RESUMO
Introdução: A alimentação escolar e a água ofertadas aos escolares devem ser inócuas do ponto de vista higiênico-sanitário.
Objetivo: Avaliar as condições higiênico-sanitárias das Unidades de Alimentação e Nutrição Escolares (UANE) da rede municipal de educação de São Luís, Maranhão, Brasil e analisar a qualidade microbiológica da alimentação servida e da água dos bebedouros das escolas.
Método: Avaliou-se as condições higiênico-sanitárias de 40 escolas, utilizando-se a Lista de Verificação de Boas Práticas na Alimentação Escolar (LVBPAE) proposta e validada por Stedefeldt et al.13. Realizou-se a quantificação de coliformes a 35°C e a 45°C, enumeração de Escherichia coli, enumeração de Staphylococcus aureus coagulase positiva e a pesquisa de Salmonella spp. de 57 amostras da alimentação escolar. Foram analisadas, ainda, 64 amostras de água dos bebedouros.
Resultados: Todas as UANE apresentaram risco sanitário regular. A média de conformidades em Boas Práticas (BP) foi de 69,7% (± 3,83). Nenhum alimento foi considerado impróprio para o consumo. Verificou-se alto índice de contaminação da água dos bebedouros, com 48,4% das amostras positivas para coliformes totais e 12,5% para Escherichia coli.
Conclusões: Devem ser tomadas medidas corretivas para os itens de BP considerados críticos e que garantam a qualidade microbiológica da água servida aos escolares.
Palavras chave: Alimentação Escolar, Boas Práticas de Fabricação, Higiene dos Alimentos, Segurança Alimentar e Nutricional, Água.
ABSTRACT
Introduction: School feeding and water offered to schoolchildren should be safe from the hygienic-sanitary point of view.
Objective: To evaluate the hygienic-sanitary conditions of the School Food and Nutrition Units (UANE) of the municipal education network of São Luís, Maranhão, Brazil, and to analyze the microbiological quality of the food served and the drinking water of the schools.
Method: The hygienic-sanitary conditions of 40 schools were evaluated using the Checklist of Good Practices in School Feeding (LVBPAE), proposed and validated by Stedefeltd et al.13. Quantification of coliforms at 35°C and 45°C, enumeration of Escherichia coli, enumeration of Staphylococcus aureus coagulase positive, and Salmonella spp. of 57 school feeding samples. Also, 64 water samples from the drinking fountains were analyzed.
Results: All UANE presented a regular health risk. The average compliance in Good Practices (BP) was 69.7% (± 3.83). No food was considered unfit for consumption. There was a high water contamination rate in drinking fountains, with 48.4% of samples positive for total coliforms and 12.5% for Escherichia coli.
Conclusions: Corrective measures should be taken for BP items considered critical and that guarantee the microbiological quality of the water served to schoolchildren.
Keywords: School Feeding, Good Manufacturing Practices, Food Hygiene, Food and Nutrition Security, Water.
ARTIGO
Qualidade e Segurança Alimentar em unidades de alimentação e nutrição escolares da rede municipal de educação de São Luís, Maranhão
Quality and Food Safety in school feeding and nutrition units from public schools from São Luís, State of Maranhão
Recepção: 30 Novembro 2017
Aprovação: 07 Agosto 2018
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), popularmente conhecido como alimentação escolar, é considerado um dos maiores programas na área de alimentação escolar no mundo. O PNAE visa contribuir, por meio da oferta de uma alimentação saudável e adequada, com o crescimento e o desenvolvimento de escolares matriculados na educação básica das redes públicas, incluindo os que se encontram em áreas indígenas e de remanescentes quilombolas1.
O programa dispõe de arcabouço legal sólido que garante a qualidade integral da alimentação servida. A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 216, de 15 de setembro de 2004, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), dispõe sobre o regulamento técnico de Boas Práticas (BP) para serviços de alimentação, devendo ser adotada, inclusive, pelas Unidades de Alimentação e Nutrição Escolares (UANE)2. Neste sentido, as refeições produzidas nas UANE devem atender às necessidades nutricionais dos alunos, oferecendo-lhes produtos adequados sob os aspectos sensorial e nutricional, mas, sobretudo, produtos seguros quanto à condição higiênico-sanitária3.
