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Condições higiênico-sanitárias de unidades de alimentação e nutrição de escolas de educação infantil de Palmeira das Missões - RS
Vigilância Sanitária em Debate, vol. 5, núm. 3, pp. 37-43, 2017
INCQS-FIOCRUZ

ARTIGO


Recepção: 02 Abril 2017

Aprovação: 06 Agosto 2017

DOI: https://doi.org/10.22239/2317-269X.00959

RESUMO

Introdução: A alimentação deve ser acessível em quantidade suficiente, de modo regular e permanente, baseada totalmente nas boas práticas de manipulação dos alimentos.

Objetivo: Assim, o objetivo deste estudo foi diagnosticar as condições higiênico-sanitárias das unidades de alimentação e nutrição de escolas de educação infantil de Palmeira das Missões-RS.

Método: Este trabalho trata-se de uma pesquisa com abordagem transversal quali-quantitativa. A coleta de dados ocorreu por meio da observação e aplicação in loco de uma lista de verificação em boas práticas do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar em sete escolas municipais de educação infantil.

Resultados: A média do percentual de adequação geral em boas práticas das escolas avaliadas foi de 31,5 ± 4,3%. A categoria Edifícios e instalações da área de preparo de alimentos obteve o maior percentual de adequação com 50,5 ± 13,5%. Por outro lado, o bloco Recebimento obteve o menor índice de adequação.

Conclusões: Esses resultados demonstram a importância do acompanhamento frente à elaboração, preparo e manipulação da alimentação escolar, bem como a estrutura física dos locais, no intuito de melhorar as condições higiênico-sanitárias da alimentação escolar ofertada aos alunos.

Palavras chave: Alimentação Escolar, Boas Práticas de Manipulação, Legislação sobre Alimentos, Qualidade dos Alimentos, Vigilância Sanitária.

INTRODUÇÃO

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) foi implantado em 1955 e assegurado pela Constituição Brasileira de 1988, sendo considerado um dos maiores programas do mundo na área. É dirigido pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do Ministério da Educação, e contempla todos os alunos matriculados na rede de educação básica, escolas públicas e filantrópicas, ofertando refeições durante o intervalo das atividades escolares. O programa visa assegurar que as necessidades nutricionais sejam ofertadas durante o período escolar, contribuindo para o desenvolvimento e melhora na capacidade de aprendizagem. Ainda objetiva proporcionar a oferta de alimentos seguros aos escolares1 , 2 .

A alimentação deve ser acessível, em quantidade suficiente, de modo regular e permanente, baseada totalmente nas Boas Práticas de Manipulação de Alimentos (BPMA). Essas condições são indispensáveis para a promoção e a manutenção da saúde, já que o consumo de alimentos de qualidade duvidosa e a ingestão de alimentos fora dos padrões higiênico-sanitários são um dos fatores responsáveis pela ocorrência de surtos de doenças transmitidas por alimentos e água (DTA)3 .

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), um terço da população é acometida a cada ano por doenças associadas ao consumo de alimentos e água contaminados. Essa estimativa é mais agravada em países em desenvolvimento onde grupos vulneráveis prevalecem. Segundo o Ministério da Saúde (MS), dados de surtos de DTA no Brasil apontam que cerca de 7,9% dos casos acontecem em creches e escolas4 . Quando conhecida, 9% das causas de surtos são oriundas de alimentos mistos e 6% de água contaminada. O principal microrganismo envolvido nas DTA é Salmonella spp., correspondendo a 7,5%4 , apontando assim, a necessidade de intervenções eficientes nas Unidades de Alimentação e Nutrição Escolar (UANE).

Salienta-se que a conservação inadequada dos alimentos, a falta de condições higiênico-sanitárias durante o preparo e o descuido com os elementos que participam da produção de refeições, tanto dos manipuladores como dos gêneros utilizados, poderão desencadear contaminações dos alimentos4 .

