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Avaliação normativa das salas de vacina da região Oeste do estado de Minas Gerais, de outubro de 2015 a agosto de 2016
Vigilância Sanitária em Debate, vol. 5, núm. 3, pp. 44-52, 2017
INCQS-FIOCRUZ

ARTIGO


Recepção: 25 Janeiro 2017

Aprovação: 24 Maio 2017

DOI: https://doi.org/10.3395/2317-269X.00923

RESUMO

Introdução: A vacinação é uma medida relevante na prevenção de doenças, de baixa complexidade e grande impacto nas condições gerais de saúde das populações.

Objetivo: Trata-se de uma avaliação normativa realizada por meio de um estudo transversal, com o objetivo de avaliar a conformidade das salas de vacina da região Oeste de Minas Gerais, de acordo com as normas técnicas do Programa Nacional de Imunizações, de outubro de 2015 a agosto de 2016.

Método: Para conhecer o ideal funcionamento do programa, foi construído o modelo lógico, utilizando os componentes: estrutura, processo e resultado, proposto por Donabedian. A partir do modelo, foi criada a matriz de análise e julgamento, capaz de pontuar a adequação das salas. A fonte de dados foi o instrumento PAISSV, do Ministério da Saúde. Foram realizadas as análises descritiva simples e bivariada.

Resultados: Avaliou-se 60,0% (223) das salas de vacina da região e a maioria (83,0%) estava não adequada, tanto na dimensão estrutura quanto no processo geral. As ausências de câmara refrigerada e de sala climatizada na maioria dos municípios foram os piores itens avaliados na dimensão estrutura. A educação permanente foi o processo mais crítico em 56,5% (126) das salas, demonstrando falta de capacitação dos trabalhadores.

Conclusões: Este estudo contribuiu para o conhecimento das fragilidades na estrutura e no processo das salas de vacina para, a partir disso, favorecer a sua adequação.

Palavras chave: Atenção Primária à Saúde, Imunização, Enfermagem, Avaliação de Serviços de Saúde.

INTRODUÇÃO

A vacinação é uma medida relevante na prevenção de doenças, de baixa complexidade e grande impacto nas condições gerais de saúde das populações. Estima-se que mais de 30 doses de vacina sejam administradas globalmente a cada segundo e nenhuma outra intervenção de saúde atinge tantas pessoas ou é capaz de impedir uma gama tão variada de problemas de saúde pública1 .

No Brasil, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) consolidou-se como importante coordenador de intervenções em saúde pública por reduzir consideravelmente o perfil de morbidade e de mortalidade por doenças transmissíveis. É, portanto, um programa de referência mundial devido à sua alta efetividade, grande aceitação e adesão populacional2 e, por isso, necessita de um monitoramento rigoroso para a manutenção da qualidade do imunobiológico administrado na população3 .

Entretanto, estudos nacionais e internacionais apontam inúmeras divergências em relação à estrutura e ao processo dos programas de imunização. Os resultados dessas investigações apontam falhas na conservação, armazenamento e transporte dos imunobiológicos3 , 4 , 5 , 6 , 7 , 8 , 9 ; na educação permanente dos trabalhadores em sala de vacina5 , 10 , 11 ; na supervisão das salas de vacina12 , 13 ; além de identificar barreiras relacionadas ao acesso em sala de vacina14 . Apesar de nos últimos anos as publicações brasileiras referentes à dinâmica de funcionamento das salas de vacina terem aumentado, são escassas as investigações que utilizam a abordagem avaliativa15 na condução desses estudos.

O programa de imunização caracteriza-se pelo contexto extremamente dinâmico e contempla uma série de aspectos que precisam funcionar adequadamente para ser uma ação exitosa, exigindo uma implementação contínua. Para favorecê-la, é necessário manter uma atualização periódica e uma avaliação permanente. Nesse sentido, ações de avaliação e monitoramento evidenciam sua relevância e constituem-se em uma ferramenta de gestão viável para a melhoria do funcionamento do programa, pois permitem conhecer os elementos que o compõem com o intuito de subsidiar a tomada de decisões, a partir do julgamento de valor16 .

