Recepção: 01 Dezembro 2016
Aprovação: 01 Abril 2017
DOI: https://doi.org/10.26895/geosaberes.v8i14.447
Resumo: O trabalho em questão é resultado de projeto do PIBIC Jr., desenvolvido com apoio de bolsas do CNPq, em parceria com a FAPERN, executado por escolas da rede pública de ensino da SEEC/RN. A pesquisa estudou os usos e as condições físicas das praças e dos equipamentos públicos de lazer, identificando os agentes responsáveis pela privatização destes bens públicos. Os procedimentos metodológicos utilizados foram: a) aplicação de questionários à parte da população de Ceará Mirim, residente próximo a praças e equipamentos públicos de lazer; b) realização de observação investigativa a atividade comerciais e de prestação de serviços, igualmente instalados próximo a esses bens de uso público; c) e, registro fotográfico, no intuito de se verificar as condições físicas das praças e dos equipamentos públicos de lazer. Ao analisar a problemática da privatização do espaço público, a pesquisa contribuiu com o debate desta questão, colocando em evidência as condições das praças e dos equipamentos públicos de lazer na cidade de Ceará Mirim. Verificou-se que Ceará Mirim apresenta irregular distribuição e deficiente manutenção de suas praças e de seus equipamentos públicos de lazer, comprometendo a qualidade de vida de seus munícipes ao ferir o direito ao lazer e ao livre acesso e uso do espaço público.
Palavras-chave: Privatização, Praças públicas, Equipamentos de lazer.
Abstract: The work in question is the result of PIBIC Jr. project, developed with CNPq scholarship support, in partnership with FAPERN, run by public schools teaching the SEEC/RN. The research studied the uses and the physical condition of the streets and public leisure facilities, identifying the agents responsible for the privatization of these public goods. The methodological procedures used were: a) questionnaires to the population of Ceará Mirim, residing near public parks and recreational facilities; b) conducting interviews to local merchants also installed close to such property for public use; c) and photographic documentation in order to verify the physical condition of public squares and public leisure facilities. In analyzing the issue of privatization of public space, research contributed to the debate this issue, highlighting the conditions of public squares and Ceará Mirim leisure equipment. It was found that the city of Ceará Mirim presents uneven distribution and poor maintenance of its public squares and its leisure facilities, which is compromising the quality of life of its citizens to injure the right to leisure and the free access and use of public place.
Keywords: Privatization, Public squares, Leisure equipment.
Resumen: La obra en cuestión es el resultado del proyecto PIBIC Jr., desarrollado con el apoyo de becas CNPq, en colaboración con FAPERN, a cargo de las escuelas públicas de enseñanza de la SEEC/RN. La investigación estudió los usos y las condiciones físicas de las calles y lugares de ocio públicos, la identificación de los agentes responsables de la privatización de estos bienes públicos. Los procedimientos metodológicos utilizados fueron: a) cuestionarios a la población de Ceará Mirim, que residen cerca de las plazas públicas y equipamientos de ocio; b) llevar a cabo la observación de investigación para la actividad comercial y la prestación de servicios, también instalados cerca de dichos bienes de uso público; c) y documentación fotográfica con el fin de verificar la condición física de las calles y las instalaciones de ocio públicas. Al analizar el tema de la privatización del espacio público, la investigación contribuyó al debate de este tema, destacando la condición de las plazas y lugares de ocio públicos en la ciudad de Ceará Mirim. Se encontró que Ceará Mirim presenta la distribución desigual y la falta de mantenimiento de sus calles y sus establecimientos públicos para el ocio, lo que compromete la calidad de vida de sus ciudadanos a lesionar el derecho al ocio y el libre acceso y el uso del espacio público.
Palabras clave: Privatización, Plazas públicas, Equipos de Ocio.
APRESENTAÇÃO
O presente trabalho se constitui em pesquisa desenvolvida pela Escola Estadual Interventor Ubaldo Bezerra de Melo, em parceria com a Escola Estadual Otto Brito de Guerra, e, a Escola Estadual Edgar Barbosa, localizadas na cidade de Ceará Mirim e vinculadas a Secretaria de Estado da Educação e da Cultura do Rio Grande do Norte – SEEC/RN. Destas instituições de ensino, dez alunos matriculados no Ensino Médio, foram selecionados como colaboradores da pesquisa, na qualidade de bolsistas.
O projeto “Lazer, espaço público e os dois circuitos da economia urbana: a escola na construção e no exercício da cidadania” fez parte do Programa de Iniciação Científica Júnior – PIBIC Jr., e recebeu cotas de bolsas financiadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, administradas pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Norte – FAPERN, conforme Edital FAPERN/CNPq 09/2012 Programa de Iniciação Científica Júnior – PIBIC Jr. A pesquisa foi implementada entre os meses de abril de 2013 e abril de 2014, e os resultados de suas atividades foram apresentados no “III Congresso de Ciência, Tecnologia e Inovação”, realizado nos dias 11 e 12 de novembro de 2014, organizado pela FAPERN, na cidade de Natal/RN.
O objetivo geral da pesquisa foi analisar os usos das praças e equipamentos públicos de lazer, na cidade de Ceará Mirim. Os objetivos específicos foram: a) identificar quais são os agentes responsáveis pela privatização das praças e dos equipamentos públicos de lazer; b) reconhecer as principais formas de privatização desses fixos geográficos; e, c) verificar as condições físicas das praças e equipamentos públicos de lazer.
