RESUMO
Introdução: Em virtude do interesse para o tratamento da hepatite, o processo de produção industrial do INF-α foi desenvolvido e aperfeiçoado ao longo dos últimos anos.
Objetivo: O presente trabalho teve como objetivo desenvolver um protocolo para caracterizar a estrutura molecular do INF-α2b em formulações farmacêuticas por espectrometria de massa do tipo MALDI-TOF.
Método: Inicialmente foi desenvolvido um método de cromatografia líquida baseado em fase reversa para promover a separação entre o INF-α2b constituinte ativo e minoritário e a soro albumina humana, também componente presente nas formulações farmacêuticas, obtendo-se amostras com homogeneidade proteica, revelada por eletroforese. As amostras em solução foram submetidas à digestão com tripsina, levadas ao espectrômetro de massa MALDI-TOF. Para que fosse analisada a estrutura molecular, foi desenvolvido um procedimento baseado em imunoafinidade e cromatografia de gel filtração.
Resultados: As amostras preparadas por estes métodos apresentaram homogeneidade proteica por eletroforese, sendo analisadas por dicroísmo circular e fluorescência, o que demonstrou ter degradação da estrutura tridimensional.
Conclusões: Esse trabalho fornece dados importantes que subsidiam o estabelecimento de um protocolo para a análise de INF-α2b em produto final, que poderia substituir o mapa de peptídeos tradicional por cromatografia líquida, com a vantagem de resultar em um maior número de informações sobre a estrutura molecular do biofármaco.
Palavras chave: Interferon-alfa, Proteínas, MALDI-TOF, Dicroísmo Circular, Fluorescência.
ARTIGO
Análise de interferon humano recombinante presente em formulações farmacêuticas
Recepção: 03 Março 2017
Aprovação: 11 Agosto 2017
A infecção crônica causada pelo vírus da hepatite B atinge cerca de 240 milhões de pessoas mundialmente, sendo a principal causa de cirrose e carcinoma hepatocelular. Estima-se que 686.000 pessoas venham a morrer por ano em consequência da hepatite B crônica ou aguda1 . O controle dessa doença envolve a vacinação de forma preventiva e o uso de antivirais, nos indivíduos infectados. Os medicamentos preconizados pela Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), do HIV/Aids e das Hepatites Virais (DIAVH), nesse caso, são interferon-alfa (INFα), interferon-alfa peguilado, lamivudina, tenofovir, entecavir e adefovir2 .
Os interferons são um grupo de proteínas da família das citocinas, produzidas pelo organismo como resposta a infecções virais, sendo classificados de acordo com suas sequências em tipo I, famílias α, β, ε, κ, ω, e ϑ, como exemplo. No caso das hepatites virais foi identificada a importância do INF-α como um fator que impede a replicação viral, contribuindo para o tratamento dessa doença3 , 4 , 5 , 6 .
Em virtude do interesse para o tratamento da hepatite, o processo de produção industrial do INF-α foi desenvolvido e aperfeiçoado ao longo dos últimos anos. Em linhas gerais, o INF-α é produzido por superexpressão em células de Escherichia coli. Após a superexpressão, o INF-α é purificado utilizando-se combinação de vários métodos cromatográficos7 .
Devido a sua estrutura proteica, o INF-α não é ativo por via oral. Por isso, os produtos acabados a granel devem ser convertidos em uma fórmula adequada para administração por via injetável. Além das propriedades inerentes a produtos injetáveis, como pH, isotonicidade, apirogenicidade e presença de agentes antioxidantes, esta formulação deve garantir a estabilidade do INF durante seu prazo de validade8 . O excipiente mais utilizado é soro albumina humana (SAH), tendo como função principal estabilizar o produto, impedindo a agregação das moléculas, evitando a perda da potência e a formação de anticorpos contra o biofármaco9 , 10 .
