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A pré-qualificação de medicamentos: análise comparativa entre OMS e Anvisa
Marcus Vinicius Lima do Couto; Fernando Medina; Hudson Eduardo Souza da Costa;
Marcus Vinicius Lima do Couto; Fernando Medina; Hudson Eduardo Souza da Costa; Silvania Iacovino Dantas; Jorge Antonio Zepeda Bermudez; Norberto Rech; Jorge Carlos Santos da Costa
A pré-qualificação de medicamentos: análise comparativa entre OMS e Anvisa
The prequalification of medicines: Comparative analysis between WHO and Anvisa
Vigilância Sanitária em Debate, vol. 5, núm. 2, pp. 24-33, 2017
INCQS-FIOCRUZ
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RESUMO: A produção de medicamentos com qualidade, segurança e eficácia é fundamental para atender às demandas nacionais e internacionais, com o fito de subsidiar a assistência farmacêutica no âmbito da saúde pública. Diante do papel estratégico em que o complexo fabril público de saúde está inserido, o cumprimento das Boas Práticas de Fabricação (BPF) da Organização Mundial de Saúde (OMS) é essencial para a exportação de seus medicamentos via organismos internacionais. Os objetivos deste artigo foram identificar os principais requisitos técnicos recomendados pela OMS e exigidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para o cumprimento e reconhecimento das BPF de medicamentos, e compará-los, de maneira crítica, em prol da obtenção da pré-qualificação de medicamentos. A metodologia empregada promoveu uma abordagem abrangente acerca das regulamentações nacionais e dos guias da OMS, por intermédio da seguinte técnica de coleta de dados: pesquisa bibliográfica e documental. O presente trabalho possibilitou evidenciar um alto grau de harmonização acerca dos tópicos/subtópicos comparados entre os guias da OMS e a normatização nacional imposta pela Anvisa em BPF, o que demonstra uma inserção da legislação nacional no contexto internacional, corroborando o alinhamento entre a Anvisa e OMS, no tocante ao cumprimento das BPF.

Palavras chave: Boas Práticas de FabricaçãoBoas Práticas de Fabricação,Gestão da QualidadeGestão da Qualidade,Laboratório Farmacêutico OficialLaboratório Farmacêutico Oficial,Pré-qualificaçãoPré-qualificação,Vigilância SanitáriaVigilância Sanitária.

Abstract: The production of medicines with quality, safety and efficacy is essential to meet national and international requirements, aiming at subsidizing pharmaceutical care within the public health. Given the strategic role in which the public health industrial complex is inserted, compliance with Good Manufacturing Practices (GMP) of the World Health Organization (WHO) is essential to export its drugs via international organizations. The objectives of this article were to identify the main technical requirements recommended by WHO and enforced by the Brazilian Health Regulatory Agency (Anvisa), for compliance and recognition of GMP for medicinal products, and to compare them critically, to obtain the prequalification of medicines. This literature and documentary review promoted a comprehensive approach on national regulations and WHO guidelines. This work enabled to show a high degree of harmonization concerning the topics/subtopics compared between WHO and the national standards guides imposed by Anvisa about GMP, which demonstrates an integration of the national legislation in the international context, corroborating the alignment between Anvisa and WHO regarding compliance with GMP.

Keywords: Good Manufacturing Practices, Quality Management, Official Pharmaceutical Laboratory, Prequalification, Sanitary Surveillance.

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ARTIGO

A pré-qualificação de medicamentos: análise comparativa entre OMS e Anvisa

The prequalification of medicines: Comparative analysis between WHO and Anvisa

Marcus Vinicius Lima do Couto
Fundação Oswaldo Cruz, Brasil
Fernando Medina
Fundação Oswaldo Cruz, Brasil
Hudson Eduardo Souza da Costa
Fundação Oswaldo Cruz, Brasil
Silvania Iacovino Dantas
Fundação Oswaldo Cruz, Brasil
Jorge Antonio Zepeda Bermudez
Fundação Oswaldo Cruz, Brasil
Norberto Rech
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Jorge Carlos Santos da Costa
Fundação Oswaldo Cruz, Brasil
Vigilância Sanitária em Debate, vol. 5, núm. 2, pp. 24-33, 2017
INCQS-FIOCRUZ

Recepção: 09 Junho 2016

Aprovação: 10 Maio 2017

INTRODUÇÃO

Atualmente, a natureza crítica do produto final da indústria farmacêutica é regulamentada por legislações próprias, de caráter compulsório e inseridas no cumprimento das diretrizes para as Boas Práticas de Fabricação (BPF), por meio da implementação da fiscalização e inspeção nas indústrias farmacêuticas. Dessa forma, as empresas fabricantes de medicamentos têm alocado grande parte de seus recursos em prol da qualidade de suas linhas produtivas1,2.

A qualidade dos produtos farmacêuticos tem sido uma preocupação da Organização Mundial de Saúde (OMS) desde a sua criação. A Assembleia Mundial da Saúde até hoje adota várias resoluções e, mais recentemente, na Estratégia de Medicamentos (Programa de Pré-Qualificação) da OMS 2001–2013, solicitou à Organização o desenvolvimento de padrões, recomendações e instrumentos globais, a fim de garantir a qualidade dos medicamentos, produzidos e comercializados nacionalmente ou internacionalmente3,4,5.