Os procedimentos metodológicos utilizados foram: a) aplicação de questionários a população residente próximo as praças e equipamentos públicos de lazer; e b) realização de observação investigativa a empreendimentos comerciais ou de prestação de serviços, instalados próximos as praças e equipamentos públicos de lazer; e, c) realização de registro fotográfico, no intuito de se verificar as condições físicas dessas praças e equipamentos públicos de lazer.
Foram aplicados 39 questionários, com perguntas pré-elaboradas, abertas e fechadas, a moradores das áreas urbanas de Ceará Mirim, com residência localizada nas imediações de praças e ou equipamentos públicos de lazer. Os questionários foram aplicados entre os dias 03 e 31 de março de 2014, pelos alunos/bolsistas, com a supervisão dos professores/coordenadores do projeto. Os questionários e o procedimento de observação investigativa da pesquisa foram aplicados e realizados nos bairros São Geraldo, Centro, Cinco Bocas, Planalto, COHAB, Santa Águida, Nova Ceará Mirim, Novo Horizonte, Eracto Vilar, e, Nova Descoberta.
O questionário foi elaborado selecionando as seguintes temáticas: faixa etária; ocupação/profissão; renda média mensal da família; escolaridade; bairro onde reside e tempo de residência; condição da posse da casa e número de cômodos; condições da rua onde mora, avaliando o calçamento, a iluminação pública, o saneamento básico, a distribuição de água e energia elétrica, a coleta de lixo domiciliar, e as condições das calçadas, especificamente avaliando dois aspectos: acessibilidade dos transeuntes e cadeirantes; e sinalização destinada a deficiente visuais.
A pesquisa, por meio do questionário, também buscou apreender a existência e condições dos equipamentos públicos de lazer e das praças públicas. Questionou-se o local preferido dos moradores quanto a práticas de esportes e de lazer, bem como, sobre a existência e condições de praças públicas, ginásios, quadras de esporte, e campo de futebol.
Os entrevistados foram interrogados a propósito da sua participação política e social, na vida comunitária do bairro onde moravam. Perguntou-se sobre a participação deles em alguma associação comunitária; se o bairro onde residiam tinha um conselho comunitário e qual a avaliação que eles faziam sobre a atuação desse conselho. Por fim, a pesquisa levantou questões sobre a opinião do entrevistado quanto à atuação do poder público municipal, a propósito do espaço público e dos equipamentos públicos de lazer.
A pesquisa adotou um procedimento de observação investigativa, de caráter qualitativo no qual os alunos/bolsistas pré-selecionaram atividades comerciais ou de prestação de serviços que estavam comprometendo o direito de uso do espaço público e a qualidade física dos equipamentos públicos de lazer. Tomando como referência um roteiro de observação pré-elaborado, avaliaram o tipo de atividade comercial e de serviços; o horário de funcionamento; público alvo da atividade comercial/serviço; forma de apropriação privada do espaço público/equipamento de lazer; porte do empreendimento; transtornos provocados pelo comércio/serviço; se seria atividade formal ou informal; e qual o enquadramento do comércio/serviço, se ambulante, ambulante fixo, ou se instalado em um prédio. Esse procedimento de observação investigativa foi realizado entre os dias 03 e 24 de fevereiro de 2014.
Ressaltamos que a pesquisa considera os equipamentos públicos de lazer, como sendo os campos de futebol, ginásios, estádios e quadras de esportes. Defende-se que esses equipamentos públicos de lazer e as praças públicas desempenham importante papel na qualidade de vida da população, onde estão instalados. A ausência e ou a precariedade de manutenção das praças e equipamentos públicos de lazer tem efeitos negativos nas formas de convivência social, comprometendo a qualidade de vida dos moradores.
O ESPAÇO PÚBLICO – CONTRIBUIÇÕES CONCEITUAIS
A ideia de espaço público tem estreita relação com a ágora grega, local onde se processava a rotina diária da sociedade romana. Local também de transações comerciais, entretenimento, espaço onde se realizavam as assembleias e eventos festivos. Esse espaço livre e aberto se constituía em área destinada ao encontro do coletivo, reunindo os homens livres que se encontravam com o objetivo de discutir assuntos ligados a vida política e social. Na civilização grega, a forma da ágora não tinha um padrão arquitetônico definido, sendo geralmente um espaço aberto, de domínio público, com formato irregular e amorfo.
Os termos “público” e “esfera pública” tem múltiplos significados concorrentes entre si, e que se originaram de diferentes momentos históricos. Popularmente, associam-se os termos “público”, “locais públicos” e “casas públicas”, a certos eventos ou a fixos geográficos acessíveis a qualquer um. Os termos “público” e “privado” são categorias de origem grega, transmitidos em sua versão romana. Na cidade-estado grega desenvolvida a esfera da pólis - comum aos cidadãos livres - é rigorosamente separada da esfera do particular (HABERMAS, 2003).
Contemporaneamente, aceita-se que os prédios públicos, embora nem sempre acessíveis a qualquer pessoa, sejam mesmo assim, considerado públicos porque abrigam instituições do Estado, tendo como princípio o dever de promover o bem público. Neste sentido, o público, ou seja, o cidadão seria o agente da esfera pública, enquanto “portador que é da opinião” (HABERMAS, 2003, p. 14). Habermas (2003, p. 15), ao defender que a vida pública não se restringe a um local, enfatiza a importância do caráter público da vida pública, na qual a conversação assume a forma de conselho e de tribunal, bem como de práxis comunitária.
