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A trajetória formativa e profissional de um pesquisador: adocência pelas vias das narrativas insurgentes
The trajectory and professional trajectory of a researcher: teaching through insurgent narratives
La trayectoria y trayectoria profesional de un investigador: docencia a través de narrativas insurgentes
Revista Tempos e Espaços em Educação, vol. 15, núm. 34, e17708, 2022
Universidade Federal de Sergipe

Publicação Contínua

Revista Tempos e Espaços em Educação 2022

Recepción: 14 Junio 2022

Aprobación: 20 Septiembre 2022

Publicación: 15 Diciembre 2022

DOI: https://doi.org/10.20952/revtee.v15i34.17708

Resumo: Este estudo tem como objeto a narrativa de si tecida nos enredamentos de uma pesquisa narrativa desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Sergipe. O trabalho objetiva compreender como o movimento narrativo possibilita aflorar as compreensões de si e da docência que se tece na teia formativa do cotidiano da profissão de professor. A pesquisa é de natureza qualitativa, ancorado na epistemologia da pesquisa narrativa, que tem como centralidade, na produção de sentidos, a narratividade que o próprio sujeito faz de si, ao narrar as ações da pesquisa que desenvolve. Nessa direção, a pesquisa narrativa institui-se como dispositivo de formação docente, ao possibilitar a articulação reflexiva dos fazeres e saberes que o professor faz ao narrar as ações, dificuldades, aprendizagens e desafios que encontra no exercício da profissão docente. O trabalho revela como a narratividade evidencia as compreensões da docência e do movimento de pesquisa, tecido sob o olhar compreensivo de si e das ações desenvolvidas no ensino de matemática.

Palavras-chave: Docência em matemática, Formação docente, Pesquisa narrativa.

Abstract: This study has as its object the self-narrative woven into the entanglements of a narrative research developed within the scope of the Graduate Program in Education at the Federal University of Sergipe. The work aims to understand how the narrative movement makes it possible to bring out the understanding of oneself and of teaching that is weaved in the formative web of the daily life of the teaching profession. The research is qualitative in nature, anchored in the epistemology of narrative research, which has as its centrality, in the production of meanings, the narrativity that the subject makes of himself, when narrating the actions of the research he develops. In this direction, narrative research is established as a teaching training device, by enabling the reflexive articulation of the actions and knowledge that the teacher does when narrating the actions, difficulties, learning and challenges that he encounters in the exercise of the teaching profession. The work reveals how narrativity evidences the understanding of teaching and the research movement, woven under the comprehensive look of itself and the actions developed in mathematics teaching.

Keywords: Teaching in mathematics, Teacher training, Narrative research.

Resumen: Este estudio tiene como objeto la auto narrativa tejida en los enredos de una investigación narrativa desarrollada en el ámbito del Programa de Posgrado en Educación de la Universidad Federal de Sergipe. El trabajo tiene como objetivo comprender cómo el movimiento narrativo posibilita aflorar la comprensión de sí mismo y de la enseñanza que se teje en el entramado formativo del cotidiano de la profesión docente. La investigación es de naturaleza cualitativa, anclada en la epistemología de la investigación narrativa, que tiene como centralidad, en la producción de sentidos, la narratividad que el sujeto hace de sí mismo, al narrar las acciones de la investigación que desarrolla. En esa dirección, la investigación narrativa se constituye como un dispositivo de formación docente, al posibilitar la articulación reflexiva de las acciones y saberes que hace el docente al narrar las acciones, dificultades, aprendizajes y desafíos que encuentra en el ejercicio de la profesión docente. El trabajo revela cómo la narratividad evidencia la comprensión de la enseñanza y el movimiento investigativo, entretejidos bajo la mirada comprensiva de sí misma y de las acciones desarrolladas en la enseñanza de las matemáticas.

Palabras clave: Enseñanza de las matemáticas, Formación de profesores, Investigación narrativa.

INTRODUÇÃO

Este texto é um recorte de uma pesquisa em Educação que está em andamento pelo Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGED pela Universidade Federal de Sergipe. Ao refletir sobre a atuação docente, temos a possibilidade de compreender uma perspectiva de formação que busca articular claramente o conhecimento científico, o conhecimento específico (conteúdo, currículo, conhecimento pedagógico) e o saber experiencial adquirido nas acontecências da minha própria prática pedagógica. Dito isto, esclareço que o texto será narrado em primeira pessoa do singular, trazendo para a cena as minhas experiências formativas na travessia do meu doutoramento.