Tais normas, padrões e diretrizes incluem orientações sobre: BPF, garantia da qualidade para aprovação regulatória, pré-qualificação de medicamentos e laboratórios, modelos de certificados para as atividades relacionadas com a qualidade, testes de controle de qualidade, novas especificações para inclusão em testes de série básicos e Farmacopeia Internacional, normas internacionais de referência para produtos químicos e o programa em Denominação Comum Internacional (DCI), que é usado para identificar cada substância farmacêutica ou insumo farmacêutico ativo (IFA) por um nome único e universalmente acessível5,6,7.

Todos estes elementos devem ser utilizados pelas autoridades reguladoras nacionais, indústrias farmacêuticas e outras partes interessadas. A necessidade de ampliar o acesso a medicamentos de qualidade com preços acessíveis para o atendimento aos diversos programas assistenciais em saúde tem suscitado muitos desafios dentro do setor farmacêutico. Estes desafios enfrentam a realidade das autoridades reguladoras nacionais, que têm uma capacidade variável de interpretar e aplicar normas, padrões e diretrizes, sobretudo em regulação e garantia de qualidade de produtos farmacêuticos existentes. Assim, a OMS busca trabalhar para fortalecer e promover normas, padrões e diretrizes internacionais para a qualidade, segurança e eficácia de medicamentos5,7.

Nesse contexto, as BPF, como parte integrante da garantia da qualidade, passam a exercer uma relevância ainda maior, quando os produtos são ligados à área de saúde, como no caso da produção pública de medicamentos, em face da influência direta na qualidade de vida da população.

No Brasil, a observação de um complexo público, de abrangência nacional, representa uma característica própria da indústria farmacêutica. Tal estrutura é voltada para a manufatura de medicamentos fundamentalmente destinados aos programas de saúde pública.

Tendo em vista que o Brasil é um país de renda média em que a maior parte da população encontra sua assistência farmacêutica no contexto do setor público, os Laboratórios Farmacêuticos Oficiais (LFO) assumem papel singular na produção e, em sintonia com o Ministério da Saúde (MS), contribuem para aumentar o acesso aos medicamentos essenciais a serem consumidos por essa faixa da população, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente destinados à atenção básica de saúde8,9,10,11.

Alguns LFO têm enfrentado, ao longo dos tempos, um elevado número de obstáculos no cerne de suas atividades, promovidos por diversos fatores, os quais dificultam a obtenção da certificação em BPF emitida pela Anvisa. Esse problema traz efeitos importantes não apenas para as instituições propriamente ditas, como também compromete a política nacional de saúde e, consequentemente, a população.

A regulamentação sanitária para as BPF no Brasil

Nos anos 1980, moldou-se o atual conceito de vigilância sanitária, no qual o Estado deve salvaguardar os direitos do consumidor e promover as boas condições de saúde da população12. Em virtude da importância da indústria farmacêutica na economia e na política de saúde do país, houve necessidade do MS instituir e implementar a fiscalização e a inspeção nas indústrias farmacêuticas. Assim, a Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS) do MS determinou a todos os estabelecimentos produtores de medicamentos, o cumprimento das diretrizes para BPF para a indústria farmacêutica, por meio da Portaria SVS/MS nº 16, de 6 de março de 1995.

Em 1999, por meio da Lei n° 9782, de 26 de janeiro de 1999, define-se o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) e é criada a Anvisa. A agência é uma autarquia especial vinculada ao MS com independência administrativa, estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira. Sua finalidade institucional é promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária13.

Com a criação da Anvisa, as ações de fiscalização acompanhadas da implantação e cumprimento das BPF tornaram-se mais expressivas. Conforme a legislação vigente, entre as atividades da Anvisa, destaca-se a concessão do Certificado de Boas Práticas de Fabricação (CBPF). Em resumo, cabe à Anvisa a implementação e a execução do SNVS13,14. Dessa forma, a Anvisa é responsável pela regulamentação da fabricação de medicamentos no Brasil e, no uso de suas atribuições, publica as resoluções que devem ser seguidas pelas empresas farmacêuticas que pretendem operar no país, inclusive, obrigando-as a cumprirem as normas de BPF15.

A partir da criação da Anvisa, surgiu a necessidade de revisar e atualizar as legislações de inspeção vigentes, em consonância com as BPF de medicamentos previstas em procedimentos técnicos emitidos por organizações mundialmente reconhecidas. A inspeção nas linhas de produção de medicamentos é um instrumento para comprovar seu funcionamento em conformidade com padrões que garantam a qualidade dos produtos15. Neste cenário, as regulamentações começaram a ser revistas e algumas deixaram de vigorar, como exemplo a Portaria nº 16, de 06 de março de 1995, criada pelo MS, que foi revogada pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 134, de 13 de julho de 2001, que também foi revogada pela RDC nº 210, de 04 de agosto de 2003, e, por sua vez, foi revogada pela RDC nº 17, de 16 de abril de 2010, da Anvisa.