Na Europa Feudal, o domínio comunal sugere uma incipiente noção de público, de coisa pública. Deste modo, o domínio comunal é coisa pública, assim como o poço da vila, e a praça do mercado são também de uso comuns, publicamente acessíveis. Se contrapondo a essa noção de “coisa pública”, presente na esfera do comunitário, existe a esfera do “particular”, ou seja, do “privado” (HABERMAS, 2003, p. 18-19).
Para Arendt (2005, p. 48), o que atualmente se designa de privado é um círculo de intimidade cujos primórdios se encontram nos últimos períodos da civilização romana, na qual qualquer pessoa que vivesse unicamente uma vida privada – o homem que, como o escravo, não podia participar da esfera pública ou que, como o bárbaro, não se desse ao trabalho de estabelecer tal esfera – “não era inteiramente humano”, tal a importância dada a esfera pública. Deste modo, “Pertencer aos poucos iguais (homoioi) significava ter a permissão de viver entre os pares” (ARENDT, 2005, p. 51).
Entretanto, em uma sociedade numericamente expressiva, a probabilidade de uma esfera pública política manter-se estável é menor, ou seja, quanto maior é a população de qualquer corpo político, maior é a probabilidade de que o social, e não o político constitua a esfera pública (ARENDT, 2005, p. 52).
Arendt (2005, p. 64), ressalta ainda que o espaço público não pode ser planejado e construído apenas tendo em vista uma geração, somente com a finalidade de atender os que estão “vivos”. O espaço público “deve transcender a duração da vida de homens mortais”, postergando aos seus descendentes uma sociedade democrática e livre (ARENDT, 2005, p. 64), no qual todos tenham a garantia do direito de se expressar politicamente.
Mesmo sendo consensual o entendimento da importância do espaço público, observa-se na modernidade uma perda do significado e interesse com a esfera pública. De acordo com Arendt (2005, p. 68), o desaparecimento da esfera pública teria relação direta com a completa perda da preocupação com a “imortalidade”, ou seja, com a ausência de uma participação política individual, marcada pelo não exercício da cidadania.
Na sociedade capitalista do final do século XX e início do XXI, a expressiva ausência da participação popular no exercício da cidadania, e por sua vez na efetivação do direito ao espaço público, seria o que Arendt (2005, p. 68) define como sendo a privação da “privatividade”. Nessa condição de ausência do outro, o homem privado não se dá a conhecer, portanto, seria como se ele não existisse. A capacidade de participar criticamente do processo político da cidade requer uma condição formada externamente, mas também intrínseca ao cidadão, de modo que a atividade de pensar seria privilégio de poucos (ARENDT, 2005, p. 68).
Sennet (1988) afirma que atualmente, a vida pública também se tornou questão de obrigação formal. A maioria dos cidadãos aborda suas negociações com o Estado com um espírito de aquiescência resignada, no entanto, essa debilitação pública tem um alcance muito mais amplo do que as transações políticas, implicando na perda da própria cidadania e do espaço público, pelo fato de que:
Como na época romana, a participação na res publica é hoje, na maioria das vezes, uma questão de estar de acordo; e os fóruns dessa vida pública, como a cidade, estão em decadência. A razão está em que, quanto mais privatizada é a psique, menos estimulada ela será e tanto mais nos será difícil sentir ou exprimir sentimentos (SENNETT, 1988, p. 16).
Deste modo, ao longo da modernidade a definição exata do limite entre o espaço público e privado, perdeu-se no espaço e no tempo. As cidades europeias medievais, por exemplo, foram construídas por meio de uma constante apropriação da terra pública, processo esse responsável pelo carater desordenado de suas ruas, normalmente estreitas e insalubres.
Assim, o espaço público entendido como espaço de livre circulação e acessibilidade, permanentemente é submetido a transformações sócio-espaciais com o objetivo de atender interesses dos agestes promotores do espaço. No entanto, observa-se que o capital assumiu um papel prepoderante na produção do espaço, a partir da metade do século XX e início do século XXI, modificando as relações sociais que se estabeleciam com o espaço público.
Embora se observe a crescente responsabilidade do capital, na modificação das relações sociais com o espaço público, não se pode negligenciar o fato que o Estado se constitui na única entidade social capaz de estabelecer e garantir os meios necessários ao exercício pleno da cidadania. O Estado tem o domínio do espaço público, sendo de sua responsabilidade garantir direitos sociais, conseguintemente, a devida efetivação da cidadania (GOMES, 2002).
Porém, a relação do Estado com o espaço público, em grande medida, tem sido de apropriação parasitária pela ação demagógica dos seus membros, de forma que a “mídia criticamente dócil” atua tendo em vista tornar pacífica a massa popular, tudo isso resultando na transformação da discussão social em espetáculo (GOMES, 2002). Diante da perda do sentido político do espaço público, Gomes (2002, p. 161) propõe retomar o espaço público como lugar de participação ativa e refundá-lo como espaço da política, da construção democrática e cidadã.
A retomada do sentido político e a revalorização social do espaço público, precisa considerar seus diferentes e conflituosos usos, bem como, buscar a superação da incompreensão popular que se tem a respeito da esfera pública. A territorialização do espaço público, por diferentes “tribos urbanas”, pode-se constituir em um obstáculo a solução deste desafio.