A docência em matemática se insurge num movimento experiencial, que faculta aprendizagem tanto para mim que ensino, como para o meu estudante que aprende. Tal concepção possibilita uma relação dialógica que se produz no cotidiano e nos desafios que teço para dar sentido àquilo que faço quando reflito sobre minhas práticas, sobretudo quando as torno singular na perspectiva de mobilizá-las a partir das reais condições dos estudantes.

O ensino não se constitui como uma mera transferência de conhecimento que o professor faz na relação pedagógica com o estudante. Há muitas ações em jogo, que se concretizam pela complexidade de processos mobilizados na ação de ensinar, visto que, para isso, devo, por princípio fundante, produzir condições para que os estudantes mobilizem seus próprios saberes na perspectiva de construir outros novos. Desta maneira, esse contexto caracteriza-se por um desenvolvimento de compreensões de como uma aprendizagem se consolida, sobretudo quando se tem a noção de conhecer algo que não se sabia anteriormente.

Face a essa ideia, narro as experiências formativas que pude vivenciar durante a minha trajetória de formação e profissão como forma de estabelecer interligações entre os diversos acontecimentos de minha vida, com as subjetividades de minha pessoa, procurando ao longo desta pesquisa compreender como as aprendizagens experienciais da docência em matemática emergem dos processos de auto, eco e heteroformação no cotidiano escolar. Ao fazer esse movimento, percebo que as relações que estabeleço com o mundo demarcam minha forma de pensar, agir e sentir à docência. Essas experiências formativas, expressas por meio das narrativas, seriam como alguma coisa pela qual devo associar um sentido conectado a mim mesmo. Assim, ao se constituir em um conjunto de saberes, a experiência, me conduz a descoberta de elos com aquilo que ainda está por vir e aquilo que já aconteceu, mas que ainda se faz presente.

Ancorado neste cenário, pensar no meu processo de formação enquanto docente de matemática e nas experiências que me motivaram a querer ser um professor reflexivo e preocupado com a minha práxis me suscitou a seguinte pergunta: Como as aprendizagens experienciais da docência em matemática emergem dos processos de auto, eco e heteroformação no cotidiano escolar? Esse movimento me faz acreditar que são essas mesmas práticas e saberes desenvolvidos experiencialmente em contextos de valorizar os saberes do educando, que me possibilitam enquanto professor também tornar-me protagonista do processo, gerando uma relação dialógica, que prima pelo reconhecimento e alteridades dos sujeitos.

Do ponto de vista teórico metodológico, o estudo ancora-se na pesquisa qualitativa. Com esse estudo pretendo mapear os saberes da docência em matemática produzidos na relação professor aluno; identificar como se dá o desenvolvimento de aprendizagens experienciais do ensino de matemática na Educação Básica (EB); analisar o desenvolvimento da construção de saberes e práticas do ensino de matemática no cotidiano escolar; e por fim, compreender narrativamente os processos de auto, eco e heteroformação de professores que atuam no ensino de matemática na EB.

METODOLOGIA

A pesquisa se desenvolve ancorada nos princípios da Pesquisa Narrativa. A proposta é desenvolver um estudo fundamentado na abordagem da pesquisa narrativa (Clandinin & Connelly, 2011) caracterizada por se tratar de um processo de investigação que considera a interação entre o pessoal e o social, a partir da continuidade entre o passado, presente e futuro combinados a uma determinada situação.

Tornar-se um pesquisador narrativo é me compreender enquanto um sujeito em (trans)formação sob influências dos fenômenos estudados. Evidencia-se uma potencialidade na pesquisa narrativa que pode desencadear em mim, pesquisador, uma criticidade da condição de ser e existir como também uma análise crítica a respeito das produções acadêmicas e científicas, revendo modos de me compreender, o outro e a realidade de vida, necessitando (re)construções dessas mesmas produções e modos de compreensões para reinterpretar a vida através de uma narrativa, a minha própria narrativa de vida.