A formulação básica de INF-α contém 1,5 mg de SAH por mL. Como a relação entre massa e atividade é de 1,4 x 108 UI/mg11 , dependendo da apresentação, cada mL de formulação contém uma determinada massa de INF-α. Na menor dose, conforme descrito na bula dos produtos, a formulação tem cerca de 20 µg de INF-α e 1,5 mg de SAH. Pode-se observar que a menor razão molar é de 1 de INF-α para 24 da composição proteica final.
O controle de qualidade dos INF pode ser feito utilizando dois grupos de ensaios. O primeiro grupo, que abrange ensaios comuns a formas farmacêuticas líquidas para uso interno (injetável), é constituído por testes de volume médio, pH, inocuidade, esterilidade e endotoxinas bacterianas. Quando o produto final é apresentado como liofilizado, deve ser avaliada a umidade residual, importante para a estabilidade do produto12 .
O segundo grupo de ensaios diz respeito às particularidades do INF-α quanto à natureza proteica do biofármaco. Esses ensaios variam de acordo com as monografias para o INF-α em cada farmacopeia. No Brasil, a 5a edição da Farmacopeia Brasileira (FB) não inclui monografia específica para INF-α. A FB também não apresenta recomendações gerais para produtos produzidos por DNA recombinante, diferentemente das farmacopeias internacionais13 .
A United States Pharmacopoeia 39 (USP-39) não apresenta uma monografia específica para o INF-α. Por outro lado, a USP-39 recomenda uma série de requisitos que devem ser avaliados para caracterização de artigos derivados de biotecnologia e sugere métodos para essa avaliação, tais como análise de aminoácidos, eletroforese capilar, eletroforese em gel de poliacrilamida e ensaio de proteínas totais. Vale notar que há indicações específicas sobre os ensaios aplicáveis a etapas intermediárias e ao produto final, ficando a critério do fabricante fazer avaliações durante ou no término do processo14 .
Como a USP-39, a Farmacopeia Europeia 8.0. ed. (FE)11 também prescreve requisitos gerais para produtos de biotecnologia DNA recombinantes. A FE determina que o produto deva ser caracterizado quanto a sua identidade, pureza, potência e estabilidade, utilizando métodos químicos, físicos, imunoquímicos e biológicos. Nenhum ensaio específico é apontado. Algumas metodologias são sugeridas para determinar a consistência de produção. Essas metodologias envolvem caracterizar a composição de aminoácidos, o sequenciamento da região N terminal, o mapa de peptídeos por Cromatografia Líquida de Alta Eficiência-Fase Reversa (CLAE-FR), o teor de proteína total e de proteínas contaminantes provenientes do sistema de expressão.
No final das recomendações gerais, a FE determina que nas monografias específicas sejam listados os ensaios aplicáveis a cada produto. A FE tem uma monografia específica para avaliar a matéria prima do INF-α antes do biomedicamento ser formulado. Essa monografia recomenda os seguintes ensaios:
Mapa de peptídeos CLAE-FR - método de identificação da proteína por comparação entre cromatogramas de INF-α padrão e da amostra. Ambos, padrão e amostra, submetidos previamente a hidrólise com tripsina;
Focalização isoelétrica - identifica degradações que alteram o ponto isoelétrico (pI) da proteína INF-α;
Eletroforese em gel de poliacrilamida com dodecil sulfato sódio (SDS-PAGE) - conformidade com a massa molecular esperada em relação ao padrão e homogeneidade da proteína;
Teor de proteínas;
Proteínas relacionadas - são produtos de degradação do INF. Estas impurezas estão intrinsicamente relacionadas ao princípio ativo proteico. São agregados, formas oxidadas e produtos de hidrólise e;
Potência - determinada pela medida de seu efeito de proteção celular contra o efeito citopático viral em células MDBK induzido pelo vírus da estomatite vesicular. A potência é comparada a uma preparação de padrão internacional, cujo resultado relaciona o produto à especificação, expresso em termos de unidades internacionais por miligrama de proteína.