Apesar das exigências da legislação, as condições higiênico-sanitárias nas escolas brasileiras ainda são precárias. No país, 11.342 surtos de doenças transmitidas por alimentos (DTA) foram notificados entre os anos de 2000 e 20174,5. Entre os anos 2007 a 2016, 524 surtos ocorreram em creches e escolas, as quais ocupam o quarto lugar dentre os locais com maior ocorrência de DTA4,5. Porém, acredita-se que a magnitude do problema seja ainda maior devido à subnotificação e à falta de um sistema de vigilância sanitária pleno, mesmo nos países desenvolvidos. Os alimentos mais associados a surtos no Brasil foram: alimentos mistos (ou preparações), ovos e produtos à base de ovos, doces e sobremesas, carnes e água, alimentos de utilização frequente na alimentação escolar4. Dentre as possíveis causas dessas enfermidades, encontram-se as práticas inadequadas de higiene e o processamento de alimentos por pessoas inabilitadas3,6.
Ressalta-se que a análise microbiológica dos alimentos é suplementar à aplicação de listas de verificação de BP, podendo ser utilizada como complemento à avaliação das condições higiênico-sanitárias no ambiente escolar6.
Além da alimentação, a água oferecida nas escolas deve ser inócua, haja vista que a ingestão de uma água fora dos padrões de potabilidade exerce forte impacto sobre a saúde dos consumidores, podendo transmitir gastrenterites, hepatite A e E, rotavírus, verminoses, dentre outras enfermidades7.
Nesse contexto, o objetivo desta pesquisa foi avaliar as condições higiênico-sanitárias das UANE da rede municipal de educação de São Luís, Maranhão (MA), Brasil, e analisar a qualidade microbiológica da alimentação servida e da água dos bebedouros dessas escolas.
Trata-se de um estudo seccional de caráter descritivo realizado em São Luís-MA, município com 1.014.837 habitantes8. Segundo a Secretaria Municipal de Educação (Semed), no ano de 2015, a rede pública de educação atendeu 89.474 alunos, distribuídos em 244 escolas (creches, ensino pré-escolar e ensino fundamental). Desde o ano de 2002, o serviço de fornecimento de alimentação escolar é terceirizado. A Semed segmenta as escolas no município em sete núcleos, sendo seis da zona urbana e um núcleo na zona rural.
Optou-se por uma amostra não probabilística de 40 escolas, as quais foram escolhidas de forma aleatória, via sorteio simples. Foram avaliadas 30 escolas da zona urbana (cinco de cada núcleo) e dez da zona rural. Das escolas avaliadas, três eram creches de permanência integral, dez creches de permanência parcial e 27 escolas do ensino fundamental. A coleta de dados foi realizada no período de novembro de 2015 a janeiro de 2016 por uma nutricionista.
Após autorização da Semed, as escolas escolhidas foram visitadas em um primeiro momento para aplicação da Lista de Verificação de Boas Práticas na Alimentação Escolar (LVBPAE), instrumento validado e adaptado a partir da RDC nº 216/2004 da Anvisa. O checklist contém 99 questões divididas em seis blocos: Edifícios, Equipamentos para temperatura controlada, Manipuladores, Recebimento, Processos e procedimentos e Higienização ambiental. Cada bloco contém pesos específicos que foram tabulados em fórmulas e, ao final, somados para a classificação final da UANE. Os resultados da pontuação total de cada bloco foram comparados com os critérios de classificação da RDC nº 275, de 21 de outubro de 2002 da Anvisa, que estabelece a classificação em grupo A (adequado, > 75% de conformidade dos itens), grupo B (parcialmente adequado, 51%–75% de conformidade dos itens) e grupo C (inadequado, < 50% de conformidade dos itens)9. Cada UANE foi classificada por pontuação total em grau de risco sanitário: Muito alto (0–25 pontos); Alto (26–50 pontos); Regular (51–75 pontos); Baixo (76–90 pontos) e Muito Baixo (91–100 pontos) segundo a classificação da LVBPAE10,11.
Posteriormente, voltou-se às escolas para coleta de amostras de alimentos/preparações alimentares servidas e da água do bebedouro. As coletas foram realizadas no turno matutino (entre 9 h e 9 h 30 m) ou vespertino (entre 15 h e 15 h 30 m), imediatamente antes dos alimentos serem servidos aos alunos no período de novembro de 2015 a janeiro de 2016. As análises microbiológicas foram realizadas no Laboratório de Microbiologia do Programa de Controle de Qualidade de Água e Alimentos da Universidade Federal do Maranhão.
Ao total foram analisados 57 alimentos/preparações alimentares servidos (Tabela 1), sendo analisado um cardápio aleatório por escola.
