Resumo: O presente artigo discute as práticas desenvolvidas no estágio supervisionado em Ensino de Geografia no Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo. Para tanto, analisamos as percepções dos discentes do curso expressas nos relatórios de estágio apresentados no final do processo. Nesta discussão, buscamos compreender as possibilidades que as práticas de estágio supervisionado trazem para a construção de conhecimentos e práticas que ampliem o processo formativo, articulando os saberes acadêmicos àqueles elaborados durante a experiência de estágio.
Palavras-chave:Ensino de GeografiaEnsino de Geografia, Estágio Estágio, Saberes Docentes Saberes Docentes.
Abstract: The article discuss the supervised internship in Geography Teaching at Geography Department of São Paulo University. Therefore, we analyzed the students perceptions expressed in internship report present in the end of process. In this discussion, we seeking understand the possibilities that supervised internship practices bring to students building knowledge and practices that expand your formative process, articulating the academics knowledge with those elaborate during the internship experience.
Keywords: Geography Teaching, Internship, Teaching Knowledge.
Resumen: El presente artículo discute las prácticas desarrolladas en la etapa supervisada en Enseñanza de Geografía en el Departamento de Geografía de la Universidad de São Paulo. Para ello, analizamos las percepciones de los discentes del curso expresados en los informes de prácticas presentados al final del proceso. En esta discusión, buscamos comprender las posibilidades que las prácticas de prácticas supervisadas traen para la construcción de conocimientos y prácticas que amplíen el proceso formativo, articulando los saberes académicos a aquellos elaborados durante la experiencia de práctica.
Palabras clave: Enseñanza de Geografía, Prácticas, Saberes Docentes.
DO EXPERIMENTO À EXPERIÊNCIA: CONSTRUINDO SABERES E IDENTIDADES NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM ENSINO DE GEOGRAFIA
FROM EXPERIMENT TO THE EXPERIENCE: BUILDING KNOWLEDGE AND IDENTITIES IN THE SUPERVISED INTERNSHIP IN GEOGRAPHY TEACHING
DEL EXPERIMENTO A LA EXPERIENCIA: CONSTRUYENDO SABERES E IDENTIDADES EN LA PRÁCTICA SUPERVISADA EN ENSEÑANZA DE GEOGRAFÍA
Recepção: 16 Dezembro 2016
Aprovação: 20 Julho 2017
A história da formação de professores de Geografia na Universidade de São Paulo se confunde com a própria história de formação desta universidade. Criada em 1934 com o objetivo de ser um centro de pesquisa de produção de conhecimento, atrelado à busca de renovação dos quadros da elite paulista, teve, a partir de 1938, incorporada entre seus objetivos a formação de professores. A partir de então diferentes formas de pensar e executar esta formação ocorreram, o que impossibilita a construção de um olhar único sobre a multiplicidade de processos formativos que acontecem nesta universidade.
A partir de 2006, entrou em vigor, na USP, um novo programa de formação de professores (PFP-USP) que buscou, respeitando os caminhos e especificidades de cada licenciatura existente na universidade, construir princípios que pudessem nortear e fomentar o diálogo entre estas diferentes experiências. Entre os objetivos, destaca-se a busca por superar a dicotomia entre bacharelado e licenciatura que pode ser amplamente verificada tanto no Departamento de Geografia da USP (DG-USP), quanto em outros departamentos e colegiados em todo o país. Tal dicotomia foi sendo construída historicamente a partir de um processo que culminou na desresponsabilização dos docentes do DG-USP em relação à formação professores, principalmente após a criação da Faculdade de Educação (FE-USP), em 1969. A partir de então, toda a licenciatura passou a ser cursada nesta unidade que, em certa medida, acabou por monopolizar as discussões acerca da formação docente e do ensino de geografia.
Com a entrada em vigor do PFP-USP, ocorreram mudanças na grade curricular do DG-USP, com a inclusão de duas novas disciplinas vinculadas ao ensino de Geografia e a Formação de Professores, sendo que uma delas é responsável pela orientação de 100 horas (num total de 400 obrigatórias) de estágio supervisionado em Ensino de Geografia e Material Didático. Além disso, as Práticas como Componentes Curriculares (PCCs) foram atribuídas como carga horária de todas as disciplinas obrigatórias que compõem o currículo do DG-USP.
Em nossa pesquisa de doutorado, realizada entre 2011 e 2014, verificamos as implicações do PFP-USP na dinâmica do Departamento de Geografia. Naquele momento, pudemos perceber que ocorreram mudanças dos docentes em relação ao ensino de geografia e a formação de professores, que passou a ser mais discutida no interior das disciplinadas ministradas no Departamento. Em certos casos, as PCCs possibilitaram aos alunos construir reflexões a partir das experiências e do contato com a escola pública, em suas mais diferentes dimensões. Parte das análises e conclusões desta pesquisa foram publicados em artigo no número da Revista do Departamento de Geografia da USP.
A partir de 2015, aprovado em concurso público, me tornei professor do DG-USP, atuando na área de Ensino de Geografia e Formação de Professores. Este novo contexto tem me possibilitado compreender, a partir de um olhar implicado, os desafios que envolvem a licenciatura no DG-USP, principalmente no sentido de evitar a internalização da dicotomia que existia entre o Departamento e Faculdade de Educação.
Dessa forma, neste artigo discutiremos as práticas atuais de formação docente em Geografia na USP, suas possibilidades, implicações e limites. Para tanto recorreremos às impressões dos estagiários e estagiárias sobre este processo expressa nos relatórios por eles apresentados como parte do processo avaliativo da Disciplina de Estágio Supervisionado de Ensino de Geografia e Material didático no segundo semestre de 2015. Tais relatórios tem como principal objetivo produzir uma reflexão sobre os diferentes momentos do estágio, buscando romper com uma descrição burocrática das atividades. Ao contrário, foi proposto aos estagiários que o relatório apresentasse uma descrição pessoal das ações desenvolvidas, com o intuito de deixar o mais claro possível as diferentes percepções sobre esta experiência. Neste processo, partiu-se do pressuposto da compreensão do estágio como uma experiência implicada e pessoal, que produz profundas transformações em quem as vive.
