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RELAÇÃO SIGNIFICANTE-SIGNIFICADO NO ENSINO DE GEOGRAFIA FÍSICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: SOBRE O SIGNIFICADO-OBSTÁCULO
Júlio César Epifânio Machado
Júlio César Epifânio Machado
RELAÇÃO SIGNIFICANTE-SIGNIFICADO NO ENSINO DE GEOGRAFIA FÍSICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: SOBRE O SIGNIFICADO-OBSTÁCULO
SIGNIFIER-SIGNIFIED RELATION IN PHYSICAL GEOGRAPHY TEACHING IN BASIC EDUCATION: ABOUT SIGNIFIED-OBSTACLE
RELACIÓN SIGNIFICANTE-SIGNIFICADO EN LA ENSEÑANZA DE LA GEOGRAFÍA FÍSICA EN LA EDUCACIÓN BÁSICA: SOBRE EL SIGNIFICADO-OBSTÁCULO
GEOSABERES: Revista de Estudos Geoeducacionais, vol. 7, núm. 13, pp. 137-147, 2016
Universidade Federal do Ceará
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Resumo: Neste artigo apresentamos uma investigação sobre os conhecimentos prévios dos alunos referentes à causa dos alagamentos e possibilidades de ocorrência dos mesmos. Nosso objetivo principal foi responder a seguinte questão: Quais são os tipos de opiniões predominantes entre os estudantes quando questionados sobre as causas dos alagamentos e suscetibilidade de sua ocorrência em determinado lugar? Tendo em vista os dados levantados e o modo como as tarefas foram organizadas, constatamos que grande parte dos estudantes se valeu das opiniões animistas e generalistas para a origem dos alagamentos. Do mesmo modo, os alunos recorreram à intuição empírica para argumentarem sobre a possibilidade desse evento suceder na escola em que estudam e no local onde moram.

Palavras-chave:Relação significante-significadoRelação significante-significado,AnimismoAnimismo,GeneralismoGeneralismo,AlagamentoAlagamento.

Abstract: In this article we present an investigation about the students' prior knowledge concerning the causes of flooding and the possibilities of incidence of the same. Our main goal was to answer the following question: What are the predominant opinion among students when asked about the causes of flooding and susceptibility of their occurrence in a given place? Based on the data collected and how the tasks were organized, we found that most of the students benefited from animist and general views about the source of flooding. Likewise, the students called on to their empirical insight to argue about whether this event to succeed in the school they go to and where they live.

Keywords: Signifier-signficied relationship, Animism, Generalism, Flooding.

Resumen: En el presente artículo presentamos una investigación sobre los conocimientos previos que los estudiantes tienen sobre las causas de las inundaciones y la posibilidad de que estas ocurran. Nuestro principal objetivo fue responder la siguiente pregunta: ¿Cuáles son los tipos de opiniones que predominan entre los estudiantes cuando son cuestionados sobre las causas de las inundaciones y sobre la susceptibilidad de que estas ocurran en determinado lugar? Considerando los datos obtenidos y el modo en que las tareas fueron organizadas, constatamos que una gran parte de los estudiantes se valió de opiniones animistas y generalistas para dar cuenta del origen de las inundaciones. De la misma manera, los alumnos recurrieron a la intuición empírica para argumentar sobre la posibilidad de que ese evento ocurriera en la escuela en la cual estudian y en el lugar en que viven.

Palabras clave: Relación significante-significado, Animismo, Generalización, Inundación.