Em razão do diferentes usos sociais do espaço público, ele se constitui também em lugar de conflitos, da manifestação da problematização da vida, lugar no qual os anseios e inquietações são abalizados e submetidos a expressão coletiva. De um lado, ele é o campo onde há debates e diálogos; por outro, é onde se inscreve e se reconhece o interesse público sobre determinadas dinâmicas e transformações sociais como espaço político.
A DESVALORIZAÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO PÚBLICO
A desvalorização social do espaço público tem relação com o avanço de formas capitalistas de socialização, a exemplo dos shoppings centers e clubes sociais; mas também, com a sensação de insegurança gerada pela violência nos grandes centros urbanos; e com a ausência do Estado, na manutenção de um sentido social ao espaço público.
De acordo com Gomes (2002), a incompreensão a respeito da noção de espaço público, em primeiro lugar, tem relação com a forma inadequada e negativa da definição largamente utilizada no qual se afirma que “é público aquilo que não é privado”. Em segundo lugar, é tomar o espaço público como uma área juridicamente delimitada, apelando ao texto formal que regulamenta a existências desses espaços, e, por último, o terceiro obstáculo a comprometer a concepção de espaço público é a idéia muito comum, de que ele é simplesmente definido pela quantidade de livre acesso. O que Gomes (2002), coloca como um equívoco, porque esta concepção não distingue “público” de “coletivo”, ou seja, a simples característica de se ter livre acesso não configura um estatuto público ao espaço.
Essencialmente, os atributos de um espaço público são aqueles que tem relação direta com a vida pública, sendo o lugar do discurso político. Para que esse “lugar” opere uma atividade pública é necessário que se estabeleça, primeiramente, uma co-presença de indivíduos, articulados e movidos por interesses comuns. Dessa forma, o espaço público é simultaneamente o lugar onde os problemas se apresentam, tomam forma, ganham uma dimensão pública e são resolvidos (GOMES, 2002).
Nessa perspectiva, o espaço público não se restringe somente ao conjunto de formas materiais e a sua natureza legal, mas abarca também uma dimensão subjetiva, na esfera política e sociocultural. Gomes (2002, p. 161), defende essa perspectiva, afirmando que o espaço público é um lugar no sentido imaterial e material, ou seja, que os princípios e condições vistos como necessários por tal dinâmica são também atributos do espaço físico e material.
Em função dessa complexidade do espaço público, composta de atributos físicos e materiais, Serpa (2007) afirma que discutir o papel dessa categoria de análise na cidade contemporânea capitalista se constitui em um desafio, não somente a Geografia, mas também as outras ciências políticas. Ele defende que não se pode separar forma e conteúdo, quando se estuda o espaço público. Esses dois elementos são ao mesmo tempo, produtos e processos indissociáveis.
Serpa (2007) considera a noção de cidadania e da ação política, necessárias na abordagem do espaço público, tanto quanto o conceito geográfico de acessibilidade. Para o referido autor, acessibilidade está estreitamente vinculada à demarcação dos territórios urbanos, à alteridade, contrapondo uma dimensão simbólica (e abstrata) à concretude física dos espaços públicos.
Essa acessibilidade é física, porém, também diz respeito ao fato de que não deve estar condicionada à força de quaisquer outros critérios, senão daqueles impostos pela lei que regula os comportamentos em áreas de livre acesso comum de todos. Por isso, esse espaço é o lócus da lei e o lugar das diferenças, onde as afinidades sociais, os jogos de prestígio, as diferenças, quaisquer que sejam, devem se submeter às regras da civilidade.
Por isso mesmo, a existência do espaço público está condicionada as relações sociais, sendo por intermédio da civilidade, seu emprego e uso, que surge a possibilidade de diálogo, operando-se as transformações fundamentais à vida social democrática. Na concepção de Gomes (2002) o espaço público é assim, a “mise – em – scène” da vida pública, desfile variado de cenas comuns onde se exercita a arte da convivência, de forma que o lugar físico orienta as práticas, guia os comportamentos, e estes por sua vez reafirmam o estatuto público desse espaço, e dessa dinâmica surge uma forma-conteúdo, núcleo de uma sociabilidade normatizada e consubstanciada no espaço público.
O espaço público é o resultado de um gênero de relação contratual com o espaço, opondo-se assim ao conceito de espaço coletivo, fundado sobre a idéia de uma coletividade estruturada por uma identidade, ela mesma originária de uma suposta afinidade repartida de maneira uniforme sobre o espaço (GOMES, 2002). Portanto, o que dá origem ao espaço público é a obediência à lei e aos seus limites legais, instituído no contrato jurídico ou estabelecido de forma consensual pela sociedade.
Segundo o ponto de vista simbólico, pode-se afirmar que esse espaço é composto pelo espetáculo da tensão entre a diferença e a possibilidade de coabitação. Sendo, de acordo com Gomes (2002, p. 166), a “condição fundamental de expressão da individualidade dentro de um universo forçosamente plural”, e dependente diretamente, da afirmação constante do contrato social que o funda.
O direito ao espaço público implica na existência de uma cidadania, nem sempre efetiva, sobretudo, no Terceiro Mundo. A cidadania seria um pacto social estabelecido simultaneamente como uma relação de pertencimento a um grupo e de pertencimento a um território. Segundo Gomes (2002, p. 173-174), esse pacto associativo é formal e pretende assegurar os direitos e deveres de cada indivíduo. O espaço normatizado seria a matriz do espaço público e o principal lócus de reprodução da vida coletiva. Toda ação social que pretenda subverter a existência desse espaço ou transformar seu estatuto, seria redefinidora dos termos e corresponderia a um recuo do contrato inicial que funda a cidadania.