O órgão regulador sanitário nacional deve garantir que os medicamentos disponíveis no país sejam seguros, de qualidade e eficácia comprovadas. Com o propósito de assegurar melhor a observância a estas diretrizes, os medicamentos só podem ser comercializados pela indústria farmacêutica após a obtenção do CBPF, emitido pela Anvisa16.

As recomendações para as BPF da OMS

O fornecimento de medicamentos essenciais de boa qualidade foi identificado como um dos pré-requisitos para a prestação de cuidados à saúde pela OMS, assim como o funcionamento eficaz da regulação nacional de medicamentos e sistemas de controle foi identificado como o principal meio de garantir a segurança e qualidade dos medicamentos.

As BPF são parte fundamental de uma proposta de garantia da qualidade global. Elas também representam as normas técnicas em que se baseia o sistema de certificação da OMS sobre a qualidade de produtos farmacêuticos envolvidos no comércio internacional6,17.

As orientações de BPF da OMS devem ser usadas como um padrão para justificar o status BPF, que constitui um dos elementos do sistema de certificação da OMS sobre a qualidade de produtos farmacêuticos inseridos no mercado internacional, através da avaliação dos pedidos de autorizações de fabricação e como base para a inspeção de instalações de produção. Elas também podem ser usadas como material de treinamento para equipes de inspeção da fabricação de medicamentos do governo, bem como para promover a produção, o controle de qualidade e a garantia dessa qualidade na indústria17.

As BPF publicadas pela OMS são aceitas em todo o mundo, inclusive para a liberação de medicamentos comercializados através de alianças entre os países, constituindo fonte relevante de informação para os países em desenvolvimento desprovidos de normas oficiais18.

A OMS é responsável por dirigir e coordenar as ações de saúde voltadas para as agências das Nações Unidas18. A exportação de medicamentos por intermédio das agências das Nações Unidas, só é possível após a obtenção de aprovação da autoridade reguladora do país, a Anvisa no caso do Brasil, sendo apenas um pré-requisito para que os fabricantes nacionais possam qualificar seus produtos19.

Em seguida, após aprovação do órgão regulador sanitário de cada país, a OMS deve avaliar exaustivamente, por intermédio de análises documentais e inspeções, todas as fases de produção de medicamentos, desde a linha de produção até a distribuição do medicamento, com ênfase em padrões unificados de aceitável qualidade, segurança e eficácia em nível mundial. Tal análise é imprescindível para a obtenção da pré-qualificação de medicamentos, que habilita o produtor a fornecer medicamentos considerados essenciais para os países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), organismos especializados associados, como a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a partir das necessidades de assistência farmacêutica6,17,19,20.

O Programa de Pré-Qualificação da OMS

O Programa de Pré-Qualificação de Medicamentos da OMS, criado em 2001, tem como objetivo avaliar a qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos, a fim de otimizar o uso dos recursos em prol da saúde e melhorar os indicadores de saúde pública em regiões desprovidas de assistência farmacêutica básica, ou seja, de medicamentos essenciais, e com populações acometidas por doenças negligenciadas. Este é o único programa de garantia de qualidade de medicamentos global3,21.

O processo de pré-qualificação consiste em uma avaliação cientificamente rigorosa e transparente, o que inclui análise das informações de processos (dossiês) apresentadas pelos fabricantes de produtos farmacêuticos e por intermédio de inspeções nas instalações dos respectivos locais de produção, com a devida fiscalização da produção e avaliação de desempenho. Esta informação, em conjunto com outros critérios de adjudicação, é usada pela ONU e outras agências de aquisições para tomar decisões de compra em relação a medicamentos, vacinas, kits diagnósticos e/ou IFA5,6,7,21. Esta atividade da OMS, em estreita colaboração com as agências reguladoras Nacionais e organizações parceiras, tem como objetivo priorizar o acesso a medicamentos essenciais5,21.

Qualquer fabricante de medicamentos pode manifestar interesse em ter seus produtos e unidades de produção avaliados pelo Programa de Pré-Qualificação de medicamentos da OMS. Cada fabricante deve apresentar um dossiê com vasta informação sobre o produto submetido, de forma a permitir que as equipes de avaliação analisem a sua qualidade, segurança e eficácia. A documentação deve ser acompanhada por uma carta de apresentação, uma amostra do produto, bem como o arquivo mestre do local ou Site Master File (SMF) de fabricação do medicamento5,20.

Em intervalos regulares, a OMS publica um convite em seu site aos fabricantes interessados, solicitando-lhes que participem voluntariamente deste procedimento. Apenas os produtos incluídos no convite e na manifestação de interesse são elegíveis para a pré-qualificação5,20. Segundo a OMS, o fabricante fornece um conjunto abrangente de dados sobre a qualidade, segurança e eficácia do produto submetido à avaliação6,7,20,22,23. Isto inclui, por exemplo, informações sobre: Considerações gerais/Organização da empresa; Pessoal; Instalações; Embalagens e acondicionamento; Produção; Controle de qualidade; Estabilidade; Estudos clínicos; Distribuição e comercialização; Documentos regulatórios.