As metodologias relacionadas fornecem informações quanto à pureza, identidade e potência do INF-α e estão classicamente colocadas como parâmetros de avaliação de alterações que podem implicar na ausência de eficácia, e/ou ainda na imunogenicidade do produto11 .
O mapa de peptídeos por CLAE-FR é uma técnica de identidade que demanda essencialmente uma comparação entre hidrolisados de um padrão do INF-α e da amostra. Trata-se também de uma técnica demorada, pois há a necessidade do uso de gradiente, o que leva a análises de até duas horas de duração para cada amostra11 .
A ausência de monografias para produto acabado nas farmacopeias dificulta as autoridades regulatórias em relação à exigência mínima de qualidade para esse tipo de produto11 , 12 , 13 .
O efeito farmacológico das proteínas está relacionado à sua complexa estrutura molecular. Falhas na expressão da proteína, com modificações da estrutura primária e a desnaturação da estrutura tridimensional, por exemplo, podem levar a uma redução da afinidade aos receptores, diminuindo ou mesmo eliminando o efeito farmacológico. A degradação física, como perda da estrutura secundária e terciária, compromete a capacidade de ligação do INF-α ao receptor, comprometendo o seu efeito15 , 16 , 17 . Por esse motivo, o desenvolvimento de métodos para avaliação do produto final é relevante, principalmente pela possibilidade de incorporação de metodologias mais novas, que avaliem detalhadamente a estrutura molecular do biofármaco.
Métodos espectroscópicos podem ser usados para avaliar o teor de proteína na preparação e fornecer informações sobre a estrutura molecular. A identidade pode ser determinada por espectrometria de massa e a estabilidade da estrutura tridimensional por dicroísmo circular e fluorescência18 .
O presente trabalho foi desenvolvido com o objetivo de buscar metodologias analíticas mais modernas e eficientes para o controle de qualidade do INF-α em formulações farmacêuticas, de maneira a se obter informação acerca da segurança, qualidade e eficácia do biofármaco que deem suporte para as ações de Vigilância Sanitária.
Utilizaram-se amostras de INF-α2b de um produtor nacional, adquiridas pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, para o Programa Nacional de Controle de Hepatites Virais. Foram analisados lotes de formulação com potência de 10 x 106 UI/mL/frasco.
Todas as soluções neste estudo foram preparadas com água ultrapura usando o sistema Milli-Q® (Millipore). Os reagentes foram fornecidos pela Sigma, GE, Bio-Rad e Merck, dentre outros. Os reagentes específicos a determinadas técnicas foram relacionados conforme descrição dos procedimentos. O padrão de INF-α2b Lote nº 3 utilizado foi fornecido pela Farmacopeia Europeia.
A CLAE-FR foi utilizada para separar o INF-α2b da SAH e dos demais componentes da formulação. O experimento foi realizado no cromatógrafo líquido de alta eficiência LC-10 (Shimadzu), equipado com sistema controlador SCL-10Avp, bomba LC-10 ADvp, válvula seletora de solvente Shimadzu FCV-10AL, auto injetor SIL-10ADvp, resfriador de amostra, coletor de frações FRC-10A, e detector UV/VIS SPD 10A. A coluna utilizada foi ACE 3 C18-300 (250 mm x 4,6 mm), mantida em temperatura ambiente. A fase móvel A consistiu de ácido trifluoroacético 0,1% (TFA 0.1%) em água, fase móvel B de acetonitrila (ACN): TFA 0,1%, com gradiente descrito na FE19 ; fluxo de 1,0 mL/min e comprimento de onda de detecção 214 nm. Os dados foram processados utilizando Class – VP 6.13 SP2. O volume de injeção foi de 100 µL.
