Resumo: Para além das adversidades que o modo de produção e o processo de trabalho incidem sobre o adoecimento docente, o marcador social de gênero coloca as mulheres em situação de desvantagem e acaba por intensificar o adoecimento. O objetivo desta pesquisa consistiu em analisar o impacto do marcador social gênero no processo saúde-doença relacionado ao trabalho de professoras da rede pública da cidade de Salvador. Quanto ao método trata-se de uma pesquisa empírica, de abordagem qualitativa, fundamentada na perspectiva sócio-histórica. Utilizamos como instrumentos de produção de dados observações diretas e entrevistas semiestruturadas. Participaram do estudo três professoras. Os dados foram transcritos e sistematizados em categorias semânticas segundo a técnica de análise do conteúdo. Os resultados apontaram que as professoras percebem conexões entre o adoecimento e o trabalho, identificam os impactos da precarização da profissão e do processo de trabalho docente, assim como, sinalizam importantes desigualdades na divisão sexual do trabalho doméstico não remunerado. Como conclusões a pesquisa sinaliza que as desigualdades de gênero se imbricam ao adoecimento, e ainda, aponta que a rotina marcada pelo esgotamento do exercício profissional e a sobrecarga do trabalho doméstico não remunerado são entraves para que as professoras possam buscar estratégias de enfrentamento para o adoecimento relacionado ao trabalho.
Palavras-chave: Educação, Gênero, Processo saúde-doença, Processo de trabalho.
Abstract: In addition to the adversities that the mode of production and the work process affect teachers' illness, the social marker of gender puts women at a disadvantage and ends up intensifying illness. The objective of this research was to analyze the impact of the gender social marker on the health-disease process related to the work of public school teachers in the city of Salvador. As for the method, it is an empirical research, with a qualitative approach, based on the socio-historical perspective. We used direct observations and semi-structured interviews as data production instruments. Three teachers participated in the study. Data were transcribed and systematized into semantic categories according to the content analysis technique. The results showed that the teachers perceive connections between the illness and work, identify the impacts of the precariousness of the profession and the teaching work process, as well as signaling important inequalities in the sexual division of unpaid domestic work. As conclusions, the research indicates that gender inequalities are intertwined with the illness, and also points out that the routine marked by the exhaustion of professional practice and the overload of unpaid domestic work are obstacles for teachers to seek coping strategies for the illness. work related.
Keywords: Education, Genre, Health-disease process, Work process.
Resumen: Además de las adversidades que el modo de producción y el proceso de trabajo inciden en la enfermedad de los docentes, el marcador social de género pone en desventaja a las mujeres y termina intensificando la enfermedad. El objetivo de esta investigación fue analizar el impacto del marcador social de género en el proceso salud-enfermedad relacionado con el trabajo de los profesores de escuelas públicas de la ciudad de Salvador. En cuanto al método, se trata de una investigación empírica, con enfoque cualitativo, fundamentada en la perspectiva sociohistórica. Utilizamos observaciones directas y entrevistas semiestructuradas como instrumentos de producción de datos. Tres docentes participaron en el estudio. Los datos fueron transcritos y sistematizados en categorías semánticas según la técnica de análisis de contenido. Los resultados mostraron que los docentes perciben conexiones entre la enfermedad y el trabajo, identifican los impactos de la precariedad de la profesión y del proceso de trabajo docente, además de señalar importantes desigualdades en la división sexual del trabajo doméstico no remunerado. Como conclusiones, la investigación indica que las desigualdades de género se entrelazan con la enfermedad, y también señala que la rutina marcada por el agotamiento del ejercicio profesional y la sobrecarga de trabajo doméstico no remunerado son obstáculos para que los docentes busquen estrategias de enfrentamiento a la enfermedad relacionada con el trabajo. .
Palabras clave: Educación, Género, Proceso salud-enfermedad, Proceso de trabajo.
Publicação Contínua
Trabalho docente, relações de gênero e adoecimento
Teaching work, gender relations and illness
Trabajo docente, relaciones de género y enfermedad
Recepción: 22 Octubre 2022
Aprobación: 29 Noviembre 2022
Publicación: 22 Diciembre 2022
O processo saúde-doença engloba as determinações sociais, econômicas, políticas, históricas, ideológicas e culturais que incidem sobre esse fenômeno. Em contrapartida, a visão mais difundida na literatura científica em relação aos estudos sobre adoecimento relacionado ao trabalho docente promove análises centradas em perspectivas que enfatizam o âmbito orgânico e reduzem um fenômeno complexo a patologia, sintomatologia e dados epidemiológicos.
De acordo com Hypólito (2019) as reformas neoliberais e neoconservadoras têm intensificado as cobranças para melhorar a qualidade da escola ao mesmo tempo em que submete a categoria docente a condições de trabalho precárias e de financiamento insuficiente da educação pública.
No entanto, para além das adversidades que o modo de produção estabelece para toda categoria, o marcador social de gênero coloca mulheres em situação de desvantagem que pode potencializar o adoecimento. No cotidiano, as responsabilidades do trabalho escolar e do trabalho doméstico não remunerado têm o mesmo peso para as mulheres. Assim, a mulher na sociedade cisheteropatriarcal, além de sua inserção no mercado de trabalho produtivo, é também responsabilizada em maior grau, ou de forma exclusiva, pela gestão da casa e do cuidado, seja com os filhos ou com os demais entes familiares (Hirata, 2018).