Após a triagem de toda a documentação, se o processo for aceito para a avaliação, o candidato será informado do fato, por carta, incluindo o número de referência do dossiê. A carta servirá como um acordo entre a OMS e o requerente para a participação na pré-qualificação e como um compromisso de cumprir com as disposições do procedimento de pré-qualificação6,7,20.

Cada candidato poderá solicitar uma audiência ou reunião com os peritos da OMS envolvidos na avaliação dos dossiês deste requerente para esclarecer algumas questões destacadas. A OMS pode prestar assistência técnica aos candidatos em relação à informação do produto adequado a ser apresentada, bem como os requisitos de produção e de controle. As equipes de avaliação incluem o pessoal da OMS e especialistas de entidades reguladoras nacionais em todo o mundo6,7,20.

A OMS, no momento oportuno, planejará e coordenará a realização de inspeções nos locais de fabricação do produto farmacêutico acabado ou IFA, e nas unidades de testes clínicos ou organizações de pesquisa contratadas5,7,20,21.

Um relatório de inspeção pública reflete a inspeção realizada e apresenta um resumo das observações e constatações feitas durante a inspeção, mas exclui informações de propriedades confidenciais, bem como todas as observações individuais que foram comunicadas no relatório de inspeção completo. Ele também indica a data, a duração e o escopo da inspeção6,20.

Os fabricantes de produtos farmacêuticos pré-qualificados serão reinspecionados em intervalos regulares, conforme estabelecido pela OMS, normalmente uma vez a cada três anos. A cada cinco anos, a contar da data de pré-qualificação, ou quando solicitado a fazer isso pelo Programa de Pré-Qualificação de Medicamentos da OMS, o titular de um produto pré-qualificado é obrigado a apresentar dados e informações em relação ao produto para avaliação da OMS6,20.

Algumas empresas atualmente oferecem serviços de assessoramento, consultoria e treinamento na realização de pré-auditorias para avaliação de conformidade do cumprimento das recomendações de BPF da OMS (Mock Inspection), bem como no auxílio da elaboração de plano de ação, follow-up de ações com a definição de responsabilidades e tempos de execução23.

As etapas da pré-qualificação de medicamento da OMS são ilustradas na Figura 1.


Figura 1
: Fluxograma com as etapas da pré-qualificação de medicamento da OMS

Assim, o estudo em questão vislumbra avaliar a inserção das BPF da Anvisa no contexto internacional por intermédio de uma análise comparativa da legislação nacional com os principais requisitos técnicos necessários para obtenção da pré-qualificação junto à OMS. Da mesma forma, o trabalho pretende contribuir para uma reflexão ampla e servir como instrumento de consulta no âmbito da produção de medicamentos, fornecendo informações para a qualificação do complexo fabril farmacêutico nacional, com ênfase aos LFO, em consonância com as exigências regulatórias específicas da Anvisa e recomendações da OMS.

MÉTODO

A metodologia empregada no presente trabalho é classificada como exploratória no tocante ao propósito, uma vez que proporcionou uma abordagem abrangente acerca das principais regulamentações nacionais de BPF na área de medicamentos e dos guias da OMS, o que demandou uma revisão de literatura específica, a fim de subsidiar a análise proposta. A metodologia foi fundamentada em pesquisa documental e bibliográfica, basicamente por buscas efetuadas nos principais bancos de dados e endereços eletrônicos especializados da web, entre os quais: Biblioteca Virtual em Saúde (http://bvsms.saude.gov.br), Anvisa (http://portal.anvisa.gov.br), Periódicos Capes (http://www.periodicos.capes.gov.br/), WHO (http://www.who.int/en/) e Google Acadêmico (https://scholar.google.com.br/). Com a finalidade de rastrear e elencar os principais requisitos técnicos para o projeto, a leitura dos documentos citados teve, a priori, caráter seletivo, considerando necessidades imprescindíveis para o cumprimento compulsório da regulamentação da Anvisa e tomando-se como referência as diretrizes de BPF da OMS, fundamentais para o reconhecimento e certificação internacional com vistas à obtenção da pré-qualificação da OMS. Tais requisitos foram individualizados e sumarizados em tabelas ordenadas e dedicadas conforme o conteúdo abordado.

Os principais documentos adotados como referência para o trabalho proposto foram o documento “WHO – Quality Assurance of Pharmaceuticals. A Compendium of Guidelines and related materials, volume 2/2007” e o guia “WHO – Expert Committee on Specifications for Pharmaceutical Preparations - Technical Report Series (TRS) n° 961/2011’’. Este guia destaca, especificamente em seu Anexo 10, os procedimentos para a pré-qualificação de produtos farmacêuticos, segundo princípios e diretrizes de BPF da OMS, contemplados no Anexo 2 do Technical Report Series n° 986/2014.

Os requisitos definidos da análise proposta foram divididos em tópicos e subtópicos, para fins de comparação, conforme as diretrizes e princípios da OMS e o seu grau de observância junto à Anvisa.

A análise comparativa regulatória dos tópicos categorizados de assuntos equivalentes foi executada, consecutivamente. Ato contínuo, os resultados da análise comparativa foram catalogados conforme os principais requisitos técnicos das BPF, a partir da construção de tabelas com um enfoque sintético e consequente discussão acerca do contexto contemplado. Por fim, foram apontados os principais entraves, recomendações e as perspectivas capazes de subsidiar os LFO na elaboração de um plano de ação a ser implementado, visando a pré-qualificação da OMS.