Nesse sentido, destacam-se as UANE como foco de estudo do presente trabalho por serem caracterizadas como um serviço de alimentação coletiva, sendo assim, devem seguir as mesmas exigências que os demais estabelecimentos deste tipo, a fim de diminuir o risco de DTA nos escolares5 . Por isso, as UANE devem ser continuamente monitoradas, pois além de ofertarem alimentos saudáveis, as BPMA devem ser aplicadas aos produtos, serviços, edificações, bem como no processo produtivo de alimentos para promoção e ampliação da oferta de um alimento seguro no âmbito escolar6 .

A fim de avaliar e melhorar o controle higiênico-sanitário da alimentação escolar, para que ela seja capaz de formar hábitos alimentares saudáveis, o Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição do Escolar (Cecane) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), juntamente com o apoio do Cecane da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), elaborou e validou uma “Lista de verificação em boas práticas para unidades de alimentação e nutrição escolares”5 . Essa lista foi criada com base nas legislações sanitárias brasileiras e listas de verificação utilizadas por nutricionistas de Secretarias de Educação de municípios brasileiros, e tem como objetivo gerar um diagnóstico, das escolas de educação infantil em relação às condições higiênico-sanitárias, necessário para a tomada de decisões por parte dos gestores.

Considerando que a saúde é um direito e que a escola também responde pela sua garantia, seja por meio do serviço de alimentação que disponibiliza para os escolares ou pela formação de cidadãos conscientes das suas escolhas7 , este trabalho justifica-se à medida que tem por objetivo diagnosticar as condições higiênico-sanitárias das unidades de alimentação e nutrição de escolas de educação infantil de Palmeira das Missões-RS, através da aplicação de uma lista de verificação em BPMA de alimentos.

MÉTODO

Foi realizado um estudo descritivo observacional de avaliação em BPMA em UANE, com abordagem transversal quali-quantitativa. A lista de verificação pertencente ao Cecane5 da UFRGS, que busca facilitar a avaliação das condições higiênico-sanitárias das escolas, foi aplicada in loco .

A pesquisa foi realizada junto as UANE da Educação Infantil do município de Palmeira das Missões-RS, cidade localizada no interior no estado do Rio Grande do Sul, no período de agosto a novembro de 2016. Todas as escolas municipais de educação infantil (EMEI) urbanas foram avaliadas, totalizando sete locais. Foi assinado um termo de autorização para o desenvolvimento da pesquisa pela Secretária da Educação e pela Nutricionista responsável. As UANE foram identificadas por letras (A–G), visando o sigilo das mesmas. A lista de verificação em BPMA é dividida em seis blocos temáticos sendo eles: Edifícios e Instalações da área de Preparo de Alimentos (Bloco 1); Equipamentos para Temperatura Controlada (Bloco 2); Manipuladores (Bloco 3); Recebimento (Bloco 4); Processos e Produções (Bloco 5) e Higienização Ambiental (Bloco 6), totalizando 99 questões5 .

Para verificar o nível de adequação das condições higiênico-sanitárias das UANE, foi realizado acompanhamento in loco , sendo observado todo o processo produtivo da alimentação escolar das escolas municipais de EMEI. Quando aplicável, as temperaturas dos equipamentos das UANE (f reezers , geladeiras) foram verificadas por um termômetro digital da marca Inconterm ® com sensibilidade de -50 °C a +70 °C.

Para a avaliação foram atribuídas em cada questão da lista de verificação notas que variaram de zero a oito, conforme o grau de risco sanitário e importância para a segurança dos alimentos produzidos nas UANE. Todas as respostas assinaladas na alternativa “não”, que caracterizam a não conformidade do item às boas práticas, recebem o escore zero. Em relação às alternativas assinaladas como “sim”, os escores são atribuídos pela ferramenta de acordo com as características da questão ( Quadro ).

Quadro
Grau de risco de contaminação e segurança dos alimentos.

Além disso, para cada um dos blocos está estipulado um peso (k, igual a 10, 15, 25 ou 30) de acordo com o grau de risco e importância para a segurança dos alimentos8 .

Após o cálculo de pontos obtidos em cada um dos blocos (PB), os resultados obtidos são somados. Assim, é obtida uma pontuação final e, com base nessa pontuação, a UANE é classificada por bloco ou por pontuação total em grau de risco sanitário ( Tabela 1 ).