Neste processo de investigação, foram analisados 70 relatórios, escritos por estagiários tanto do período diurno (30), quanto do noturno (40). Os trechos dos relatórios que serão apresentados neste artigo serão identificados com os símbolos DD (discente diurno) e DN (Discente Noturno), seguidos de um numeral para diferenciá-los e manter a confidencialidade dos sujeitos da pesquisa.
Do ponto de vista metódico, nossa análise será feita a partir de algumas categorias analíticas construídas em diálogo com autores como Tardif (2010); Nóvoa (2009); Larrosa (2000). Tais categorias são: saber da experiência, construção da profissionalidade docente, relação entre profissionalidade e pessoalidade docente, reflexão sobre e na prática, a relação entre os sujeitos da escola e da universidade; os limites e possibilidades da experiência de estágio. Em nossa perspectiva e em diálogo com os referencias teóricos que têm norteado as nossas pesquisas no campo da formação docente em geografia, tais categorias analíticas são fundamentais para o entendimento dos processos necessários para a qualificação da experiência de estágio e sua vinculação mais orgânica nos currículos de formação docente. Ao dialogar com tais categorias, colocando-as em movimento a partir da fala dos estagiários, buscamos compreender os processos que as experiências de estágio possibilitam e aqueles que ainda precisam ser aprimoradas.
Para que possamos compreender melhor as práticas atuais da formação docente no DG-USP, faz-se necessário um breve resgate histórico deste processo. A figura a seguir ilustra os diferentes momentos da formação docente em Geografia na USP.
Como dissemos, criada em 1934, apenas em 1938 a formação de professores é incorporada, efetivamente, à Universidade de São Paulo. Tal incorporação ocorreu a partir do formato que ficou popularmente conhecido como 3+1. Nele, os discentes realizavam três anos do curso de bacharelado e apenas no último cursavam as disciplinas vinculadas à formação de professores (Didática Geral e Especial, Metodologias de Ensino, entre outras).
Como dissemos, criada em 1934, apenas em 1938 a formação de professores é incorporada, efetivamente, à Universidade de São Paulo. Tal incorporação ocorreu a partir do formato que ficou popularmente conhecido como 3+1. Nele, os discentes realizavam três anos do curso de bacharelado e apenas no último cursavam as disciplinas vinculadas à formação de professores (Didática Geral e Especial, Metodologias de Ensino, entre outras).
Tal modelo predominou até 1969, com pequenas mudanças, sendo a principal delas a separação dos cursos de História e Geografia ocorrido em 1953. Com a criação da Faculdade de Educação da USP (FE-USP) no contexto da reforma da Universidade de São Paulo, o curso de bacharelado e licenciatura em Geografia manteve uma entrada única, mas enquanto as disciplinas do bacharelado ficavam a cargo do DG-USP, as de licenciatura eram ministradas pelos docentes da FE-USP. Mesmo possibilitando que os discentes não precisassem aguardar até o último ano do bacharelado para iniciar a licenciatura (bastava 50% da carga horária), este novo formato trouxe a desresponsabilzação dos docentes do DG-USP em relação à formação de professores. Ficando a cargo apenas da FE-USP, a licenciatura foi perdendo espaço no interior dos debates ocorridos no Departamento.
Apesar disso, na década de 1980, por conta das mudanças teórico-metodológicas da Geografia e do contexto sociopolítico do país, o DG-USP foi lugar de importantes debates acerca do ensino de geografia e da formação de professores. Tratava-se do momento de elaboração de uma nova proposta curricular para a rede estadual de São Paulo que buscava romper com os princípios educacionais que predominaram no Brasil a partir da ditadura militar. Neste contexto, professores do Departamento de Geografia e de inúmeras escolas estaduais paulistas construíram um intenso processo de reflexão que resultou na proposta curricular de Geografia para a rede estadual de São Paulo, popularmente conhecida como proposta da CENP. Tal processo também contribuiu, internamente, para a reformulação do currículo do Departamento de Geografia, sem, no entanto, produzir efeitos na licenciatura que pudessem romper com a desresponsabilização construída a partir de 1969.
Na década de 1990, apesar de alguns docentes do DG-USP terem participado como consultores e elaboradores dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), o quadro de dicotomia entre Bacharelado e Licenciatura pouco se alterou. Apenas na década de 2000, com as novas Diretrizes Nacionais para a Formação de Professores, que indicavam a necessidade de se construir novos arranjos curriculares para o reconhecimento das especificidades da formação docente, é que, no âmbito de toda a universidade, esta discussão foi posta. Dela surgiu o Programa de Formação de Professores (PFP-USP) que tinha, como um dos seus principais objetivos possibilitar que as unidades assumissem também a responsabilidade pela formação de professores, compartilhando práticas, processos e objetivos com a Faculdade de Educação.
O PFP-USP trouxe importantes impactos no processo de formação de professores no interior do DG-USP, seja com a criação de novas disciplinas, seja com a distribuição de carga horária das Práticas como Componente Curricular em todas as disciplinas do curso. O objetivo de tal processo era fazer com que os conhecimentos, práticas e discussões necessários à formação de professores se espalhassem por todo o currículo, ajudando, assim, a não apenas superar a dicotomia DG-USP e FE-USP, mas também o formato 3+1 que concebia bacharelado e licenciatura como percursos formativos com pouca ou nenhuma relação.
Neste processo de construção de um novo momento da formação de professores no DG-USP, o estágio supervisionado tem lugar de destaque, uma vez que possibilite o contato dos discentes e docentes do departamento com os sujeitos da escola pública paulista. Tal diálogo traz uma série de desafios, os quais analisaremos na próxima seção deste artigo.