A solução de tripsina (Promega V5228A) foi preparada dissolvendo 100 μg em 100 μl de ácido acético 50 mM (solução estoque 1,0 μg/μL). Desta solução estoque, foram tomados 14 μl e diluídos em 1 ml de bicarbonato de amônio (NH4HCO3) 50 mM, para o preparo de uma solução de trabalho de tripsina. Foi preparado um branco, com o tampão e demais reagentes e um padrão de INF-α2b na concentração de 7 µg/mL em tampão NH4HCO3 pH 8,4. Esta concentração é a esperada para a amostra. As frações coletadas da CLAE-FR foram liofilizadas, e, posteriormente, adicionados 100 µL de tampão NH4HCO3 pH 8,4, homogeneizados em vórtex, acrescidos de 10 µL da solução de trabalho de tripsina. As amostras permaneceram em Thermomixer®, com agitação a 37°C por 18 h. Na segunda etapa de digestão foram adicionados aos tubos mais 10 μl da solução de trabalho de tripsina, com período de 4 horas em Thermomixer®, com agitação e temperatura de 37°C. A seguir amostra, padrão e branco foram submetidos ao procedimento de digestão20 , 21 .
Os tubos com os peptídeos foram guardados a -20°C para posterior análise por espectrometria de massa.
Para a identificação das amostras coletadas na CLAE-FR, foi utilizada a técnica Peptide Mass Fingerprint (PMF), com a espectrometria de massa Matrix Assisted Laser Desorption Ionization (MALDI-TOF)22 .
A matriz utilizada no preparo das amostras foi ácido a-ciano-p-hidroxicinâmico (ACHC). Foi preparada uma solução saturada dessa matriz em água, ACN (1:2) e TFA (0,2%). Essa solução foi misturada com solução dos peptídeos em partes iguais, de modo a ter a relação de 1.000 a 10.000 vezes mais moléculas de matriz que moléculas de peptídeo. À alíquota de 5 µL da amostra previamente submetida à digestão, adicionou-se 5 µL da matriz. Aplicou-se 0,5 µL dessa mistura em um porta-amostras, que, após a secagem, se cristalizou22 .
Para a aquisição dos espectros, o espectrômetro foi operado no modo refletido, com detecção para íons positivos. A calibração do equipamento foi feita com kit de peptídeos padrões da Brucker Daltonics. Os espectros foram processados no programa XACQ 4.023 .
Esse experimento foi realizado no mesmo cromatógrafo utilizado na CLAE-FR. As condições específicas foram: a coluna Superdex® 75 GL (GE Healthcare) com a fase móvel tampão, PB 50 mM pH 7,0, NaCl 150 mM, 5% propanol, fluxo: 0,4 mL/min, comprimento de onda de 214 nm, volume de 100 µL. A fração correspondente ao INF-α2b foi coletada manualmente e concentrada em Speed-Vac®24 , 25 .
A determinação quantitativa de proteínas foi usada para acompanhar o teor nas frações coletadas dos métodos cromatográficos, que foi determinada pelo método de Bradford, utilizando o protocolo para determinação em microplacas26 .
O SDS-PAGE foi usado para avaliar a homogeneidade proteica das frações coletadas dos procedimentos utilizando CLAE-FG e FR. Alíquotas de 10 mL das frações coletadas de CLAE-FG, adicionadas de 10 mL de solução de β-mercaptoetanol, foram aplicadas em gel concentrador de 5% e gel de acrilamida 15%, segundo Laemmli27 , e colocadas no sistema de eletroforese Mini-Protean III (Bio-Rad), nas condições de corrida previstas em protocolo do fabricante. A coloração pela prata foi aplicada para evidenciar as bandas do INF-α2b28 . Os géis obtidos foram digitalizados no densitômetro GS-800 Bio-Rad, com o auxílio do programa Quantity One (Bio-Rad). As massas moleculares de cada banda foram estimados comparativamente a padrões de baixa massa moleculares.