A escolha feita se justifica por acreditar na oportunidade de oferecer, aos professores colaboradores, um momento para a reflexão sobre sua prática e expressá-la por meio da narrativa. É através da pesquisa narrativa que o sujeito tem a oportunidade de reviver os processos formativos que tenha vivenciado ao longo de sua trajetória, mobilizando-o a entender como os saberes emergem das acontecências do ensino, ressignificada por experiências que moldam a maneira de pensar e se comportar de uma dada pessoa.

Para enriquecer a discussão acerca do conceito de narrativa, termo central dentro do aporte teórico-metodológico da presente pesquisa, apresento os estudos de Contreras (2015). O referido autor discorre sobre as narrativas no campo da investigação em educação. Dialogo com Contreras (2015) porque suas considerações me permitem ampliar a compreensão sobre o que chamamos de narrativa e de que forma nos apropriamos desse conceito dentro das pesquisas em educação.

Segundo Contreras (2015), quando busco a compreensão do ato de ensinar, ao narrar histórias, no campo de investigação em educação, busco mais que “tocar o inatingível”, busco também ser tocados por ele. A postura do pesquisador que se propõe a realizar uma investigação narrativa, segundo ele, não é de quem está a desvendar um mistério, ou expor suas fragilidades, mas sim de alguém que busca contar, de forma delicada, situações educativas vistas como um processo criativo (Contreras, 2015).

Assim, assumo a pesquisa narrativa das aprendizagens experienciais, por considerar o professor como protagonista da ação de pesquisar, sendo autor e responsável pela sua obra. Compreender como os saberes matemáticos emergem dessas aprendizagens experienciais, que serão evidenciadas a partir de narrativas, será um movimento que me motivará e me possibilitará refletir sobre a minha própria prática enquanto professor de matemática atravessada pelos processos auto formativo, eco formativo e hetero formativo.

Cenário da pesquisa: Espaços e Colaboradores

A pesquisa está sendo realizada no Instituto Federal de Educação do Sertão Pernambucano. O IFSertãoPE oferece a Educação Básica na modalidade de Ensino Médio, também o Profissional além do Ensino Superior. É uma instituição que possui múltiplos currículos e multicampi.

A área de atuação do IFSertãoPE espalha-se pelo sertão pernambucano. Atualmente o IFSertãoPE possui sete campi em funcionamento em que a composição desses campi se assenta na base geográfica de atuação e nas características da zona de desenvolvimento em que se insere atingindo diversos municípios dos estados da Bahia e Piauí. Esses campi são: Petrolina, Petrolina Zona Rural, Floresta, Salgueiro, Ouricuri, Santa Maria da Boa Vista e Serra Talhada.

A escolha deste lócus se deu em virtude por ser servidor deste Instituto, mas para muito além disso, por permitir que os professores possam atuar nos diversos níveis de ensino e oportunizar aos estudantes a possibilidade de compartilharem os mais diversos espaços de aprendizagens a fim de demarcar trajetórias de formação.

Pensar nos colaboradores da pesquisa como sujeitos das narrativas é assumir aqui uma perspectiva do cuidado com os diversos modos de ouvir, pensar, fazer e viver das pessoas. É também uma maneira outra de conceber que os colaboradores da pesquisa não são objetos, ou seja, eles e elas são protagonistas que se apresentam como atores e atrizes, narradores e narradoras de suas próprias vidas, expondo suas experiências e modos específicos e singulares de como compreendem suas realidades e contextos, dizendo de si para si para quem busca saber, neste caso, o pesquisador.

Tal concepção tem motivado o desenvolvimento da pesquisa por propor condições de um estudo aprofundado e cuidadoso, pois os colaboradores deste estudo são os professores efetivos de matemática que atuam nos cursos de EMI nos campi do IFSertãoPE. Considero que os colaboradores da pesquisa ocupam lugares de destaque e protagonismo no movimento da narratividade que se desenvolve no processo de contar sobre suas vivências e experiências no cotidiano escolar.

Assim, os colaboradores da pesquisa são nove professores efetivos, licenciados em matemática e que ensinam matemática na Educação Básica nos campi e cursos do IFSertãoPE.

Dispositivos de pesquisa

A pesquisa narrativa favorece um bom lastro de dispositivos para organizar as informações produzidas, no entanto, pela dinâmica que desejo aplicar para organizar essas informações, selecionei dois dispositivos. São eles: a observação e a entrevista narrativa.