Carátula del artículo

RELAÇÃO SIGNIFICANTE-SIGNIFICADO NO ENSINO DE GEOGRAFIA FÍSICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: SOBRE O SIGNIFICADO-OBSTÁCULO

SIGNIFIER-SIGNIFIED RELATION IN PHYSICAL GEOGRAPHY TEACHING IN BASIC EDUCATION: ABOUT SIGNIFIED-OBSTACLE

RELACIÓN SIGNIFICANTE-SIGNIFICADO EN LA ENSEÑANZA DE LA GEOGRAFÍA FÍSICA EN LA EDUCACIÓN BÁSICA: SOBRE EL SIGNIFICADO-OBSTÁCULO

Júlio César Epifânio Machado
Universidade de São Paulo, Brasil
GEOSABERES: Revista de Estudos Geoeducacionais, vol. 7, núm. 13, pp. 137-147, 2016
Universidade Federal do Ceará

Recepção: 10 Fevereiro 2016

Aprovação: 21 Junho 2016

INTRODUÇÃO

No campo da Metodologia do Ensino de Geografia confere-se na atualidade a existência de pelo menos dois pressupostos pedagógicos centrais para a geografia escolar. O primeiro refere-se à relevância dos conhecimentos prévios dos alunos para a realização de aprendizagens significativas; o segundo diz respeito ao conceito de lugar de vivência articulado com outras escalas de análise de um fenômeno para o desenvolvimento das ações didáticas (CASTELLAR, 2007; CASTELLAR, MORAES, 2012; CAVALCANTI, 2012; CALLAI, 2012). Neste artigo centraremos a nossa atenção no primeiro pressuposto, apesar de a noção lugar de vivência se fazer presente em diversos momentos.

Em síntese e em consonância com os textos analisados, entendemos que a aprendizagem significativa no ensino de geografia ocorre quando se possibilita aos estudantes o estabelecimento de nexos entre os conhecimentos científico e cotidiano. A tese principal é de que os conhecimentos prévios dos estudantes exercem especial influência no processo de aprendizagem dos conceitos geográficos. Todavia, não se trata apenas de indagar “o que os alunos já sabem”, mas sim de averiguar “como os alunos sabem o que sabem”, o que requer realizar o levantamento da cultura experimental por eles vivenciada.

A cultura experimental é um dos conceitos presentes na filosofia bachelardiana e se encontra associado à teoria dos Obstáculos Epistemológicos. Ela pode ser entendida como conjunto de normas e vivências que, quando internalizadas pelo sujeito através das práticas sociais cotidianas, possibilitam a ele elaborar as suas opiniões sobre variados assuntos e sob distintas circunstâncias.

Por mais simples que possa parecer, qualquer tipo de opinião é antecedida ou mesmo acompanhada por um raciocínio frente a uma questão ou tema. Esses pensamentos, expressados ou não, acabam por reproduzir culturas experimentais, modos de interpretação daquilo que se deseja ou foi solicitado analisar. No plano do conhecimento cotidiano, fortemente dependente do contexto, geralmente significa uma pessoa desenvolver algumas de suas principais características, tal como a tendência em elaborar argumentos apoiando-se na intuição empírica, ou seja, naquilo que se vivencia ou observa habitualmente. A opinião animista ou o “obstáculo epistemológico da intuição animista dos fenômenos da matéria” (BACHELARD, 2008) é um exemplo de modelo de explicação para os fenômenos físicos e biológicos derivados da intuição empírica, algo comumente exercitado no dia-a-dia.

Além da teoria dos Obstáculos Epistemológicos, a cultura experimental dos alunos pode ser interpretada com base no Realismo Nominal (PIAGET, 2005). Entendemos que ambas as teorias permitem ampliar e aprofundar a compreensão dos processos de aprendizagem no contexto escolar e no ensino de geografia física, conforme já demonstramos em outras oportunidades (MACHADO, 2012; CASTELLAR, MACHADO, 2012; MACHADO, 2013; 2014; CASTELLAR, MACHADO, 2014). O embasamento teórico deste artigo, os dados apresentados e a análise realizada remontam aos trabalhos científicos citados, publicados recentemente, e aos autores clássicos a cujas obras fizemos referência.

RELAÇÃO SIGNIFICANTE-SIGNIFICADO, ANIMISMO E GENERALISMO

O Realismo Nominal pode ser conferido quando a ideia ou o significado que se constrói da palavra (significante) associa-se a um dado, característica ou evento originado por um contexto imediato, ou seja, no qual se insere o sujeito e a palavra. Sem ter a pretensão de esgotar o assunto, trata-se de representar o objeto a partir de suas características empíricas, logo passíveis de serem apreendidas pelos sentidos. Nesse caso, é comum a formulação tanto de descrições fiéis ao objeto derivadas de uma observação atenta, por exemplo, quanto à elaboração de argumentos que expressam uma idealização dos seus atributos, resultado de uma imaginação criativa, tal como podemos conferir nos textos literários.