Apesar da predominância de investigações que estabelecem associação do adoecimento com os diferentes níveis de ensino ou com o tipo de rede, pública ou privada (Souza, 2018; Vasconcelos & Lima, 2021), é possível encontrar estudos epidemiológicos nos quais se quantifica e são articuladas análises a respeito dos principais agravos de saúde que acometem a população docente (Araújo et al.,2019; Nascimento & Seixas, 2020; Penteado & Souza 2019), e ainda, análises relacionadas ao marcador social gênero sobre o impacto da feminização na precarização do trabalho docente (Araújo & Yannoulas, 2020).
Os estudos sobre o processo de feminização da docência começaram a ganhar notoriedade nos anos 1990, com objeto de análise principalmente dos estudos de gênero (Araújo & Yannoulas, 2020). Inicialmente não vinculados diretamente com o trabalho, porém ao investigar as diferenças relacionadas com o gênero, os estudos demonstraram que essas divergências acarretavam desvantagens financeiras para as mulheres docentes.
Para Scott & Urso (2021, p.184) “gênero é uma categoria útil de análise porque requer que historicizemos as maneiras como o sexo e a diferença sexual foram concebidos”. Desta maneira, as autoras defendem que não deve haver uma definição fixa entre masculino ou feminino e que gênero deve ser uma categoria de análise crítica a respeito da maneira como esses sentidos são estabelecidos.
Na educação enquanto campo de trabalho, as relações de gênero geram importantes desigualdades visto que as mulheres, apesar de maior quantitativo, ocupam mais postos de trabalho menos valorizados e com menor remuneração em comparação aos homens (Ferreira et.al., 2022). É possível identificar que as mulheres são maioria na educação básica, principalmente na educação infantil (Matias, 2022).
Os homens são mais encontrados em modalidades do ensino que oferecem mais prestígio e melhor remuneração, predominam no ensino superior (Ferreira et.al, 2022). No ensino superior, segundo Ferreira et.al. (2022) também predominam desigualdades do marcador social de raça, o quantitativo de docentes declarados brancos é superior ao de docentes declarados como não brancos.
Para além da sala de aula, a docência é um trabalho cujas atividades muitas vezes extrapolam o muro da escola: planejamentos, elaboração e correção de atividades e avaliações. Assim, no atual modelo de gestão educacional, a cobrança por resultados e alcance de indicadores é presença marcante e angustiante na rotina docente. Todavia, para alcançar as premissas de qualidade do modelo, o que se tem observado é o impiedoso desmanche de fronteiras entre o começo e o término do trabalho docente. Geralmente, o trabalho não acaba no espaço físico escolar, ele extrapola e viola a vida pessoal interferindo, também, nas relações existentes no espaço pessoal (Freitas, 2003).
Além disso, a precarização do trabalho docente, promove um cenário no qual as professoras têm sido submetidas a lógica de competitividade e produtividade. Por consequência, ao obedecerem a tais exigências mercantis que não condizem com a natureza da docência, observamos a crescente perda de autonomia ante seu processo de trabalho (Macedo & Mello, 2017).
Nota-se que as novas configurações empregatícias do século XXI marcadas pelo amortecimento de direitos trabalhistas, têm acarretado mais desafios para o exercício da docência. Professoras, mediante o cenário de desemprego, são pressionadas a sujeição a contratos precários, geralmente temporários, sem garantias trabalhistas e de elevada carga horária (Silva, 2019).
Os apontamentos levantados não têm a pretensão de responsabilizar o adoecimento das professoras ao marcador social de gênero, mas de trazer à tona o fato de que o modo como o processo de trabalho docente é estruturado faz com que as professoras vivenciem múltiplas jornadas em seu dia a dia, sobrecarregando ainda mais essas trabalhadoras.
Tal problemática é menos impactante na rotina de boa parte do contingente de homens que atuam na docência, visto que, muitas vezes os homens ocupam os melhores postos de trabalho e no âmbito privado, geralmente, não são responsabilizados pelo trabalho doméstico não remunerado e o cuidado familiar (Ávila & Ferreira, 2020). Dessa forma, pode-se inferir que o grande número de professoras que enfrentam processos de adoecimento relacionados ao trabalho não pode ser explicado apenas pelo fato delas serem maioria na categoria, é preciso incorporar nas análises o impacto das relações assimétricas de gênero, responsável por submeter as mulheres em desvantagens na divisão sexual do trabalho no âmbito familiar e fora dele.
A discussão sobre as relações de poder nas relações sociais de gênero e docência proposta neste artigo tem a pretensão de ultrapassar o debate sobre a incorporação da mulher nesse espaço de trabalho, uma vez que se propõe com o conceito de gênero trazer à tona desigualdades que atravessam a divisão sexual do trabalho e que foram estruturadas a partir das relações de poder construídas historicamente (Hirata, 2018).