Os procedimentos de coleta e transporte das amostras, preparo, diluição e análises microbiológicas foram realizados de acordo com as recomendações da American Public Health Association (APHA)12. Foram realizadas a quantificação de coliformes a 35ºC (coliformes totais) e a 45ºC (coliformes termotolerantes), enumeração de Escherichia coli, enumeração de Staphylococcus aureus coagulase positiva e a pesquisa de Salmonella spp. Os parâmetros microbiológicos foram comparados com os estabelecidos na RDC Anvisa no 12, de 2 de janeiro de 200113.
Foram analisadas 64 amostras de água provenientes de todos os bebedouros das 40 escolas avaliadas. Para análise de coliformes totais e E. coli, foi utilizada a técnica do substrato cromogênico Colilert® de forma qualitativa para verificação da presença ou ausência dessas bactérias12.
Os parâmetros de qualidade utilizados para análise foram baseados na Portaria nº 2.914, 12 de dezembro de 2011 do Ministério da Saúde14, que define que a água para consumo humano deve ser isenta de coliformes totais e E. coli em 100 mL de amostra.
Para a análise das BP, foi realizada inicialmente uma estatística descritiva dos resultados obtidos mediante os valores quantitativos percentuais e, em seguida, efetuou-se o teste de correlação de Pearson (r) (p < 0,05), no qual as forças das correlações foram classificadas em desprezível (0,01 a 0,09), baixa (0,10 a 0,29), moderada (0,30 a 0,49), substancial (0,5 a 0,69) e muito forte (≥ 0,70), conforme sugestões de Davis15. Foram correlacionados os escores do percentual de conformidades dos blocos Edificações, Equipamentos de temperatura controlada, Manipuladores, Processos e produções e Higienização ambiental obtidas pela LVBPAE.
As análises estatísticas foram realizadas no software Statistica® versão 7.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), parecer nº 1.284.438/2015.
Todas as UANE foram classificadas como risco sanitário regular. A média de conformidades encontrada foi de 69,7% (± 3,83). Os itens com percentual de conformidades mais críticos foram processos e produções, equipamentos para temperatura controlada e edifícios e instalações da área de preparo de alimentos (Tabela 2).
As condições higiênico-sanitárias das UANE brasileiras apresentam realidade bastante diversa, havendo predominância de UANE com risco sanitário regular a alto, conforme demonstrado por diversos autores16,17,18,19,20,21,22,23,24,25,26,27.
As principais não conformidades verificadas nas UANE brasileiras referem-se a inadequações nas edificações, ausência de telas milimétricas de proteção contra insetos e roedores, ausência de sanitários exclusivos para manipuladores, baixa capacitação e hábitos inadequados dos manipuladores, falta de documentação e registro, descongelamento inadequado, acúmulo de objetos em desuso nas dependências e ventilação inadequada, dentre outras16,17,18,19,20,21,22,23,24,25,26,27. Com exceção do bloco relativo aos manipuladores de alimentos, todas essas situações foram verificadas em São Luís, conforme percentual de conformidades elencados na Tabela 3.
O item edificações é um dos mais críticos nas UANE do Brasil3,16,20,23. Um dos motivos que contribui para isso é o fato de que as cozinhas escolares brasileiras se assemelham muito mais às cozinhas domésticas do que às industriais21,27. Focos de esgoto, de lixo, acúmulo de poeira, presença de animais como gatos, cachorros e pombos, água estagnada, acúmulos de material em desuso nos arredores da UANE, ralos e/ou canaletas inadequados, paredes em péssimo estado de conservação, lâmpadas sem sistema de segurança contra queda acidental, ventilação inadequada, ausência de sanitários e vestiários de uso exclusivo dos manipuladores de alimentos e ausência de telas milimetradas removíveis nas janelas foram as principais inadequações encontradas neste bloco.
As edificações podem interferir positiva ou negativamente na segurança dos alimentos nela manipulados3. Nesta pesquisa, a correlação de Pearson demonstrou correlação positiva e do tipo moderada (0,36) entre os escores obtidos de higienização ambiental e edificações, o que endossa o fato que a estrutura imprópria do ambiente e área física das UANE interferem negativamente na segurança dos produtos nela manipulados3. Torna-se fundamental, portanto, que as escolas possam proporcionar melhores condições de higiene pessoal, ambiental e dos alimentos a partir de instalações adequadas aos serviços, de modo a viabilizar a obtenção de alimentos mais seguros2,10,16.