RESULTADOS

Conforme citado na metodologia, a coleta de informações empregada fundamentou-se em publicações oficiais da OMS, as quais destacam o seu propósito como norteadora dos princípios de organização de políticas de saúde no mundo.

Ao analisar as informações elencadas nas referências supracitadas, percebeu-se que os documentos fazem referência a outros guias complementares específicos, também publicados pela OMS, considerando as suas respectivas atualizações. Estes trazem em seu teor um enfoque pormenorizado acerca de determinados temas relevantes no âmbito das BPF e, por meio deles, foram relacionados os tópicos utilizados na consecução da pesquisa (Quadro 1).

Quadro 1
Princípios fundamentais das BPF da OMS para produtos farmacêuticos.

*Os tópicos destacados correspondem aos Títulos II, V e VI da RDC n.º 17/2010 da Anvisa, respectivamente.

Ao se abordar a legislação nacional alusiva às BPF, pode-se destacar como regulamentação oficial a RDC nº 17, de 16 de abril de 2010, que dispõe sobre as BPF de medicamentos da Anvisa. Além disso, consideram-se de fundamental importância os guias complementares específicos emitidos pela própria agência, de caráter não compulsório, apenas para fins de orientação. Entretanto, observa-se que, por conta dos conteúdos abordados e formatos destes guias orientadores e pela experiência adquirida através do acompanhamento de inspeções sanitárias promovidas pelo setor regulador ao longo dos anos, a Anvisa tem poder e autonomia para requisitar quaisquer informações adicionais necessárias ao entendimento da análise documental que possam impactar diretamente no cumprimento das BPF pelos fabricantes de medicamentos e, por conseguinte, na qualidade dos medicamentos produzidos.

Entre os guias complementares específicos adotados pela Anvisa, destacam-se, no Quadro 2, aqueles consultados para o estudo em questão.

Quadro 2
Guias complementares específicos de BPF de medicamentos emitidos pela Anvisa.

De acordo com a OMS, levando-se em consideração o cumprimento das BPF e consequentemente a pré-qualificação de medicamentos, alguns tópicos e subtópicos devem ser verificados e avaliados quanto ao seu nível de exigência e cumprimento.

Para o tópico “Gerenciamento da qualidade na indústria de medicamentos: filosofia e elementos essenciais”, foram definidos os seguintes subtópicos, a partir das fontes de consulta (Quadro 1): Garantia da qualidade; Boas Práticas de Fabricação para medicamentos (BPF); Sanitização e higiene; Qualificação e validação; Reclamações; Recolhimentos de produtos; Contrato de produção e análise; Autoinspeção e auditorias de qualidade; Pessoal; Treinamento; Higiene pessoal; Instalações; Equipamento; Materiais; Documentação; Boas Práticas de Produção e Boas Práticas de Controle de Qualidade.

Para o tópico “Validação” foram elencados os subtópicos a seguir, de acordo com suas referências (Qaudro 1): Relação entre validação e qualificação; Validação; Qualificação; Calibração e verificação; Plano Mestre de Validação; Protocolo de qualificação e validação; Relatórios de qualificação e validação; Estágios da qualificação; Controle de mudanças; Pessoal; Validação de sistemas de aquecimento, ventilação e ar-condicionado; Validação de sistemas de água para uso farmacêutico; Validação de limpeza; Validação de métodos analíticos; Validação de sistemas informatizados; Qualificação de sistemas e equipamentos e Validação de processos não estéreis.

Acerca do tópico “Água para uso farmacêutico” e suas respectivas referências, conforme Quadro 1, foi proposta a divisão nos subtópicos: Exigências gerais para sistemas de água para uso farmacêutico; Especificações de qualidade da água; Métodos de purificação de água; Sistemas de armazenamento e distribuição de água; Considerações operacionais e Inspeção dos sistemas de água.

Sobre o tópico “Boas Práticas de Fabricação para aquecimento, ventilação e ar-condicionado para formas farmacêuticas não estéreis”, foram eleitos os subtópicos a seguir, mediante literatura específica descrita também no Quadro 1: Proteção; Controle de partículas; Proteção do ambiente; Projeto de sistemas e componentes para aquecimento, ventilação e ar condicionado (AVAC); Comissionamento, qualificação e manutenção e Instalações.

Como o foco do trabalho foi voltado para a produção de medicamentos não estéreis, não foram objeto do presente estudo as referências da OMS que contemplam o conteúdo correspondente aos Títulos III e IV da RDC nº 17/2010 da Anvisa, que dispõem sobre Produtos Estéreis e Produtos Biológicos, respectivamente.

Análise comparativa – Recomendações da OMS x Exigências da Anvisa

As recomendações atreladas aos subtópicos de cada tópico destacado foram analisadas a partir das diretrizes e dos princípios referenciados nos guias da OMS, conforme destacado no Quadro 1. Sendo assim, tais tópicos e seus respectivos subtópicos, com seus requisitos técnicos, foram definidos como imprescindíveis e a partir deles foi proposta a análise comparativa, para verificação da convergência ou divergência da legislação oficial ou através de documentos norteadores (guias) da Anvisa em relação às recomendações dos guias da OMS.