Tabela 1
Grau de risco sanitário das unidades de alimentação e nutrição.

Por fim, a coleta de dados foi realizada pelos pesquisadores responsáveis pelo projeto, previamente capacitados por docente da área.

A tabulação dos dados foi realizada com o auxílio do programa Microsoft Office Excel , versão 2007, e as figuras formuladas através do programa GraphPad Prism versão 5.0. Os dados foram submetidos à análise estatística descritiva simples (média, percentual de conformidade e desvio-padrão), com auxílio do programa Statistica versão 7.0. A descrição dos resultados obtidos na análise ocorreu com a utilização de figuras e tabelas.

Por fim, cabe destacar que o presente trabalho apresentou um relatório com os dados gerais e específicos em relação as boas práticas de cada UANE à Secretaria Municipal de Educação, bem como a cada unidade escolar.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

De acordo com os resultados obtidos por meio da avaliação da lista de verificação em boas práticas, a média geral de adequação das sete escolas avaliadas foi de 31,5 ± 4,3%. Percentual que, de acordo com os índices de adequação do Cecane/UFRGS5 , classifica essas unidades de alimentação em grau de risco sanitário alto (26–50%). Atribui-se este resultado principalmente ao grande número de itens não conformes verificados nas UANE, o que acaba por oferecer riscos potenciais para o desenvolvimento de DTA ofertados nas EMEI. Cabe destacar que as EMEI A (25,2%) e D (37,5%) foram os locais que apresentaram o menor e o maior percentual de adequação, respectivamente. Por isso, faz-se necessário o fortalecimento de medidas de controle de riscos em ambientes escolares, garantindo proteção à saúde de seus usuários por meio da oferta de alimentos inócuos. Além disso, o efetivo cumprimento das normas só terá êxito se os responsáveis pelas unidades forem capacitados para atuação em alimentação escolar conjuntamente a atuação dos órgãos fiscalizadores9 . A falta de fiscalização, capacitação adequada e atualizações dos manipuladores levam as EMEI a classificações alarmantes, como as de risco sanitário alto e risco sanitário muito alto, segundo deflui-se da Figura 1 . Esses resultados revelam um cenário preocupante sob a ótica da segurança alimentar, mostrando que as unidades de alimentação não estão adequadas para servir um alimento seguro do ponto de vista higiênico-sanitário, oferecendo um alto risco de ocorrências de surtos alimentares e ainda comprometendo a qualidade do mesmo.


Figura 1
Classificação geral das escolas municipais de educação infantil, Palmeira das Missões-RS, 2016.

Quando avaliados o percentual médio de adequação por grau de risco sanitário, pode-se verificar que apenas o bloco Edifícios e instalações da área de preparo de alimentos ( Tabela 2 ) apresentou percentual de adequação superior a 50%.

Tabela 2
Percentual de adequação das boas práticas de manipulação por bloco das Unidades de Alimentação e Nutrição Escolares, Palmeira das Missões-RS, 2016.

Por conseguinte, com base nos dados apresentados na Tabela 2 , procurar-se-á, a seguir, detalhar e comparar os resultados das UANE avaliadas, por blocos.

Na categoria relacionada a Edifícios e instalações da área de preparo e distribuição de alimentos (Bloco 1) foi obtida a média geral de 50,5 ± 13,5%, sendo o bloco com o maior percentual de adequação ( Tabela 2 ). As UANE D e E são as que apresentaram um maior percentual de adequação neste bloco, sendo que as duas unidades foram inauguradas nos últimos cinco anos, possuindo assim uma estrutura mais adequada à legislação sanitária e os edifícios e instalações mais preservados.