Um dos dispositivos será a observação. Esse dispositivo será utilizado, entre outros motivos, para registrar tudo o que não é dito, mas apenas sinalizado através do silêncio, dos gestos e frases não concluídas em todos os momentos da pesquisa de campo. Trata-se de registros sobre as interpretações do que foi experienciado, do que foi sentido, de questionamentos, reações, dúvidas, incertezas e histórias relembradas (Clandinin & Connelly, 2015). Pautado nessa concepção, acredito que a observação me permitirá produzir textos narrativos que comporão o diário de campo e assim terei a oportunidade de relacionar o que será dito nas entrevistas com os registros do diário.

Ressalto ainda que, esse dispositivo favorecerá o levantamento de informações, de modo a garantir que eu tenha condições de perceber a atuação do colaborador em diferentes experiências que ele constrói. Para isso, é importante também observar os aspectos éticos e a relação entre meus colaboradores e a minha figura enquanto observador. Tenho consciência de que na abordagem da pesquisa narrativa preciso considerar o colaborador não como um objeto, passível de ser observado e negado. Mas, antes de tudo, assumir uma postura democrática, em que a observação seja um dispositivo que permita aos participantes refletirem também sobre o que será observado. Portanto, há de se manter sempre uma perspectiva dialógica, respeitando as posições e decisões dos professores, colaboradores da pesquisa.

a entrevista narrativa será utilizada como dispositivo para a reflexão sobre o movimento constituído no desenvolvimento da pesquisa pois, me permite, “compreender por meio de que mecanismos e processos os sujeitos chegaram a uma dada situação, como se esforçam para administrar essa situação e até mesmo superá-la” (Bertaux, 2010, p. 27). Assim, as narrativas são constituídas em torno das experiências vivenciadas e constituídas pelos sujeitos. Ninguém narra algo que não viveu, as histórias surgem a partir da intensidade de momentos vividos, estas se transformam e nos formam.

Ademais, a entrevista narrativa propicia ao narrador ordenar e sequenciar suas experiências, procurando explicar os acontecimentos que definem as suas vivências pessoais na dimensão da vida social. Além disso, a entrevista narrativa me permitirá perceber como os colaboradores da pesquisa logram saberes que lhes são úteis e significativos, o que, em alguns casos, ressignificam as aprendizagens tecidas no cotidiano escolar.

Para além disso, se apresenta como o dispositivo a ser realizado no itinerário da pesquisa narrativa, pois ela é o mote para uma aproximação inicial com cada colaborador da pesquisa. Este será um momento em que as narrativas apresentadas serão informações constituídas a partir do que cada participante narrador pensa e vive.

Enquanto professor acredito que quando narro aos outros sobre a minhas próprias experiências de forma reflexiva, estou aprendendo e ensinando. Ensino a outros que estão ligados a essa narrativa à medida que podem (re)significar seus saberes e experiências. Além disso, ao organizar meus pensamentos, reconstruo minha experiência por meio da autoanálise ganhando assim uma nova compreensão de minha própria prática.

RESULTADOS

Tecendo narrativamente o percurso formativo e profissional

O início da escrita desta seção retrata o movimento de “me ver” a partir das histórias que vivenciei e que de certa maneira me marcam no tempo e no espaço da minha constituição, absorvido dos sentimentos e das experiências vivenciadas. O professor que hoje sou se constitui e se molda a partir da minha própria existência. Para entender o presente, procuro compreender o passado, estudar os percursos da vida, analisar e conceber a interação com as pessoas e o meio que constitui o espaço em que vivo.

Refletir sobre a formação docente é pensar na minha própria formação. Ao longo desses anos, como professor de matemática, me deparei com momentos que me conduziram às mais diversas práticas, entre elas, o distanciamento físico e como consequência, as aulas remotas, em virtude da pandemia da Covid-19.