Do Realismo Nominal destacamos o problema da relação significante-significado. Segundo Bizzo (2014, p. 04), “A palavra (ou conjunto de palavras) que designa um pensamento abstrato é o significante. Já o conjunto de atributos constituí o significado (...)” (Figura 1). A(s) característica(s) do significante, ou seja, o(s) significado(s) atribuído(s) ao significante compõe(m) a representação que se concebe àquilo que pode ser objeto de conhecimento.



Figura 1 - Relação SignificanteSignificado
Fonte: Elaboração do Autor.

Em aula, um determinado atributo pode ser associado a um conceito ou uma noção relevante para uma disciplina escolar. Na Geografia Física citamos a paisagem como o conceito mais geral e inclusivo, ao qual se vinculam conceitos intermediários e outros ainda mais específicos. Caso os alunos associem esses conceitos a significados que expressem pensamentos realistas de cunho animista ou generalista, por exemplo, podemos estar diante de argumentos indicativos da existência dos Obstáculos Epistemológicos e, logo, de um problema de significativa relevância para o processo educativo, em especial o que visa à Alfabetização Científica[1].

Mas o que se entende por Obstáculos Epistemológicos? A quê se referem os termos animismo e generalismo? Para nos ajudar a refletir sobre a primeira questão, destacamos o seguinte excerto da obra de Gaston Bachelard, A formação do Espírito Científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento:

(...) toda cultura científica deve começar (...) por uma catarse intelectual e afetiva. Resta, então, a tarefa mais difícil: colocar a cultura científica em estado de mobilização permanente, substituir o saber estático e fechado por um conhecimento aberto e dinâmico, dialetizar todas as variáveis experimentais, oferecer enfim à razão razões para evoluir. (BACHELARD, 2008, p. 24, grifo nosso).

À cultura científica vinculam-se, portanto, ações e comportamentos que, durante o processo investigativo, apontam para a ruptura com os conhecimentos prévios, com aquilo que já sabemos de antemão. Segundo Eichler, embasando-se em Bachelard, “Entende-se por obstáculo epistemológico as perturbações que se incrustam no próprio ato de conhecer e que constituem os atrasos ou as causas da inércia do pensamento” (2009, p.176). No limite, tudo o que conhecemos e satisfaz a nossa razão, tais como fatos tangíveis, técnicas de investigação, definições formais de um conceito, assim como os hábitos e as normas que cotidianamente moderam as nossas ações, podem ser considerados Obstáculos Epistemológicos. O Obstáculo a que nos referimos, portanto, é “(...) toda experiência que se pretende concreta e real, natural e imediata”. (BACHELARD, 2008, p. 9, grifo nosso)

Entendemos os Obstáculos Epistemológicos como uma das variáveis que exercem influência no processo de ensino e aprendizagem dos conceitos científicos, motivo pela qual denominamos os Obstáculos Epistemológicos de Obstáculos para Aprendizagem (MACHADO, 2013).

Na aprendizagem dos processos físicos concebemos como possíveis obstáculos a opinião do aluno sobre as características do significante, ou seja, o(s) significado(s) dado(s) ao significante. No contexto das tarefas aplicadas, as quais serão detalhadas nos próximos tópicos deste artigo, foram dois os Obstáculos para Aprendizagem demonstrados pelos estudantes no que se refere ao conceito alagamento, quais sejam: atribuir à causa dos alagamentos o excesso de chuvas (obstáculo animista para aprendizagem) ou ao aquecimento global (obstáculo generalista para aprendizagem).