Conforme Gomes (2002), o “recuo da cidadania” seria quando surgem os espaços comuns, mas não públicos, como shopping centers, clubes sociais, ruas fechadas, paredes ‘cegas’, entre outros. O recuo da cidadania corresponde ao recuo paralelo do espaço público, marcando o início do processo de perda do espaço público como instância política democrática.
Essa dinâmica do recuo da cidadania e a consequente perda do espaço público tem relação direta com os sistemas de representação política, com as formas associativas, com o processo de urbanização recente, com a migração e com a economia ao instituir uma forma de consumo voraz. Gomes (2002) identifica quatro principais processos em que esse recuo pode ser caracterizado: a apropriação privada dos espaços comuns; a progressão das identidades territoriais; o emuralhamento da vida social; e o crescimento das ‘ilhas utópicas’, ou seja, dos condomínios fechados, resorts, clubes temáticos, e associações fechadas.
No Brasil, as primeiras manifestações do comprometimento do espaço público surgiram com a construção da Granja Julieta[1] e do Shopping Iguatemi, em São Paulo. Após os anos de 1970, intensifica-se essa nova forma de morar, o que comprometeria o significado e o cosmopolitismo da cidade. O quadro se agravaria com o surgimento dos centros empresariais, dos bolsões residenciais, das ruas e vilas fechadas com correntes, cancelas, porteiras e guaritas (YÁZIGI, 2003).
Os clubes sociais surgem reafirmando a necessidade do “lugar”, de forma que Yázigi (2003) os considera formas sacramentadas de lazer e desporto, presentes na vida cotidiana dos condomínios residenciais fechados. Os residentes desses condomínios fechados consideram essa forma de morar a melhor resposta face à violência urbana, ao assédio sexual, à incapacidade do Estado de manter a cidade tranquila.
Borja (1998) afirma que existe um temor pelo uso do espaço público, por não ser um espaço protegido ou protetor. Para ele, o espaço público, em alguns casos tem sido pensado somente como via de circulação, espaço residual entre edifícios e as vias. Sendo, em alguns casos, ocupado territorialmente por “clases peligrosas”, como os imigrantes, os pobres e os marginais.
Muitos espaços públicos são criados a partir do uso intenso da comunidade, transformando determinada área em lugar dos encontros e da manifestação dos seus membros. Borja (1998) é enfático ao afirmar que em todos os casos o que define a natureza do espaço público é seu uso e não o estatuto jurídico. Deste modo, o espaço público pressupõe domínio público, função social, coletiva e diversidade das formas dos usos.
O urbanismo contemporâneo capitalista adotou o modelo de setorização da cidade, criando áreas específicas, o que implicou na atomização dos espaços urbanos. A ausência de espaços públicos nos projetos urbanos, tem como resultado cidades com forte centralidade de seus serviços e produção, impondo aos seus munícipes uma vida social monótona e sem razão (BORJA, 1998).
O tamanho da comunidade; o sistema político e social; o estilo e prioridades de gestão de um governo; as tradições culturais; e as condições econômicas dos cidadãos são os fatores responsáveis por alterar a balança entre a vida doméstica e a vida no espaço público ao longo do tempo (YÁZIGI, 2000), contribuindo com a desvalorização social do espaço público.
Enfatizamos que a ocupação privativa do espaço público pode ocorrer por meio de estruturas físicas, mas também por meio de formas sutis e simbólicas de apropriação de ruas, calçadas, praças públicas, trechos e acessos de áreas de praia, canteiros e jardins públicos, entre outros. Em Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte, os hotéis de luxo localizados na Via Costeira, de forma velada e sutil, privatizaram 8,5 km de praias do litoral potiguar (FERREIRA; MARQUES, 2000; FONSECA, 2008).
A permanente presença de seguranças privados monitorando os hotéis, a falta de mobiliário urbano, bem como, a limitação de acesso via transporte coletivo são alguns dos motivos que inibem o natalense de frequentar regularmente as praias da Via Costeira. Neste caso, os hotéis de luxo da Via Costeira de Natal expressam certa conotação de “área restrita”, desmotivando a presença da população local o que, em contrapartida, possibilita a “exclusividade” dessas praias aos hospedes da rede hoteleira daquele trecho de praia.
Outra forma de privatização do espaço público diz respeito ao comércio ambulante de camelôs, guardadores de carros, transportadores, prestadores de pequenos serviços, entre outros. O comércio ambulante se constitui em seguimentos do setor informal que, de modo geral, mas se apropria do espaço público (DANTAS, 2005). O referido autor identificou diferentes formas de privatização do espaço público pelo comércio ambulante, na cidade de Fortaleza/CE, problemática igualmente presente em várias das grandes e médias cidades do Brasil.
Assim, na medida em que, o espaço público e seu livre acesso pressupõem a não-exclusividade de ninguém ou de nenhum uso diferente daqueles que sejam de interesse social e comum ao povo, o uso particular de áreas públicas pelo setor privado, seja pelo grande capital ou pelo pequeno comerciante dito informal, implica no questionamento destas atividades no espaço público. No entanto, o que ocorre é que praças são transformadas em grandes mercados, e as principais ruas da cidade tornam-se estreitas, restando apenas pequenas passagens aos transeuntes (GOMES, 2002).
