Recepção: 04 Janeiro 2016
Aprovação: 22 Abril 2016
DOI: https://doi.org/0.18568/1980-4865.11281-93
Resumo: O objetivo da presente pesquisa foi o de analisar o processo de implementação e gestão do Centro de Serviços Compartilhados de Recursos Humanos em uma multinacional brasileira em um contexto de fusões e aquisições. A empresa analisada foi aqui representada como empresa Alpha, uma das maiores empresas de alimentos do país, que nasceu de uma fusão entre as empresas Beta e Delta em 2008. Os CSCs podem constituir uma ferramenta de gestão estratégica de RH que permite um reposicionamento do papel da área, a fim de que seja mais estratégica em nível corporativo e mais rentável no nível operacional. A pesquisa foi baseada em um estudo exploratório e descritivo de abordagem qualitativa. Dentre os resultados, destaca-se o fato de que os serviços partilhados foram estratégicos ao suportar, padronizar e garantir a expansão da empresa. Os desafios encontrados foram associados ao desenvolvimento de uma cultura de serviços e a relação com usuários e a definição do escopo de atividades de RH. Os desdobramentos do processo de gestão englobam a adequação das diferenças salariais entre os funcionários, a limitação de plano de carreira e a necessidade de atração e retenção de talentos e a expansão internacional.
Palavras-chave: Serviços Compartilhados de RH, Centro de Serviços Compartilhados, Gestão Estratégica de Recursos Humanos, Fusões e Aquisições.
Keywords: HR Shared Services, Shared Services Center, Strategic Management of Human Resources, Mergers and Acquisitions
1. Introdução
A criação e gestão de Centros de Serviços Compartilhados (CSC) de Recursos Humanos (RH) nas organizações é um fenômeno que se originou na década de 1980 nos Estados Unidos. Apesar de não se constituir em um conceito inédito na área de gestão de pessoas, seus elementos frequentemente figuram entre as tendências em pesquisas internacionais. Cooke (2006) indica que há uma lacuna significativa entre a literatura expondo a eficácia e a utilidade dos serviços compartilhados de RH e o sucesso efetivo do modelo. Os custos financeiros e emocionais de se mudar para um modelo de serviços compartilhados podem ser maiores que a redução de custos tangíveis previstos pelas empresas.
Por outro lado, o caráter de prestação de serviços padronizados, eficientes e que geram valor ao cliente (Ulrich, 1995) buscado pelo modelo dos CSCs passa a ser cada vez mais possível de implementar. Como motivadores deste processo estão a evolução de tecnologias de comunicação e a necessidade de empresas multinacionais estabelecerem uniformidade em ações de gestão de pessoas em suas diferentes unidades negócio. Em pesquisa da Society for Human Resource Management (SHRM, 2011) aponta-se que 56% dos profissionais de RH já tem buscado aumentar o uso da tecnologia para executar funções transacionais de RH, como a folha de pagamento. Desses, os 20% que ainda não fazem, já planejam fazer. Na mesma pesquisa, relaciona-se entre as dez ações mais comuns que as organizações globais têm tomado em resposta às tendências do mercado de trabalho o aumento do uso da tecnologia para desempenhar funções transacionais de RH.
Ao mesmo tempo em que atividades transacionais e rotineiras estão sendo automatizadas e ensejam o uso da tecnologia, figura entre as maiores ações que as organizações estão tomando em relação aos movimentos econômicos e do mercado de trabalho o desenvolvimento da perspicácia empresarial mais ampla entre pessoal de RH (49% já realizam ações neste sentido e 21% planejam fazê-lo). Por isso, é notável o aumento do investimento em treinamento para os profissionais de Recursos Humanos (43% das empresas pesquisadas) indicando a importância dessa área estar preparada para os desafios ambientais (SHRM, 2011) e, consequentemente, contribuir para o desempenho organizacional.
Apesar da relevância e da potencialidade dos CSCs de RH no suporte à expansão das organizações, ao desempenho e ao aumento da padronização de atividades, pouco se conhece a respeito dessa modalidade nas organizações brasileiras. Além disso, a complexidade da prestação de serviços padronizados como os do CSC cresce conforme o tamanho, a operação e a atuação internacional da empresa (Cooke, 2006). Nesse contexto, as fusões e aquisições são temas que adicionam complexidade à gestão do serviço e podem potencializar desafios ao CSC. Elas são fontes recorrentes de pesquisas organizacionais devido a potencialidade de alcançar economias de escala, novos mercados, maior legitimidade, sobrevivência, e outros resultados importantes. Shi, Sun e Prescott (2012) revisaram 144 artigos publicados e reconheceram que as fusões são iniciativas fundamentais para o crescimento e a reestruturação das empresas, bem como, são centrais para o desenvolvimento de lideranças e de equipes de gestão.
O presente estudo procura analisar a implementação e gestão de um Centro de Serviços Compartilhados de Recursos Humanos em uma empresa multinacional em contexto de fusão, que apresenta a necessidade de alinhar as estratégias de diferentes unidades de negócios e gerar valor à organização a partir da racionalidade de custos, produtividade, padronização e, principalmente, suportando de forma alinhada o crescimento organizacional. Para tanto, formulou-se breve histórico e situação atual da empresa investigada e, descreveu-se o CSC de RH existente antes do processo de fusão no tocante aos serviços transacionais e transformacionais (Ulrich, 1995; Ulrich & Grochowski, 2012).
Este trabalho busca contribuir para a evolução dos estudos a respeito de CSCs no Brasil, pois, acredita-se que a adoção de um modelo de serviços compartilhados de RH pode transformar o papel da área, permitindo que esta seja mais estratégica em nível corporativo e mais rentável no nível operacional. No entanto, poucos estudos acadêmicos foram realizados para investigar os desafios para a implementação de um centro de serviços de RH com sucesso e a respeito do impacto da adoção de um modelo de serviços compartilhados de RH em diferentes grupos de funcionários (Cooke, 2006).