Nesta seção do artigo, buscaremos compreender as diferentes impressões dos discentes do DG-USP acerca da experiência de estágio expressas em seus relatórios entregues no final do ano letivo de 2015. Em relação aos relatórios aqui analisados, algumas observações são necessárias. Não se trata de escrita burocrática, mesmo que muitas vezes seja este o resultado alcançado. A proposta é que este relatório revele todos os meandros do processo de estágio, revelando a implicação do discente em sua feitura, as angústias, anseios e conquistas construídas nesta experiência. No paradigma científico ainda dominante, com traços próprios do Positivismo, a relação entre sujeito e objeto é tomada como polos opostos, distantes, sendo o conhecimento algo extern
Nesta seção do artigo, buscaremos compreender as diferentes impressões dos discentes do DG-USP acerca da experiência de estágio expressas em seus relatórios entregues no final do ano letivo de 2015. Em relação aos relatórios aqui analisados, algumas observações são necessárias. Não se trata de escrita burocrática, mesmo que muitas vezes seja este o resultado alcançado. A proposta é que este relatório revele todos os meandros do processo de estágio, revelando a implicação do discente em sua feitura, as angústias, anseios e conquistas construídas nesta experiência. No paradigma científico ainda dominante, com traços próprios do Positivismo, a relação entre sujeito e objeto é tomada como polos opostos, distantes, sendo o conhecimento algo externo ao sujeito, uma quase mercadoria que ele opta em portar ou não. Na perspectiva do saber da experiência, ao agir sobre o objeto, o sujeito também é modificado, transformando-se. A construção do conhecimento surgido desta relação tem, ao mesmo tempo, a dimensão social e individual, inter e intrapessoal. Por isso, não se trata de um conhecimento externo ao sujeito. Ao contrário, significa uma construção capaz de implica-los nela. É sob esta ótica que analisaremos os relatórios.
Como discutimos na primeira parte deste artigo, a implementação do Programa de Formação de Professores da USP trouxe uma série de mudanças na dinâmica da formação docente no DG-USP. O estágio supervisionado, concebido como um dos pilares do processo, vêm sendo concebido pelos docentes que com ele têm trabalho no DG-USP como importante momento de diálogo entre os discentes e a realidade concreta das escolas públicas localizadas no Estado de São Paulo.
Tal diálogo tem sido mediado pela pesquisa. A ideia é que os discentes possam ir às escolas com o intuito de dialogar com os seus sujeitos, demandas e realidades e, a partir disso, construir processos de intervenção mediados pela compreensão da prática educativa em suas diferentes dimensões. A pesquisa se constitui, portanto, muito mais do que uma metodologia de trabalho, um princípio educativo (DEMO, 2005) que provoca os diferentes sujeitos do processo a compreender o movimento que está na base da relação entre escola, universidade e conhecimento.
O trabalho de inicia com um período de observação, no qual os estagiários conhecem os diferentes espaços da escola escolhida para o desenvolvimento do estágio, conversam com alunos, professores, comunidade do entorno. Nesta observação, permitem-se o estranhamento inicial que os provoca a levantar questões a serem aprofundadas. Neste processo, a discussão sobre o saber da experiência, apresentada por Larrosa, traz importantes contribuições:
A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece (LARROSA, 2000, p.21).
Provocados pelas experiências deste primeiro contato, os estagiários se põem o desafio de construir projetos de pesquisa e intervenção, sobre as mais diferentes temáticas que se relacionam direta e indiretamente com o ensino de geografia e a formação de professores. Neste primeiro contato com a realidade escolar, agora não mais como alunos, mas como futuros professores, muitas vezes ocorrem importantes momentos de choque inicial, como pode ser percebido no relato a seguir:
Quando fui conhecer a escola e as turmas, fiquei tão nervosa apenas de apresentar-me que só imaginava como conseguiria desenvolver uma atividade, uma aula. No dia em que desenvolvi a primeira aula, eu estava duplamente nervosa, mas ao sobreviver à primeira turma, senti um forte e instantâneo sentimento de satisfação, de confiança. E a partir de então foi diferente: eu me senti empolgada, até mesmo desejando que a sexta-feira chegasse logo, pensando que eu iria rever e melhorar vários aspectos das aulas dadas e das aulas por dar – o que na realidade não acontecia – e as ideias brotavam a todo o momento. No entanto, para além da confiança, o professor precisa modular a voz, o vocabulário, o tempo, o olhar. E quando você ainda é inexperiente, a tentativa de olhar para os alunos é muito poderosa: um olhar de interesse causa muito prazer. Contrariamente, um olhar de apatia, de desdém, de rivalidade, tem um enorme potencial destrutivo. Se você propõe algo que não é bem recebido, você fica chateado por alguns instantes, mas depois sente vontade de alterar tudo, de elaborar algo interessante, de ser aceito (DN 1)
Como é possível perceber pelo relato, o choque inicial, descrito também por Tardif (2010) em suas pesquisas, representa um importante momento de se por em questão, de ir além do lugar comum representado, muitas vezes, pelo processo formativo até aquele momento. Trata-se de um desafio que coloca os futuros professores e professoras diante das condições concretas da prática docente, o que produz um efeito de contextualização fundamental para o entendimento de que não existe prática educativa sem sujeitos e lugares concretos. Deparar-se com estas condições produz importantes reflexões que se levadas a cabo no processo formativo, podem ajudar os futuros professores e professores a compreenderam as diferentes relações existentes entre os conhecimentos e práticas necessários à formação docente.
No relato, a sensação de medo que toma a discente no primeiro contato com a escola e com os alunos e alunas, vai sendo substituída por um processo de reflexão que lhe possibilita compreender os limites e potenciais daquela experiência. Neste processo, a discente passa a levar em consideração elementos da formação docente que só podem ser compreendidos em contexto: a modulação da voz, a importância da resposta dos alunos e alunas, o valor de ser aceito, a necessidade de saber organizar o tempo, etc. São todos elementos que a formação estritamente acadêmica não possibilita aos futuros professores e professoras conhecerem, revelando assim o potencial da experiência de estágio na construção dos saberes necessários à formação docente.