Procedimento com membrana de imunoafinidade foi empregado para diminuir a quantidade de SAH para facilitar a separação cromatográfica do INF-α2b da SAH. Foi seguido o protocolo do fabricante29 .
A metodologia de espectroscopia de dicroísmo circular foi utilizada para avaliar a estrutura secundária do INF-α2b a partir da purificação por imunoafinidade/gel filtração30 . As frações coletadas de CLAE-FG, concentradas em Speed-Vac ®, foram submetidas ao procedimento de diálise, utilizando membrana de cut off 10 kDa, contra tampão fosfato 10 mM, pH 7.431 . Um padrão de INF-α2a da FE foi diluído com o tampão fosfato 10 mM, pH 7,4, de maneira a obter concentração semelhante à da fração coletada. Os espectros foram obtidos no espectrômetro Jasco em células de quartzo de 1 cm.
A espectroscopia de fluorescência foi utilizada para avaliar a estrutura terciária das frações coletadas de CLAE-FG. Estas frações coletadas foram concentradas em Speed-Vac®, submetidas ao procedimento de diálise, utilizando membrana de cut off 10 kDa, contra tampão fosfato 10 mM, pH 7.4. Os espectros foram obtidos pelo espectrofluorímetro Shimadzu RF-5301 PC, em células de quartzo de 1,0 cm de caminho ótico, utilizando comprimentos de onda para excitação de 280 nm e 295 nm, com tamanho da fenda de 5,0 nm. A emissão foi lida de 200 nm até 400 nm. A leitura do tampão fosfato foi subtraída como branco32 .
A CLAE-FR é uma técnica bastante utilizada na separação de proteínas, devido a sua elevada resolução. Nesse estudo foi possível separar o INF-α2b da SAH com uma boa resolução (7,3), conforme mostrado na Figura 1(a) , do perfil cromatográfico obtido da formulação de INF-α2b. O pico cromatográfico referente à SAH, presente em excesso na amostra, apresentou tempo de retenção de 58,1 min. O segundo pico, identificado como INF-α2b, apresenta tempo de retenção de 66,8 min, o que foi confirmado pela injeção do padrão da FE conforme mostrado na Figura 1(b) . A CLAE-FR se mostrou eficiente para a separação INF-α2b/SAH. A hidrofobicidade do INF-α2b é superior à da SAH, como pode ser constatado nos cromatogramas da Figura 1(a) e (b) , o que facilitou bastante a separação.
A homogeneidade proteica do pico de 66,8 min foi avaliada por SDS-PAGE das frações coletadas da CLAE-FR, apresentada na Figura 1(c) . Foi observada uma banda com 19 kDa, que corresponde ao peso molecular do INF-α2b. Além disso, há existência de bandas de pesos moleculares maiores do que o INF-α2b, com 57 kDa. Na literatura, essas bandas são relacionadas a trímeros do INF-α2b33 , 34 . Esse resultado comprovou que o INF-α2b se apresentava numa pureza adequada à caracterização por espectroscopia de massa.
Inicialmente, para estabelecer a metodologia, foram usados padrões de INF-α2b da FE e de SAH (Sigma) hidrolisados pela tripsina. Apesar dos picos coletados na CLAE-FR apresentarem pureza adequada, um padrão de SAH também foi preparado para EM (resultados não apresentados). O objetivo desse experimento foi determinar se havia uma contaminação por SAH que não tivesse sido detectada no SDS-PAGE.
Na Tabela são dadas as sequências esperadas de aminoácidos dos peptídeos dessa digestão e as correspondentes massas monoisotópicas [M + H]+, as teóricas e as observadas, de cada peptídeo, tanto para o padrão da FE quanto para a fração coletada de CLAE-FR.
Nessas condições, a cobertura de sequência observada para o padrão de INF-α2b foi de 72,7%. Foram observados peptídeos correspondentes a 120 do total de 165 aminoácidos no INF-α2b. Considerando que, devido à especificidade hidrolítica da tripsina, com a formação de aminoácidos livres e di/tripeptídeos que não são detectáveis nessas condições, o total de aminoácidos que poderíamos detectar com esse método é de 154, uma cobertura de 78% foi atingida, que é uma cobertura bastante elevada20 .