Os serviços compartilhados podem ser ferramentas de Gestão Estratégica de Recursos Humanos (GERH) no atendimento às tendências de reorganizar a função de RH face à evolução das necessidades organizacionais estratégicas e a gestão do capital humano em operações robustas nas empresas (mudança de gestão, fusões e aquisições) (SHRM, 2011). A GERH consiste em todas as atividades que influenciam o comportamento dos indivíduos e seus esforços para formular e implementar as necessidades estratégicas do negócio (Schuler, 1992; Schuler & Tarique, 2007).
O presente artigo foi elaborado de forma a integrar os conceitos estudados e permitir seu entendimento e compreensão a partir da Gestão Estratégica de Recursos Humanos. A primeira parte da pesquisa dedica-se a introduzir o tema; a seguir, realiza-se a revisão bibliográfica; na quarta seção são apresentados os pressupostos metodológicos da pesquisa; e, as seções seguintes são dedicadas à apresentação, discussão de resultados e considerações finais.
A seguir, é apresentada a revisão bibliográfica deste artigo, que buscou conceituar a GERH e algumas das suas perspectivas teóricas, bem como os aspectos teóricos e a aplicação dos Centros de Serviços Compartilhados de Recursos Humanos.
2. Gestão estratégica de pessoas e os papéis de recursos humano
O campo da gestão de recursos humanos passou por uma dramática mudança entre as décadas 1980 e 1990. Esta mudança ampliou o foco da pesquisa de RH outrora micro analítico para uma visão macro ou estratégica. A perspectiva estratégica de RH, que tem sido apresentada como gestão estratégica de recursos humanos (GERH), cresceu a partir do desejo de pesquisadores em demonstrar a importância das práticas de recursos humanos para o alcance do desempenho organizacional (Delery & Doty, 1996; Martín-Alcázar, Romero-Fernandez & Sánchez-Gardey, 2005). Para Lengnick-Hall, Lengnick-Hall, Andrade e Drake (2009), embora exista uma relação entre desempenho da organização e os Recursos Humanos, esta ligação é mais recíproca que direta, sendo que uma influência a outra e nem sempre há causalidade. Os mesmos autores indicaram uma agenda para o futuro aos pesquisadores que destaca o estudo do alinhamento das estratégias das diferentes unidades de negócios; o reconhecimento das diferenças entre formulação e implementação das estratégias; e, o papel da gestão estratégica de pessoas baseada em conhecimento.
Em um contexto estratégico, é relevante considerar os papéis desempenhados atualmente pela área e como eles podem ser ajustados para atender aos objetivos organizacionais. Entre as diferentes perspectivas da GERH, Ulrich, Younger e Brochbank (2008) indicam que a área de RH desempenha cinco funções diferentes entre si, porém alinhadas ao negócio:
§ Service center: usando a tecnologia, os centros de serviços de RH realizam rotina administrativa e trabalho padronizado. Eles tendem a buscar formas de trabalho pessoal mais barato, qualidade de processos e padronização. Um exemplo seria o desenvolvimento de sistemas administrativos comuns, ou benefícios on-line para que os funcionários possam ser autossuficientes no uso.
§ RH Corporativo: responsável pelo cuidado da identidade e da cultura da organização; agenda do presidente; planos de implementação; resolução de conflito; gestão de executivos; desenvolvimento de profissionais de RH.
§ RH Integrado: parceiros de negócio responsáveis pelo apoio direto ao gerente de linha; é o consultor interno de RH; generalista; precisa alinhar seus esforços na implantação do que é desenhado pelo Centro de Expertise.
§ Centro de Expertise: responsável por converter a estratégia em processos; pela inovação e previsão de demanda. São compostos por especialistas que têm uma visão única e grande profundidade em áreas de prática de RH em torno das pessoas (por exemplo, de formação), desempenho (recompensas), comunicação e organização.
§ Executores/Operacionais: implementadores da estratégia; multifuncionais e com conhecimento do negócio; apoio aos parceiros de negócios (RH integrado).
Ulrich e Grochowski (2012) em sua recente abordagem a respeito dos papéis de RH ressaltam a importância dos quatro primeiros, deixando de dar atenção especial aos Executores/Operacionais. Os autores destacam que a forma como essas funções são realizadas dependem das escolhas de design de uma organização (centralizada; descentralizada; em matriz; e, terceirizada), o que leva os departamentos de RH geralmente a seguirem o exemplo. A maioria das grandes organizações contemporâneas, usualmente empresas multidivisionais, são altamente matriciais como um negócio e, para atender plenamente as suas necessidades, o RH pode ser organizado em torno de um modelo de serviços compartilhados (Ulrich & Grochowski, 2012).
3. Centros de serviço compartilhado de recursos humanos
Sugere-se que a origem específica dos Centros de Serviços Compartilhados (CSC) é a função de finanças na década de 1980, que envolvia separar serviços financeiros administrativos de consultoria financeira estratégica e apoio. No entanto, também se podem encontrar referências anteriores a respeito da partilha de serviços médicos e administrativos na área da saúde, a fim de conter os custos e ampliar os serviços (Schermerhorn, 1975; Redman et al., 2007).
Já no ano de 1995, um dos principais estudiosos dos CSCs, Ulrich (1995), alertava que muitas empresas passavam a adotá-lo sem entender porque ou como ele funcionava ou os benefícios reais desse tipo de projeto. O autor explanava que compartilhar serviços consistia na intersecção de cinco preocupações de gestão: produtividade, globalização, reengenharia, serviço e tecnologia.