O modelo proposto por Donabedian atribui três dimensões para a avaliação: estrutura, processo e resultado. A estrutura representa as condições físicas, humanas e organizacionais em que o cuidado se dá; o processo remete à dinâmica do cuidado e o resultado é o produto final da assistência prestada. A avaliação normativa consiste, portanto, no julgamento de uma intervenção, comparando-se estrutura, processo e resultado obtido com os critérios e normas existentes, podendo ser considerada uma importante abordagem para avaliar a conformidade dos serviços de saúde15 , 17 .

O PNI, como um importante programa de saúde pública, também requer avaliação para que seus propósitos sejam assegurados. Diante do impacto epidemiológico da imunização e considerando-se as possíveis interferências em sua eficácia, é relevante identificar a fidelidade de todos os aspectos que envolvem a imunização no nível local de saúde de acordo com as normas técnicas.

Dessa forma, este estudo objetivou avaliar a conformidade das salas de vacina, de acordo com as normas técnicas do PNI, na região Oeste de Minas Gerais, em 2016.

MÉTODO

Trata-se de uma avaliação normativa, baseada na tríade donabediana17 , realizada por meio de um estudo transversal. Buscou-se comparar a estrutura e o processo das salas de vacinas da região Oeste de Minas Gerais com as normas e as diretrizes preconizadas pelo PNI18 , 19 , sendo possível, portanto, conhecer o seu grau de conformidade.

A região Oeste de Minas Gerais representa uma das 13 regiões de saúde do estado e possui 54 municípios, agrupados em seis microrregiões: Bom Despacho, Formiga, Itaúna, Pará de Minas, Santo Antônio do Amparo e Santo Antônio do Monte/Divinópolis (município-polo da região de saúde). Nela, estão distribuídas 370 salas de vacina20 .

A fonte de dados da pesquisa foi o questionário do Programa de Avaliação do Instrumento de Supervisão para Sala de Vacina (PAISSV), criado pelo Ministério da Saúde (MS) para avaliar as salas de vacina. O PAISSV foi enviado para as 370 salas de vacina da região, por meio das referências técnicas em imunização dos 54 municípios, em outubro de 2015.

Até agosto de 2016, dos 370 questionários enviados, retornaram à Superintendência Regional de Saúde (SRS) 232 questionários, mesmo após diversos contatos telefônicos e ampliação do prazo para entrega. Destes 232, foram excluídos nove questionários referentes às salas utilizadas para o estoque municipal dos imunobiológicos ou às vinculadas a hospitais e pronto atendimentos, por não exigirem a mesma equipe, nem desenvolverem as mesmas ações que as demais salas. Assim, foram incluídas no estudo 223 salas distribuídas em 49 municípios, já que cinco municípios não enviaram os questionários de avaliação de suas salas de vacina.

Para reconhecer as proposições do ideal funcionamento das salas de vacina, construiu-se o modelo lógico ( Figura ), embasado nos últimos manuais normativos disponíveis até o momento do estudo: Manual de Normas e Procedimentos para Vacinação, de 201419 , e Manual de Rede de Frio do Programa Nacional de Imunização, de 201318 . O modelo subsidiou a definição das perguntas avaliativas e, com base nestas, os critérios utilizados na análise das dimensões estrutura e processo. As perguntas foram classificadas quanto a sua prioridade, utilidade, se geram informações importantes e viabilidade21 e as que atenderam à totalidade destes critérios foram as elegidas para compor a matriz de análise e julgamento, a qual permitiu pontuar as salas de vacina de acordo com a sua adequação ao preconizado pelo programa.


Figura
Modelo lógico do PNI, 2016.

EAPVS: eventos adversos pós-vacinação; PNI: Programa Nacional de Imunizações; SI-PNI: Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações.