Os lugares da vida pública, da deambulação, do passeio, do espetáculo da coabitação, da idéia de vida urbana, que construíram os grandes projetos urbanísticos do final século XIX e começo do século XX, desapareceram, dando lugar a um emaranhado de balcões de mercadorias. Resultando com isso que a dimensão do homem público se estreita, restringindo-se à de mero passante ou no máximo se limitando à de um eventual consumidor, implicando na degradação moral, paisagística e urbana desses espaços (GOMES, 2002).
A depredação física das praças públicas, ruas, canteiros, e equipamentos públicos de lazer ocorrem como causa e efeito da desvalorização social do sentido do espaço público. Esse processo de desvalorização social do espaço público, consequentemente implica no comprometimento do contrato social presente na noção de espaço público, enquanto espaço da convivência e da civilidade.
Deste modo, o abandono do espaço público pelo Estado implica diretamente na qualidade de vida da população, na medida em que esses espaços são convertidos em “terra de ninguém”. Sem regras de uso, perdem sua característica fundamental de lugar de convivência, associação social, encontro entre diferentes, ou seja, de espaço democrático. Sendo comum nos grandes e médios centros urbanos do Brasil, encontrá-los em condições precárias de manutenção, desgastados, sujos, desrespeitados e em alguns casos, invadidos, por falta de gerência do Estado.
Com o empobrecimento do espaço público, surge o que Sennett (1988, p. 29) designa de “espaço público morto”, razão pela qual as pessoas procuram em terreno íntimo, o que em território alheio é negado. A perda da legitimidade e da coerência dos espaços públicos seria consequência do processo de expansão da sociedade capitalista industrial, responsável pela reestruturação das formas de sociabilidade (SENNETT, 1988).
No caso brasileiro, a situação é de descaso com relação ao espaço público e aos direitos sociais dos cidadãos submetidos a situações no qual, “em lugar do cidadão formou-se um consumidor, que aceita ser chamado de usuário” (SANTOS, 1993, p. 13). Diante da calamidade a que se chegou, o cidadão se sujeita a pagar por direitos garantidos na constituição brasileira, na tentativa de sanar a falta ou a precariedade de serviços públicos de segurança, educação, saúde, moradia, e lazer.
De acordo com Santos (1993, p. 15), o modelo econômico vigente no Brasil coloca como meta, “não propriamente o indivíduo tornado cidadão, mas o indivíduo tornado consumidor”, atendendo assim a necessidade de reprodução do capital em ampliar o consumo.
Tudo isso implica em uma cidadania mutilada, subalternizada, muito diferente da concepção de outros países capitalistas desenvolvidos. Direitos, como o de morar, de habitar um lugar dignamente planejamento, e o “direito ao entorno” visando a qualidade de vida de seus moradores são negligenciados pelo Estado e transformados em bens altamente valorizados pelo mercado imobiliário.
Em parte, os abusos contra a cidadania e contra o direito ao espaço público ocorrem também devido a desinformação jurídica ou em razão da certeza de que não adianta questionar o fato que “Os espaços públicos (praias, montanhas, calçadas), foram impunemente privatizados” (SANTOS, 1993, p. 48).
Com o aprofundamento do consumo e da transformação na forma de socialização, os espaços públicos estão sendo progressivamente objeto de processos mercantilistas que os desfiguraram, por meio de apropriações, invasões, ocupações indevidas, entre outros. Deste modo, a fragmentação social crescente seria acompanhada de uma fragmentação territorial, e os espaços comuns públicos transformaram-se em objeto de disputa ou simplesmente passaram a serem vistos como espaços apenas de deslocamento.
No entanto, o espaço público definido como de uso público e comum do povo, pertencente ao poder público, sendo por ele gerenciado e fiscalizado, deve atender aos mais variados anseios sociais e satisfazer as expectativas do morar, do lazer, da ação política, do habitar a cidade com qualidade de vida. O espaço público, em função da sua relevância urbana e social, não pode ser visto somente como via de acesso e circulação, mas, precisa ser compreendido também como o lugar privilegiado da democracia, no qual a cidadania pode se manifestar em toda sua plenitude de acordo com certas normas contratuais.
A definição conceitual de espaço público apresenta elementos distintos e antagônicos, associados às ideias de cidadania, civilidade, diversidade sociocultural, alteridade e de espaço político. Reafirmamos a relevância dessas dimensões abstratas e subjetivas, sem, no entanto, desconsiderar a importância da concretude do espaço público no que se refere ao mobiliário urbano e outros fixos geográficos – estrutura física das praças públicas, calçadas, ginásios, quadra de esportes, entre outros.
Por força da sua natureza pública, o mobiliário urbano, as praças públicas, as calçadas, os ginásios, as quadras de esportes, entre outros, são de usufruto de todos, sem que ninguém possa se apropriar deles em benefício próprio. Por fim, ressaltamos que compete ao Estado garantir a instalação, manutenção, e uso público destes bens e do espaço público, de forma que se preserve o direito a uma cidade verdadeiramente cidadã, onde se possa habitar com qualidade de vida.