Quando se expressa ou se aceita que a quantidade de chuva é o fator responsável pela ocorrência dos alagamentos, pode-se concluir prematuramente que houve uma pretensão das condições atmosféricas em alagar determinado lugar. Nesse caso, confere-se o vício verbal animista ou, em outros termos, o “obstáculo epistemológico da intuição animista dos fenômenos da matéria” (BACHELARD, 2008) conforme já nos referimos. Apesar de provavelmente não haver, por parte do sujeito, crença na existência de vida e consciência no que é inerte, tem-se o emprego de expressões que sugerem esses atributos a algo inanimado, com o corpo humano se convertendo em modelo explicativo (BACHELARD, 2008). O animismo é uma linha de raciocínio que tende a nos afastar dos detalhes do fenômeno, das variáveis que poderiam ser consideradas ou mesmo elaboradas para uma devida interpretação do que ocorre ou poderia ocorrer em determinado local.

O “obstáculo do conhecimento geral” (BACHELARD, 2008), ou generalista. incide quando se faz o uso de metáforas e de outras figuras de linguagem. Nesses casos, acaba por se exacerbar o lado empírico dos acontecimentos, sem que se estabeleça ligações com as funções matemáticas do fenômeno (BACHELARD, 2008). Assim como conferimos nos outros obstáculos epistemológicos, como no caso do animismo citado anteriormente, uma resposta é dada sem que exista uma pergunta de fato ou uma dúvida bem estabelecida. Desse modo, diante da impossibilidade de situar o problema no âmbito dos seus detalhes, o sujeito adere a palavras ou enunciados que parecem esclarecer as mais diversas dúvidas sobre uma variedade de assuntos e acontecimentos. Com isso, cria-se a impressão de que o processo é explicado e aprendido a contento.

Nesses casos, além de também ignorar as particularidades do fenômeno, o sujeito se convence ou aparenta satisfação com o acordo verbal que constitui as explicações. A possível consequência é a construção de conclusões precipitadas frente a algum tipo de indagação. Consideramos que esse problema é desencadeado, por exemplo, pela hipérbole Aquecimento Global, suposto processo utilizado para justificar alterações conferidas no meio físico e biológico que ocorrem nos mais diferentes contextos temporais e espaciais.

Tendo em vista os pressupostos teóricos adotados, a seguir apresentamos de maneira breve nossa metodologia de pesquisa. De um modo geral, discorremos sobre a dinâmica dos trabalhos realizados na escola campo, expomos algumas características gerais das tarefas propostas aos alunos, dentre outros aspectos referentes ao seu planejamento e análise dos dados obtidos.

METODOLOGIA DE PESQUISA

Realizamos a investigação em uma unidade de ensino da rede pública municipal localizada em São Paulo. Os trabalhos na escola-campo ocorreram no mês de março de 2011. Participaram cento e dezoito alunos com idade média de quatorze anos inscritos na oitava série (8º séries A, B, C e D), atualmente denominada nono ano.

A aplicação das tarefas para a coleta dos dados analisados neste artigo ocorreu no período em que os alunos frequentavam a escola (matutino), na classe (turma) que estavam matriculados (cerca de 30 alunos por sala) e durante a aula correspondente à disciplina geografia. Realizadas em dupla, as tarefas foram impressas em folhas de sulfite tamanho A4, as quais também foram utilizadas pelos alunos para registrar as suas respostas. Não houve intervenção do pesquisador no que se refere ao esclarecimento de dúvidas dos estudantes ou mesmo atendimento às solicitações de uma explicação adicional.

O Quadro 1 fornece uma breve descrição dos propósitos das tarefas aplicadas na escola-campo, as quais foram empregadas na condição de instrumento de pesquisa.


Quadro 1 - Propósitos

Fonte: Elaborado pelos autores.

As tarefas foram elaboradas com base em algumas teorias que compõem o construtivismo piagetiano, em particular a do Realismo Nominal (PIAGET, 2005) e a dos Obstáculos Epistemológicos (BACHELARD, 2008), discutidas anteriormente. Do mesmo modo, após a aplicação das atividades, nos valemos dessas mesmas teorias para a análise das respostas dos alunos.