Na matriz, os itens mais valorizados (máximo de cinco pontos) na dimensão estrutura foram aqueles considerados essenciais para o adequado funcionamento do PNI nos municípios: sala exclusiva, climatizada e com câmara refrigerada, acondicionamento adequado do material perfurocortante, quantidade suficiente de caixa térmica, existência de enfermeiro, equipe de vacinação ideal considerada como a existência de dois enfermeiros ou um enfermeiro mais dois técnicos/auxiliares de enfermagem atuantes em sala de vacina.

Na dimensão processo foram avaliados três componentes: “Conservação dos imunobiológicos”, “Administração dos imunobiológicos” e “Educação Permanente”. No componente conservação dos imunobiológicos foram analisados: registro das temperaturas do equipamento de refrigeração 2x/dia, ambientação das bobinas de gelo reciclável, monitoramento da temperatura da caixa térmica, comunicação à instância superior em casos de alteração de temperatura, preenchimento do formulário de desvio de qualidade, manutenção das vacinas refrigeradas até o pronunciamento da instância superior.

No componente administração dos imunobiológicos foram avaliados: funcionamento da sala de vacina nos dois turnos, notificação e investigação dos Eventos Adversos Pós-Vacinação (EAPV), tratamento das vacinas vivas antes do descarte e administração de todas as vacinas de rotina do calendário básico do PNI vigente no momento da coleta de dados.

No componente educação permanente foi investigado se houve capacitação nos últimos dois anos de pelo menos um dos membros da equipe da sala de vacina.

A matriz de análise e julgamento foi definida por consenso, a partir de discussões com os interessados internos e externos à pesquisa, como: pesquisadores, Referência Técnica em Imunização da SRS, e referências técnicas do PNI de três municípios.

Ao receber o questionário do PAISSV, os pesquisadores selecionavam os itens que responderiam às questões da matriz de análise e julgamento para identificar a pontuação de cada sala de vacina. Cada item foi avaliado de 0,0 a 5,0 pontos. A pontuação máxima da matriz foi de 95 pontos, sendo 40 pontos referentes à dimensão estrutura e 55 pontos, à dimensão processo. A pontuação do processo (55) foi subdividida em: 30 pontos para o componente de “Conservação dos imunobiológicos”, 20 pontos para “Administração dos imunobiológicos” e cinco pontos para o componente de “Educação Permanente”. Os processos dos subcomponentes “Registro” (do componente “Assistência”) e “Supervisão de Enfermagem” (do componente “Gestão”), incluídos no modelo lógico, não estão contidos na matriz de análise e julgamento por não haver itens no PAISSV capazes de responder às suas principais atribuições e serão avaliados em pesquisas futuras.

A seguir, procedeu-se à construção dos escores do grau de conformidade, considerando duas etapas. No primeiro momento, foram determinados os valores observados (∑ dos pontos dos indicadores) e calculado o grau de conformidade (∑ observados/ ∑ dos pontos máximos X 100) para cada componente e, posteriormente, realizou-se a somatória dos componentes para o cálculo do grau de conformidade total. A classificação do grau de conformidade total foi a mesma utilizada em estudo realizado em Minas Gerais10 que categorizou em: (1) crítico: < 60,0%; (2) não adequado: ≥ 60,0% e < 90,0%; (3) adequado: ≥ 90,0%.

Além da análise descritiva, representada pelo cálculo das frequências, foi realizada análise estatística bivariada. O teste de qui quadrado de Pearson foi utilizado para analisar a associação entre o grau de conformidade das salas de vacina com as variáveis de exposição: porte populacional e cobertura estimada de Estratégia Saúde da Família (ESF) no município. O nível de significância estabelecido foi de 5%.

O porte populacional dos municípios foi classificado em: pequeno porte I (≤ 20.000 habitantes); pequeno porte II (> 20.000 a ≤ 50.000 habitantes); médio porte (> 50.000 a ≤ 100.000 habitantes); e grande porte (> 100.000 habitantes)22 . Já em relação à cobertura de ESF, os municípios foram divididos em municípios com cobertura de 100% e municípios com cobertura menor de 100%.

As informações foram digitadas em dupla entrada no Epi-data 6,0 para eliminar possíveis erros de digitação e analisados no Stata 12.0.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade Federal São João del-Rei, sob parecer nº 1.231.140, de setembro de 2015.