OS USOS DO ESPAÇO PÚBLICO EM CEARÁ MIRIM
Distante cerca de 30 quilômetros da capital do Rio Grande do Norte, Ceará Mirim localiza-se na Mesorregião do Leste Potiguar – Latitude 5º 38’ 04” e Longitude 35º 24’ 32” -, e integra a Região Metropolitana de Natal. Em 2010, o município tinha 68.141 habitantes (IBGE, 2010), sendo que quase a metade da população morava na área rural. A cidade teve um papel muito importante na econômica do estado, no século XIX, como um dos maiores produtores de cana de açúcar. Atualmente, é um dos sítios históricos mais importantes do Estado, em razão de sua paisagem ainda rural, marcada por casarões e chaminés dos antigos engenhos do tempo áureo da produção de açúcar. O mercado público municipal igualmente compõe esse cenário como um atrativo turístico, motivo de deslocamento de alguns visitantes da região apreciadores de um modo de vida tipicamente rural.
O litoral de Ceará Mirim, também se constitui em outro atrativo de visitação, local de veraneio e recreação de significativo fluxo de moradores de residências secundárias que frequentemente se deslocam em direção as praias, principalmente nas férias, feriados e fins de semana.
A cidade abriga a 5ª Diretoria Regional de Ensino do Estado, possui um comércio relativamente diversificado e dinâmico quando comparado ao comércio das cidades mais próximas, e se constitui em área produtora de diversos produtos agrícolas. Tem igualmente um número significativo de escolas de ensino médio, uma unidade do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN, razão pelo qual atrai importante volume de estudantes.
Os 39 moradores de Ceará Mirim selecionados pela pesquisa tinham entre 18 ou mais que 56 anos de idade, sendo que desta amostra 58% tinham entre 18 a 35 anos, 23% acima de 56 anos, e os 19% restantes tinham entre 36 a 56 anos. Os entrevistados tinham como ocupação remunerada as seguintes atividades funcionais: balconista, vendedor, aposentado, comerciante, agricultor, manicure, frentista de posto de gasolina, costureira, músico, professor, servidor público, ASG, mecânico e motorista. Dos entrevistados, 32% estavam desempregados, mesmo percentual de pessoas que se afirmaram como sendo donas de casa.
Conforme levantamento da pesquisa, a renda mensal dos entrevistados era de 2 a 5 salários mínimos. Da amostra, 7% eram analfabetos, 15% disseram apenas ler e escrever, 30% tinham o Ensino Fundamental incompleto, 5% o Fundamental Completo, 20% o Ensino Médio incompleto, 17% o Ensino Médio completo, e apenas 1 entrevistado tinha um curso de graduação.
A pesquisa entrevistou 2 moradores do bairro Planalto, 15 do São Geraldo, 10 do Centro, 1 do Cinco Bocas, 1 da COHAB, 2 do Santa Águida, 1 do Nova Ceará Mirim, 1 do Novo Horizonte, 1 do Eráctor Vilar, 1 do Nova Descoberta, e 4 não responderam. A escolha dos bairros ocorreu de forma aleatória, de acordo com a escolha de cada um dos alunos/bolsistas responsáveis pela aplicação das entrevistas, sendo que de modo geral o critério distância entre a residência do entrevistador e entrevistado foi o fator mais importante.
Outro item considerado relevante diz respeito ao tempo de moradia no bairro. Observou-se que apenas 12% dos entrevistados afirmaram morar a menos de 1 ano no bairro, 38% deles moravam entre 2 a 3 anos, 10% entre 4 a 10 anos, e 40% a mais de 10 anos. O tempo de moradia se constitui um elemento relevante ao tema central da pesquisa, considerando que o morador estabelece fortes laços territoriais com o lugar onde reside, igualmente sendo um profundo conhecedor das necessidades e problemas da comunidade. Nesse sentido, o espaço público se constitui a ele e aos demais moradores, uma questão importante.
A pesquisa levantou diversas questões no roteiro de entrevista com o propósito de se analisar as condições gerais das ruas e dos bairros dos entrevistados, avaliando a iluminação pública; o saneamento básico; o serviço de coleta de lixo; as calçadas públicas; os usos, a manutenção e existência de espaços públicos e equipamentos de lazer.
Quando questionados se a rua onde moram é ampla, 58% dos entrevistados responderam que sim. Porém, apenas 2% deles consideraram esse equipamento urbano com ótimas condições de uso. Dos entrevistados, 46% avaliam que as calçadas são boas, 17% ruim, 8% afirmaram que na rua onde moram não tem calçada, e, 27% não responderam. Dos entrevistados, 58% afirmaram que a rua onde moram não tem asfalto, 20% avaliaram o asfalto da rua onde residem como sendo “bom”, 7% “ruim”, e, 15% não responderam.
Dos entrevistados, 64% avaliaram positivamente o item “iluminação pública”; 61% afirmaram que não existe esgoto à céu aberto; e 48% avaliaram o item “coleta de lixo”, também como sendo bom. No entanto, quando questionados sobre a acessibilidade dos cadeirantes nas calçadas públicas, 82% dos entrevistados disseram que não há acessibilidade. Outro problema urbano apontado pelos entrevistados, diz respeito à falta de sinalização em alto relevo nas calçadas públicas, destinada a deficientes visuais. Quanto a essa questão específica, 83% dos entrevistados afirmaram que não existe qualquer tipo de sinalização nas calçadas, que permita a um deficiente visual se deslocar de forma segura em via pública.