Cabe mencionar que em sala de aula não tivemos a intenção de realizar um exame clínico para diagnosticar quais são as representações espontâneas e desencadeadas dos alunos sobre as causas dos alagamentos e as possibilidades de ocorrência. Após o levantamento da bibliografia especializada sobre o tema, o que fizemos foi verificar, durante a elaboração das tarefas, como um processo físico pode ser frequentemente tratado no âmbito do saber cotidiano. Desse estudo, baseado principalmente nos autores citados no parágrafo anterior (Piaget e Bachelard), construímos algumas hipóteses sobre quais podem ser os conhecimentos prévios dos estudantes a respeito da origem dos alagamentos e da suscetibilidade de ocorrência em uma área específica. Antecipando-nos sobre estas possíveis opiniões dos estudantes a respeito o problema em pauta, elaboramos tarefas que possibilitariam a eles reconhecer os seus próprios conhecimentos prévios, os quais seriam posteriormente problematizados no decorrer da aplicação de uma Sequência Didática[2].

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Vamos agora detalhar as tarefas que possibilitaram o levantamento dos obstáculos para aprendizagem dos alunos, as quais serão associadas com os dados obtidos e a sua respectiva análise.

Tarefas 1, 2 e 3

A Tarefa 1 procurava garantir que os alunos observassem com o mínimo de atenção os cenários presentes nas fotos, requerendo dos mesmos que apenas assinalassem a alternativa correta, o que foi realizado sem dificuldade por todos os participantes da pesquisa.

Quais fotos mostram áreas alagadas?

a) Fotos 1, 4 e 5.

b) Fotos 1, 2, 3, 5 e 6.

c) Fotos 1, 2, 3, 4, 5 e 6.

d) Fotos 5 e 3.



Quadro 2 - Exemplos de fotos observadas pelos alunos
Fonte: Elaboração do Autor.

O objetivo da observação das fotos (Quadro 2) foi expor os aspectos de uma área urbana alagada. A visualização desses cenários possibilitou aos alunos inferir de forma autônoma e recorrendo somente à sua memória se no local onde estudam e moram ocorre esse tipo de processo.

As perguntas que compunham a tarefa 2 foram as seguintes:

“No lugar onde você mora ou próximo já ocorreu um ou mais alagamentos?”

“No lugar onde você estuda ou próximo já ocorreu um ou mais alagamentos?”

Com base nas respostas dessa tarefa, constatamos que o problema dos alagamentos não afetava a vida da maioria dos alunos das oitavas séries da escola, ao menos no lugar onde moram e estudam. Curiosamente, entretanto, uma minoria afirmou ocorrer alagamentos no entorno imediato da escola, nesse caso um lugar frequentado por todos os alunos[3].

Além do rastreamento da configuração territorial que o estudante vivencia, considerando-se o processo em tela, também foi solicitado que ele escolhesse uma hipótese sobre as causas prováveis dos alagamentos, conforme previsto na Tarefa 3, a saber:

Em sua opinião, por que ocorrem os alagamentos como os visualizados nas fotos?

a) Excesso de chuvas.

b) Aquecimento Global.

c) Falta de investimento em infraestrutura.

d) Impermeabilização da superfície de áreas planas.

e) Ocupação humana muito próxima dos rios.

A alternativa “a” apresentava como causa dos alagamentos o excesso de chuvas (opinião animista), enquanto a alternativa “b”, o aquecimento global (opinião generalista). Por outro lado, em contraponto às alternativas “a” e “b”, expomos aos alunos outras possibilidades de examinar o problema. A “falta de investimento em infraestrutura” (alternativa “c”) remete a uma discussão cujo foco centra-se principalmente na política, no planejamento e na gestão urbana de alguns equipamentos específicos que proporcionam à população uma melhor ocupação dos espaços públicos e privados. Devido à existência de uma grande quantidade de dados e informações a respeito desse tema (“investimento em infraestrutura urbana”), as variáveis agrupadas pela noção de infraestrutura podem ser analisadas em diversas escalas temporais e de análise. Nessa perspectiva de estudo, os elementos que compõem os sistemas ambientais naturais deixam de ser a única causa possível dos alagamentos, e outros fatores quantitativos e qualitativos, além do CO2 (como no caso do Aquecimento Global), exigem ser considerados na reflexão, em particular aqueles de ordem estrutural e, preferencialmente, na escala local.