RESULTADOS

Das 370 salas de vacina da região Oeste de Minas Gerais, 232 enviaram o questionário para a SRS. No entanto, consoante aos critérios de inclusão, foram analisadas 223 (60,0%) delas. Devido à inviabilidade de descrição de 223 salas de vacina avaliadas no estudo, os resultados foram consolidados por microrregião. Sendo elas: Microrregião A (21 salas), Microrregião B (52 salas), Microrregião C (45 salas), Microrregião D (30 salas), Microrregião E (26 salas) e Microrregião F (49 salas).

Verificou-se que 63,0% (141) delas estavam distribuídas em Unidades de ESF, 26,0% (58) em Unidades Básicas de Saúde tradicionais e em 11,0% (24) não foi identificado o tipo de serviço ao qual estava vinculada.

Grande parte das salas analisadas (82,0% – 182) atendia a população urbana, 11,0% (24) a população rural e 3,0% (seis) recebia tanto a população rural quanto a urbana; em 5,0% (11) não foi identificado o tipo de população atendida. Sobre o funcionamento das salas da região, 70,0% (157) atendiam oito horas ou mais, 25,0% (55) seis horas e 5,0% (11) quatro horas por dia.

A Tabela 1 apresenta todos os itens que compuseram a matriz de análise e julgamento, desmembrados, inclusive, nas dimensões estrutura e processo para cada (sub)componente (vide modelo lógico).

Tabela 1
Percentuais dos dados relacionados às dimensões estruturais e de processo das salas de vacinação da região Oeste de Minas Gerais, de outubro de 2015 a agosto de 2016.

*Foi considerada equipe ideal de vacinação a existência de dois enfermeiros ou um enfermeiro mais dois técnicos/auxiliares de enfermagem atuantes na sala de vacina; **A análise desse item considerou o calendário vacinal vigente no momento da coleta de dados.

No que tange à estrutura, chama a atenção o reduzido número de salas (54) que consegue se manter na temperatura preconizada entre + 18ºC e + 20ºC. Além disso, somente 23,0% (51) possuem câmara refrigerada, equipamento de refrigeração indicado atualmente. O equipamento de refrigeração predominante ainda é o refrigerador doméstico (77,0%).

Na avaliação da composição da equipe ideal na sala de vacina, pouco mais da metade (119) das salas atingiu a pontuação máxima, que considerava a existência de dois enfermeiros ou um enfermeiro mais dois técnicos/auxiliares de enfermagem.

Sobre o processo “Administração dos imunobiológicos”, menos da metade das salas (109) administra todas as vacinas do calendário básico nacional em vigor no período da pesquisa durante todo o período de funcionamento da sala e apenas 56,5% (126) realizam o tratamento das vacinas vivas antes do descarte.

No processo “Educação Permanente”, somente 43,0% (97) das salas apresentaram pelo menos um membro da equipe capacitado nos últimos dois anos. Considerou-se esse período, devido às últimas atualizações em imunização, presentes no Manual de Normas e Procedimentos para Vacinação de 2014.

O cálculo do grau de conformidade das salas de vacina da região Oeste de Minas Gerais permitiu classificar as salas segundo o sistema de escores estabelecido. Verificou-se que o grau de conformidade estava adequado em 14,7% (33) das salas de vacina avaliadas ( Tabela 2 ).

Tabela 2
Grau de conformidade das salas de vacina por microrregiões da região Oeste de Minas Gerais/Brasil, de outubro de 2015 a agosto de 2016.

A região A foi a que apresentou maior número de salas adequadas (11). As regiões C, D e E foram as que tiveram salas avaliadas com grau crítico de conformidade. A maioria das salas (83,0%) está classificada como não adequada, sendo esta classificação mais expressiva nas regiões B (20,6%) e F (21,1%).