Observações importantes podem ser feitas a partir dos resultados do padrão da FE. De acordo com a Tabela , os peptídeos 3 e 5 têm características em suas sequências que são correlacionadas ao aumento da ionização35 . Ambos têm arginina no C terminal, sendo que o peptídeo 3 tem também histidina no N terminal. É importante destacar que o peptídeo 5 é o que apresenta o sinal mais intenso em espectros de massa já publicados do INF-α2b20 , 36 .
Por outro lado, os peptídeos menos intensos têm características em suas sequências que reduzem a ionização35 . Quanto ao C terminal, o peptídeo 6 tem lisina, o peptídeo 7 tem arginina, além de cisteína no N terminal. Ambos possuem aspartatos como resíduos internos, sendo que 6 tem também um triptofano.
As pontes dissulfeto, ligações importantes para a estabilidade da estrutura tridimensional de proteínas, apresentam-se de forma correta, de acordo com os resultados. Outro ponto que foi observado nos espectros das amostras foi a conservação da ponte dissulfeto entre as cisteínas 29 e 138 ([M + H]+ 2117,5), demonstrando que essa característica importante da estrutura do INF-α2b está preservada no produto comercial analisado após as manipulações nos procedimentos realizados. Foi observado um pico intenso com MH+ de 2116,9. Esse valor corresponde à associação, via ponte dissulfeto, dos peptídeos 8 e 10. Como não foi utilizado redutor na preparação da amostra, parte da ponte de sulfeto se manteve e parte foi reduzida, formando os peptídeos 8 e 10.
Um pico intenso, com [M + H]+ igual a 2225,9, foi observado (peptídeo 3). Esse valor corresponde à massa de um peptídeo onde não ocorre hidrólise pela tripsina na sequência KDR. A perda desse sítio de hidrólise pela tripsina já foi observada anteriormente na análise do INF-α2b20 .
Houve uma coincidência dos peptídeos não observados com resultados preliminares da literatura, para a análise de INF-α2b matéria-prima20 e em análise do padrão da FE36 .
A próxima etapa foi a análise do INF-α2b presente nas formulações. O material coletado na CLAE-FR foi então submetido à hidrólise por tripsina e os peptídeos resultantes foram analisados por EM.
Os peptídeos 2, 6 e 12, menos intensos no espectro padrão, não foram observados nos espectros das amostras. Da mesma forma, o peptídeo 7 não foi observado nas amostras.
A cobertura de sequência atingida com essa análise para as amostras das formulações farmacêuticas foi de 34,5%, sendo identificados 57 aminoácidos em um total de 165. Partindo-se da possibilidade de detecção de 154 aminoácidos, chegou-se a 37% de cobertura de sequência20 .
Os peptídeos mais intensos observados no padrão, 3, 4, 5, 8, 9 e 10 também foram observados na amostra preparada a partir da hidrólise da coleta da fase reversa. A cobertura de sequência alcançada com a 45,5%, sendo identificados 75 aminoácidos em 165. Partindo da possibilidade de detecção de 154 aminoácidos, chegaríamos a 48,7% de cobertura.
Outro ponto que foi observado nos espectros das amostras foi a conservação da ponte dissulfeto entre as cisteínas 29 e 138 ([M + H]+ 2117,5), demonstrando que essa característica importante da estrutura do INF-α2b está preservada no produto comercial analisado após as manipulações nos procedimentos realizados.