Me recordo que naquela oportunidade iniciávamos o semestre de 2020.1. Tudo era novo e a incerteza nos rodeava. A dificuldade de acesso à tecnologia por parte dos estudantes era uma realidade e me causava preocupação. Por mais que se ofertasse, por porte das instituições, condições de acesso à internet, através de editais e/ou programas que pudessem ajudar a esses estudantes, como tentar diminuir as perdas no processo de ensino-aprendizagem em consequência do distanciamento físico? O ensino remoto era uma novidade para os alunos, mas também era para mim. Muitas foram as reuniões de formação e planejamento visando à preparação dessas aulas. Tudo era muito diferente, isolado, distante da família, sem ter contato com os colegas, com os alunos... Era como se o dia tivesse perdido o brilho e a alegria do encontro se tornasse um sonho, sonho este muito, mas muito longe de ser alcançado. Em meio a tudo isso a responsabilidade em continuar o trabalho já iniciado presencialmente. Foi necessário me reconectar com àquela formação. Foi necessário, como diz Manoel de Barros1 “passar os dias ali, quieto, nas coisas miúdas. E me encantar”. Tomar consciência do que poderia construir naquele “novo trabalho”. Ler, estudar, procurar, testar, simular estratégias que pudessem ser utilizadas diante dessa realidade.

Nesse movimento reflexivo das minhas vivências voltei ao passado e me deparei com um jovem sonhador, oriundo de escola básica pública, apaixonado pela matemática, que mesmo tendo perdido seus pais e avós muito cedo, era determinado e almejava SER PROFESSOR. Me deparei com uma realidade de aos 15 anos chegar em casa e encontrar minha mãe morta e aos 17 anos “estar sozinho” responsável por uma casa e tendo que subsidiar me sustento e estudos.

Lembrei-me que quão difícil foi chegar até a universidade, de quantas batalhas, escolhas e perdas tive que superar para chegar até aqui. Tropeçar, cair e me machucar, sim e muitas vezes, desistir, nunca! Reconheço que o momento era delicado, mas não poderia deixar que as dificuldades me impedissem primeiro de estar bem comigo mesmo e depois de fazer aquilo que sempre sonhei, ensinar. Acredito que todo esse movimento de reflexão aflorou um estudioso do que fiz, aprendi, criei, deixei e acima de tudo, de que maneira me reconectei com toda a bagagem que carrego a partir das relações construídas pelos espaços (escola, faculdades e universidades) por onde passei. Esclareço que são as marcas do passado, que hoje, neste momento e agora é que me importam. Busquei e buscarei a cada uma delas para pensar as minhas experiências, a minha própria vida com o objetivo de estar (e sempre estarei) em um recomeço.

É a partir das compreensões que desenvolvo sobre o meu ser, fazer, pensar, sentir e existir que entendo a experiência “não como aquilo que passa, mas sim o que me passa, não é o que acontece, mas o que me acontece e ainda não é o que toca, mas o que me toca e me transforma” (Larrosa, 2018, p. 18).

Sinto que todas as vezes que me reporto às experiências vivenciadas por mim, embora represente um estar de volta em todas essas vezes, nunca é a mesma coisa, as sensações e os sentimentos são diferenciados a cada vez, e isso me seduz. No campo da formação, acredito que todos os contextos vivenciados, assim como todas as trajetórias traçadas, ou ainda, os meus processos de transformação dizem respeito ao que sou no presente e tal fato me leva a reconhecer a importância do meu papel enquanto docente para o desenvolvimento cognitivo do meu estudante em função de construirmos estratégias que potencializem o processo de aprendizagem desse estudante. E por isso a reflexão sobre o meu processo de formação é algo tão especial.

Tocado com a possibilidade de revisitar o meu fazer pedagógico passei a coadunar com Anastasiou & Alves (2006) ao reconhecer a importância de se entender melhor quem são os estudantes de cada turma que ensino, buscando vê-los como pessoas com sonhos, que possuem aspirações e, também, desesperanças. É necessário promover atividades em sala de aula assentadas na realidade desse estudante, o que reporta, necessariamente, uma aula significativa, tanto do ponto de vista escolar quanto social. Não consigo conceber a ideia de que o currículo seja uma ferramenta para colaborar com o aluno na perspectiva de aprender mais (disciplinas), mas deve potencializar as melhores estratégias a fim de desenvolver a aprendizagem em um determinado contexto.