As salas que enviaram o questionário do PAISSV e estavam, portanto, incluídas na análise pertenciam a 49 municípios da região Oeste de Minas Gerais, sendo nove deles com até 20.000 habitantes, 34 entre 20.001 e 50.000 habitantes, cinco de 50.001 a 100.000 habitantes e um com número superior a 100.000 habitantes. A maioria dos municípios (36) apresentava cobertura estimada de ESF de 100,0% e os demais (13) apresentavam cobertura estimada de ESF menor que 100,0%.

Para favorecer o cálculo de associação do grau de conformidade com o porte populacional e com a cobertura estimada de ESF, as salas foram agrupadas de acordo com a sua localização nos municípios participantes.

Verificou-se que não houve associação estatisticamente significativa entre ESF e o porte populacional do município com o grau de conformidade das salas de vacina ( Tabela 3 ). Portanto, nem a cobertura de ESF, nem o porte populacional interferiram na adequação das salas de vacina da região Oeste de Minas Gerais.

Tabela 3
Grau de conformidade das salas de vacina segundo a cobertura de Estratégia Saúde da Família e porte populacional dos municípios da região Oeste de Minas Gerais/Brasil, de outubro de 2015 a agosto de 2016.

1X2 de Pearson (Cobertura ESF) = 3,3096 (p = 0,191); 2X2 de Pearson (Porte populacional) = 10,0658 (p = 0,122).

Demonstrou-se, ainda, que a maioria das salas possui estrutura (77,6%) e processo geral (80,3%) não adequados ( Tabela 4 ).

Tabela 4
Distribuição do número de salas de vacina da região Oeste de Minas Gerais/Brasil quanto ao grau de conformidade segundo as dimensões, de outubro de 2015 a agosto de 2016.

Ao analisar cada componente do processo, a educação permanente é o evento mais crítico na maioria (56,5%) das salas de vacina, evidenciando ser o maior entrave dentre eles, seguido da administração dos imunobiológicos (36,7%). A maioria das salas realiza a conservação de vacinas de forma satisfatória, sendo este processo classificado como adequado em 83,9% (187) delas.

DISCUSSÃO

O PNI ainda enfrenta desafios para sua consolidação, mesmo após mais de 40 anos de sua criação. As salas de vacina da região Oeste de Minas Gerais apresentam-se, em sua grande maioria, não adequadas conforme o proposto pelo programa. O subcomponente conservação dos imunobiológicos foi o melhor avaliado e o subcomponente educação permanente dos trabalhadores ainda se manteve pouco expressivo no processo em sala de vacina.

Estudos que avaliaram o PNI, em nível local, têm revelado a necessidade de melhorias estruturais e operacionais para uma implantação satisfatória3 , 4 , 10 . No que diz respeito aos aspectos estruturais da sala de vacina, chama a atenção o pequeno número de salas climatizadas e equipadas com câmaras refrigeradas. A Organização Mundial de Saúde (OMS) não recomenda o uso de refrigeradores domésticos, devido à sua incapacidade de manter a temperatura interna por um tempo mínimo, em casos de interrupção na rede elétrica. A recomendação pela câmara consiste na melhor distribuição térmica e maior estabilidade, ou seja, na sua capacidade de manter a mesma temperatura em toda a extensão do equipamento, evitando a exposição das vacinas a extremos indesejados. Sabe-se que o correto armazenamento é um pré-requisito para a manutenção da qualidade e da segurança dos imunobiológicos23 , 24 , 25 .

Embora neste estudo a conservação dos imunobiológicos tenha sido melhor avaliada, esses resultados podem ter sido influenciados por uma avaliação realizada na região entre 2010 e 2011, que analisou a cadeia de frio de conservação de vacina e identificou, na maioria dos municípios, uma manutenção crítica10 . Podem, ainda, refletir uma limitação do instrumento de coleta de dados, uma vez que não foi explorada a observação direta dos itens avaliados.

É importante ressaltar que este estudo foi solicitado pelo setor de imunização da SRS da região Oeste, a fim de avaliar as salas de vacina, após ações de intervenções na região, em decorrência dos resultados obtidos no estudo sobre conservação de vacina citado anteriormente.