Em serviços compartilhados, os clientes escolhem o “tipo, intensidade e qualidade dos serviços que eles querem dos grupos de pessoal, e o preço que estão dispostos a pagar” (Quinn, Cooke & Kris, 2000, p. 13.) Para Ulrich (1995), o ‘user is the chooser’, ou seja, o foco é no cliente. A distinção entre serviços compartilhados e terceirização em algumas formas é restrita, pois para alguns autores, os serviços compartilhados poderiam ser vistos como uma forma de terceirização interna. Serviços compartilhados, ao que parece, às vezes são usados como um passo intermediário antes do outsourcing (Quinn et al., 2000).
Redman et al. (2007) ponderam que a literatura sobre serviços compartilhados enfatiza três principais fatores: custos, qualidade e mudança. A necessidade de reduzir custos com o pessoal de apoio e cortar esforço duplicado é proeminente na literatura de serviços compartilhados, embora existam poucas evidências nesse sentido (Cooke, 2006).
Os serviços compartilhados podem ser delineados em dois tipos: baseado em transações de serviços e transformação com base em serviços. Os serviços baseados em transações podem ser atividades relacionadas a benefícios; compensação/pagamento; atividades de T&D; cidadania corporativa; registro de atividades; e, departamento pessoal. Já a transformação baseada em serviços consiste nas atividades de RH que ajudam a implementar a estratégia, criar uma nova cultura ou realizar os objetivos de negócio. Ela pode constituir-se de atividades de pessoal (gestão de talentos, de carreira); desenvolvimento (estratégico); compensação (performance, avaliação de desempenho); comunicação; design organizacional; relações com empregados; e, relações com sindicatos. As atividades de transações e de transformação podem ser combinadas em Centros de Excelência e Centros de Atendimento (Ulrich, 1995).
Arkin (1999) descreve uma abordagem de serviços compartilhados dos profissionais de RH, cada vez mais operando por meio de call-centers de tecnologia. A principal diferença entre os modelos básicos e de mercado é a inclusão de serviços profissionais e de consultoria e a separação da atividade de governança para a prestação de serviços. No modelo de mercado avançado, os clientes têm a liberdade de recorrer a fornecedores externos, se assim o desejar, assim como o serviço compartilhado é capaz de fornecer serviços externos para outros clientes, se houver capacidade ociosa. A fase final do continuum vê o serviço compartilhado se tornar uma entidade empresarial separada, prestando serviços a uma gama complexa de organizações. Manter relacionamentos em serviços compartilhados parece ser claramente um desafio a ser abordado em aplicações de RH (Arkin, 1999).
Reilly e Williams (2003) acreditam que as funções de serviços compartilhados irão crescer em tamanho conforme as Tecnologias da Informação e Comunicação avançam. Quinn et al. (2000) sugerem que as funções de serviços compartilhados inevitavelmente amadurecerão e se tornarão independentes unidades de negócios e/ou resultarão em outsourcing.
Um número crescente de empresas multinacionais (EMN) está se estruturando com CSCs, em especial, suas atividades de recursos humanos. Tradicionalmente, a estrutura típica de RH em uma EMN possui uma pequena equipe no nível corporativo que é responsável por questões estratégicas. A maioria das funções operacionais de RH é realizada em nível nacional. No entanto, uma tendência crescente nos últimos anos tem sido o estabelecimento de centros de serviços compartilhados de RH que oferecem as atividades de forma mais centralizada, e muitas vezes remotamente, a partir das subsidiárias da EMN (Cooke, 2006).
As políticas de RH desenvolvidas pelas empresas multinacionais em suas subsidiárias globalmente dispersas, normalmente geram uma tensão “global-local”, ou seja, as pressões de ajuste ao padrão desenvolvido centralmente e as políticas de gestão da matriz versus a necessidade de garantir as políticas e as práticas de RH da filial, que é sensível e reflexiva das normas e tradições do contexto nacional. Em outras palavras, existe um potencial conflito entre o desejo de manter o controle central da EMN e a demanda de autonomia por parte da subsidiária em certos domínios de políticas e práticas de RH. Também, há espaço para abordagens intermediárias em que é concedida certa autonomia local às controladas para desenvolver políticas de RH dentro de certos enquadramentos ou orientações estabelecidas pela matriz ou em determinadas áreas de RH aprovadas pela EMN (Belizon, Gunnigle & Morley, 2013).
Entre os desafios vivenciados pela função de RH em corporações multinacionais está a consolidação dos ganhos iniciais de internacionalização, como a falta de tomada de decisão descentralizada, o desenvolvimento de uma mentalidade global, a localização da força de trabalho, e a concepção um modelo de liderança mundial (Thite, Budhwar & Wilkinson, 2014).
Entre as potencialidades e desafios postos aos CSCs, atuando tanto nacional quanto internacionalmente, Cooke (2006) destaca o potencial de alcance da maior eficiência e prestação de serviços profissionais de RH por meio da racionalização e simplificação de serviços. Também são apontados pela autora o desenvolvimento de carreira aperfeiçoado para pessoal de RH e os ratings mais elevados de satisfação do cliente por meio de um melhor equilíbrio entre as expectativas dos clientes e de serviços. Os CSCs colaboram na especificação melhor de serviço (por exemplo, por meio do nível de serviço) e monitoramento de desempenho, como resultado do sistema de mercado interno e facilitam o investimento empresarial em informática e infraestrutura de comunicações. Por fim, propiciam maior transparência do custo dos serviços e facilitam o acompanhamento dos orçamentos.