As alternativas “d” e “e” apresentam duas variáveis ligadas ao fenômeno alagamento: “impermeabilização da superfície de áreas planas” e “ocupação humana muito próxima dos rios”. Cada uma dessas variáveis pode ser organizada em uma rede de conceitos que, assim como a anterior (“investimento em infraestrutura urbana”), são qualificáveis, mensuráveis e multiescalares.

Na Tarefa 3 verificamos que as opiniões mais recorrentes para as causas dos alagamentos (significante) foram aquelas que sugerem a existência de obstáculos para a aprendizagem desse conceito. Somadas, as opiniões generalista (Aquecimento Global) e animista (Excesso de Chuvas) foram os significados a que se referiram mais de 60% dos alunos. Essa relação significante-significado sobre as causas dos alagamentos é esquematizada na Figura 2:



Figura 2 - Relação significante-significado predominante entre os alunos diante do problema “Causa dos alagamentos”
Fonte: Modificado de Machado (2013).

Os Gráficos 1 e 2 sintetizam os dados coletados com a aplicação das tarefas 2 e 3.



Gráfico 1 - Opiniões dos alunos segundo suas respostas para a tarefas 2.
Fonte: Elaboração do autor.



Gráfico 2 - Opiniões dos alunos segundo suas respostas na tarefa 3
Fonte: Elaboração do autor.

Tarefa 4

Nessa tarefa indagamos: Com base em quais conhecimentos você afirma a existência ou não do problema alagamento na escola onde você estuda ou próximo dela?. A resposta foi reveladora da tendência dos alunos elaborarem os seus argumentos apoiando-se na intuição empírica. Grande parte afirmou que não ocorrem alagamentos na escola ou em suas proximidades porque nunca presenciaram, ou seja, jamais viram o processo ocorrendo. Segue o exemplo de algumas respostas que, declaradamente, refletem uma análise pautada em situações do cotidiano: “Afirmamos isto porque estudamos aqui fazem (sic) 8 anos e nunca, pelo que lembramos, ocorreu uma inundação.”; “Com base no gráfico e com base naquilo que vimos toda vez que chove na escola podemos afirmar que não há alagamentos nesse local, até porque a maioria dos alunos negam alagamento.”; “Nós achamos que não ocorrem inundações porque nós nunca vimos.”; “Porque nós nunca vimos nenhum alagamento aqui na região da escola.”.

Foi constatado, portanto, que a orientação das respostas dos alunos é realizada por aquilo que vivenciam ou observam em seu cotidiano (“Nunca vi ou ouvi falar sobre o assunto, portanto ele não ocorre”). Opiniões que relacionavam informações de cobertura das terras com o processo em pauta, assim como com informações altimétricas e topográficas (declividade, orientação das vertentes, comprimento de rampa, curvatura vertical e horizontal, dentre outras) foram exceções. Seguem exemplos para esses tipos de respostas menos comuns:

“Na minha opinião não ocorrem inundações porque o local é bem limpo e a estrutura do local é planejada e não possui só chão de cimento e também sim local para a água escoar.”

“Eu acho que alaga porque a escola fica em local baixo da região e toda a água das regiões mais próximas escoam pra cá mas nunca ouvi falar de casos parecidos por aqui.”

“Desde quando estudamos ou passamos por aqui, nunca soubemos de enchentes por aqui. E pelo que refletimos, como tem coleta de lixo e não possui rios ou córregos por perto é menos provável o risco de alagamentos.”;

“Porque nunca houve enchentes por aqui, pois não tem rios por perto, e também os lixeiros passam sempre aqui, e não acumulam lixos, e então é mais difícil de inundar por aqui.”