Algumas das escolas pesquisadas funcionavam em prédios alugados, sem que, muitas vezes, eles fossem planejados e adequados ao funcionamento escolar. Nessas escolas, a cozinha geralmente ficava em um local improvisado, o que pode ter influenciado nos índices de não conformidades encontrados neste bloco. A adaptação das UANE aos espaços existentes nas escolas é uma realidade comumente observada no país6, o que, além de dificultar o fluxo de trabalho e o processamento, contribui para a contaminação dos alimentos por micro-organismos23.
Apenas uma escola tinha balcão térmico para distribuição das refeições, o qual estava regulado para manter os alimentos a 60ºC. Nenhuma das escolas apresentava termômetro para aferição da temperatura dos alimentos em qualquer etapa do processo de elaboração das refeições. O monitoramento da temperatura em todas as etapas do processo produtivo é importante e recomendado pela legislação sanitária2. Apesar disso, esse procedimento é pouco praticado nas UANE brasileiras16,17,22muito provavelmente pelas características peculiares que essas cozinhas apresentam, como a produção de alimentos próximo ao horário do consumo, o dimensionamento e a utilização de equipamentos de cozinhas domésticas, o custo de aquisição de termômetros e a pouca orientação dos manipuladores quanto a utilização dos mesmos.
Em relação aos manipuladores de alimentos, a não utilização de sapato fechado e de toucas para proteção dos cabelos foram as principais não conformidades constatadas. Evidenciou-se a presença de pessoas estranhas ao contexto da produção de refeições dentro da cozinha, as quais apresentavam comportamentos que podem comprometer a inocuidade dos alimentos, como uso de celulares, ausência do uso de toucas e estar conversando nas proximidades da refeição produzida. A RDC nº 216/2004 preconiza que os visitantes devem cumprir os requisitos de higiene e de saúde estabelecidos para os manipuladores2.
Com exceção do uso incompleto de uniformes, os resultados encontrados neste bloco, conforme Tabela 3, destoam da realidade constatada no Brasil, haja vista que os manipuladores de alimentos das UANE geralmente apresentam hábitos inadequados de higiene e manipulação3,17,20, ausência de controle de saúde17 e ausência de capacitação25. Reconhecidamente, a manipulação inadequada dos alimentos é apontada como uma das principais causas de contaminação dos alimentos em todo o mundo6,25. Mesmo apresentando altos níveis de conformidades, os dados encontrados neste bloco reforçam a necessidade de supervisão constante pelo profissional nutricionista e a realização de capacitações periódicas para garantir a qualidade higiênico-sanitária da alimentação servida.
Os procedimentos de recebimento eram padronizados para toda a rede municipal e se encontravam em conformidade.
No que se refere ao procedimento de higienização de mãos, 50,0% dos manipuladores de alimentos o realizavam de modo inadequado. Destaca-se que em 71,0% das UANE não havia lavatório exclusivo para higienização das mãos dos manipuladores. Os manipuladores de alimentos exercem papel significativo na transmissão de toxinfecções alimentares causadas por S. aureus, frequentemente encontrado nas lesões sépticas das mãos28. Inadequações na técnica de lavagem de mãos por parte dos manipuladores de UANE, situação que confere risco sanitário às refeições produzidas foram identificadas por vários estudos ao redor do país16,23,24,29.
Itens críticos durante o processamento de alimentos como sanitização de vegetais, descongelamento adequado, dessalgue e tratamento térmico adequado receberam percentuais de conformidade de 60,0%, 37,5%, 67,5% e 100,0%, respectivamente. Falhas nesses itens podem comprometer a inocuidade da alimentação servida, haja vista que podem permitir a sobrevivência ou multiplicação de micro-organismos patogênicos28.
O tempo de preparo e distribuição dos alimentos não ultrapassou 30 m em nenhuma das escolas, o que minimiza a multiplicação de micro-organismos.
O item com pior percentual de inadequações foi “Controles e Registros”, pois em nenhuma escola havia Manual de Boas Práticas (MBP), Procedimentos Operacionais Padronizados (POP), nem registro do controle de temperatura e características do recebimento, da temperatura de cocção e da distribuição. Essas inadequações estão entre as mais comumente encontradas nas UANE brasileiras16,20,22. A RDC nº 216/2004 preconiza que os estabelecimentos produtores de alimentos devem possuir, obrigatoriamente, o MBP e POP para a aplicação das normas em sua unidade, a fim de garantir a segurança dos alimentos ofertados2. A presença desse documento na unidade pode ser uma garantia de que as BP estão sendo executadas pela instituição, já que ele deve conter as atividades realizadas pela UANE para garantir a produção de refeições saudáveis e seguras.