Por outro lado, a própria autora realiza ressalvas em seu estudo a respeito da realidade e das promessas de um CSC de RH. Problemas relatados a respeito de centros de serviços compartilhados incluem baixos níveis de satisfação do cliente, trabalho menos interessante, oportunidades de carreira reduzidas para pessoal de RH e custos maiores do que o esperado (Cooke, 2006).
Neste sentido, Ulrich (1995) levanta potenciais barreiras a serem observadas quando se planeja implementar um CSC: é preciso dedicar atenção às mudanças de poder, uma vez que com uma organização de serviços compartilhados, o poder muda de sede da empresa para o campo. Criar uma equipe de profissionais de RH com interesses comuns, foco do negócio, e respeito mútuo, requer diálogo e compromisso compartilhado entre os profissionais de RH.
Outros fatores relevantes são a despersonalização do serviço, muitas vezes realizado remotamente ou de forma automatizada; a preocupação com a accountability, dado que a organização de serviços compartilhados tem mais responsabilidade, não menos, para os profissionais de RH; e a necessidade de mentalidade compartilhada a respeito do foco e prioridades da área. A quinta barreira a ser observada é a sombra pessoal, fator que surge quando os gerentes de linha não podem ter profissionais de RH fazendo determinados papéis em sua unidade e desviam funções de seus subordinados para realizar tais atividades (Ulrich, 1995).
Para as organizações de serviços compartilhados serem sustentáveis, elas precisam agregar valor à companhia (Ulrich, 1995; Ulrich & Grochowski, 2012). Dado o alto custo, tanto financeiro e emocional, na mudança para um modelo de serviços compartilhados, as empresas devem adotar uma abordagem holística e realizar sofisticados cálculos financeiros para pesar o custo de internalização contra a terceirização. Além disso, as empresas não devem esperar uma redução de custos elevados nos primeiros anos da criação de um centro de serviços compartilhados (Cooke, 2006).
Reilly (2000) discute em profundidade as vantagens e desvantagens dos modelos de CSC que ele estuda. As vantagens - baixo custo, maior eficiência, melhor qualidade, por exemplo - são quase exclusivamente benefícios organizacionais. As desvantagens, em comparação, são quase inteiramente relacionadas com o impacto sobre o trabalhador em serviços partilhados.
Destacando os desafios de RH na implementação de um CSC, Redman et al. (2007) consideram que há um potencial de criação de uma fenda intransponível entre o pessoal de RH que agrega valor transformacional ao trabalho e aqueles que trabalham em áreas transacionais com consequentes implicações para a carreira (igualdade, gestão de oportunidades, recrutamento e atratividade para a função). É difícil ver a atratividade em trabalhar em uma área não estratégica, de baixo valor agregado ao departamento de RH da organização. Esse consiste em um desafio para atrair candidatos de alto desempenho. Os casos apresentados por Cooke (2006) indicam uma deliberada estratégia de RH em não contratar talentos, apostando na repetitividade das funções e esperando que a ambição por subir na carreira seja menor neste tipo de funcionário.
Neste sentido, Bergeron (2003) indica ser relevante a consideração a respeito de cuidados e desafios dentro da perspectiva da área de RH quando se implementa um CSC, os quais envolvem o domínio de novos estilos de interação; a necessidade de downsizing (redução de funcionários); a possibilidade de esgotamento pessoal por parte dos empregados, dados os fatores relacionados à: mudança cultural, grande expectativa administrativa, grande incerteza, alta responsabilidade, baixa autoestima entre os funcionários, pressão por produtividade, novo estilo administrativo, nova estrutura de submissão, mudança abrupta da vida pessoal do empregado; a necessidade de desenvolver um mindset a respeito de serviços compartilhados dentro da empresa.
Dessa maneira, pode-se afirmar que os CSCs de RH significam, ao mesmo tempo, possibilidades de desenvolvimento de estratégias competitivas às organizações multinacionais, assim como implicam em desafios à sua gestão. No sentido do que já previa Ulrich (1995), é preciso ter claro o objetivo de se implantar um CSC e que, fundamentalmente, este gere valor para a empresa. Neste âmbito, a presente pesquisa buscou analisar a implementação e a gestão de um CSC de RH em uma empresa em contexto de fusão.
4. Procedimentos metodológicos
A presente pesquisa está orientada a estudar o fenômeno dos CSCs de RH como uma abordagem que possibilita ao RH ser congruente com a estratégia de negócios da empresa e suas circunstâncias (Armstrong, 2006). Do ponto de vista de seus objetivos, esta pesquisa se define como um estudo exploratório e descritivo.
A abordagem foi predominantemente qualitativa, considerando os seus objetivos e as características do fenômeno complexo investigado (Chizzotti, 2006). Os dados coletados na pesquisa são do tipo primário, obtidos principalmente por meio de seis entrevistas em profundidade realizadas durante o primeiro semestre de 2013 com o Diretor do Centro de Serviços Compartilhados (E1); com o Gerente Executivo de RH do CSC (E2); com o Gerente de Utilidades (E3); e, com três coordenadores de área de RH (E4; E5; E6). A todos os entrevistados questionou-se a respeito da história do CSC, os desafios vivenciados em diferentes dimensões e a influência dos processos de aquisição e fusão pelos quais a empresa passara.
Todos os entrevistados tiveram participação ativa na implementação do CSC desde a sua concepção à época da empresa Beta, tendo passado pelo período de fusão com a Delta. Foram utilizados também dados secundários a partir de publicações da empresa aos seus acionistas e apresentações enviadas pelo diretor do CSC. O Entrevistado 1 foi ainda o fornecedor dos dados documentais (AlphaDoc01; AlphaDoc02) e da maior parte das informações a respeito da caracterização e criação do CSC. Isso porque ele foi um dos participantes do projeto desde a sua concepção. A perspectiva temporal utilizada focou nos anos de 2004 a 2012, período que compreende a concepção e implementação do centro, assim como a fusão entre Beta e Delta.