É pertinente destacar, como caraterísticas positivas, que, em geral, as EMEI avaliadas apresentaram boa iluminação na área de preparo, não possuindo cantos escuros, facilitando a preparação das refeições. Além disso, o sistema hidráulico de abastecimento de água era oriundo da rede pública e todas UANE apresentavam reservatórios de água íntegro. Outro ponto positivo é que as EMEI possuíam sanitários e vestiários exclusivos para os funcionários da escola (professores e manipuladores), constituídos de vasos sanitários com tampa, descarga eficiente, sendo todos providos de água corrente. Em contrapartida, nenhuma EMEI avaliada possuía o material de higiene pessoal adequado, como sabonete antisséptico e toalhas de papel. Porém, em todos foi observado sabonete perfumado e toalhas de algodão.

Também foi observado que 71,5% (n=5) das UANE possuem estrutura física semelhante a cozinhas domésticas. A área externa das EMEI não possuía condições higiênicas e de sanidade, encontrando-se focos de insalubridade nas áreas vizinhas, como, por exemplo, animais, restos de materiais de construção e entulhos. Na área de preparação verificou-se objetos em desuso, tais como bacias, baldes, bolsas, potes, celulares, assim como edificações malconservadas. Esse fato pode levar a contaminação dos alimentos, por estarem em cozinhas adaptadas10 . Na área de produção e distribuição de alimentos, não foi visualizada em nenhuma UANE, luminárias com proteção contra quedas e explosões, conforme determina a RDC nº 216, de 15 de setembro de 200411 , o que leva a um risco físico, pois, no caso de queda, além de perder os alimentos produzidos, os usuários estão expostos a acidentes que poderiam ser evitados caso existisse uma proteção adequada12 .

Ademais, as EMEI não proporcionavam na sua estrutura física, lavatório exclusivo para higiene das mãos, assim não dando condições higiênico-sanitárias aos manipuladores de alimentos, indicando a obrigação de realizar a adequação das UANE com relação a estrutura física10 . Também não apresentavam telas de proteção nas janelas das áreas de produção e distribuição de alimentos, assim como no estudo de Santana et al.13 e Lockis et al.14 , que verificaram ausência de telas nas janelas de 90% (n=18) das escolas estudadas. O uso das telas é obrigatório pela legislação uma vez que auxiliam na segurança dos alimentos nas unidades prevenindo a entrada de vetores4 .

No que diz respeito ao bloco Equipamentos para temperatura controlada (Bloco 2), a média de adequação encontrada foi de 13,1 ± 7,7% ( Tabela 2 ). Todas as UANE avaliadas possuíam geladeiras e freezers em bom estado de funcionamento e higiene. Porém nenhuma delas possuía termômetro para verificar as temperaturas dos alimentos, nem mesmo para garantir se a temperatura estava adequada para os equipamentos de refrigeração.

Observou-se que em 100% (n=7) das UANE avaliadas, os alimentos preparados e pré-preparados se encontravam muito desorganizados dentro dos equipamentos de frio. Os alimentos na geladeira devem estar organizados da seguinte maneira: prateleiras superiores para alimentos preparados e prontos para o consumo; prateleiras do meio para produtos semi-preparados e prateleiras inferiores para alimentos crus4 .

Durante a observação in loco , foram aferidas as temperaturas das geladeiras e freezers das UANE como está apresentado na Tabela 3 . As geladeiras tiveram uma temperatura média de 6,3 ± 2,2ºC, enquanto os freezers obtiveram -14,7 ± 6,0ºC. Apenas a geladeira e o freezer das UANE A e C apresentaram temperaturas adequadas. Isso demostra a importância de ter um acompanhamento da verificação das temperaturas dos equipamentos de refrigeração e congelamento dos alimentos, já que estão inadequados, pois, segundo a Portaria nº 216/200411 , os alimentos devem ser conservados em temperaturas inferiores a 5ºC, ou congelados à temperatura igual ou inferior a -18ºC.

Tabela 3
Temperatura dos equipamentos de armazenamentos de alimentos das Unidades de Alimentação e Nutrição Escolares, Palmeira das Missões-RS, 2016.