Para que pudéssemos avaliar a estrutura molecular do INF-α2b foi necessário desenvolver um método de separação SAH/INF-α2b não desnaturante. A CLAE-FR é considerada uma técnica desnaturante, com pH ácido e alta concentração de solvente orgânico, que muda a estrutura tridimensional durante a análise37 . A técnica inicialmente testada para a separação foi a CLAE-FG. Esse tipo de cromatografia demonstrou ser adequada, devido à diferença de volume hidrodinâmico entre o INF e a SAH, que, em princípio, possibilitaria a separação. Além disso, a análise se dá em condições pouco desnaturantes, com baixa concentração de solvente orgânico e pH próximo à neutralidade, o que minimiza a possibilidade de degradação do biofármaco durante o processo. O material coletado estaria nas condições adequadas para os experimentos de dicroísmo circular e fluorescência33 .
A CLAE-FG é um método amplamente usado para análise de agregados em proteínas, sendo que vários parâmetros, como a coluna cromatográfica, concentração salina da fase móvel, uso de surfactante e modificadores orgânicos, podem ser otimizados para melhorar a separação38 , 39 . Vários parâmetros foram testados para obter uma melhor separação do INF-α2b da SAH, (resultados não mostrados). A melhor condição foi alcançada a partir da adição de 5% de n-propanol à fase móvel, com a função de diminuir as interações hidrofóbicas da formulação com a matriz que compõe a fase estacionária38 , 39 .
Nessas condições foi observada a maior diferença de tempo de retenção obtido até então entre o pico de SAH, presente em excesso, e o pico do INF- α2b, sendo em torno de seis minutos, conforme pode ser visto na Figura 2(a) . Por esse motivo o segundo pico foi coletado, concentrado e analisado por SDS-PAGE, para avaliar a homogeneidade proteica.
O resultado do SDS-PAGE é mostrado na Figura 2(b) . As frações coletadas apresentaram bandas correspondentes às massas moleculares da SAH e do INF- α2b, demonstrando que a separação efetivamente não foi completa.
Apesar da separação obtida na CLAE-FG, o resultado do SDS-PAGE da fração correspondente ao INF-α2b ainda apresentou contaminação por SAH. A dificuldade de melhorar a separação entre as duas proteínas poderia estar associada à pequena resolução atingida pela CLAE-FG e pela grande diferença de concentração entre ambas. Por isso optou-se por um processo que reduz a concentração de SAH nas amostras. Com menos SAH, a saturação dos sítios da coluna seria menor e a separação provavelmente melhor.
A submissão da formulação ao procedimento de imunoafinidade foi acompanhada por SDS-PAGE, conforme mostrado na Figura 3 . Pode-se observar que o tratamento com a resina reduziu bastante a presença de SAH nas amostras, porém não eliminou completamente essa proteína. Provavelmente o grande excesso molar da SAH saturou completamente a resina, sendo que parte dessa proteína foi eluída junto com o INF-α2b.
A partir desse resultado, foi feita a combinação dos procedimentos de imunoafinidade e CLAE-FG, o que possibilitou a obtenção do INF-α2b puro a partir das formulações. As amostras preparadas dessa forma apresentaram homogeneidade proteica por SDS-PAGE, como pode ser visto na Figura 3(a) .
O efeito farmacológico de biofármacos depende da integridade de sua estrutura molecular. A degradação física, como perda da estrutura secundária e terciária, compromete a capacidade de ligação do INF-α2b ao receptor, comprometendo o seu efeito15 , 16 , 17 . Portanto, se fez necessária a avaliação dessa integridade, sendo que as técnicas de dicroísmo circular e fluorescência podem ser empregadas para esse fim40 .
As frações coletadas do esquema de purificação imunoafinidade/gel filtração foram então analisadas por dicroísmo circular, sendo os resultados mostrados na Figura 4 . O perfil do padrão foi semelhante ao descrito por outros autores para o INF-α2b em pH 7,431 , 32 , 41 . Aparecem bandas em 209 nm (-12,81) e 219,4 nm (-11,56), com intensidade menor. Esse perfil é característico de proteínas que apresentam alfa hélices30 , como é o caso do INF-α2b41 .