Nossa proposta com essa investigação é contribuir para suscitar o debate e fomentar uma relação de afastamento da postura que, frente ao processo saúde/doença das professoras, pouco se implica com as contradições que o modo de produção capitalista impõe ao trabalho, nas relações que são estabelecidas no chão da escola e na influência de marcadores sociais, como o gênero. Desse modo, o objetivo desta pesquisa consistiu em analisar o impacto das relações sociais de gênero no processo saúde-doença relacionado ao trabalho de professoras da rede pública da cidade de Salvador.
Trata-se de um estudo descritivo, do tipo pesquisa empírica, de natureza qualitativa. Os dados foram obtidos através de fonte de tipo primário, por meio de observação direta e entrevista semiestruturada. O projeto de pesquisa foi encaminhado para análise do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia e aprovado sob o parecer número 2.430.189.
A perspectiva teórica que fundamenta essa pesquisa é a sócio-histórica que, de acordo com Freitas (2002), busca alcançar a compreensão dos fenômenos a partir da correlação estabelecida entre a perspectiva dos sujeitos da pesquisa com o contexto e a realidade social.
A pesquisa foi realizada em uma escola municipal da cidade de Salvador que oferta o ensino fundamental I e II e, também, a modalidade de educação de jovens e adultos (EJA).
A escola está agrupada na gerência regional de educação da subdivisão orla que reúne 38 instituições. É de pequeno porte, funciona nos três turnos e tem problemas estruturais importantes. As salas de aula são pouco ventiladas, muito ruidosas e a escola têm sofrido cobranças da gestão municipal, pois não têm alcançado as metas do Índice de desenvolvimento da educação básica (IDEB).
Os seguintes critérios de inclusão foram adotados: mínimo dois anos de trabalho docente, podendo ser de qualquer gênero e não possuir outro tipo de função ou cargo além da docência. Ao total, tivemos três docentes como participantes, doravante chamadas de Flora, Jasmim e Margarida.
A primeira participante é Flora que se autodeclara mulher, branca, seu estado civil é casado e tem 40 anos. É licenciada em Geografia e há 20 anos exerce a função de docente. A segunda participante é Margarida, autodeclarada mulher, negra, tem 38 anos, seu estado civil é solteiro e tem uma filha de dois anos. É licenciada em História e exerce a docência há 16 anos. A terceira participante da pesquisa foi denominada de Jasmim que se autodeclara como mulher, parda, tem 42 anos, seu estado civil é solteiro, sua formação é licenciatura em língua inglesa e se encontra afastada das atividades de sala de aula há sete anos por motivo de adoecimento, logo, se encontra em readaptação de função.
As pesquisadoras acompanharam diferentes turnos de trabalho das docentes e como produto da observação direta foram elaborados diários de campo que continham relatos e análises das vivências eliciadas no campo. Ao total foram realizadas cinco observações, duas com a professora Flora, duas com a professora Margarida e apenas uma com a professora Jasmim, pois ela só trabalha um turno na instituição.
As entrevistas semiestruturadas, no primeiro momento, foram realizadas uma com cada participante, contudo, após análise do material, a equipe de pesquisa achou necessário retornar ao campo, após identificar a necessidade de aprofundar aspectos que foram relatados. A partir desse momento, um novo roteiro de entrevista semiestruturada foi elaborado e as docentes Flora e Margarida foram entrevistadas mais uma vez.
Para a análise de dados da pesquisa foram utilizados princípios da análise de conteúdo para agrupar os dados e organizar as categorias (Bardin, 2011). O material de análise desse estudo foi construído com as informações provenientes dos diários de campo e da transcrição das entrevistas semiestruturadas. Após a etapa de preparação do material de análise, escolhemos abordar os recortes a partir do estabelecimento de ordem semântica e adotamos como unidade o registro de temas. Por sua vez, para facilitar a construção das categorias, resolvemos fazer agrupamentos entre os temas iniciais, transformando-os em eixos temáticos com finalidade de delimitar melhor as categorias.
Para melhor organização, os resultados e a discussão foram separados em duas grandes categorias. A primeira teve a pretensão de apresentar a relação entre o marcador social de gênero e a docência nos desafios enfrentados pelas docentes intra e extramuros da escola. A segunda discorre sobre o processo saúde-doença e a relação com o trabalho docente marcado por desprestígio social, precarização e desigualdades de gênero.
O ponto de convergência entre as três professoras com vivências e identidades distintas é que o cotidiano de trabalho docente tem contribuído para insatisfações com o exercício profissional e influenciado o processo saúde-doença. São professoras que devido a uma rotina árdua, solitária, permeada de cobranças e desvalorização já apresentam repercussões desses aspectos nos âmbitos físico e mental.
Durante as entrevistas semiestruturadas as professoras foram questionadas a respeito da organização do processo de trabalho e vários fatores foram apontados por elas como dificultadores: o tempo destinado para atividades de formação e planejamento; o grande número de turmas; a remuneração que as obriga a ter mais de um vínculo empregatício; a parte burocrática que envolve muitos planejamentos e reuniões e, de forma mais específica no caso da professora Jasmim que se encontra em readaptação, a falta de estruturação das atividades que ela deve realizar em substituição à carga horária que era destinada a sala de aula.