Sempre foi e será importante refletir sobre o período de minha formação inicial e reconhecer que a condução metodológica dessa formação tem características específicas e significativas quanto ao processo de ensino-aprendizagem, e para os conceitos a ele relacionados, principalmente a matemática. E assim não posso deixar de reconhecer que o currículo da minha licenciatura influenciou diretamente na minha prática docente.

No Brasil, o debate teórico sobre formação docente e em matemática ocorre de maneira mais sistematizada desde 1990. Alguns anos depois foi lançado um documento pela Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM) e pela Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), como fruto deste estudo. Tal documento abordava a questão da matemática, os problemas referentes a formação docente dos profissionais dessa área e algumas sugestões/propostas para esses cursos.

O documento da SBEM e SBM (2000) era tão claro e inquietante pois confirmava de fato como havia sido a minha formação. Era provocador e instrutivo pois trazia uma contribuição sem precedentes ao meu método de ensino e, sobretudo, me possibilitava verificar a importância de investigar minha própria prática docente levando-me a refletir sobre determinadas práticas que me pareciam, até então, a melhor forma de ensinar a todos.

O interessante era que ao fazer a leitura de tal documento, tinha a visualização, através das minhas aulas, que alguns dos problemas relatados eu e meus alunos já havíamos passado em virtude da minha formação. Entretanto, quero destacar duas questões que julgo serem essenciais e que estão relacionadas aos currículos de formação docente em matemática. Uma das questões tratava da supervalorização do conhecimento matemático sobreposto ao conhecimento pedagógico, mesmo se tratando de um curso de formação de professores de matemática e não de um bacharel. A outra questão, não menos importante e talvez seja algo que tenha surgido em detrimento da primeira, tratava da metodologia de ensino fundamentada nos conceitos matemáticos, sem uma contextualização ou qualquer tipo de conexão, em que a aprendizagem se dava com a repetição exaustiva de exercícios de fixação.

Isso me fez lembrar das chamadas vertentes tradicionais, principalmente as conservadoras, que focalizavam o objetivo do currículo no ensino. O currículo era construído na perspectiva de ter como foco o conteúdo, de modo a oferecer as ferramentas necessárias à execução de tarefas no ambiente profissional. A aprendizagem estava ligada a um processo de transmissão do seu interlocutor ao receptor de forma mecanizada e não problematizada. A questão da compreensão deste conhecimento transmitido era realizada através de um processo em que dependia de um esforço individual do estudante em compreender o que de “melhor” estava sendo produzido de conhecimento na sociedade.

Essa realidade esteve presente ao longo da minha formação e não me foi apresentado a possibilidade de um currículo de formação que se caracterizasse através de uma prática que concatenasse o domínio do conteúdo específico e o domínio dos procedimentos pedagógicos alusivos à apropriação e construção do saber matemático escolar. Ouvia durante as aulas, alguns professores que atuam no curso, principalmente os que ministram disciplinas voltadas a matemática pura (as chamadas disciplinas específicas), palavras de desprezo em relação às disciplinas pedagógicas, deixando transparecer o não reconhecimento dessas disciplinas e a sua real necessidade para a formação do futuro professor. Tal prática se estendeu ao logo de toda a minha formação inicial.

Fui formado por uma prática consolidada numa perspectiva racionalista e positivista do currículo, na qual valorizava-se a tríade conteúdo, atividades e avaliação. O diálogo entre o conhecimento específico e didático não acontecia e, desta forma, não se suscitava a possibilidade de desenvolvimento dos saberes didático-pedagógicos daqueles futuros docentes, entre eles, eu. Hoje tenho a clareza que é “difícil pensar na formação plena do professor sem que ele tenha contato com os outros saberes necessários à docência, porque acreditamos ser equivocada a perspectiva que toma os conteúdos específicos como únicos responsáveis para o exitoso exercício profissional” (Silva, 2014, p. 35).

Em virtude dessa formação, durante muito tempo, a minha docência foi vista como essencialmente prática, em que o domínio do conhecimento matemático era o essencial para intensificar o processo de ensino-aprendizagem da matemática. Apesar de aparentar um processo simples, o ato de ensinar constitui-se numa atividade complexa, para a qual a formação, nem sempre, possibilita êxito. Ao se analisar os escritos de Gatti et al. (2019) e Gatti (2017), é possível entender que no Brasil, há tempos, vem se discutindo o papel da formação de professores frente ao desafio de se poder exercer a profissão docente. A formação tem sido concebida como necessária e vital para que os professores, entre outras coisas, possam desenvolver estratégias de ensino que possibilitem ao estudante condições várias de desenvolvimento.