A entrevista em profundidade foi escolhida por sua relevância na pesquisa qualitativa, ao privilegiar a fala dos atores sociais, permite atingir um nível de compreensão da realidade humana que se torna acessível por meio de discursos, sendo apropriada para investigações cujo objetivo é conhecer como as pessoas percebem o mundo (Alves-Mazzotti & Gewandsznejder, 2001). Os dados que emergiram da pesquisa foram transcritos, pré-analisados, explorados e tratados. A partir desse processo, elaborou-se as inferências e a interpretação dos dados, conforme as etapas da análise de conteúdo (Bardin, 2004). O tratamento dos resultados da análise de conteúdo pode ser efetuado por meio de diversas técnicas, como a categorização, a avaliação, a expressão, as relações e o discurso. Neste estudo, adota-se a perspectiva da categorização, que consiste em “uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente estabelecidos” (Bardin, 2004, p. 111).
No presente caso, foram definidas a priori as categorias relacionadas ao papel do CSC RH propostas na literatura em relação à sua potencialidade e objetivos, assim como aos seus desafios, conforme a Tabela 1.
A utilização das categorias se deu em primeiro nível, ao classificar os dados tratados, tanto em formato documental como em texto decorrente da transcrição das entrevistas. Em segundo nível, foram agrupadas de acordo com sua proximidade semântica e buscou-se identificar a eventual emergência de novas categorias, para a seguir realizar a interpretação e as inferências.
5. Análise dos resultados
Conforme dados dos documentos fornecidos pela organização (AlphaDoc01) a Beta originou-se em 1934, no Estado de Santa Catarina, com um negócio familiar de secos e molhados. Em 1994, a empresa deixou suas bases familiares que marcaram sua gestão até então para que fundos de pensão (Banco do Brasil) assumissem seu controle. De 1994 até metade da década de 2000, a Beta foi seguidora da marca líder de mercado. A partir do desenho do planejamento estratégico em 2009, a empresa passou a buscar a liderança e o alcance de alguns objetivos audaciosos. A estratégia de expansão da Beta estava associada a adquirir empresas do setor, em especial, as que estavam geograficamente localizadas próximas, pois, a maioria das concorrentes do setor era da região Sul do país. Como destaque das aquisições da Beta, pode-se citar a divisão de carnes (2000), e o posterior controle acionário da Sigma (uma importante empresa do setor de alimentos no sul do país) em 2005, a compra de marcas de margarina em 2007 e a compra da Gamma (empresa de laticínios), também em 2007. Por fim, a principal delas foi a fusão da Beta com a Delta em 2008, o que gerou a empresa Alpha.
A empresa tinha em 2015 mais de 105 mil funcionários em 35 unidades industriais no Brasil, 13 fábricas no exterior (seis na Argentina, uma no Reino Unido, uma na Holanda, quatro na Tailândia e uma nos Emirados Árabes) e 40 centros de distribuição (AlphaDoc01). A associação entre Beta e Delta, que deu origem à Alpha, foi anunciada em 19 de maio de 2009 e aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em julho de 2011. O plano estratégico de longo prazo da empresa, o Alpha-15, contemplava um crescimento balanceado por expansão orgânica das operações e aquisições seletivas em regiões estratégicas como Oriente Médio, América Latina e outros emergentes, como Ásia e África. Durante o ano de 2011, a Alpha anunciou investimento de US$ 120 milhões na construção de uma unidade no Oriente Médio (AlphaDoc01). A empresa adquiriu em 2012 unidades industriais na Argentina e quando da realização da pesquisa, implementava sistemas e processos padronizados (E1).
Todo o crescimento recente da empresa foi suportado e apoiado pelo Centro de Serviços Compartilhados (CSC) que oferece uma gama de serviços padronizados, com foco na eficiência, produtividade e expansão das melhores práticas da Alpha.
5.1 CSC de recursos humanos da alpha: Objetivos e potencialidades
O CSC foi implementado buscando proporcionar à empresa a redução de custos operacionais e ainda suportar o crescimento da empresa desenhado em seu plano estratégico (Alpha15). O Entrevistado 1 indica que o Centro de Serviços começou a ser discutido em 2004. Na época, “ninguém dentro da empresa entendia o conceito de Centro de Serviços. Tinha algumas empresas que possuíam CSC, mas não se ouvia falar neles” (E1). A concepção partiu de um projeto de gestão financeira, no qual se discutia a possibilidade de criação de uma mesa financeira, para padronizar operações e otimizar alguns processos. A mentalidade de serviços compartilhados começou a ser entendida e a empresa contratou a IBM (International Business Machines) para criar um business case, que foi elaborado em um período de três a quatro meses. Nele, foram definidas metas, ganhos esperados e estabelecidos três principais objetivos: redução de custos; padronização de processos; expansão da empresa.
O CSC começou a operar em junho de 2005 no estado de Santa Catarina. Segundo Cunha (2011), a escolha da cidade à época foi feita por meio de uma análise de viabilidade que considerou as questões de requisitos mínimos para mão de obra (conhecimentos da língua inglesa e disponibilidade de universidades), condições de moradia e localização estratégica da cidade em termos de vias de acesso e proximidade com outras cidades importantes da região, bem como porto e aeroporto.
Foram contratadas e treinadas localmente 150 pessoas e, mais 200 pessoas que já trabalhavam na organização foram transferidas para o Centro. No mês de junho de 2005, os processos foram interrompidos nas pontas e iniciados no CSC. Passou-se a ter relevante dependência da empresa em relação ao centro, uma vez que lá são realizados processos robustos, como a folha de pagamento de 120 mil funcionários.