Com finalidade de entender sobre a organização do processo de trabalho das docentes participantes do estudo recorremos também à legislação oficial, através do documento Lei nº 8722/2014 que dispõe sobre o plano de carreira e remuneração dos servidores da educação do município de Salvador, (Salvador, 2014). A legislação citada apresenta determinações importantes sobre a organização do processo de trabalho, dentre elas garante que dois terços da carga horária total das professoras sejam destinadas a atividades de sala de aula e interação com os alunos e um terço restante seja reservado para atividades de formação e planejamento.
Dessa forma, um terço da carga horária é destinado a reserva de jornada, parte desse tempo a docente deve destinar para planejar e estudar em ambiente escolar (Atividade complementar, também chamado pelas professoras de AC) ou conforme local determinado pela Secretaria Municipal de Educação (SMED) e no período restante fica a critério da docente o local que ela irá desfrutar dessa carga horária.
Patto (2015) reforça que a história da nossa educação não pode ser escrita apenas com base nos textos das leis, pois nem sempre os objetivos que são declarados coincidem com o que se objetiva de fato, assim como a lei nem sempre tem como tornar a realidade sua semelhança. Uma ilustração desta divergência pode ser observada com o um terço da carga horária que não é destinado ao trato com os estudantes, embora fruto de uma reivindicação antiga da categoria docente, o modo como é estruturado na rede municipal de Salvador faz com que as professoras venham a falar sobre os impasses destacados a seguir.
As três docentes da pesquisa trabalham com cargas horárias diferentes e relatam cumprir a mesma proporção exigida pela legislação, porém ao serem questionadas se o tempo destinado para as atividades de formação e planejamento eram suficientes Flora respondeu assim:
O tempo destinado para planejamento é o AC, não é suficiente até porque no dia do AC, quinzenalmente a gente tem o encontro com a coordenação e deveria ficar outro dia para a gente fazer as coisas. Também tem a reserva técnica para fazer, mas para mim eu acho insuficiente. É muita coisa para a gente planejar, é muita coisa para corrigir. Aqui na escola eu tenho doze turmas, então é inviável. Eu sempre acabo consumindo o final de semana. (Flora, fonte: entrevista).
De acordo com a Lei nº 8722/2014 Salvador (2014) a atividade complementar (AC), que é parte da reserva de jornada, é destinada para ações de formação e planejamento dentro do espaço escolar, nesse recorte a professora Flora destaca que quinzenalmente o tempo do AC é destinado a reunião pedagógica e com isso diminui o período destinado para a realização do planejamento das atividades individuais de cada docente.
Por conseguinte, Flora, nesse mesmo recorte, apontou que o tempo disponibilizado pela reserva de jornada é insuficiente em relação à enorme demanda no processo de trabalho. A pesquisadora quis entender melhor sobre as exigências do trabalho e quando foi questionada sobre as atividades que tem que executar em seu processo de trabalho Flora pouco abordou o que faz quando está no espaço da escola, por sua vez trouxe todo o trabalho da escola que ela executa em casa, evidenciando assim que o trabalho docente extrapola os muros da instituição e a carga horária que é destinada para essas atividades extramuros, como relata a seguir:
Eu me organizo, em casa eu tiro um dia para rever o cronograma, eu tenho um caderno que eu anoto tudo que eu faço durante a semana e todas as intercorrências, se tem algo que eu modifiquei ou não fiz, faço anotação para que eu saiba que não fiz determinada atividade e o caderno me orienta. Eu tenho um planejamento que eu faço anual e toda sexta em casa, minha reserva é sexta, eu arranjo um tempo para fazer a minha programação para a outra semana. (Flora, fonte: entrevista).
Como ela havia pontuado antes, mesmo utilizando a carga horária da reserva de jornada o tempo que é gasto para organização e realização de atividades, planejamentos e correções acaba por muitas vezes a invadir folgas e finais de semana. Apesar de muitas lutas da categoria para que seja destinado mais tempo do processo de trabalho para essas atividades, as conquistas ainda são incipientes.
Com isso, o tempo gasto com as tarefas e que não é computado oficialmente como trabalho na rotina docente persiste. Esse trabalho não computado muitas vezes pode vir a contribuir para a sobrecarga, pois sem ele dificilmente se consegue dar conta de todas as suas responsabilidades. A professora Margarida que trabalha em mais de uma instituição relata a dificuldade em conciliar as reuniões da Atividade Complementar (AC) nas escolas em que trabalha:
Se eu trabalhasse só vinte horas esse tempo seria maravilhoso, mas meu salário não dá para trabalhar 20 horas, tenho que trabalhar 40 horas, 60 horas, então é isso aqui nesta escola, na outra e na outra, hoje eu trabalho em três, três escolas e você fazendo isso [referindo-se as reuniões]. E eu tenho casa, tenho vida social, tenho família, tenho filha, isso tudo. (Margarida, fonte: entrevista).