O MBP e os POP devem ser executados, não sendo apenas um mero documento burocrático existente nas UANE. O documento deve ser específico para cada estabelecimento e talvez esse seja um dos entraves para a não existência dos mesmos, haja vista que na época do estudo, a empresa continha 10 nutricionistas os quais ficavam responsáveis por um número médio de 24 escolas, que tinham diversas atribuições que não lhes permitiam a supervisão integral das BP nas escolas.
Constatou-se padronização entre os processos de higienização ambiental, como: manutenção da higienização ambiental por meio de adequadas e aprovadas técnicas de limpeza, enxágue e desinfecção; utilização de escovas e esponjas de material não abrasivos; utilização de produtos de material de limpeza e desinfecção registrados no Ministério da Saúde; utilização de utensílios de limpeza na área de manipulação e processamento de alimentos de uso exclusivo das UANE; realização de desinfecção dos utensílios e equipamentos (pelo uso de solução clorada e/ou pelo calor); proteção dos utensílios contra poeira, insetos e roedores; e secagem natural dos utensílios sem a utilização de panos.
A padronização nos processos encontrada nesta pesquisa pode se dar como cumprimento às rotinas operacionais da empresa prestadora de serviço. Entretanto, os itens com baixo índice de conformidades precisam ser corrigidos. Essa padronização nas rotinas de higienização é positiva e, segundo Danelon et al.30, constitui uma das vantagens da terceirização da gestão do PNAE, considerando que as empresas privadas geralmente apresentam maior agilidade no cumprimento das normas de higiene quando comparadas ao setor público.
Em 90,0% das escolas, os manipuladores de alimentos afirmaram que era realizado o controle químico de vetores e pragas urbanas, havendo vestígios de insetos e/ou roedores em 32,5%. Quando se questionou sobre a documentação do registro do controle químico de vetores e pragas, esse foi encontrada em apenas 60,0% das UANE. Um baixo percentual de adequações neste item também foi identificado por estudos realizados no Rio Grande do Norte20 e na Paraíba23. O Codex Alimentarius e a RDC nº 216/2004 estabelecem que as unidades devem seguir procedimentos de BP para evitar um ambiente favorável ao aparecimento de pragas urbanas e insetos. Medidas como limpeza, higiene, avaliação e monitoramento das instalações e arredores podem minimizar a utilização de produtos químicos, prática também esta indicada na legislação brasileira vigente2,31. O uso excessivo de pesticidas empregados nas dedetizações pode gerar problemas para a saúde nos escolares em curto e longo prazo, devendo seu uso ser controlado6.
Ademais, o contrato da Prefeitura com a empresa terceirizada prevê, além do fornecimento das refeições dentro dos pressupostos nutricionais e higiênico-sanitários preconizados pela legislação, as ações de higienização ambiental por parte da empresa, como a realização do controle químico e o fornecimento de materiais de limpeza. Essa obrigatoriedade diminui problemas relacionados às compras da administração pública que podem afetar a disponibilidade de produtos de limpeza e desinfecção nas UANE27 e podem ter contribuído para os altos índices de conformidades verificados neste bloco.
As respostas da LVBPAE foram obtidas via respostas diretas das merendeiras, sem o acompanhamento da execução de algumas atividades de Recebimento, Processos e Produções (Procedimentos de preparação de alimentos, descongelamento, dessalgue, armazenamento, cocção) e Higienização ambiental. Nesse sentido, os índices de não conformidades nesses blocos podem ser maiores que o verificado, haja vista que as merendeiras podem ter relatado que executam corretamente os procedimentos, sem, no entanto, efetuá-los27.
Soares et al.27destacaram algumas críticas à LVBPAE, como o fato de que esse instrumento foi baseado na RDC nº 216/042, a qual estabelece as condições higiênico-sanitárias para todos os serviços que oferecem alimentos ao público (lanchonetes, restaurantes, cozinhas industriais, buffets, padarias, pastelarias, confeitarias e outros), sendo que as UANE se assemelham mais às cozinhas domésticas do que às industriais e, por isso, alguns itens acabam não sendo devidamente contemplados na avaliação. Dessa forma, alguns itens apontados pela LVBPAE como inadequados, como a presença de lavatórios exclusivos para a lavagem das mãos das merendeiras, sistemas de proteção de luminárias, controle de temperatura da cadeia fria e quente do processo produtivo de refeições, coleta e armazenamento de amostras de preparações alimentares, presença de MBP e POP, etiquetagem dos produtos pós manipulação e descarte de pano de limpeza a cada 2 h, podem ser pontuados como inadequados, quando na verdade apenas não se enquadram à realidade das UANE.