Tal potencial também se revela nos inúmeros encontros construídos durante a experiência de estágio. Dois deles se destacam: o encontro com os docentes mais experientes e com os alunos e alunas. No primeiro caso, muitos são os relatos a revelarem a importância da experiência profissional na orientação dos novos docentes:
Uma característica marcante na personalidade de M. é o respeito: ela respeita muito os alunos, conversa, escuta, isso muda tudo. Em 45 minutos de aula, ela consegue envolver praticamente todos os alunos, às vezes a turma inteira. Buscando compreender melhor a relação professor e alunos, acompanhei as turmas em outras aulas. Pra minha surpresa, os alunos ficavam transtornado frente a determinados professores (DD 1).
Após a aula, fui conversar com a professora. Fiquei admirado como a mesma conseguiu, de forma tão tranquila, conduzir sua aula. Durante a conversa, D. me contou que a sala era bem tranquila, que os alunos do 9º ano a tinham com respeito. Eu perguntei se ela considerava uma relação de amizade e ela disse que não. Era uma relação de referência, que eles a viam como uma pessoa de confiança (DD2).
Após a prova de matemática no 9º ano, acompanhei o Prof. A. numa substituição de aula no 8º C... Foi iniciada uma atividade com mapas, porém, após aproximadamente a metade da aula, o professor decidiu por não continuar e depois da aula me explicou o porquê dessa decisão. Disse que os alunos estavam cansados após duas provas e que, às vezes, devem-se fazer concessões aos alunos (DD3).
Foi nessas horas em que estive na sala dos professores que a Profa. V. me mostrou o seu caderno, me explicou coisas sobre a carreira na rede municipal e me mostrou como prepara e organiza suas aulas e foi lá que pude acompanhar a correção de relatórios e provas de alunos e conversar sobre elas com os professores (DDD4)
Apesar de parecer óbvio, o que estes relatos revelam é a importância dos professores na formação dos novos docentes. Como aponta Nóvoa (2009), é fundamental devolver a formação de professores aos professores. Não se trata de uma ação corporativa, mas de atitude política e epistemológica que reconhece que os professores constroem conhecimentos em suas práticas cotidianas que são fundamentais na formação dos novos professores. Tais conhecimentos aparecem nos relatos dos estagiários: a capacidade de organização da turma, a conquista do respeito e reconhecimento dos alunos e alunas, as estratégias de preparação de aula, o feeling de saber a hora certa de parar ou continuar certa atividade. São todos conhecimentos produzidos em contexto e que, muitas vezes, se perdem na lógica aplicacionista de formação docente, não sendo sequer reconhecidos como portadores da legitimidade científica necessária para compor os currículos de formação.
Além disso, neste encontro com os professores mais experientes, os estagiários vão compreendendo as especificidades que caracterizam esta profissão, sendo uma delas a intrínseca relação entre pessoalidade e profissionalidade docente. Trata-se de entender que, junto ao domínio técnico dos conhecimentos tanto da disciplina específica que irá lecionar, quanto daqueles relativos ao campo da educação, a profissão docente se constrói a partir de uma visão de mundo e dos sujeitos que se busca formar. Tal visão, por sua vez, se alicerça em um compromisso docente em relação aos alunos e alunos, que se materializa diariamente na forma como as relações se estabelecem nos diferentes espaços educativos. O respeito, a admiração, o cuidado com os alunos e alunas não são processos secundários na formação da profissionalidade docente. Ao contrário, em nossa perspectiva, reforçada pelos relatos dos estagiários, constitui um dos pilares que caracterizam esta profissão.
O encontro com os professores e professoras é também momento fundamental para a ruptura de preconceitos. Lembro-me ainda de uma situação ocorrida em uma das aulas teóricas da disciplina de Estágio Supervisionado de Ensino de Geografia e Material Didático. Um dos alunos me procurou ao final da aula para relatar uma situação que considerava estranha e que o levaria a mudar o seu projeto de estágio. A situação era a seguinte: ele tinha se surpreendido com o professor de Geografia que o estava supervisionando no estágio. Tratava-se de um bom professor, com domínio de conteúdo, de turma, respeitado pelos alunos e alunas. Fiquei intrigado e o questionei o porquê daquela admiração. E sua resposta foi rápida e direta: “é estranho encontrar um bom professor na escola pública”. O distanciamento da universidade em relação à escola pública, acompanhado de um intenso ataque que a mesma vem sofrendo pelos setores que lucram com a sua destruição, ajudam, em partes, a compreender este estranhamento do discente. O contato com os professores experientes e suas práticas, possibilitados pelo estágio, por sua vez, contribui na desconstrução destes preconceitos:
A sala dos professores foi algo que me surpreendeu muito porque não encontrei o que esperava: professores xingando alunos, reclamando da vida, da profissão, de tudo. Pelo contrário, os professores, na maioria das vezes, estavam discutindo os projetos interdisciplinares, falando de como podem resolver juntos certos problemas e isso devido ao suporte que a escola dá aos mesmos e o incentivo à autonomia de cada um para poder realizar seu trabalho da melhor maneira possível (DN 3)
A maior lição que esse estágio me deixou foi a esperança de poder acreditar em uma escola que dê certo, em professores que ainda são motivados, que pensam uma geografia que tem como ponto de partida e chegada a realidade dos alunos, seu contexto, suas experiências (DD 3)
O estágio foi uma experiência muito enriquecedora por instabilizar juízos rasteiros e ampliar minha noção de complexidade que é lidar com a educação. Me aproximei mais dos professores, pude ouvi-los e também me posicionei sobre temas diversos. A sala dos professores não era um espaço blindado, os alunos circulavam frequentemente para tirar dúvidas ou conversar sobre alguma atividade. A coordenadora vivia solta pelo espaço escolar entre os educandos, resolvendo tensões as mais diversas sem nunca me podar em relação a qualquer coisa. Foi um trabalho muito construtivo sob a ótica do que me trouxe. Foram 40 horas que valeram a pena (DD 4)
Neste processo de redescoberta da escola, para além dos discursos prontos, os licenciandos e licenciandas vão construindo suas próprias percepções sobre a escola pública, seus sujeitos, práticas, concepções. Vão ocupando os lugares destas escolas, a sala dos professores, os corredores, o pátio, estabelecendo diálogos, reconhecendo nos professores mais experientes saberes e práticas que os ajudam a pensar nas demandas do seu processo formativo. E com isso, realizam um movimento que vai do experimento à experiência. Não se trata mais de ir a escola, colocar em prática, de forma impositiva, ideias e concepções construídas desde cima, sem o diálogo com os sujeitos e as reais condições de realização da prática educativa. No estágio pensado como experiência, o sujeito que impõe dá lugar ao sujeito exposto, como aponta Larrosa (2000, p. 12):
O sujeito da experiência é um sujeito “ex-posto”. Do ponto de vista da experiência, o importante não é nem a posição (nossa maneira de pormos), nem a “o-posição” (nossa maneira de opormos), nem a “imposição” (nossa maneira de impormos), nem a “proposição” (nossa maneira de propormos), mas a “exposição”, nossa maneira de “ex-pormos”, com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de risco. Por isso é incapaz de experiência aquele que se põe, ou se opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se “ex-põe”. É incapaz de experiência aquele a quem nada lhe passa, a quem nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada o toca, nada lhe chega, nada o afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre.