Em relação aos resultados esperados anteriormente e classificados como ‘desafios’ (redução de custos, padronização e suporte ao crescimento), o Diretor do CSC da Alpha à época apresentou que em 2006 o CSC atingiu os 0,7% de impacto de custos na receita líquida. Após a aquisição de grandes companhias, como Sigma, Gamma (2007) e a fusão com a Delta (2008), o CSC tinha, à época da coleta de dados, um orçamento de 170 milhões, que representava 0,6% da receita líquida.
Em relação à padronização de processos, segundo desafio, houve padronização de todos aqueles realizados pelo centro, com posterior revisão completa após a compra da Delta. Tudo era registrado em sistema, tudo por meio de uma intranet. Todos os processos do CSC passaram a ter um Acordo de Nível de Serviço (ANS) definido e um fluxo desenhado e atualizado constantemente (E1).
O terceiro desafio, que era considerado pela alta direção como o mais relevante, tratava do suporte ao crescimento da empresa, que em 2005 faturou R$ 5 bilhões. Havia a projeção de R$ 10 bilhões em 2009, cifra que foi superada ainda no ano de 2007. No ano de 2011, a empresa alcançou os R$ 25 bilhões e no ano de 2012 planejou ficar próxima dos R$ 28 bilhões. O planejamento estratégico da empresa projetava para o ano de 2015 um faturamento de R$ 50 bilhões. Tratava-se de um crescimento relevante para os padrões globais e a gestão se apoiava no fato de que todos os processos de todas as empresas do grupo serem suportados pelo Sistema Integrado de Gestão Empresarial, o que facilitava a padronização.
Os projetos para a ampliação dessa filosofia fora do Brasil se estenderam à implementação de um CSC na Argentina (ligado ao centro no Brasil) e a criação de um ‘piloto’ na Ilha da Madeira que seria utilizado para atender a Europa. Dessa forma, na visão do Diretor do Centro, o desafio do suporte ao crescimento do negócio foi realizado de forma perene.
Em 2012, o CSC possuía uma estrutura que comportava as áreas de Finanças, Controladoria, Recursos Humanos e Atendimento, com 1.600 funcionários (500 deles atuando localmente nas unidades). Sua volumetria mensal abrangia a gestão de 3 mil processos de exportação; 200 mil toneladas de produtos exportados; dois mil contratos jurídicos; 60 milhões de lançamentos contábeis; o processo administrativo que suportava o apanhe de 157 milhões de aves; entre outras centenas de processos. A área de RH do CSC da empresa divide-se em Recursos Humanos e Utilidades. A área de RH é responsável pelos processos de folha de pagamento, rotinas trabalhistas, remuneração, benefícios e rotinas de treinamento. Além disso, realiza as práticas de atração e seleção de pessoas, treinamento e desenvolvimento de toda a empresa (abaixo do nível gerencial) e apoio local nas filiais de venda de São Paulo e Curitiba.
Apresenta-se a seguir, no Tabela 2, as atribuições transacionais e transformacionais (Ulrich, 1995; Ulrich & Grochowski, 2012).
O CSC RH fazia em 2012 a gestão de 200 mil planos de saúde, 9 mil terceiros fixos, 200 empresas de serviços terceirizadas, 7 mil veículos e 10 mil linhas de telefone móvel. Mensalmente, o seu escopo envolvia a realização 9 mil movimentações de pessoal; processamento de 120 mil folhas de pagamento; atendimento de uma parcela significativa dos 85 mil chamados on line (que dividiam-se entre Help Desk TI e RH); gestão de 2,5 milhões de refeições; e, 3,3 toneladas de roupas higienizadas.
Para o gestor do Centro, tudo o que fosse possível padronizar, medir, colocar em uma linha de produção, mesmo que seja um processo estratégico, era passível de realização pelo CSC. “Padronizo, é rotineiro, mensuro, estipulo metas, defino ganhos desejados, pode vir” (Entrevistado 1).
Devido a sua importância na estrutura, a área de RH do CSC participa das decisões estratégicas ainda de forma tímida, por meio da presença em reuniões com
a Vice-Presidência de RH. Nota-se que o CSC é visto como uma área regular da empresa, dado que as mesmas políticas gerais de RH da empresa são válidas para o centro. Pode-se inferir que, ao menos na formalidade não ocorre o que Reilly e Williams (2003) alertam, a respeito de uma possível sensação de inferioridade em relação às demais unidades de negócios. A respeito desta questão, o Entrevistado 3 destaca que no início do centro pode ter existido tal característica, por conta da forma como o centro foi ‘vendido’ à empresa.
A respeito da co-localização (Cooke, 2006; Ulrich, 1995), a empresa possuía no Brasil os CSCs locais, que faziam o papel de RH Incorporado (Ulrich & Grochowski, 2012). Nas regionais de produção existia a figura de um gerente de RH que era ligado ao Diretor de produção, mas tinha ligação funcional com o CSC. Nos países em que a empresa atua, à exceção dos casos projetados de Argentina e Ilha da Madeira, essa relação ainda estava se formando, dado que algumas operações de RH eram realizadas pelo CSC, mas outras por um funcionário local.
Em relação à expertise de RH (Cooke, 2006; Ulrich, 1995; Ulrich & Grochowski, 2012) alguns especialistas (como em gestão trabalhista) ficavam alocados no Centro de Serviços, trabalhando em equipes heterogêneas (transacionais e transformacionais). O negociador com o sindicato, assim como algumas especialidades, entretanto, estavam alocados no corporativo da organização, que é localizado na cidade de São Paulo.