Cabe mencionar que a cobertura das terras, a topografia e a altimetria são variáveis básicas, porém relevantes quando se pretende realizar uma investigação expedita sobre as probabilidades de ocorrência dos alagamentos em área urbana do ponto de vista da Análise Geográfica Integrada[4]. Entendemos que essas são algumas das variáveis que podem promover as condições necessárias para os alunos realizarem a leitura do seu lugar de vivência[5] para além das opiniões fundadas no contexto imediato, ou seja, dos saberes que balizam os seus obstáculos epistemológicos.

CONSIDERAÇÕES

Nosso propósito foi investigar os conhecimentos prévios dos alunos participantes da pesquisa quando questionados sobre as causas dos alagamentos e a suscetibilidade de ocorrência no lugar onde estudam e moram. Tendo em vista os dados levantados a partir do modo como as tarefas foram organizadas, constatamos que grande parte dos estudantes se valeram das opiniões animistas e generalistas para a origem dos alagamentos. Conforme demonstramos, foram comuns respostas que assinalaram como as causas desse processo o excesso de chuvas e o aquecimento global.

Os alunos também recorreram à intuição empírica para argumentarem sobre a possibilidade desse evento suceder em seus lugares de vivência (casa e escola). A resposta “Porque nós nunca vimos nenhum alagamento aqui na região da escola” para a pergunta “No lugar onde você estuda ou próximo já ocorreu um ou mais alagamentos?” é um exemplo de opinião que pode expressar um raciocínio elaborado exclusivamente a partir daquilo que se presencia ou observa habitualmente.

Entendemos que levar em consideração os possíveis modelos de explicação dos alunos para os fenômenos físicos e biológicos nas aulas de geografia favorece a superação dos obstáculos para aprendizagem dos conceitos geográficos pelos estudantes, dos significados construídos pelas tendências de interpretação da natureza que caracterizam a cultura experimental cotidiana por eles vivenciada, o que pode contribuir no processo de sua Alfabetização Científica.