Por isso, elaborar o sentido daquilo que nos acontece, que nos passa, que nos toca, se torna processo fundamental na construção de conhecimentos e práticas na experiência do estágio supervisionado. É quase impossível passar pela escola pública sem que nada nos aconteça, nos toque, nos passe. E é esta multiplicidade de experiências com as quais os estagiários se deparam no contato cotidiano com a escola pública que o estágio possibilita. E, neste processo, vão elaborando conhecimentos que colocam em diálogo diferentes sujeitos e práticas, potencializados pelo reconhecimento dos saberes advindos da experiência.
o saber da experiência é um saber particular, subjetivo, relativo, contingente, pessoal. Se a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma experiência. O acontecimento é comum, mas a experiência é para cada qual sua, singular e de alguma maneira impossível de ser repetida. O saber da experiência é um saber que não pode separar-se do indivíduo concreto em quem encarna. Não está, como o conhecimento científico, fora de nós, mas somente tem sentido no modo como configura uma personalidade, um caráter, uma sensibilidade ou, em definitivo, uma forma humana singular de estar no mundo, que é por sua vez uma ética (um modo de conduzir-se) e uma estética (um estilo). (LARROSA, 2000, p. 27)
Como saber particular e concreto, impossível de ser descolado do indivíduo, o saber da experiência tem potencial na construção da identidade acerca da profissão docente. Contribui, ainda, na superação de uma dicotomia que tem marcado historicamente a formação docente no Brasil e no mundo entre teoria e prática. O saber da experiência só pode ser construído em contexto, sendo, portanto, uma reflexão sobre e na prática. Como aponta Tardif:
Os saberes experienciais estão enraizados no seguinte fato mais amplo: o ensino se desenvolve num contexto de múltiplas interações que representam condicionantes diversos para a atuação do professor. Esses condicionantes não são problemas abstratos como aqueles encontrados pelo cientista, nem problemas técnicos, como aqueles com os quais se deparam os técnicos e tecnólogos. O cientista e o técnico trabalham a partir de modelos e seus condicionantes resultam da aplicação ou da elaboração desses modelos. Com o docente é diferente. No exercício cotidiano de sua função, os condicionantes aparecem relacionados a situações concretas que não são passíveis de definições acabadas e que exigem improvisação e habilidade pessoal, bem como a capacidade de enfrentar situações mais ou menos transitórias e variáveis. Ora, lidar com condicionantes e situações é formador: somente isso permite ao docente desenvolver os habitus (isto é, certas disposições adquiridas na e pela prática real), que lhe permitirão justamente enfrentar os condicionantes e imponderáveis da profissão. Os habitus podem transformar-se num estilo de ensino, em macetes da profissão e até mesmo em traços da personalidade profissional: eles se manifestam, então, através de um saber-ser e de um saber-fazer pessoais e profissionais validados pelo trabalho cotidiano (TARDIF, 2010, p. 49).
Não é possível em uma profissão caracterizada pela contínua interação humana, partir de modelos elaborados com o objetivo de controlar as inúmeras variáveis que compõem o processo. O contexto da prática educativa tem sempre algo de incerteza, de dúvida, com a qual os docentes precisam aprender a lidar, construindo estratégias de enfrentamento. Tais estratégias não são facilmente reproduzíveis em outros contextos, mas vão permitindo aos docentes compor o seu arcabouço de conhecimentos que irão nortear as suas ações no decorrer da profissão. O contato com este ambiente de incertezas também produz importantes reflexões aos futuros docentes em suas experiências de estágio, principalmente no que diz respeito aos limites dos projetos construídos quando no diálogo com as condições concretas da prática educativa.
O projeto de estágio que concebemos é sempre postulando que todos os alunos são iguais e não tem necessidades especiais. Aí no momento em que nos deparamos com alunos nessa situação, não sabemos o que fazer e isso causa certa frustração (DN 7)
Após esta aula ficou claro como é difícil qualquer cronograma porque as atividades desenvolvidas sempre levam mais tempo e dependem de situações que não conseguimos prever quando esquematizamos e colocamos datas a serem cumpridas no decorrer dos planos de aulas (DN 7)
As frustrações decorrentes da descontinuidade entre o ideal e o real podem se tornar potencial fonte de construção de conhecimento se a reflexão sobre e na prática estiver no centro do processo. Aprender a lidar com os erros e fracassos torna-se, portanto, um dos principais desafios a serem enfrentados pelos futuros professores no momento da experiência do estágio. Para tal enfrentamento, é fundamental fugir dos lugares comuns e dos inúmeros preconceitos que podem conduzir a uma leitura superficial do processo. É preciso compreender os limites e possibilidades que a experiência do estágio permite. Voltar desta experiência com verdades incrustradas que, muitas vezes, já estavam construídas anteriormente ao início do estágio pode resultar em um processo que reforce uma formação docente incapaz de compreender o movimento da realidade que está na base da ação educativa.