A fração coletada mostrou um perfil distinto do padrão. A intensidade do desvio da luz diminuiu, houve um desvio das bandas negativas para comprimentos de onda maiores, respectivamente 209,8 nm e 225,6 nm. Além disso, houve uma inversão da intensidade das bandas, sendo que a segunda banda (-11,11) foi mais intensa que a primeira (-7,87) ( Figura 4 ).
Esses resultados indicam que há uma perda de estrutura secundária do INF-α2b presente nas formulações. Para complementar esses dados, as amostras também foram avaliadas por fluorescência.
Inicialmente, os espectros da fração coletada e do padrão da FE foram comparados, conforme a Figura 5 . O padrão apresentou um espectro com máximos de emissão em 336 nm (λex 280 nm) e 333 nm (λex 295 nm). As frações coletadas apresentaram máximos de emissão em 338 nm (λex 280 nm) e 334 nm (λex 295 nm). Esses resultados demonstraram que o INF-α2b presente nas formulações tem uma exposição das cadeias laterais maior que o padrão da FE, indicando a possibilidade de desnaturação da estrutura terciária31 .
Outra informação importante que os espectros de fluorescência fornecem é a medida da intensidade da luz no λex. Essa medida é proporcional ao espalhamento de luz, fenômeno que ocorre devido à presença de agregados em solução. O padrão teve uma intensidade de 674,8 (λex 280 nm) e 280,6 (λex 295 nm). Nos dois comprimentos as frações coletadas apresentaram uma intensidade de 1015,6 que está na faixa de saturação do detector do fluorímetro. Esse resultado demonstra que a agregação das amostras é elevada, o que não é observado no padrão.
Os resultados da avaliação da estrutura tridimensional demonstraram que nas amostras houve desnaturação dessa estrutura.
De acordo com estudos apresentados por Qian37 , a complexidade da estrutura proteica e as várias vias de agregação e degradação podem ser induzidas por alguns fatores. O presente estudo constatou a degradação física causada provavelmente pelos procedimentos usados para obtenção do INF-α2b purificado, tais como mudança de temperatura, aumento da concentração de sal na composição do tampão e as várias etapas necessárias para obter volume suficiente para análise16 , 38 .
Nesse estudo a separação do INF-α2b da SAH presente nas formulações foi realizada com método de CLAE-FR, resultando em uma excelente separação da SAH e possibilitando a análise por MALDI-TOF. A análise por MALDI-TOF do INF-α2b permitiu atingir 45,5% de cobertura da sequência do biofármaco em formulações farmacêuticas.
Para que fosse avaliada a integridade da estrutura tridimensional do biofármaco foi necessário desenvolver um protocolo de separação do INF-a2b dos demais componentes da formulação comercial, reduzindo-se inicialmente a SAH com um procedimento de imunoafinidade e completando a purificação com CLAE-FG e SDS-PAGE. As frações obtidas foram analisadas por dicroísmo circular e fluorescência, o que permitiu a constatação da degradação da estrutura tridimensional.
Esse estudo forneceu dados importantes que subsidiam o estabelecimento de um protocolo para a análise de INF- α2b em produto final, que poderá substituir o mapa de peptídeos tradicional por cromatografia líquida, com a vantagem de fornecer um maior número de informações sobre a estrutura molecular do biofármaco.
A implementação da análise por MALDI-TOF na rotina é cara, principalmente devido ao custo de aquisição do equipamento. Isso poderia ser uma restrição à adoção desse método em compêndios oficiais. Por outro lado, do ponto de vista sanitário, o maior conhecimento sobre o produto é importante, pois ajuda a garantir sua efetividade e reduzir o risco em seu uso. Além disso, o alto valor agregado do INF- α2b e seu uso crônico justificam a adoção de técnicas como o MALDI-TOF.
os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.
* E-mail: sinea.mendes@incqs.fiocruz.br