busca do novo. Cabe à escola aprimorá-las.

À guisa de conclusão, considera-se que, conforme Cavalcanti (2012, p. 115), “a formação dos jovens tem papel relevante no destino da sociedade”, pois se constituem nos adultos dos próximos anos. Diante disto, cabe ao professor (mediador educativo mais imediato do aluno), por meio da ressignificação da sua prática, partir desses saberes e ampliá-los pelo exercício do olhar crítico e reflexivo aos fenômenos que vivenciam no cotidiano, principalmente diante deste ataque à democracia que assola o país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em virtude dos fatos mencionados, faz-se necessária que a formação escolar se atente aos fenômenos sociais que permeiam as realidades vividas dos estudantes e desenvolvam práticas educativas direcionadas a elas, visando a aprendizagem significativa que desencadeia a formação humana, cognitiva e cidadã destes sujeitos sociais. A sociedade atual possui uma emergência de conhecimentos, dentre eles temporal e espacial, onde os sujeitos nela inseridos, são possuidores de uma série de exigências formativas que os qualifiquem, tornando o mundo inteligível nas suas consciências.

Os movimentos de ocupação das escolas no país, revelam que outros projetos pedagógicos devem ser inventados e praticados no âmbito educacional, pois essa juventude anseia e luta pela consolidação de espaços mais democráticos nos processos decisórios do nosso país. Ao revelarem a autonomia, a criticidade, a cidadania e a capacidade de ler e atuar espacialmente (uma vez que esta prática social, é espacial), de forma a romper com políticas centralizadoras, que reforçam as desigualdades sociais, proclamam que, por suas práticas, abrangentes e complexas, necessitam de uma formação capaz de empoderá-los e instrumentalizá-los para a compreensão deste mundo contemporâneo em suas alteridades e seus contrastes.

Os caminhos e os desafios para a Geografia Escolar são muitos, afinal, pensar a escola contemporânea em toda a sua complexidade, se trata de uma tarefa árdua. Entretanto, acreditar numa geografia voltada para a cidadania, pautada na reflexão, na problematização e na apreensão dos fatos sociais a partir da dimensão espacial, significa considerar que no ensino dessa ciência, se deve discutir os temas atuais que eclodem na sociedade brasileira, a exemplo das reformas políticas educacionais (motivação das ocupações) e refletir sobre os seus impactos sócio-espaciais.

De outro modo, trata de estudar sobre os diversos contextos em que os estudantes estão inseridos localmente (com influência/interferência do global) e buscar por meio de um aporte conceitual e crítico, próprio da função escolar, uma maneira de transformar as realidades contraditórias que as sociedades imprimiram ao longo dos seus processos de civilização.

REFERÊNCIAS

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LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública – a pedagogia crítico-social dos conteúdos. 21ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2006.

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SANTOS, Milton. A natureza do Espaço: Técnica e tempo, Razão e Emoção. 4. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2014 [1996].

STRAFORINI, Rafael. Ensinar Geografia: o desafio da totalidade-mundo nas séries iniciais. São Paulo: Annablume, 2004.

Autor notes

* Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia na Universidade de Brasília (UnB), Avenida Circular Quadra 40 Lote 08, Jardim Triângulo, CEP: 73.808-284 – Formosa (GO), Brasil, Telefone: (+55 61) 99927 6630 - alcineias32@gmail.com, http://lattes.cnpq.br/1990932619144558


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