O segundo encontro possibilitado pelo estágio é aquele com os alunos e alunas. Trata-se de um encontro “barulhento”, “agitado” e, exatamente por isso, repleto de possibilidades. Também ali a construção de saberes da experiência vai se dando, resultado do olhar atento e do estranhamento acerca de algumas ações que os alunos e alunas realizam em sala de aula, como pode ser observado no relato a seguir:
Minha ajuda foi sendo mais requisitada pelos alunos e eu me senti despreparada para lhes responder as questões, porque me vi limitada em um ou duas maneiras de explicar algo, que elas visivelmente não estavam conseguindo alcançar. Foi então que eu chamei um outro aluno que eu havia acabado de explicar a mesma coisa e pedi que ele traduzisse para as meninas, e ele o fez, de forma clara e objetiva e as meninas responderam: é só isso? Mas isso é muito fácil. E ficaram contentes de terem compreendido algo. Compreendi neste momento que minha linguagem não era tão acessível quanto eu imaginava (Discente 5)
Como explicar um determinado conteúdo? Como se fazer inteligível para alunos e alunas? Como transformar o arcabouço teórico-metodológico dos conhecimentos construídos nas diferentes disciplinas da universidade em saber significativo em sala? Estas e outras questões surgem para os estagiários a partir do contato e das demandas dos alunos e alunas da educação básica. Como demonstra o relato, a ação, aparentemente simples, de explicar um determinado conteúdo se torna desafio colossal uma vez que, no outro polo da relação, não estão os alunos e alunas imaginados, mas sujeitos reais, com suas histórias, geografias, visões de mundo. E este desafio se torna solução, quando aquilo que parece difícil se torna simples na transposição feita pelo aluno para explicar as suas colegas aquilo que a discente não conseguiu realizar. Neste processo, o problema da linguagem, até ali despercebido pela discente, foi ativado em seu processo formativo, ganhando, portanto, sentido.
Além disso, o diálogo com os alunos e alunas é também fundamental no processo de constituição da profissionalidade docente. No decorrer da disciplina, estabeleci alguns diálogos com os discentes, dentre os quais um no qual buscava problematizar a seguinte questão: em que momento deixamos de ser alunos e alunas e nos tornamos professores e professoras? No decorrer da disciplina, esta pergunta ficou em aberto, produzindo inúmeras reflexões que contribuíram no desenvolvimento da experiência de estágio. Nos relatórios, foi possível perceber que uma das possibilidades de resposta está na identidade que vai se construindo no decorrer do estágio.
Desde o primeiro dia no estágio, fui apresentado nas salas como professor e, em algumas ocasiões, em aula ou na sala dos professores, alunos me fizeram perguntas, tiraram dúvidas, e me trataram como professor o tempo todo. Mesmo na hora de ir embora quando nos encontrávamos na rua diziam coisas como até amanhã, professor e falou, professor (DD 7).
Entramos, a Professora esperou os alunos se acalmarem e me apresentou a eles como professora L. Me senti lisonjeada (DN 9).
Depois dessa primeira interação, eles se sentiram mais à vontade em conversar comigo. Alguns me elogiando, comentavam com seus amigos: essa professora é dahora. Isso foi bastante gratificante (DD8).
Ser reconhecido como professor e professora, sendo assim nomeado pelos alunos e alunas na experiência de estágio provoca uma reação de estranhamento fundamental, uma vez que muda de lugar os estagiários. A identidade de aluna/aluna da graduação vai cedendo lugar a de docente e com isso reafirma-se uma das características fundamentais desta profissão, já aponta por Paulo Freire (2003), a de que não existe docência sem discência. São em pequenas ações (na resposta a uma pergunta feita pelo aluno; no fato de ser apresentado à turma como docente por uma professora mais experiente, na despedida ao final da aula) que esta identidade profissional vai sendo constituída e com ela a consciência da responsabilidade que marca a profissão. Novamente, destaca-se nestas falas a importância do estágio supervisionado em ensino de Geografia no desenvolvimento de conhecimentos, práticas e identidades que só podem se dar no contexto da ação educativa. Não podem ser forjadas, simuladas em outros ambientes, correndo-se o risco de uma teatralização que pode resultar em um choque inicial mais intenso e traumático quando do início da prática profissional dos futuros professores. O contato contínuo com o contexto da ação educativa, no diálogo com os diferentes sujeitos e sob a orientação de profissionais mais experientes, tanto na escola quanto na universidade são, em nossa perspectiva, processo necessário para a qualificação da formação profissional docente.
Por isso, torna-se cada vez mais importante que a relação entre escola e universidade, por meio dos seus diferentes sujeitos, seja potencializada na experiência do estágio supervisionado. A relação estabelecida através de visitas burocráticas à escola para ali desenvolver atividades meramente com o intuito de conseguir as condições legais para obter o título de licenciado precisa ser substituída por um diálogo mediado pela construção de um projeto de formação que leve em consideração as demandas reais dos sujeitos participantes deste processo. Para isso, as escolas e os professores não podem apenas receber os estagiários, mas precisam ser chamados a participar da construção deste projeto, com o intuito de se evitar falas como a que se segue, registrada em um dos relatórios:
O professor dizia ainda que recebeu um estagiário, que segundo ele, além de tudo, dava palpite no seu trabalho. Em tom de brincadeira disse: é mole? A gente lá na sala feito um louco, tentando acalmar os alunos e daí vem alguém de fora, que não vive a escola, falar isso (DD 9)
Há que se evitar, a partir do diálogo, que o estágio se torne processo de invasão cultural, como aponta Paulo Freire (1975). Nesta invasão, o outro não é reconhecido como sujeito, mas objeto de experimentos realizados no estágio. Respeitar a escola e os seus sujeitos, reconhecendo seus conhecimentos e práticas é, em nossa concepção, ponto fundamental para avançarmos em direção a um processo de estágio que tenha como um dos seus princípios o reconhecimento da multiplicidade de sujeitos, saberes e práticas necessárias a esta formação.