Um aspecto que chama atenção na narrativa da professora Margarida é a dificuldade para conciliar todas as demandas de ensino e de gestão nas diferentes instituições em que leciona. Podemos inferir que embora o AC seja um importante dispositivo para planejamento coletivo e reuniões entre coordenação e docentes, nem sempre o modo como ele é organizado em cada instituição favorece a rotina das docentes, visto que o modo como a política é organizada não leva em consideração se a docente é obrigada a ter mais de um vínculo, uma vez que o salário é apontado como insuficiente. Em relação às atividades que executa dentro do seu processo de trabalho Margarida sinaliza:
Minha função aqui é ensinar, então eu preciso fazer um planejamento, executar esse planejamento, eu participo do projeto que a escola organiza, alguns a gente que pensa, outros são indicações da prefeitura. Mas a maioria é a gente mesmo e têm partes burocráticas de planejamento, caderneta, prova. (Margarida, fonte: entrevista).
Para Paparelli (2009) uma das consequências das reformas educacionais da década de 1990 para a intensificação do trabalho docente foi à descentralização da gestão, pois além do seu trabalho de regência ficou como responsabilidade das professoras a gestão da escola, elaboração de projetos, planejamentos coletivos, e discussão de currículo. A priori se pensa que esse é um importante mecanismo de participação na tomada de decisões, todavia essa descentralização não vem acompanhada de autonomia visto que as deliberações vêm de outro nível de gestão e sobra para as docentes a sobrecarga por acumular mais uma atividade.
Por sua vez, a professora Jasmim que está afastada das atividades de sala de aula têm uma organização do processo de trabalho diferente das demais, ela participa das reuniões de atividade complementar (AC) e faz questão de marcar que embora distante da regência, ela não deixou de ser professora como relata a seguir:
Muitas vezes as coordenadoras me pedem ajuda em algum projeto, as professoras das outras disciplinas me pedem indicação de livro que envolva a temática que elas estão trabalhando em sala, fico no empréstimo de livros, os alunos me entregam e eu dou baixa, mas não é uma função tipo bibliotecária porque bibliotecária é só a parte burocrática, no meu caso eu não deixei de ser professora eu leio muito para indicar, eu vejo a parte pedagógica da coisa, o aluno chega e diz: eu quero um livro e eu tento direcionar ele, pergunto o que ele já leu, do que ele gosta. (Jasmim, fonte: entrevista).
A condição de docente em readaptação merece muita atenção, embora essa seja uma medida antiga carece de organização, de mais diálogo entre a Secretaria Municipal de Educação (SMED), as direções escolares e as professoras nessa condição.
É preciso reconhecer a necessidade de maior gerenciamento para que a nova função da docente em readaptação seja definida com melhor concordância entre gestores e docentes em relação às novas atribuições em que as professoras devem trabalhar. Cada instituição atribui uma nova função à profissional com base em demandas particulares, não há um plano municipal ou qualquer documento balizador.
Observamos que essa profissional fica encarregada na instituição de executar diversas funções auxiliares, muitas delas administrativas. A docente Jasmim, por exemplo, assumiu nesta escola uma atribuição principal que é a sala de leitura e fica secundariamente contribuindo com outras atividades.
Paparelli (2009) ao analisar a participação de uma docente que também estava em readaptação, enfatiza que o sentimento expresso pela professora quanto à condição de readaptada no início foi de depreciação e desvalorização, mas que com o tempo a situação foi sendo reajustada e a docente passou a se acomodar com a nova circunstância.
Como pode ser observado nos relatos das docentes, o trabalho geralmente extrapola os muros da escola e acaba por interferir no desempenho dos outros papéis que essas mulheres ocupam. Ao considerar que o exercício da docência envolve um processo de trabalho que ultrapassa os muros das escolas e invade os lares das professoras, investigou-se um pouco sobre responsabilidades de cunho pessoal que essas docentes possuem para entender com quais demandas familiares o trabalho docente realizado fora da escola entra em competição. A professora Flora ao ser questionada a respeito de sua rotina fora da escola respondeu:
Não tenho filhos, mas tenho uma mãe que depende de mim para supermercado, médico, tudo. Eu sou casada e tudo dentro de casa quem resolve sou eu, quem faz sou eu. Não tenho filhos, mas tenho muitas atividades, minhas colegas que têm filhos perguntam como eu faço tanta coisa. (Flora, fonte: entrevista).
Flora marca mais de uma vez em seu discurso o fato de que não possui filhos e ressalta que isso não significa que ela seja isenta de importantes atribuições fora do trabalho escolar. O constructo de feminilidade e maternidade imposto pela lógica cisheteropatriarcal faz com que mulheres se sintam na incumbência de cumprir esse papel das tarefas que envolvem cuidado familiar, assim como, o papel reprodutivo (Hirata, 2018).
Da mesma maneira que se pontua a existência de múltiplas manifestações de feminilidade, existem diferentes possibilidades de masculinidades. Bento (2021) destaca a importância de fugir de um campo analítico binário, visto que historicamente suposições foram criadas e passaram a operar como essências interiores de homem e mulher, essas suposições são incorporadas e evidenciadas como de ordem da “natureza”. A respeito desta discussão Bento (2021, p. 163) diz: “essa suposição gera um conjunto de expectativas fundamentalmente baseadas nas idealizações de uma “natureza perfeita”, como é o exemplo do “instinto materno” ou do “homem naturalmente viril e forte”.