De acordo com os dados apresentados, a ausência de termômetros para aferição de temperaturas faz com que o armazenamento dos alimentos em diferentes etapas de processamento ocorra de forma incorreta. Equipamentos com a temperatura inadequada promovem a perda da qualidade da matéria-prima, o que pode influenciar na deterioração de alimentos perecíveis como também na multiplicação bacteriana, podendo promover DTA em crianças que são mais suscetíveis devido à imaturidade do sistema imunológico10 . No estudo de Legnani et al.15 , no qual fizeram inspeções em 27 unidades de alimentação, as não conformidades mais frequentes foram relacionadas aos equipamentos de conservação dos alimentos que não apresentavam medidor de temperatura ou não estavam em adequado estado de funcionamento, assim como a inexistência de registros de manutenção preventiva dos equipamentos e ausência de termômetros em refrigeradores de alguns estabelecimentos estudados. A ausência de controle de temperatura em equipamentos de armazenamento de alimentos constitui um risco para a qualidade do produto final.

No bloco Manipuladores (Bloco 3), as escolas apresentaram, no geral, 45,2 ± 9,5% de adequação ( Tabela 2 ). A EMEI D foi a que apresentou maiores índices de adequação neste bloco, tendo um diferencial na ausência de adornos nos manipuladores.

Em todas as UANE foi possível observar que os manipuladores trabalhavam sem afecções clínicas aparentes, todas possuíam toucas para proteger os cabelos, e em 71% (n=5) das EMEI os manipuladores participaram de capacitação envolvendo segurança dos alimentos. Porém, o índice de itens não conformes foi alto, sendo esses resultados esperados uma vez que não existe uma supervisão frequente de procedimentos nas UANE. Verificou-se que os funcionários trabalhavam sem o uso do uniforme compatível com sua função e em 85,7% (n=6) das EMEI os manipuladores faziam uso de adornos (aliança, anéis, pulseiras e brincos). Este resultado confirma uma deficiência de informações, capacitações e fiscalização contínuas quanto às normas de higiene pessoal, o que pode colocar em risco a saúde dos consumidores.

Os manipuladores representam um dos principais veículos de contaminação. E deve-se considerar que todos os alimentos já se apresentam naturalmente contaminados por vários tipos de microrganismos, assim, a maior preocupação é impedir que eles sobrevivam, se multipliquem ou que os alimentos sejam contaminados por mais microrganismos, como consequência da manipulação inadequada16 . Outra preocupação é com a realização de exames periódicos dos manipuladores de alimentos, pois houve relatos que tais exames só ocorreram uma vez por ocasião do exame admissional realizado após o concurso público, e, quando realizados, não eram laboratoriais.

Essa informação é preocupante uma vez que por meio do exame pode-se prevenir riscos para que o manipulador não seja um veículo de patógenos, promovendo menor risco de contaminação das preparações. Campos et al.12 relataram que essa falta de conduta foi observada em algumas escolas, sendo que 51,9% (n=14) eram escolas urbanas e 58,3% (n=15) escolas rurais, onde manipuladores não realizavam exames periódicos.

No Recebimento (Bloco 4), as UANE não apresentaram percentual médio de adequação ( Tabela 2 ). As UANE não possuíam funcionários responsáveis pelo recebimento das matérias-primas e os manipuladores não avaliavam as condições das matérias-primas nem mesmo as condições das embalagens, data de validade, rotulagem e qualidade dos mesmos no momento da entrega, conforme preconiza a legislação sanitária.

Na cadeia produtiva de alimentos, a recepção da matéria-prima é considerada como um ponto de controle. Devido a isso, os cuidados com a seleção de fornecedores e a conferência dos produtos durante o recebimento e o armazenamento constituem exigências legais que contribuem para a garantia da qualidade e da inocuidade do produto final11 .

Durante o recebimento, além de verificar a data de validade na embalagem, também devem ser observadas as condições da pessoa que realiza a entrega, pesagem, medição e o registro da temperatura dos alimentos que necessitam de refrigeração9 .

No estudo feito junto as escolas públicas do ensino fundamental da cidade de Salvador, BA, merece destaque a inadequação de várias unidades quanto ao local de recepção dos gêneros e verificação se os mesmos estavam adequados ou não, uma vez que não dispunham de área reservada e manipuladores capacitados (98,3% n=231)17 .