Ainda nesse contexto, a Anvisa elabora guias complementares específicos, de conteúdo abrangente sobre diversos aspectos, como os guias relacionados à Garantia de Qualidade, Validação de Sistemas Computadorizados, Sistemas de Purificação de Água para Uso Farmacêutico e Sistemas de Tratamento de Ar e Monitoramento Ambiental na Indústria Farmacêutica, conforme já destacado na Tabela 2, criando, dessa forma, um arcabouço norteador sem força de lei, porém cada vez mais exigido junto ao setor regulado. Sob o ponto de vista do entendimento, essa apresentação permite fácil visualização dos tópicos e subtópicos abordados na pesquisa e possibilita certa flexibilidade no modo de internalização das atividades propostas, por conta do seu caráter complementar, contanto que sejam tecnicamente justificáveis, em decorrência do seu impacto na qualidade dos medicamentos.

A presente análise comparativa pôde evidenciar a menção dos guias complementares específicos de BPF de medicamentos emitidos pela Anvisa, uma vez que determinadas recomendações da OMS, embora não presentes na regulamentação sanitária nacional em BPF de medicamentos – RDC nº 17/2010, encontram-se nestes guias. Em outros casos, as recomendações da OMS, apesar de presentes na legislação oficial, apresentam-se de forma mais pormenorizada no escopo destes guias orientadores.

Tais orientações, sejam aquelas alusivas à legislação oficial e mesmo as sugeridas pelos guias norteadores, são consideradas fundamentais aos objetivos do trabalho e buscam garantir os princípios essenciais de qualidade, segurança e eficácia na produção de medicamentos.

Gerenciamento da qualidade na indústria de medicamentos: filosofia e elementos essenciais

Segundo a OMS, o gerenciamento da qualidade é uma prática de gestão para a organização e, em situações contratuais, também serve para gerar confiança nos fornecedores, sendo que os conceitos de garantia da qualidade, BPF e de controle da qualidade são aspectos inter-relacionados e de fundamental importância para a produção e controle de produtos farmacêuticos6.

Assim, verifica-se por meio de uma análise crítica que, em relação ao tópico “Gerenciamento da Qualidade na indústria de medicamentos: filosofia e elementos essenciais”, não há discordância entre as diretrizes exigidas pela Anvisa referentes aos requisitos técnicos dos subtópicos abordados no tópico em questão, relacionando-os às recomendações da OMS.

Considerando-se que tais exigências fazem parte de procedimentos ligados às BPF, a avaliação sugere que os conceitos nesse campo são aplicáveis de forma geral, demonstrando assimilação por parte da Anvisa dos ideias propagadas no cenário mundial pela OMS.

Assim, ficou clara a demonstração de como todos os subtópicos apresentam-se imprescindíveis para o órgão regulador nacional e estão alinhados às recomendações da OMS no âmbito das BPF de medicamentos, especialmente os que pretendem ser pré-qualificados, ou seja, de qualidade, segurança e eficácia comprovados, para disponibilização junto a organismos internacionais. De forma sucinta, o tópico em questão, abrangendo os requisitos técnicos para cada subtópico atrelado, encontra-se fixado pela Anvisa através da Resolução RDC nº 17, de 16 de abril de 2010, em seu Título II.

Neste contexto, a similaridade entre os conteúdos existentes nos guias da OMS e a RDC nº 17/2010 demonstra a harmonização de pensamento da Anvisa com a OMS. Tal fato caracteriza uma tendência de incorporação de diretrizes internacionais no âmbito da legislação nacional oficial no que versa ao Gerenciamento da Qualidade na indústria de medicamentos: filosofia e elementos essenciais.

Validação

A Anvisa estabelece diretrizes que visam erradicar os erros e mitigar os riscos que podem aparecer e acabar comprometendo negativamente as atividades de produção de medicamentos. Estas diretrizes são conhecidas como BPF para medicamentos. Nelas se encontram definidos seus constituintes essenciais, tais como os testes e desafios de validação conduzidos por protocolos de estudos que, após a realização de seus ensaios, provêm conteúdo para confecção de relatórios conclusivos que devem ser mantidos e modificados por outro estudo de validação nos casos em que ocorrem alterações significativas e nas revalidações periódicas, que visam manter sempre a reprodutividade dos processos.

A análise possibilitou avaliar a importância do tópico, demonstrando consenso em relação aos conceitos fundamentais de validação difundidos internacionalmente pela OMS, como requisito primordial para a implantação e reconhecimento do cumprimento das BPF de medicamentos.

As recomendações da OMS encontram-se previstas de forma oficial pela Anvisa nos requisitos técnicos relacionados aos subtópicos que compõem o tópico abordado na RDC nº 17/2010 - Título V e na RE nº 899, de 29 de maio de 2003, que dispõe, especificamente, sobre o Guia de Validação de Métodos Analíticos, e, de forma complementar e pormenorizada, com caráter orientativo nos Guias relacionados à Garantia de Qualidade25, tópicos como: Validação de Limpeza, Validação de Processos Produtivos Não Estéreis e no Guia de Validação de Sistemas Computadorizados26.