A professora Flora reforça o quanto o trabalho doméstico é de responsabilidade exclusiva dela, assim como o cuidado com a sua mãe. Essa informação reforça o caráter desigual das relações sociais estabelecidas entre homens e mulheres. Flora demonstra ter uma rotina de trabalho doméstico exaustiva, mas seu cônjuge aparece em seu discurso como isento das preocupações e cuidados com a casa, visto que em nenhum momento da entrevista ele, ou qualquer outro homem, é mencionado como alguém que contribui com o trabalho doméstico não remunerado.
Akotirene (2018) ressalta o quanto a matriz colonial moderna influencia tanto a construção das feminilidades quanto das masculinidades. O cisheteropatriarcado atua determinando que não cabe para a masculinidade hegemônica a implicação nas tarefas domésticas, essas construções são tão enraizadas no pensamento coletivo que são poucos os lares em que são questionadas e o trabalho é dividido uniformemente.
A professora Margarida concilia os dois vínculos em dois bairros de Salvador, bem distantes entre si, porém, com menor carga horária, pois precisou reduzir a jornada de trabalho após se tornar mãe e fez o seguinte relato sobre como tem gerenciado o cuidado da filha no momento:
Esse ano ela está na creche aí dá uma aliviada porque ela fica o dia inteiro e eu diminui minha carga horária, não trabalho mais a noite, aliás, apenas uma noite para completar a carga horária. Então isso flexibilizou, pois, como ela fica o dia todo na creche aí nas tardes que eu não trabalho eu tiro para organizar as coisas da casa e da escola porque com a redução da carga horária eu não tenho mais como ter empregada, não tem como pagar creche e empregada, então quem dá conta das minhas coisas sou eu. Tirando o cansaço que a gente se acostuma a gente vai levando. (Margarida, fonte: entrevista).
Ao analisar a condição das mulheres a partir das relações sociais hierárquicas e assimétricas de gênero podemos visualizar o quanto mulheres têm ocupado posições desiguais tanto no trabalho formal quanto nas atribuições do âmbito familiar. Essa organização é alicerçada nas relações patriarcais que estruturam nossa sociedade. Neste modelo de sociedade o papel ocupado pelo homem é o de provedor e o papel da mulher é o de cuidados com familiares e domicílio.
Nos primeiros meses da filha a docente contou com o auxílio de uma cuidadora e mais tarde optou por pagar uma instituição, sobre esse assunto ela comentou o seguinte:
O que mudou foi isso, assim, minha rotina sempre foi em função dela. Minha rede de apoio é minha família, minha mãe, minha irmã, a babá. No começo eu optei por uma babá pois não posso obrigar a minha família a viver em função de mim. (Margarida, fonte: entrevista).
A responsabilização feminina no cuidado com os filhos ainda é marcante e a rede de apoio encontrada, na maioria das vezes, é exclusivamente composta por outras mulheres (mãe, irmã, babá). Cabe reforçar que a pesquisadora entrevistou Margarida duas vezes com diferença de seis meses entre as entrevistas e em nenhum momento ao se referir a filha a docente mencionou o pai da criança nos cuidados.
Em suma, ressaltamos que mesmo após muitas lutas das docentes e de seus órgãos de representação (sindicato) muitas reivindicações foram conquistadas e contribuíram para garantir um processo de trabalho mais digno, porém, pelos relatos destacados, reiteramos o quanto a estrutura atual se encontra muito aquém do ideal.
As trajetórias dessas professoras sinalizam o quanto elas sofrem com as desigualdades de gênero tanto no âmbito pessoal que são evidenciadas na divisão injusta das atribuições do âmbito familiar (trabalho doméstico não remunerado), assim como, no exercício profissional, visto que o processo de feminização da docência foi e ainda é um pilar importante da desvalorização social e econômica do magistério. A desvalorização da docência por ser um espaço onde predomina a mão de obra feminina é determinante para que as condições do processo de trabalho sejam inadequadas.
Entender sobre as trajetórias dos sujeitos e sobre o seu cotidiano pode nos revelar que relações de trabalho atravessadas por opressões podem determinar um processo de adoecimento. Dito isto, pretendemos destacar que a interiorização de dissidências inerentes ao próprio funcionamento do sistema escolar atreladas às contradições do sistema capitalista e das desigualdades de gênero podem ser desencadeadoras de angústias, sofrimentos e, em muitos casos, adoecimentos.
Os resultados dessa categoria de análise nos levaram a compreender que as docentes estabelecem nexo entre o processo saúde/doença e o trabalho. De modo mais específico: as professoras vinculam o adoecimento a problemas com a burocracia da escola; com a carga horária excessiva; com o trajeto que percorrem para cumprir os diferentes vínculos empregatícios e com as responsabilidades do âmbito familiar. Alegam, também, que as dificuldades dos alunos as afetam emocionalmente e, de modo mais particular, a professora Jasmim que mesmo em readaptação de função acabou por desenvolver mais necessidades de saúde cuja determinação possui relação com o exercício profissional.