Destaco a obra de Tardif (2014), Saberes docentes e formação profissional, quando discorre sobre a necessidade de grandes mudanças nas práticas e concepções atuais relacionados à formação de professores. O autor deixa claro que se deve “reconhecer que os professores são sujeitos do conhecimento [...], que deveriam ter direito de dizer algo a respeito da sua própria formação profissional” (Tardif, 2014, p. 240). Neste sentido, fico me questionando se o professor tem condições de se reconhecer como sujeito do conhecimento, que possui competências e saberes a fim de desenvolver ações com seus estudantes, estar à frente de suas aulas e gerenciar seus compromissos, por que, também, não pode participar da organização e do controle da sua formação?

É importante ressaltar que embora não concordasse com alguns direcionamentos que se dava durante a minha formação inicial não me era dado o direto ou a oportunidade de questionar a organização, metodologia, estratégias, entre outros fatores relacionados ao curso de graduação em Matemática. E desta maneira, principalmente no início do exercício da minha docência, reproduzi esse mesmo comportamento em sala de aula. Quantas vezes deixei meu aluno não participar de sua própria formação. Inúmeras foram as vezes que fui questionado quanto a minha metodologia por parte dos meus estudantes e autoritariamente não parava para ouvi-los alegando ser o professor e consequentemente “detentor do conhecimento” de como fazer.

O que está claro para mim é que, os cursos de licenciatura em Matemática são formadores de profissionais com diferentes formações, alguns deles com formação profunda em matemática, e que talvez não se sintam preparados para enfrentar as situações de sala de aula, que não se limitam aos conhecimentos matemáticos. Outros, dissociam a formação pedagógica da formação específica em matemática, forçando os licenciados a encontrarem a correlação entre esses tipos de formação.

Me incomoda a ideia de que essa organização de ensino resulte de uma perspectiva na qual ensinar era uma prática reconhecida visceralmente, como transmissão do conhecimento do docente para o estudante e aprender era, essencialmente, o recebimento dessa transmissão sem muitas interferências. Muito triste!

Durante a minha graduação sempre me incomodou a concepção de transmissão de conhecimento e a desarticulação na formação no que tange ao trabalho a ser desenvolvido com os componentes pedagógicos. Essa ambiguidade nos cursos de formação de professores pode ser estendida a conteúdos matemáticos específicos, nos quais os conceitos também podem ser ensinados individualmente, sem qualquer conexão entre eles. Ao longo da minha formação inicial isso me feria pois almejava ser professor e sabia aonde queria chegar. Diante desse cenário, me questionava constantemente: O que adianta saber tantos teoremas, axiomas, demonstrações etc., se não saberei o que e como fazer com eles?

Incomodado com essa realidade passei a acreditar que os cursos de licenciatura em Matemática deveriam evidenciar nos seus currículos o foco na formação voltada para o professor e não na formação de matemáticos. Não quero dizer com isso que o professor de matemática não precise desenvolver saberes matemáticos, mas é necessário aliar os conhecimentos matemáticos ao conhecimentos didáticos-pedagógicos. E por isso, ao trabalhar com uma turma de futuros professores de matemática, eu me pergunto: Que tipo de professor estou formando? Pois não posso conceber a ideia de que uma formação voltada para os conteúdos da matemática aproxime o futuro professor da realidade que irá enfrentar. Pelo contrário, acredito que tal formação inviabilizará qualquer tipo de mudança, por parte do professor, que venha a ser necessária em sala de aula.

São essas, entre outras questões, que coaduno com Morgado (2005) quando o autor se refere aos currículos nas instituições e suas incompatibilidades em dar uma resposta aos desafios impostos pela contemporaneidade, ao mesmo tempo que eu, professor, me deparo com a necessidade de construir uma educação antidiscriminatória e multicultural.