A conservação de vacina está entre as medidas necessárias para a manutenção da qualidade dos imunobiológicos, devendo, portanto, ser monitorada19 . A não manutenção da temperatura pode levar à perda de potência da vacina, resultando numa falha na imunização e expondo as pessoas ao risco de contrair doenças, além de aumentar o risco de EAPV11 .

Estudos no Brasil e em diversos países apontam falhas muito similares nessa área, como a ausência de ambientação das bobinas de gelo, falta de manutenção dos equipamentos na faixa de temperatura recomendada para conservação de vacinas, carência de dispositivos para monitoramento da temperatura, procedimentos insuficientes no recebimento de vacinas, uso de refrigeradores tipo doméstico para armazenamento dos imunobiológicos, além de equipamentos desgastados e com necessidade de substituição3 , 4 , 5 , 6 , 7 , 9 , 26 .

Com vistas a sanar problemas na cadeia de frio, alguns países vêm desenvolvendo estudos sobre vacinas autobiomineralizadas, que são capazes de suportar a temperatura de + 26°C por mais de nove dias e de + 37°C por, aproximadamente, uma semana. Por serem passíveis de armazenamento em temperatura ambiente, reduzem a necessidade da cadeia de frio e, consequentemente, os elevados custos para manutenção da refrigeração das vacinas, constituindo uma alternativa economicamente viável27 , 28 .

Além da conservação, merecem atenção aspectos referentes à administração dos imunobiológicos, especialmente no que tange às vacinas vivas, que constituem um resíduo infectante, necessitando, portanto, de tratamento antes do descarte19 . Mesmo sabendo da necessidade de aplicação dessa técnica para reduzir ou eliminar o risco de contaminação, de acidentes ocupacionais ou de dano ao meio ambiente, pouco mais da metade das salas realiza este procedimento. Além disso, é essencial que os materiais perfurocortantes sejam acondicionados de acordo com as normas de biossegurança, a fim de evitar acidentes4 . Nesse sentido, o Plano de Gerenciamento de Resíduos dos Serviços de Saúde (PGRSS) evidencia sua importância, já que é um documento obrigatório para cada serviço de saúde, por determinar o correto manejo dos resíduos gerados, de acordo com suas características e riscos29 .

A indisponibilidade de vacinas, seja pelo horário de funcionamento da unidade ou pela não administração de todas as vacinas de rotina do PNI, leva a oportunidades perdidas de imunização, as quais contribuem para as baixas coberturas e atraso no calendário vacinal14 , 30 .

Apesar de a quase totalidade das salas de vacina funcionar em dois turnos, menos da metade delas administra todas as vacinas previstas no calendário básico de rotina do PNI vigente no ano da pesquisa. Destaca-se que não adianta a introdução de novas vacinas se o acesso às atividades de imunização for dificultado. As salas de vacinas, que normalmente funcionam em horário comercial e não oferecem horários alternativos, limitam o acesso, principalmente para aquelas pessoas inseridas no mercado de trabalho31 .

A escassez de educação permanente teve destaque neste estudo. As mudanças no contexto da imunização são constantes e incluem desde a ampliação do calendário vacinal até novas tecnologias em equipamentos e vacinas7 , 27 , exigindo que todos os profissionais envolvidos nesses processos estejam sempre atualizados6 , 32 .

O desconhecimento dos profissionais atuantes em sala de vacina é percebido não apenas nas inovações, mas em situações cotidianas, como nos impactos que as alterações de temperatura acarretam nos imunobiológicos5 e nas normas técnicas dos programas de imunização. Especialistas em imunização identificaram falta de supervisão, educação, capacitação para os vacinadores, além da inexistência de normas consistentes envolvendo todos os processos de transporte de vacinas33 . Uma supervisão realizada de forma contínua com os profissionais de saúde atuantes na imunização trouxe resultados positivos em seus conhecimentos e, consequentemente, na qualidade deste serviço como um todo12 .