A professora Margarida relata ter alterações crônicas de saúde que são de origem osteomuscular. Ressalta que tem uma certa predisposição para esse acometimento visto que seus pais também possuem, mas reconhece a influência do seu trabalho no surgimento mais precoce dessa alteração, como relata no trecho abaixo:
Tenho problema osteoarticular, hérnias de disco. Eu acho que eu tenho uma predisposição porque meus pais têm problema de coluna, mas eu acho que tem relação com o trabalho, exemplo eu trabalhei dez anos em Dias d’ Ávila eu pegava ônibus duas horas para ir e duas para voltar, isso para quem tem predisposição é péssimo, além disso, como eu trabalhava 60h, tempo para terapia não existia. (Margarida, fonte: entrevista).
Por causa da acumulação de vínculos empregatícios, da elevada carga horária de trabalho e do deslocamento entre cidades distintas para cumprir a jornada de trabalho, a professora Margarida atribui o aparecimento da alteração osteoarticular também a essa dinâmica. As lesões por esforço repetitivo – distúrbios osteomusculares relacionados com o trabalho (LER/Dort) – são um dos principais grupos de agravos que atingem as professoras (Nascimento & Seixas, 2020). Além disso, relata que não tinha tempo para tratamento, elemento este que contribuiu para o agravamento desta condição como diz a seguir:
Eu sinto dor na coluna o tempo inteiro, na lombar, mas é uma dor suportável, aí quando chega uma situação que eu não estou aguentando e nem remédio está dando jeito, aí eu vou no ortopedista. Agora mesmo nesse início de ano ele passou uma ressonância e eu ainda não fiz porque eu sei qual é o caminho. Você vai no médico ele passa a ressonância e vai ver minha hérnia que deve estar um pouquinho pior e aí ele vai indicar fisioterapia para sempre. No meu caso a cirurgia não foi recomendada por dois médicos diferentes. Na época eu fiz algumas sessões de fisioterapia e é incrível porque deu uma melhorada fantástica, mas é uma coisa que eu não consegui ainda colocar na minha rotina. Além disso, eu tenho que fazer Pilates para fortalecer a musculatura para aguentar. Quando eu descobri que tinha hérnia, isso foi em 2015, até eu engravidar em 2017 eu fazia fisioterapia, comecei o Pilates, mas aí depois da gravidez minha rotina mudou e não deu mais. (Margarida, fonte: entrevista).
Margarida destaca que após a gravidez sua rotina modificou e se antes já existia dificuldade de conciliar o tratamento com o trabalho, após se tornar mãe esse tratamento não pode mais ser realizado. Neste relato podemos identificar o quanto as relações sociais assimétricas entre os gêneros e o processo de trabalho contribuem negativamente para o adoecimento. O trabalho e as responsabilidades familiares que são impostas tão somente para as mulheres no sistema cisheteropatriarcal atuam como importantes elementos que dificultam Margarida de dispor de oportunidade para realizar o tratamento de saúde que necessita.
A professora Jasmim, ao ser interrogada sobre alterações de saúde fez uma lista de todos os problemas que possui e falou um pouco sobre o caminho que percorreu até conseguir o diagnóstico que a conduziu a readaptação de função, como explica nos recortes a seguir:
Tenho hérnia de hiato, hérnia de disco, sinusite, enxaqueca, mas foram refluxo e esofagite que me levaram a readaptação, porque quando o ácido sobe eu fico sem voz, todo mundo acha que eu saí por causa da voz, a voz é uma consequência. (Jasmim, fonte: entrevista).
Antes de descobrir que era estômago eu tentava dar aula, eu andava muito na otorrinolaringologista e em emergências sempre aumentavam a dose do mesmo antibiótico e eu vinha dar aula sem voz, tinha período que melhorava, mas era sempre oscilando. (Jasmim, fonte: entrevista).
Como podemos perceber nas falas acima, a professora Jasmim destaca que tem várias necessidades de saúde, mas o que a impede de retornar à sala de aula são os agravos de esofagite e refluxo gastroesofágico, visto que essas patologias causam repercussões em outros sistemas a exemplo de alterações estruturais e funcionais na laringe que acabam interferindo na qualidade vocal. A ocorrência do refluxo gastroesofágico está relacionada com maus hábitos alimentares, aumento da idade, sobrepeso, tabagismo, etilismo e elementos como fadiga e estresse (Fraga & Martins, 2017).
Não foram apontadas mudanças positivas na condição de saúde da professora Jasmim após a readaptação de função que trouxe novos conflitos no processo de trabalho. Ela trabalha em três instituições e tem sido muito difícil a convivência com a gestão e colegas de trabalho em uma das escolas (segundo a docente não se trata da instituição em que a pesquisa foi realizada), visto que os conflitos vivenciados têm forte repercussão sobre sua saúde como destacamos no trecho a seguir:
Te olham como se você não estivesse fazendo nada e isso às vezes me deixa bem pra baixo. No início era bem triste, eu sou professora, me formei professora, mereço ser tratada como. Eu fui à APLB e disse gente eu não quero mais voltar naquela escola, na quarta-feira passada quase vomitei umas duas vezes o refluxo, o ácido, aí a diretora pegou a terceirizada e cochichou achando que eu não estava ouvindo, ela falava: por que ela não vai logo embora? (Jasmim, fonte: entrevista).