No bloco Processos e Produções (Bloco 5), o percentual médio de adequação é de 41,4% ( Tabela 2 ). Em todas as unidades os alimentos são retirados das caixas de papelão ou de madeira, que são substituídos por sacos plásticos apropriados quando necessário, e há ausência destas nos equipamentos de refrigeração. Em 100% (n=7) das EMEI avaliadas, os manipuladores não realizavam a higiene correta das mãos, situação crítica que pode levar a contaminação dos alimentos durante o preparo.

O fato de nenhuma instituição apresentar um lavatório específico para a realização do procedimento indica a dificuldade em realizá-lo, porém, não justifica deixar de fazê-lo, pois a maioria dos funcionários receberam capacitação sobre importância das boas práticas e o correto procedimento de higienização das mãos. A falta da prática da higiene das mãos sugere a necessidade de implantação de Procedimento Operacional Padronizado (POP) específico para a realização de tal procedimento, que pode ser realizado por uma instrução de trabalho fixada de forma visível4 . Essa inadequada conduta foi semelhante em 99% (n=119) das 120 escolas avaliadas em Porto Alegre, RS, em estudo realizado por Oliveira et al.16 , no qual a maioria dos manipuladores faziam a higienização das mãos de forma inadequada. Outro fato muito importante observado é que 57,14% (n=4) das instituições avaliadas apresentaram Manual de Boas Práticas (MBP) e nenhuma apresentou POP. Como as instituições (EMEI) não apresentaram normas de higiene a serem seguidas e não dispõem de um controle dos procedimentos que devem ser realizados, fica difícil comprovar e manter um padrão de qualidade durante todos os procedimentos dentro das UANE.

Portanto, cada estabelecimento deve ter um Manual de Boas Práticas e POP acessíveis a todos os manipuladores e órgãos fiscalizadores sob os preceitos das regras sanitárias vigentes. Nesses documentos devem estar justificados todos os procedimentos que acontecem na área de preparo; pelo simples e relevante fato: alimentos são essenciais para a subsistência humana e vitais para o desenvolvimento das crianças. Portanto, alguns procedimentos e cuidados são indispensáveis para a melhor conservação e acondicionamento da matéria-prima das preparações, dentre eles, é relevante salientar que os alimentos devem ficar em locais secos, limpos e seguros, mantendo a vida útil deles2 .

O procedimento de registro de temperaturas dos alimentos não é realizado em 100% (n=7) das EMEI, o que pode influenciar na deterioração de alimentos perecíveis e crescimento microbiano particularmente associado com a manipulação inadequada dos alimentos e a contaminação cruzada das superfícies como bancadas e tábuas de corte mal higienizadas16 . Ressaltando que as não conformidades relacionadas ao controle da temperatura envolvem um perigo para a segurança das crianças levando a riscos de DTA10 .

A OMS apontou a cocção insuficiente bem como o preparo de alimentos com grande antecedência ao consumo como fatores que favorecem a proliferação de microrganismos patogênicos. De acordo com as normas estabelecidas pela RDC n° 216/0411 , após serem submetidos à cocção, os alimentos preparados devem ser mantidos em condições de tempo e de temperatura que não favoreçam a multiplicação microbiana. Para conservação a quente, os alimentos devem ser submetidos à temperatura superior a 60ºC por, no máximo, 6 horas.

Nas UANE as refeições eram preparadas com antecedência, permanecendo por um período maior que 1 hora fora da temperatura adequada. Durante a observação foi aferida somente a temperatura no momento que os alimentos eram entregues para os professores, pois os pesquisadores não tiveram acesso as salas de aula onde os alimentos foram distribuídos aos escolares ( Tabela 4 ). Evidenciou-se que a maioria das temperaturas estaria de acordo com as legislações vigentes11 se eles fossem distribuídos imediatamente ao término do preparo, já que nenhuma EMEI possui buffet para manter as temperaturas.

Tabela 4
Temperatura dos alimentos das Unidades de Alimentação e Nutrição Escolares no momento da distribuição, Palmeira das Missões-RS.