Por ser uma área que trata diretamente de pessoas e seu desempenho na organização, é de se considerar que os desafios da implementação e gestão do Centro de Serviços Compartilhados sejam percebidos por ela. Dessa maneira, trata-se a seguir a respeito deste assunto.
5.2 Desafios na implementação e gestão do CSC e ações de gestão de RH
Os desafios encontrados na implementação e gestão do CSC foram os mais diversos, ou seja, desde a comprovação da diminuição de custos até o comprometimento das pessoas na efetivação deste modelo. Redman, Snape, Wass e Hamilton (2007) ponderam que a literatura sobre serviços compartilhados enfatiza três principais fatores: custos, qualidade, e mudança na implementação e gestão do CSC. Os dois primeiros elementos são tratados de forma processual e com indicadores previamente definidos e revisados a cada ano. A mudança de cultural e de processos, entretanto, é um tema que merece aprofundamento neste caso. O CSC foi uma “mudança de conceito, da forma que se faziam as coisas, com visão, formato e metodologia diferentes. Até então, isso era impensado” (E6).
Para o Entrevistado 2, os maiores desafios da implementação do CSC RH foram: definir os papéis e responsabilidades entre RH CSC, RH Corporativo e RHs locais; e, principalmente, implantar a cultura de prestação de serviços cliente x fornecedor. O Entrevistado 5 concorda que o maior desafio foi a mudança de cultura e o alinhamento de processos, sem deixar que nada atrasasse.
Em relação aos novos contratados, destaca-se que houve uma busca por pessoas estudando, abertas e receptivas, sem os vícios e, principalmente, sem aqueles conhecidos que ligavam diretamente e diziam: “você sempre me atendeu, resolve meu problema, então isso funcionou muito mais fácil com essas pessoas” (E1). O Entrevistado 6 considera que a modalidade de atendimento a distância assustou os clientes no início, até que conseguissem ver que o processo funcionava. “Para dar resultados à empresa, cuidamos meticulosamente de cada processo. Fizemos diversas reuniões com os diretores regionais, fomos até eles e ajustamos o que tinha de dificuldades” (E3).
Um dos desafios para a gestão de RH do centro foi quando ocorreu a fusão com a Delta. A empresa adquirida já possuía um CSC no estado do Paraná, que foi aos poucos transferido para Santa Catarina. Medos de demissões, pessoas que se recusaram a mudar de cidade, reclamações a respeito de disparidades salariais, mesmo cargo com salários diferentes, por conta de políticas, por tempo de empresa, etc., representaram um desafio e estavam sendo estabilizados gradualmente (E1).
Outro desafio foi “pegar duas empresas do mesmo tamanho, colocar dentro de um único sistema, e alinhar a cultura dentro delas. Além disso, foi preciso reconhecer o que era bom das duas e fazer valer para empresa atual, criar uma referência nova” (E6). Essa questão mereceu atenção particular, pois as empresas enfrentaram concorrência acirrada ao longo de sua existência. “No início, a Delta era nossa concorrente. Quem vestia a camisa da Beta, nem comprava produtos da Delta” (E4) e “Eu era a Beta. Meu pai trabalhava na Beta, então é uma longa história” (E5). Ciente desta questão, o Entrevistado 3 ressaltava a preocupação da empresa na fusão em diminuir a ansiedade dos envolvidos. “Mapeamos todas as atividades e padronizamos os serviços. Neste processo também teve toda uma adaptação de sistema. Teve um projeto por trás disso que trabalhou o sistema e as políticas da companhia” (E3). A experiência da empresa nas aquisições anteriores e também a capacidade de mudança do pessoal do CSC foi um dos fatores considerados cruciais para a superação da ansiedade e consolidação dos processos (E5).
Durante o processo de mudança cultural e processual, algumas práticas de recursos humanos foram alteradas (revisão de escopos e de reponsabilidades) e programas foram adaptadas ou criados à medida que a implementação ocorreu. Para o Entrevistado 2, é imprescindível o treinamento constante dos funcionários na cultura de prestação de serviços. Por isso, além dos programas que já existiam, “para o nível de Líderes fizemos uma parceria com o SENAI por meio do Grupo de Estudos em Serviços Compartilhados (GESC) e implantamos o primeiro MBA em Serviços Compartilhados do Brasil” (E2). Houve também o programa ‘Conheça a Alpha’, programa desenhado no CSC que consiste em visitar unidades fabris da empresa para conhecer não apenas o processo, mas também as pessoas que são atendidas, para ter contato com o cliente além do seu número de identificação (E3).
Entre os desafios atuais, a empresa trabalha com o desenvolvimento do CSC Internacional e a implantação de multi-sites (Europa e Brasil) e outras já decididas como a implantação do CSC na Argentina. Essas ações associavam-se à calibração do Plano Estratégico do CSC com o Alpha-15 – Foco na Internacionalização, que ensejava intensificação de parcerias e capacitação de idiomas no CSC. Entre os desafios futuros do CSC RH estavam a “busca de formas de remuneração variável visando premiar os profissionais com maior produtividade e qualidade dos serviços e a motivação aos profissionais a fazer carreira no CSC” (E2).
A empresa promovia à época da pesquisa estudos a respeito da criação de um CSC Virtual e Portal e-Business e a criação da ouvidoria do CSC. No sentido que foi preconizado por Arkin (1999) a respeito de que o serviço compartilhado é capaz de fornecer serviços externos para outros clientes, há um estudo de outsourcing de processos e/ou prestação de serviços para outras empresas.