Algumas experiências vêm sendo desenvolvidas no DG-USP e têm contribuído neste processo de construção de um projeto coletivo de formação docente que coloque em diálogo os sujeitos da escola e da universidade. Entre eles, destaca-se a Semana de Geografia, projeto de Extensão do DG-USP, funcionando desde 2003. No projeto, no início de cada ano as escolas públicas do Estado de São Paulo inscrevem-se para o desenvolvimento de ações que contarão com a participação de discentes da graduação em Geografia da USP. Durante quase um ano, alunos e professores da escola e universidade compartilham experiências, processos e práticas, desenvolvendo projetos e atividades dentro das mais diferentes perspectivas do ensino de geografia. Em outubro, tais projetos são apresentados na Semana de Geografia (fotos 1,2e 3), em mesas de debate que envolvem alunos e professores da escola e da universidade. As fotos a seguir retratam alguns destes momentos durante a XII Semana de Geografia, em outubro de 2015.
A Semana de Geografia tem representado importante momento que potencializa o diálogo entre os sujeitos da escola e da universidade no processo de formação docente em Geografia. Para os bolsistas que participam diretamente do projeto, trata-se de oportunidade de um contato mais cotidiano e intenso com a escola pública, uma vez que as ações se iniciam ainda no primeiro semestre letivo e se prolongam por todo o ano. Ao invés de uma entrada pontual, como, de maneira geral, ocorre na experiência de estágio, o projeto da Semana de Geografia se próxima de uma dinâmica de formação docente muito semelhante àquela encontrada no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e que envolve, além de um maior tempo de contato entre discente e escola, outras práticas, saberes, sujeitos e conhecimentos necessários ao processo de formação inicial docente.
Para os discentes não participantes do projeto, a Semana de Geografia se configura como mais um momento de reconhecimento da escola, dos seus sujeitos, práticas e saberes. Os projetos apresentam aos discentes as inúmeras possibilidades de ação que existem ao professor de geografia na escola pública, contribuindo, assim, para romper com o discurso fatalista que, muitas vezes, permeia as preconcepções sobre esta realidade.
Em certa medida, as ações desenvolvidas na Semana de Geografia contribuem para responder a um dos anseios que apareceu recorrentemente no relatório do estágio: a devolutiva para as escolas.
Entre todos os pontos que relatei, gostaria de salientar que vejo potencial em usarmos nosso tempo de estágio para algo que contribua com as escolas que escolhemos. Realizar um trabalho baseado nas demandas das escolas (DD 10).
Outra frustração foi chegar ao final do estágio sem ter conseguido pensar em uma devolução a escola e a professora. Minimamente ajudei nas discussões nas aulas e expliquei algumas coisas de vestibular e da USP para os alunos (DM10)
Esta preocupação em dar um retorno à escola e seus sujeitos que, como dissemos, apareceu em diferentes relatórios, revela o compromisso que os estagiários vão construindo ao longo do processo e que pode contribuir na ruptura daquela relação burocrática citada anteriormente. Olhar para a escola e seus sujeitos não mais com um olhar de imposição, mas procurando compreendê-los, escutar suas demandas, dialogando, é um dos movimentos fundamentais para que avancemos do estágio experimento, marcado pela lógica aplicacionista, ao estágio experiência, potencializador da construção dos saberes da experiência, conforme proposto por Tardif (2010) e Larrosa (2000).
Ao longo deste artigo, apresentamos e discutimos as experiências desenvolvidas no estágio supervisionado em Ensino de Geografa e Material Didático do DG-USP. Foi possível perceber que com o estágio supervisionado, as discussões sobre a o ensino de Geografia e a formação de professores têm se espraiado um pouco mais pelo DG-USP e com isso produzindo outras práticas curriculares. Tais práticas, por sua vez, ajudam a desconstruir as concepções curriculares que, como vimos, durante muito tempo marcaram esta formação na Universidade de São Paulo e com as quais o Programa de Formação de Professores busca dialogar. No entanto, ainda são inúmeros os desafios que encontramos na lida cotidiana da formação docente no DG-USP.
Em primeiro lugar, há que se destacar a necessidade de que o debate sobre a formação docente e o ensino de geografia não se torne monopólio de um professor ou grupo de professores. Assumir posição como esta é apenas mudar de lugar as dicotomias presentes na estrutura curricular 3+1 e estabelecidas na relação entre o Departamento de Geografia e a Faculdade de Educação, sem problematizar o necessário reconhecimento da transversalidade desta formação. As especificidades do campo científico da Geografia nos colocam o desafio de pensarmos a unidade do processo formativo, sem perder de vistas as peculiaridades existentes em cada um deles. Reconhecer e valorizar cada um destes percursos formativos (bacharelado e licenciatura), compreendendo seus inúmeros pontos de contato pode contribuir no processo de fortalecimento de uma formação docente em geografia que tenha a pesquisa como um princípio norteador. A tradição de pesquisas nesta área demonstra que o domínio do conhecimento vinculado ao campo científico não comporta todos os saberes e práticas necessários a formação de professores; no entanto, não é possível prescindir dos mesmos nos cursos de licenciatura, com o risco de uma formação que não possibilite aos futuros docentes a produção de conhecimentos na ciência geográfica e nas práticas de ensino de geografia. O princípio da unidade na diversidade, tão caro no processo de institucionalização da Geografia enquanto ciência moderna, pode ser aqui retomado para a construção desta necessária relação entre bacharelado e licenciatura.