Segundo pesquisa realizada por Ferreira & Abdalla (2017) a reconstrução da identidade profissional das professoras em condição de readaptação é um fenômeno complexo e que, por muitas vezes, gera novos comportamentos e sentimentos. Muitas vezes as docentes readaptadas sofrem estigmas e passam a ser representadas como desacreditadas e fragilizadas por sua nova função destoar do grupo social de docentes que estão em atividade. Como vemos na fala de Jasmim, ela reforça a sua identidade enquanto professora e exige respeito, pois entende que o fato dela não estar em sala de aula não a torna menos professora que as demais.
Por fim, a professora Flora quando foi questionada se apresentava alguma necessidade de saúde que ela relacionava ao trabalho mencionou:
Eu tinha crises de enxaqueca muito forte, fazia acompanhamento médico, faltava um dia quando eu tinha crise de enxaqueca. Eu às vezes adoeço, mas não é por conta de aula, eu me aborreço, fico com enxaqueca, mas é pela parte administrativa da escola, pelo modo da gestão. Tenho aborrecimentos em sala de aula, mas não são tantos. Se tiver relação com o trabalho é por conta do estresse mesmo diário, mas nada direcionado né (Flora, fonte: entrevista).
As burocracias e a gestão mencionadas por Flora, para Paparelli (2009) compreendem as elaborações de planejamento coletivo, discussões de currículo e de projetos em que as professoras têm que participar e ocupar apenas as sobras, visto que as decisões de concepção e estruturação são advindas das secretarias de educação.
Em que pese os princípios de gestão democrática que foi institucionalizada como princípio legal na constituição de 1988 como um importante mecanismo de democratização das decisões na escola, nas quais deve ser garantida a participação do funcionalismo da escola e da comunidade escolar (Paro, 2017), no chão da escola, o modo como se realiza a gestão democrática em muitas instituições é divergente, pois no cotidiano escolar as decisões mais importantes são impostas pelas secretarias e fica a cargo daqueles que compõem a escola a responsabilidade, sobretudo dos impasses, e a obrigação de fazer com que o resultado seja bem-sucedido.
As relações entre o adoecimento e o trabalho elencadas pelas professoras de nossa investigação têm como ponto chave o fato de os determinantes do adoecimento serem complexos. Compete destacar o quanto a saúde é produto dos modos de vida, organização e produção de um contexto social, histórico e cultural (Buss et.al., 2020). Ao considerar essa relação entre o modo de vida e de trabalho dos indivíduos com sua situação de saúde inferimos que mudanças que não intervém nas condições, no processo de trabalho, nas relações estabelecidas na escola e no enfrentamento das desigualdades de gênero não oferecem a resolutividade necessária a esse problema multifacetado.
As desigualdades de gênero atravessam tanto o exercício profissional quanto a vida pessoal das participantes. No que se refere ao exercício profissional observou-se que o magistério traz consigo a reprodução da ideologia cisheteropatriarcal que desvaloriza o trabalho realizado por mulheres e o coloca em lugar de subalternidade, delegando a uma profissão em que predomina a feminização condições perversas e processos de trabalho injustos. Em relação a vida pessoal foi possível notar que o trabalho doméstico não remunerado e o cuidado com filhos e/ou demais entes queridos é referido como executado exclusivamente pelas entrevistadas, o que acarreta mais divisões injustas de trabalho.
Os resultados deste estudo permitem concluir que no cotidiano das professoras, muitas vezes, falta tempo para desempenhar os outros papéis e para cuidar de si e da saúde. A pressão constante por resultados e o ritmo exaustivo de trabalho, que geralmente extrapola o ambiente escolar, invade os lares das professoras e contribuem para o adoecimento, principalmente das mulheres, cuja exigência frente às demandas da vida pessoal também são rigorosas.
Desse modo, assumimos que diante de uma realidade de trabalho tão complexa como a docência que envolve importantes relações políticas, ideológicas, socioeconômicas e culturais, compreender o impacto das desigualdades de gênero perante à vida das mulheres é extremamente relevante. Não é mais possível reduzir a análise dos processos de adoecimento das professoras (es) ao aspecto orgânico, é preciso compreender a relação estreita desses acometimentos com o exercício profissional. Negar a relação entre gênero e adoecimento docente é continuar a sustentar uma importante estratégia que exime empregadores e autoridades da responsabilidade de extinguir as desigualdades.
Como citar: Silva, E. C., Araújo, M. V. R., & Oliveira, E. C. (2022). Teaching work, gender relations and illness. Revista Tempos e Espaços em Educação, 15(34), e18361. http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v15i34.18361
Contribuições dos Autores: Silva, E. C.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Araújo, M. V. R.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Oliveira, E. C.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito.
Aprovação Ética: A pesquisa foi aprovada ao Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências da Saúde sob o número: 2.430.189.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia através da concessão de bolsa de estudo (mestrado) n.º de processo BOL0630/2018.
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