Os métodos tradicionais de ensino são predominantes em vários contextos de descentralização e acabam interferindo na efetividade das mudanças dos processos de trabalho. São necessários espaços de reflexão para uma aprendizagem significativa e incorporação laboral concreta34 .

Compreende-se a necessidade da sala de vacina ser transformada em espaço de educação no cotidiano do trabalho, a fim de que os profissionais de saúde possam discutir, problematizar e atualizar, no intuito de oferecer um serviço de imunização de qualidade para a população35 .

As variáveis porte populacional e cobertura de ESF não estiveram associadas, contestando investigação realizada na mesma região10 no período entre 2010 e 2011. Pressupõe-se que o número menor de salas avaliadas (60%) possa ter influenciado os resultados.

As demandas por atualização são diversas e não devem se restringir apenas aos recursos humanos envolvidos. Os instrumentos de avaliação também precisam estar atualizados com as últimas recomendações em imunização para continuarem sendo capazes de avaliar a totalidade daquilo que se pretende. Essa adequação contínua do instrumento permitirá que a avaliação ocorra de modo válido, confiável e útil36 . Stein37 remete a fidedignidade da avaliação dos serviços de saúde à utilização de instrumentos validados.

Sabe-se que o PAISSV é o instrumento do MS indicado para avaliar as salas de vacina. Representa um método válido e confiável para o seu fim e vem sendo aprimorado a partir da sua utilização em todo o país. Entretanto, sua última edição foi disponibilizada no ano de 2004, e alguns itens relacionados à conservação de vacina já foram modificados. Dessa maneira, a utilização do PAISSV como instrumento de coleta de dados pode ser considerada uma limitação do estudo. Apesar disso, as variáveis selecionadas para compor o subcomponente da conservação de vacina foram aquelas que não sofreram alterações, minimizando a possibilidade de comprometimento da validade interna do estudo por esta questão.

Outra limitação foi a abordagem utilizada na aplicação do instrumento, que em algumas salas limitou-se somente ao que foi dito pelos trabalhadores em sala de vacina, ou seja, não foi realizada observação direta. Isso pode ter superestimado as afirmativas corretas de alguns itens, como a ambientação das bobinas de gelo reciclável, a notificação de EAPV e as condutas adotadas frente à alteração de temperatura do equipamento de refrigeração.

Por outro lado, o estudo forneceu elementos sobre os eventos críticos em sala de vacina, permitindo um melhor conhecimento sobre a temática e apontando as deficiências que precisam ser controladas. Pontuou, também, possíveis fatores que precisam ser melhor investigados em pesquisas futuras, como o acesso em sala de vacina, a insuficiente capacitação dos trabalhadores, além da necessidade da construção e validação de instrumentos que possam avaliar as diversas dimensões do processo em sala de vacina.

E, ainda, foi dada a oportunidade de a referência técnica em imunização do município realizar a coleta e ter a possibilidade de conhecer as potencialidades e fragilidades das salas de vacina sob a sua responsabilidade, instituindo assim a prática da avaliação no serviço.

CONCLUSÕES

As salas de vacinas da região Oeste de Minas Gerais encontram-se, em sua grande maioria, não adequadas às normas e diretrizes do PNI em relação à estrutura e ao processo. A ausência de câmara refrigerada e sala climatizada na maioria dos municípios foram os piores itens avaliados na dimensão estrutura.

Na dimensão processo, o subcomponente educação permanente identificou ausência de capacitação dos trabalhadores em sala de vacina. O elenco de vacinas atualmente existente no calendário nacional de vacinação e os avanços na área exigem atualização constante dos profissionais envolvidos no intuito de oferecer um serviço de imunização de qualidade para a população.

Avaliar os serviços de saúde propicia a aquisição de informações importantes para um melhor planejamento, execução, acompanhamento e controle das atividades realizadas. Este estudo pode, portanto, apoiar gestores e profissionais de saúde na melhoria dos serviços de imunização e, consequentemente, da qualidade de vida da população, através da tomada responsável de decisões.

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Autor notes

* E-mail: yasminreissantos@gmail.com

Declaração de interesses

Conflito de Interesse:

os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.



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