A média das temperaturas de distribuição das preparações quentes (arroz, feijão, carne e guarnição) foi de 80,8 ± 6,1ºC, estando de acordo com as recomendações preconizadas pela legislação sanitária11 ( Tabela 4 ). Já as preparações frias (saladas) apresentaram a temperatura média de distribuição de 26,2 ± 5,2ºC, constatando que não estavam de acordo com o preconizado, já que a RDC n° 216/200411 especifica que estas devem manter-se a < 5 ºC ( Tabela 4 ). Portanto, os fatores, temperaturas adequadas e a possibilidade de tempos e de técnicas de manipulação e processamento de alimentos são meios que podem ser utilizados eficientemente no combate a DTA. Por isso, é muito importante o monitoramento desses fatores, principalmente nas escolas, por serem estabelecimentos comumente passíveis de surtos, por fornecerem alimentos a um grande número de crianças7 .

Contudo pode-se perceber que nas UANE B e D, as preparações quentes (carne e guarnição) ficaram com temperaturas inferiores ao recomendado, o que revelou que esses alimentos estavam na zona de perigo, permitindo assim o desenvolvimento dos microrganismos11 .

Com relação ao bloco de avaliação referente à higienização ambiental (Bloco 6), o índice de adequação foi de 38,7 ± 8,6% ( Tabela 3 ). Em 100% das EMEI, o lixo era disposto adequadamente em recipientes constituídos de material de fácil limpeza revestidos de sacos plásticos; e a área de lixo externa era isolada da área de produção e distribuição de alimentos, evitando assim a contaminação.

Das EMEI avaliadas no presente estudo, 100% (n=7) não possuíam local adequado para guardar utensílios, ficando estes expostos em cima de balcões ou prateleiras abertas, sem o mínimo de proteção contra insetos ou poeiras. Nenhuma instituição utilizava pano descartável para limpeza, isso implica no uso de panos de louça não descartáveis para as atividades como higiene de balcões, mesas, prateleiras. Foi observado ainda, que eles não eram substituídos a cada duas horas e o processo correto de higienização não era realizado conforme preconiza a Portaria Estadual SES/RS nº 78, de 19 de outubro de 200619 .

Com relação ao controle integrado de pragas, 85,7% (n=6) das EMEI não possuíam a comprovação da realização do procedimento por empresa especializada. As diretoras relataram que esses documentos se encontram na Secretaria Municipal da Educação, com a nutricionista responsável. A falta desta documentação nas EMEI contraria a legislação sanitária vigente11 , pois é de responsabilidade do serviço de alimentação tomar as medidas para evitar a presença de pragas, assim como possuir a comprovação na unidade de alimentação da contratação de empresa especializada para o controle químico de pragas. Cabe à empresa que realiza controle de pragas seguir as normas práticas e operacionais referentes ao tipo de produto utilizado e às técnicas de aplicação para minimizar o impacto ambiental e garantir saúde das crianças e a qualidade de serviço9 .

CONCLUSÕES

Conforme os resultados encontrados, pode-se verificar que os blocos que precisam de maior atenção são: Equipamento para Temperatura Controlada e Recebimento, pois foram os itens que tiveram um maior índice de inadequações. Pode-se verificar que as condições higiênicas das áreas de manipulação, armazenamento e distribuição das refeições nas EMEI não são suficientes para garantir a sua qualidade.

Por se tratar de um assunto de interesse público, já que envolve a saúde das crianças, é necessário um maior acompanhamento, mesmo que esse já seja realizado por parte do poder público, a fim de se obter êxito na adequação das áreas de preparação dos alimentos servidos, garantindo aos comensais preparações com menor risco sanitário e melhor qualidade.

Conclui-se que existe a necessidade da implantação de boas práticas para os manipuladores de alimentos com adequação dos requisitos exigidos, bem como o desenvolvimento de MBP e aplicação dos POP como forma de reduzir os riscos de ocorrer surtos alimentares nas EMEI avaliadas.

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Autor notes

* E-mail: carlacristina@brturbo.com.br

Declaração de interesses

Conflito de Interesse:

os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.



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