Por último, o estudo comparativo individual de cada subtópico e seus respectivos requisitos permitiram traçar um cenário mais fidedigno do grau de observância entre as partes envolvidas, possibilitando emitir um diagnóstico de alinhamento das exigências da Anvisa, de acordo com as orientações da OMS. Isto parece demonstrar um entendimento que a adoção de um regulamento para BPF passa pela instituição de atividades de validação à luz do órgão regulador nacional.

Água para uso farmacêutico

Para que seja possível obter água no nível de qualidade desejado, é necessário considerar a qualidade da água disponível e a qualidade da água desejada, avaliando, desta maneira, as possíveis técnicas de tratamento e suas restrições e possibilitando a utilização de sistemas complementares ao tratamento.

Diante deste cenário, a Anvisa publicou recentemente, em 2013, um guia de Qualidade para Sistemas de Purificação de Água para Uso Farmacêutico27, cujo objetivo é descrever os requisitos mínimos necessários para os sistemas de produção de água para uso farmacêutico.

Cabe destacar que, por ser um documento complementar, como alternativa aos critérios apresentados, podem ser adotados procedimentos diferentes, contanto que sejam tecnicamente justificáveis, sob parecer favorável do órgão regulador.

Isto posto, fica evidenciado que as orientações referenciadas nos guias da Anvisa acerca dos requisitos técnicos de BPF aplicados às tecnologias empregadas na purificação de água para uso farmacêutico estão em constante atualização, a fim de buscar melhorias e de reduzir o risco de contaminação, seja química, biológica ou microbiológica.

Assim sendo, a análise da documentação específica demonstrou que o tópico em questão também apresenta um alto grau de convergência entre as recomendações da OMS, com ênfase no Technical Report Series (TRS) n° 970, Anexo 2 de 2012, e a legislação sanitária vigente proposta pela Anvisa – RDC n.º 17/2010, em seu Título VI: Água para uso farmacêutico, uma vez que ambas as referências preconizam a observância de tópicos como: Especificações de qualidade da água, Métodos de purificação de água, Sistemas de purificação, Armazenamento e distribuição de água e Considerações operacionais. A Anvisa não aborda de forma pormenorizada procedimentos relacionados ao subtópico para inspeções em sistemas de água.

Entretanto, mesmo apresentando esta pequena divergência acerca dos requisitos das BPF dedicados ao subtópico supracitado, as normatizações da Anvisa, bem como suas orientações, demonstraram estar alinhadas às condições mínimas recomendadas pela OMS para a fabricação de medicamentos, visto que contemplam todos os itens considerados imprescindíveis, em sua totalidade, quanto ao impacto na qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos produzidos, fato esse considerado fundamental pela OMS.

Isto pode ser evidenciado por meio da descrição dos requisitos técnicos do subtópico VIII – autoinspeção e auditorias de qualidade do tópico “Gerenciamento da Qualidade na indústria de medicamentos: filosofia e elementos essenciais”, que destacam, por exemplo, a necessidade do estabelecimento de procedimentos que contemplem utilidades e sistemas críticos (por exemplo, sistemas de água para uso farmacêutico) relevantes às BPF.

Dessa forma, fica caracterizada também a busca da Anvisa no contexto geral em promover a harmonização do entendimento sobre o tópico na regulamentação sanitária, em conformidade com o pensamento da OMS, uma vez que o conteúdo dos documentos elaborados pelo setor regulador é fundamentado nas recomendações internacionais da OMS, fazendo com que esteja em consonância com as tendências mundiais das BPF.

Boas Práticas de Fabricação para aquecimento, ventilação e ar-condicionado (AVAC) para formas farmacêuticas não estéreis

Sem uma validação adequada dos ambientes de salas limpas, a qualidade dos produtos na visão da Anvisa pode ser questionada. A validação, a certificação e o monitoramento de ambientes de salas limpas irão variar e dependerá da classificação destas áreas. Por esta razão, é importante ter um projeto adequado na tentativa de validar e ou monitorar estes ambientes.

No entendimento da OMS, as recomendações de BPF ditam que é primordial haver um controle de qualidade em cada etapa do processo, por isso, é de suma importância que um plano de qualificação do sistema de tratamento de ar seja estabelecido, planejado e ocorra desde o início do processo, quando o controle é possível de uma maneira mais abrangente a um custo menor, de acordo com as diretrizes da Anvisa.

Em suma, a análise comparativa promovida abordando de forma ampla o referido tópico demonstrou que os critérios exigidos pela Anvisa por intermédio, principalmente, do Guia da Qualidade para Sistemas de Tratamento de Ar e Monitoramento Ambiental na Indústria Farmacêutica de 201328, que dispõe sobre as BPF para sistemas AVAC, são tão abrangentes e rigorosos quanto os princípios e diretrizes da OMS concernentes ao tópico destacado, corroborando o objetivo prioritário do órgão regulador, a fabricação de produtos com qualidade, segurança e eficácia para o consumo da população.