Ademais, é importante esclarecer que não basta apenas pontuar os problemas sobre a formação como se fosse um empecilho, mas refletir de que forma, posso enquanto professor no curso de licenciatura em Matemática, buscar oportunidades de soluções, coerentes com cada contexto em particular. Ressalto ainda que enquanto estudante, eu não almejava apenas compreender o conteúdo desenvolvido, mas desejava de fato participar das acontecências daquelas aulas.

As experiências que me ocorreram ao longo da minha formação e atuação docente levaram-me a descobrir novas formas de olhar para a educação, especialmente os fatores que se relacionam com o ensino. Como é importante para mim reconhecer que é no cotidiano escolar que meus estudantes e eu avançamos no sentido de juntos compormos uns com os outros, construindo uma relação que possibilita, a cada um, em seu próprio tempo aprender. O cotidiano passa a figurar como um espaço/tempo de aprendizagem em que eu e os alunos temos a oportunidade de lograr saberes que nos são úteis e significativos, o que, em alguns casos, ressignificam as aprendizagens tecidas na escola.

CONCLUSÃO

A pesquisa, sobretudo a narrativa de mim, tem me possibilitado a compreensão de que na escola, à docência é feita de estratégias que me são dadas, dia após dia, e sobre as quais preciso pensar, encontrando modos próprios de fazer, que me tornem estreitamente ligado ao cotidiano escolar. Com isso, quero dizer que a formação para a docência deve acontecer, também no cotidiano da escola, para que o sujeito que se forma esteja intimamente ligado às coisas do dia a dia escolar e consciente destas, tendo em vista desenvolver artes próprias a partir de tantas outras artes do fazer docente que, na escola, se fazem presentes.

Acredito que repensar o ensino é um processo que pode levar a mudanças na abordagem da formação acadêmica dos professores. Tem se popularizado no contexto educacional brasileiro a ideia de que os professores em formação inicial devem experienciar a aprendizagem da docência a partir de movimentos reflexivos sobre seu próprio percurso formativo, assim como sobre as práticas educativas de que participa, na perspectiva de aprender e apreender saberes inerentes à profissão docente.

Diante desses movimentos reflexivos, eu, enquanto professor, torno-me protagonista dos processos de aprendizagens que desenvolvo no âmbito das práticas educativas que teço no meu fazer docente. No contexto específico da atuação de docentes de matemática, esse debate tem se tornado cada vez mais frequente, trazendo a prática docente para o cenário das discussões de aprendizagem dos estudantes, com o intuito de entender como a prática, para além dela mesma, logo a práxis docente, se configura como um mecanismo essencial no desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes.

Hoje ao refletir sobre a minha formação inicial gostaria que ela tivesse promovido a construção de saberes docentes de forma a articular os saberes comprovados cientificamente com os saberes que eu enquanto professor estou a construir, aliando as minhas vivências com os saberes adquiridos ao longo da minha formação. Compreendo que, enquanto professor, a profissão não é exercida como receituário. Eu a exerço a partir do acontecimento, a partir daquilo que eu posso, que eu faço, que me toca e que me desperta. São situações que acontecem comigo, professor de matemática, e que se diferenciam de outro professor de matemática, ou seja, é um saber experiencial que se constitui e que emerge dessa experiência.

Acredito que refletir sobre a formação docente atualmente, em busca da qualidade social da educação, significa compreender e atuar sobre a concepção de currículo, que se toma diante da diversidade que existe em nossa escola e na sociedade. É a partir dessa perspectiva que considero a formação vital, para que, enquanto professor eu tenha oportunidade de lograr êxito no que tange ao processo de ensino que realizo. Reconheço que, de fato, os processos formativos são essenciais e necessários para que o ensino gere aprendizagens significativas, tanto para mim, como para os estudantes.

REFERÊNCIAS

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Notas

1 Trecho de entrevista de “Manoel de Barros faz do absurdo sensatez" ao Jornal Estado de São Paulo em 18/10/1997.

Notas de autor

1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano, Santa Maria da Boa Vista, Pernambuco, Brasil.

sistlin@uol.com.br

Información adicional

Como citar: Vieira, A. R. L. (2022). The trajectory and professional trajectory of a researcher: teaching through insurgent narratives. Revista Tempos e Espaços em Educação, 15(34), e17708. http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v15i34.17708

Contribuições dos Autores: Vieira, A. R. L.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. O autor leu e aprovou a versão final do manuscrito.



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