Material suplementar
REFERÊNCIAS
BACHELARD, G. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.
BIZZO, N. Os conceitos no ensino de ciências. Disciplina PLC0702 - Projeto de Ensino de Ciências I – Bases Teóricas. Curso de Licenciatura em Ciências – USP/UNIVESP, p. 01-15.
CALLAI, H. C. Educação Geográfica: ensinar e aprender geografia. In: CASTELLAR, S. M. V.; MUNHOZ, G. B. (Org.). Conhecimentos escolares e caminhos metodológicos. São Paulo: Xamã, 2012. p. 73-87.
CASTELLAR, S. M. V. A psicologia genética e a aprendizagem no ensino de geografia. In: CASTELLAR, S. M. V. (org.) Educação Geográfica: teorias e práticas docentes. São Paulo: Contexto, 2007. p. 38 – 50.
CASTELLAR, S. M. V.; MACHADO, J. C. E. O ensino de geografia física na Educação Básica: sobre a superação do obstáculo para aprendizagem. In: María Victoria Fernández Caso; Raquel Gurevich. (Org.) Didáctica de la geografía: prácticas escolares y formación de professores. Buenos Aires: Biblos, 2014, p. 229-250.
CASTELLAR, S. M. V.; MORAES, J. V. Um currículo integrado e uma prática escolar interdisciplinar: possibilidades para uma aprendizagem significativa. In: CASTELLAR, S. M. V.; MUNHOZ, G. B. (Org.) Conhecimentos escolares e caminhos metodológicos. São Paulo: Xamã, 2012. p. 121-135.
CASTELLAR, S. M. V; MACHADO, J. C. E. El estimulo del razonamiento matemático (espacial) como estratégia para el aprendizaje de los procesos físicos em las classes de geografia em el enseño fundamental II. Revista de Didácticas Específicas, Madrid. nº 6, p. 37-54. 2012.
CAVALCANTI, L. de S. Geografia escolar, formação e práticas docentes: percursos trilhados. In.: CASTELLAR, S. M. V.; MUNHOZ, G. B. (Org.) Conhecimentos escolares e caminhos metodológicos. São Paulo: Xamã, 2012. p. 89-99.
MACHADO, J. C. E. . A sequência didática no ensino de geografia física na educação básica: proposta de encaminhamentos para o planejamento das aulas. In: CASTELLAR, S. M. V. (Org.) Geografia Escolar: contextualizando a sala de aula. Curitiba: CRV, 2014, p. 175-203.
MACHADO, J. C. E. A sequência didática como estratégia para aprendizagem dos processos físicos nas aulas de geografia do ciclo II do ensino fundamental. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
MACHADO, J. C. E. Ensino de Geografia e a noção de Obstáculo Epistemológico. 2012. Revista Brasileira de Educação em Geografia, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 67-88, jan./jun., 2012.
PIAGET, J. A representação do mundo na criança: com o concurso de onze colaboradores. São Paulo: Ideias e Letras, 2005.
ROSS, J. L. S. Ecogeografia do Brasil: subsídios para o planejamento ambiental. São Paulo: Oficina de Textos, 2006.
RUMELHARD, G. Trabajar los obstáculos para asimilar los conocimientos científicos. In: CAMILLONI, A. R. W. (Org.) Los obstáculos epistemológicos en la enseñanza. Espanha: Gedisa, 1997. p. 31-62.
Notas
Notas
[1] Conforme já esclarecemos em outra oportunidade (MACHADO, 2013), nessa aproximação feita entre as teorias do Realismo Nominal e dos Obstáculos Epistemológicos cabe uma importante ressalva: ao contrário de Bachelard, Piaget não se vale da noção de obstáculo ou ruptura com o conhecimento anterior para passar de um estágio menos avançado de representação para outro, mas entende o estágio precedente como necessário ao estágio posterior (RUMELHARD, 1997, p. 40-42).
[2] As tarefas a que fazemos referência fazem parte de uma Sequência Didática, cuja apresentação e análise completa fogem do escopo deste artigo. A íntegra dessa pesquisa pode ser conferida em Machado (2013). Desse modo, esclarecemos que para a elaboração deste texto os números das tarefas não correspondem, necessariamente, à seriação das perguntas na Sequência Didática. Tal fato, entretanto, não comprometeu nossa análise, tendo em vista o recorte de estudo realizado.
[3] Na escola-campo em que foi realizada a pesquisa são atendidos alunos que residem no mesmo bairro onde esta localizada a unidade de ensino, mas também de bairros vizinhos, muitas vezes não necessariamente contíguos ao da escola. Confere-se, inclusive, casos de estudantes provenientes de municípios vizinhos daquele onde se situa a escola.
[4] Acerca da Análise Geográfica Integrada conferir Ross (2006). Sobre a relação dessa proposta com o ensino de geografia na Educação Básica conferir Machado (2013, 2014) e Castellar e Machado (2014).
[5] Com relação ao lugar de vivência, Machado (2013, p. 61), destaca: “(...) esta é a escala de análise que direciona o olhar para os detalhes ou as características particulares de um fenômeno de abrangência aparentemente circunscrita, mas que também pode ocorrer em outros lugares contíguos, próximos ou distantes. Da mesma forma, estes lugares também podem revelar-se como uma área de exceção frente a um fenômeno entendido como universal, colocando em suspenso teorias, teses ou hipóteses a respeito dos mais variados assuntos. O lugar, possível campo de combate, questionamentos e/ou de servidão à lógica política e econômica amparada por um Estado, sugere, portanto, as mais variadas possibilidades de questionamento da realidade social, na qual se inclui a territorial em sua dimensão ambiental.”


Figura 1 - Relação SignificanteSignificado
Fonte: Elaboração do Autor.

Quadro 1 - Propósitos

Fonte: Elaborado pelos autores.


Quadro 2 - Exemplos de fotos observadas pelos alunos
Fonte: Elaboração do Autor.


Figura 2 - Relação significante-significado predominante entre os alunos diante do problema “Causa dos alagamentos”
Fonte: Modificado de Machado (2013).


Gráfico 1 - Opiniões dos alunos segundo suas respostas para a tarefas 2.
Fonte: Elaboração do autor.


Gráfico 2 - Opiniões dos alunos segundo suas respostas na tarefa 3
Fonte: Elaboração do autor.
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