Dessa forma, foi verificada ao longo do estudo, a concordância do teor das exigências realizadas pela Anvisa alusivas aos subtópicos, que compõem o tópico abordado, frente às recomendações da OMS.

DISCUSSÃO

Ao longo dos últimos anos, a Anvisa envidou esforços em prol de adequar a regulamentação sanitária de medicamentos e atender algumas recomendações em BPF frente às tendências regulatórias mundiais.

Tal fato pode ser observado mediante a elaboração de guias específicos (Tabela 2) que complementaram as resoluções de impacto nas BPF, com ênfase na RDC n° 17/2010, que dispõe, especificamente, sobre as BPF de medicamentos. Estes documentos, como já destacado, embora não possuam caráter compulsório, em virtude da amplitude do detalhamento de suas recomendações, muitas vezes dotados de requisitos com um grau de exigência maior quando comparado às recomendações da OMS, tal como o Guia de Validação de Sistemas Computadorizados, têm sido utilizados cada vez mais como instrumentos para avaliação do cumprimento das BPF, de acordo com as prerrogativas do órgão regulador, e o seu conteúdo é baseado em referências internacionais, na legislação oficial nacional, bem como na experiência da Anvisa em inspeções sanitárias.

Dado o exposto no estudo em questão, fica evidenciado que todos os requisitos de impacto na qualidade dos medicamentos, alusivos aos subtópicos dos tópicos abordados na pesquisa no âmbito da garantia de qualidade quanto às exigências da regulamentação sanitária em BPF da Anvisa, são padronizados e convergem para o entendimento proposto pela OMS.

Portanto, é possível constatar que a regulamentação sanitária nacional de medicamentos associada às orientações dispostas nos guias complementares específicos com abordagem de impacto nas BPF, em comparação aos princípios e diretrizes de BPF de produtos farmacêuticos da OMS, não representam um obstáculo para a obtenção do reconhecimento internacional do cumprimento das BPF.

Sendo assim, a falta de estabelecimento de uma estrutura condizente dedicada para a requisição, avaliação e consolidação de todos os documentos, que devem estar contemplados na composição dos dossiês de produtos candidatos a habilitação, frente ao Programa de Pré-Qualificação de Medicamentos Essenciais da OMS, representa um grande entrave no êxito desta proposição.

Além disso, ressalta-se que tal inobservância pode ser agravada em decorrência da inexistência de diretrizes específicas para orientação dos profissionais que tramitam neste segmento no âmbito de um LFO, enfatizando a realização de atividades em prol do cumprimento dos requisitos, para obtenção da pré-qualificação de medicamentos da OMS, por exemplo, por intermédio da elaboração de um “Manual ou Guia de Procedimentos para Pré-Qualificação de Medicamentos junto à OMS”.

A elaboração de tais diretrizes técnicas, com atualização periódica e colaboração dos LFO e da Anvisa, seria um recurso interessante a ser adotado, pois auxiliaria na capacitação dos atores envolvidos, para identificação de óbices, bem como na resolução de dúvidas.

Tais dispositivos de orientação seriam de extrema relevância, haja vista a carência de publicações e divulgação dos procedimentos necessários para a pré-qualificação de medicamentos pela OMS. Estas diretrizes poderiam, quando consultadas, transmitir conhecimentos específicos, incentivar a reflexão e sugerir a adoção de ações sobre este tema, em atendimento às demandas de disponibilização de medicamentos com qualidade, segurança e eficácia reconhecidos internacionalmente, para a subsistência da população mundial desprovida de assistência farmacêutica básica.

CONCLUSÕES

A garantia da qualidade de produtos farmacêuticos é um grande desafio para a saúde pública, particularmente à luz dos crescentes problemas de saúde característicos de regiões desprovidas de assistência farmacêutica.

O presente trabalho possibilitou evidenciar um alto grau de harmonização acerca dos tópicos/subtópicos comparados entre os guias da OMS e a normatização nacional imposta pela Anvisa em BPF, o que demonstra uma inserção da legislação nacional no contexto internacional, corroborando o alinhamento entre a Anvisa e OMS, no tocante ao cumprimento das BPF.

Sendo assim, conclui-se que a obtenção e a manutenção da certificação em BPF por parte do órgão regulador nacional, bem como a gestão e a execução dos procedimentos necessários para pré-qualificação de medicamentos, conforme versa o Guia OMS – TRS nº 961/2011, com ênfase no seu Anexo 10 e algumas orientações suplementares, representam os principais instrumentos para a obtenção da pré-qualificação, ou seja, do reconhecimento internacional do cumprimento das BPF junto à OMS.

Material suplementar
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Notas
Declaração de interesses
Conflito de Interesse

Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.

Autor notes

* E-mail: jorge.costa@fiocruz.br


Figura 1
: Fluxograma com as etapas da pré-qualificação de medicamento da OMS
Quadro 1
Princípios fundamentais das BPF da OMS para produtos farmacêuticos.

*Os tópicos destacados correspondem aos Títulos II, V e VI da RDC n.º 17/2010 da Anvisa, respectivamente.
Quadro 2
Guias complementares específicos de BPF de medicamentos emitidos pela Anvisa.

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