Questionou-se sobre a existência de espaços de lazer no bairro dos entrevistados. Dos interrogados, 48% afirmaram que “não” existe qualquer tipo de espaço lazer no bairro. O roteiro de entrevistas também possibilitou uma avaliação dos equipamentos de lazer: praça pública, ginásio de esporte, quadra de esporte, e, campo de futebol. No que diz respeito a praça pública, 38% dos entrevistados afirmaram não existir esse equipamento de lazer no bairro onde residem; 33% avaliaram com “bom”; 17% “ruim”, e, 12% não responderam. Outro equipamento de lazer importante na qualidade de vida da população é o ginásio de esporte. No entanto, 66% dos entrevistados afirmaram não existir esse equipamento no bairro onde moram. Problema que igualmente se repete quando a pesquisa questionou a presença de quadra de esporte e de campo de futebol. Dos entrevistados, 35% afirmaram não existir quadra de esporte no bairro onde moram; e 61% deles afirmaram não existir campo de futebol onde possam realizar a prática desse esporte.
A Praça de Vagos (ver Figura 1) é uma exceção a situação geral de precariedade das praças públicas de Ceará Mirim, isso pelo fato que se localiza na via principal de acesso a cidade, no bairro COHAB, muito visível aos olhos dos visitantes. A Praça se constitui em um complexo de lazer e esporte, com pista de corrida com 11 quilômetros de extensão, uma quadra de esportes fechada por grade, espaço físico coberto para pequenos eventos, serviço privado de bar, espaço para apresentações e outros equipamentos púbicos. A praça é bem iluminada e frequentada por pessoas de diferentes idades e culturas.
Observou-se que um significativo percentual dos entrevistados não participa de qualquer movimento social, seja comunitário, ou político partidário. Observou-se igualmente, que apenas 13% dos entrevistados, afirmaram que no bairro onde moram tem conselho comunitário, e com relação a eles, 20% dos moradores avaliaram como “boa” a atuação de seus membros. O poder público municipal, no que diz respeito a instalação e manutenção das praças e dos equipamentos públicos de lazer foi negativamente avaliado. Dos entrevistados, 46% consideraram a atuação da prefeitura “ruim”, 28% “regular”, e, apenas 7% como sendo “boa”.
A pesquisa identificou nove diferentes atividades comerciais ou de serviços que comprometiam o direto de uso do espaço público ou dos equipamentos públicos de lazer. As formas de ocupação indevida ou privatização do espaço público e dos equipamentos de lazer, identificados pela pesquisa, por meio do método de observação, se referem a estacionamento de veículos particulares em espaço público; ocupação e a consequente obstrução das calçadas e das vias de tráfego de veículos, por bares que colocam mesas e cadeiras em via pública; presença de entulhos, lixo, e diversos materiais descartados.
O comércio formal/informal foi identificado como o setor responsável pela privatização do espaço público, comprometendo o direito de livre acesso e circulação do transeunte. A pesquisa observou que as calçadas públicas foram obstruídas de forma privativa, ocupadas por material de construção de propriedade de empresários locais (Figura 2), vendedores ambulantes de CD’s e DVD’s, máquinas de assar frango de propriedade de pequenos comerciantes, oficinas de bicicletas e motos, bares, carrinhos de lanche, e estacionamento de veículos em área indevida impedindo a passagem do transeunte.
Assim, pode-se inferir que devido a ausência e com a conivência do poder municipal, entidade pública responsável pela fiscalização e gerenciamento dos espaços públicos, as calçadas, praças e equipamentos de lazer estão sendo privatizados comprometendo a qualidade de vida da população dos bairros onde a pesquisa foi realizada.
Deste modo, ao estudar a problemática do espaço público em Ceará Mirim, a pesquisa contribuiu com o debate da questão proposta, identificando diferentes formas de privatização das praças e dos equipamentos públicos de lazer. Constatou-se que o referido município apresenta irregular distribuição e deficiente manutenção de suas praças e equipamentos públicos de lazer, especialmente nos bairros periféricos de pouca visibilidade, onde reside expressivo percentual de seus munícipes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do levantamento bibliográfico e das observações da pesquisa, chegou-se a conclusão que com o aprofundamento do consumo e a conseguinte transformação nas formas de socialização, os espaços públicos estão sendo progressivamente objeto de processos mercantilistas responsáveis por desfigurá-los, por meio de diferentes formas de privatização. A crescente fragmentação social, resultado do aprofundamento do capitalismo é acompanhada de uma fragmentação territorial, e os espaços públicos se transformaram em objeto de disputa ou simplesmente passaram a ser vistos apenas como espaços de deslocamento.
Diante desse quadro, é necessário enfatizar que o espaço público deve ser compreendido como de uso público e comum do povo, pertencente ao poder público, sendo por ele gerenciado e fiscalizado. Portanto, deve atender aos mais variados anseios sociais, satisfazendo as expectativas do morar, do lazer, da ação política, do habitar a cidade com qualidade de vida.
Deste modo, é preciso que se reconheça o valor social do mobiliário urbano, das praças públicas, das calçadas, dos ginásios, das quadras de esportes, entre outros. A rua precisa ser considerada como espaço público por excelência, em função da sua relevância urbana e social, não devendo ser vista somente como via de acesso e circulação. O espaço público deveria, nesse sentido, se constituir no lugar privilegiado da democracia, no qual a cidadania pode se manifestar em toda sua plenitude dentro de normas contratuais.
REFERÊNCIAS
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Notas
Autor notes