Porém, tais questões não anulam a importância dessa pesquisa e reforçam a necessidade de um acompanhamento melhor da Prefeitura em relação aos serviços prestados pela empresa, uma vez que todas essas situações são previstas no contrato, devendo ser, portanto, atendidas.
Nas UANE brasileiras, contagens elevadas de coliformes a 45ºC nas refeições, principalmente em sucos e em saladas, têm sido evidenciadas6,32. Apesar disso, nenhum dos alimentos/preparações alimentares analisados foi considerado impróprio para o consumo. Adequação na utilização das BP, o tratamento térmico adequado e o curto intervalo de tempo entre o preparo e a distribuição dos alimentos podem ter favorecido a qualidade microbiológica da alimentação servida encontrada nesta pesquisa.
Metade das escolas participantes da pesquisa apresentaram contaminação na água dos bebedouros. Do total de amostras de água analisado, 48,4% (n = 31) apresentaram positividade para presença de coliformes totais e 12,5% (n = 08) para E. coli, o que demonstra risco sanitário para as crianças, professores e funcionários das escolas.
Das escolas que apresentaram contaminação nos bebedouros, apenas 15,0% (n = 03) realizavam semestralmente higienização do reservatório d´água. Essa situação, atrelada ao fato de que todos os bebedouros contaminados por E. coli encontravam-se próximos aos banheiros das escolas, o que pode ter gerado contaminação cruzada entre a encanação hidráulica, e a própria contaminação trazida pelos alunos durante o uso do banheiro, podem ter favorecido a presença dos micro-organismos constatada na pesquisa.
Nas escolas públicas brasileiras, a baixa qualidade microbiológica da água dos bebedouros é uma realidade ainda comumente encontrada, conforme evidenciado em Salvador-Bahia33, Picos-Piauí34 e Alfenas-Minas Gerais35. Dentre os surtos alimentares notificados no Brasil entre os anos 2007 e 2017, cerca de 6,2% foram provocados pela ingestão de água contaminada, representando o terceiro maior veículo de DTA no período4.
Um programa de monitoramento intensivo desta água, com análises microbiológicas periódicas realizadas pela Prefeitura bem como medidas para controlar ou eliminar os fatores de riscos ambientais faz-se necessário para evitar possíveis agravos à saúde dessa população32. Ações como higienização do reservatório de água (apenas 7,5% das 40 escolas analisadas realizavam a higienização semestral), higienização dos bebedouros, troca dos filtros podem contribuir para que água ofertada aos escolares não provoque danos à saúde7.
Nesta pesquisa, apenas uma escola possuía potabilidade da água atestada por laudos. Ressalta-se que era uma creche de educação integral e era o diretor quem pagava periodicamente uma empresa particular para fazer a análise da água.
Em São Luís, apesar de as análises microbiológicas demonstrarem que os alimentos servidos aos escolares não apresentam riscos à saúde dos escolares, são necessárias ações a fim de minimizar o risco sanitário nos itens de BP considerados críticos, como nos blocos edifícios e instalações da área de preparo de alimentos, equipamentos para temperatura controlada e processos e produções, para garantia da segurança da alimentação servida. Destaca-se que o serviço de fornecimento de refeições é terceirizado, havendo a necessidade de maior fiscalização por parte da Prefeitura, em particular pela Vigilância Sanitária e da sociedade civil a partir dos mecanismos de controle social previstos em um estado de direito, como o Conselho de Alimentação Escolar (CAE) a fim de exigir a correção das não conformidades observadas.
Crianças em idade escolar estão entre os grupos populacionais mais vulneráveis às DTA, sendo-lhes assegurado pela legislação do PNAE a garantia da qualidade sanitária da alimentação escolar ofertada. Inadequações nesse contexto constituem violações ao direito humano a uma alimentação adequada, a qual tem entre seus pressupostos, uma alimentação livre de contaminantes físicos, químicos e biológicos. Desta forma, a atuação urgente das autoridades, em especial em relação à baixa qualidade da água do bebedouro das escolas municipais evidenciada neste estudo, deve ocorrer a fim de garantir a proteção da saúde do público atendido pelo programa.
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.
* E-mail: livia.rudakoff@ifma.edu.br