A respeito do desafio de criar uma equipe de profissionais de RH com interesses comuns, foco do negócio, e respeito mútuo, isso requer diálogo e compromisso compartilhado entre os profissionais de RH (Cooke, 2006), a empresa necessita estar permanentemente atenta a esses fatores, dadas as diferenças culturais entre os membros do CSC (que são originários de vários estados brasileiros, como São Paulo, Goiás, Rio Grande do Sul e Santa Catarina) e os clientes do serviço, assim como a ainda aparente tensão entre colaboradores originários da Beta e da Delta. Além disso, a internacionalização do CSC amplia este desafio e implica em novos aprendizados e posturas.
O CSC e sua característica de oferecer trabalhos menos interessantes e oportunidades de carreira reduzidas para pessoal de RH (Cooke; 2006; Cunha, 2011; Redman et al., 2007) ainda são barreiras a serem transpostas, mas que são facilitadas pelo crescimento da empresa e a geração de oportunidades no centro, ainda que fora da área de RH. Alguns dos gestores (E3; E4; E5) ressaltam que buscam internamente vencer os desafios da falta de oportunidades de carreira com rotatividade de funções e enriquecimento de tarefas dentro da equipe.
6. Considerações finais
O presente artigo buscou analisar a implementação e a gestão de um Centro de Serviços Compartilhados de Recursos Humanos em uma empresa uma multinacional brasileira em contexto de fusão. A empresa estudada foi a Alpha, uma das maiores empresas de alimentos do mundo. Ao prever um crescimento acima da média de seu mercado (de alimentos), o planejamento estratégico da companhia ensejava padronização de processos e garantia da execução e desdobramento das estratégias entre as diferentes unidades de negócio, o que foi facilitado pela implementação de um CSC.
A respeito dos três fatores principais que motivam a criação de CSCs indicados por Redman et al. (2007), destaca-se que a empresa conseguiu atender aos requisitos de redução de custos, aumentou a qualidade dos serviços e ofereceu suporte à mudança ocorrida durante e após as fusões. No entanto, conforme estudado por Bergeron (2003), Cooke (2006), Reilly (2000) e Ulrich (1995), alguns aspectos contidos dentro da mudança merecem atenção especial, uma vez que envolvem as principais barreiras ao sucesso de um Centro de Serviços. Destacam-se neste caso as diferenças salariais entre os funcionários, oriundas principalmente das diferentes políticas de gestão entre as empresas adquiridas, a resistência de pessoas em participar das mudanças geográficas de locais por conta da mudança abrupta da vida pessoal (Bergeron, 2003) e a limitação de plano de carreira e a necessidade de atração e retenção de talentos para o CSC.
A respeito das fusões, estas aumentaram a complexidade de um processo que, por si, já era robusto. Elas ensejaram esforços de socialização, aculturamento e ajustes de perspectivas, pois, mesmo os profissionais da Delta, que já trabalhavam em um CSC, passaram por um processo de adaptação de filosofia, dado que o foco do CSC no Paraná era na centralização. A Alpha coordena e controla suas subsidiárias de forma que ainda precisa de padronização em termos de práticas de recursos humanos.
Assim, o CSC da Alpha promoveu o suporte à expansão intensa da empresa nos anos estudados, geriu e validou o nível de satisfação dos usuários e propiciou maior eficiência nos serviços prestados (Cooke, 2006). Além disso, o esforço de padronização (Cooke, 2006; Ulrich, 1995; Ulrich & Grochowski, 2012) foi impulsionado pela utilização de sistemas integrados de gestão, destacando a relevância da tecnologia (Ulrich & Grochowski, 2012) na consolidação dos CSCs de RH.
Ressalta-se, por outro lado, que existem consideráveis obstáculos na implementação e gestão de um CSC de RH conforme destacam Ulrich (1995), Cooke (2006) e Redman et al. (2007). Neste caso, os maiores desafios foram relacionados à cultura e adaptação durante a implementação. A união entre os 250 colaboradores antigos e os 150 novos à época da implementação não foi natural e envolveu esforços de aprendizagem de ambas as partes. Aqueles que tinham mais ‘tempo de casa’ garantiam que a operação funcionaria a todo custo, enquanto os mais novos representavam a mão de obra de baixo custo em busca de aprendizagem, propiciada pelo alto índice de qualificação da região. Se os mais antigos enfrentaram desafios ao despersonalizar o serviço e tratar os problemas por chamados, aos mais novos a dificuldade era contrária, pois muitas vezes faltava empatia com as pontas da operação. Nesse ponto, os apontamentos de Redman et al. (2007) a respeito do distanciamento entre atividades transacionais e transformacionais não foi uma questão considerada relevante, e sim, a distância entre centro e operação, assim como a assimetria em relação à cultura de serviços.
Na gestão atual, é premente a busca por profissionalizar os serviços, no sentido defendido por Ulrich e Grochowski (2012), aperfeiçoando os conceitos e gerando excelência, bem como associando resultados e produtividade a outras práticas de RH (remuneração, carreira e desenvolvimento).
Entre as limitações da presente pesquisa, está o fato de que apenas profissionais do CSC RH foram ouvidos, o que pode deixar de lado relevantes visões a respeito do processo, como aquelas que oriundas de gestores de outras áreas, clientes e colaboradores de menor nível que o de coordenação. Além disso, o cargo dos participantes ouvidos pode influenciar no relato focado em desafios transpostos e não naqueles vivenciados durante o período de pesquisa, dado o papel representado pelo profissional naquele momento.
Como parte da agenda futura do estudo dos CSCs no Brasil, destaca-se a necessidade de se compreender ao longo do tempo como o serviço foi sendo prestado, avaliado e/ou mantido, por meio de estudos longitudinais. Outro aspecto relevante de se compreender é aquele relacionado às contingências às quais a organização está submetida, assim como sua influência sobre cada CSC.
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