Outro desafio consiste em romper com uma concepção burocrática do estágio supervisionado. Em nossas experiências como docente desta disciplina, é possível verificar na fala dos estagiários a ideia de que o estágio se configuraria apenas como uma tarefa burocrática que era preciso cumprir como pré-requisito para a obtenção do grau de licenciado. Com isso, a experiência era desenvolvida de forma superficial, com pouco ou nenhum envolvimento, seja na relação com os sujeitos da escola, seja nos diálogos estabelecidos nas universidades. Em alguns casos excepcionais, o atributo da fraude era também utilizado e consistia na obtenção de assinaturas na ficha de estágio por algum professor conhecido da educação básica, o que desobrigava, assim, o discente a realizar efetivamente as horas de estágio. Problematizar esta concepção pressupõe um amplo esforço de construir o diálogo com os estagiários sobre os limites e possibilidades da experiência, o seu sentido na formação docente, a sua capacidade de articulação com os diferentes conhecimentos construídos no decorrer do processo formativo. Neste diálogo, vem à tona, na fala dos estagiários, todas as angústias e descontentamentos em relação ao estágio, inclusive colocando em dúvida a importância do mesmo na formação docente.
A nossa experiência nos mostra: é importante trabalhar a partir destas falas, reconhecendo a legitimidade das mesmas, problematizando-as. Tal problematização se constrói no trabalho cotidiano de produção da experiência de estágio, mediada pelo diálogo com os sujeitos da escola pública, seus saberes, práticas e representações e tendo na pesquisa um dos princípios norteadores. O fundamental é que ocorra, a partir da experiência de estágio, um movimento de formação que leve a produção de outro olhar sobre a profissão professores, seus principais desafios, suas principais possibilidades.
Para tanto, um terceiro conjunto de desafios é fazer com que a formação docente irrompa as fronteiras das disciplinas que compõe o currículo. O debate sobre a educação, a escola, as diferentes perspectivas no ensino de geografia precisavam estar, em diferentes momentos, presentes no processo formativo. Isso não significa apenas uma ação burocrática, como inclusão de horas de Práticas como Componente Curricular (PCCs), que tem se mostrado pouco significativa do ponto de vista da produção de processos de formação docente no DG-USP. Ao contrário, trata-se de ação cotidiana de convencimento que se faz pelo diálogo, pelo debate amplo e aberto com os diferentes sujeitos responsáveis pela formação docente no DG-USP.
Sabemos das dificuldades da construção de diálogos em um momento no qual a universidade brasileira vem sendo atravessada por uma lógica administrativa que reforça a competição, o trabalho individual, a pesquisa acadêmica em detrimento das outras atividades docentes. E por isso pensamos ser prudente reconhecer que, sem a crítica a este processo, mudanças qualitativas na formação docente, na direção daquilo que aqui apontamos neste artigo, se tornam mais difíceis de serem construídas.
Muitos estagiários, em seus relatórios, apontaram quais seriam, em suas perspectivas, os principais limites e possibilidades da experiência de estágio.
O estágio apresentou a possibilidade dessa discussão acontecer na escola, pois ela não ocorre, mas ao mesmo tempo evidenciou os limites da discussão, que aparece por alguém que vem de fora, não tem nenhum vínculo com a escola, passa e vai embora. A discussão é efêmera, não se sabe se ela continuará ou ocorrerá novamente (DD 11)
Para mim, o principal limite da experiência de estágio é o fato de ser um estágio. Quero dizer: não é seu emprego, não é sua turma, em última instância, não é você quem terá de buscar soluções para as muitas dificuldades que surgem (DN 10).
A carga horária de estágio pode ser considerada alta, mas não enxergo como suficiente para um processo que pretende formar um professor. São vários os desafios que o estudante universitário encontra durante esta formação – necessidade de trabalhar, dificuldade de encontrar a escola, de conseguir ser aceito por ela (DN 11)
Por mais que se reclame da experiência do estágio e por mais que seja cansativa, ela é fundamental por nos permitir vivenciar situações que não são contempladas nas disciplinas da licenciatura, mas que aparecem com muita força na realidade do trabalho do professor. O estágio também não vai revelar tudo, não resolver tudo, mas com certeza nos coloca situações que precisam ser experimentadas antes de assumirmos uma sala de aula como professor (DD 12).
No relato dos estagiários, aparece de forma clara a necessidade de se criar um vínculo mais efetivo com as escolas e seus sujeitos, ampliando o tempo de realização do estágio e fazendo-o ocorrer de forma mais contínua, ao longo do processo formativo. Ao mesmo tempo, os relatos apontam para as dificuldades decorrentes do perfil socioeconômico dos futuros professores (o pouco tempo para viver a universidade; a necessidade de conciliar trabalho e estudo) e suas implicações no processo formativo e na experiência de estágio. Sobre este tópico, é preciso tomar posição: se continuarmos a ignorar o perfil socioeconômico dos futuros professores, apresentado por diferentes pesquisas sobre o tema, no momento da construção e execução dos currículos formativos, corremos o risco de produzir ações que pouco fazem sentido aos sujeitos e que contribuem, dessa forma, para reforçar o caráter burocrático desta formação.
Portanto, é possível perceber que inúmeras são as possibilidades e desafios que a experiência de estágio traz no processo de formação docente. Criar um ambiente de diálogo constante, respeitando e reconhecendo os diferentes sujeitos, seus saberes e contextos, é condição fundamental para avançarmos na construção de um projeto de formação docente que tenha no estágio supervisionado lugar de produção de saberes e identidades. Não se trata de tarefa fácil, mas, recorremos novamente a fala de uma estagiária para enfrentá-la:
Tenho dúvidas, mas são outras. Mas a dúvida central que eu tinha não tenho mais. Vale a pena (DD 13)