RESUMO
Introdução: Considerando a alta incidência de adulterações no azeite de oliva comercializado no Brasil, é fundamental o monitoramento contínuo deste produto.
Objetivo: No presente estudo foram avaliadas 41 amostras de 18 marcas, sendo 26 declaradas como azeite de oliva extra virgem (AOEV) e 15 como azeite de oliva (AO).
Método: As amostras foram analisadas no Instituto Adolfo Lutz, São Paulo, Brasil, entre os anos de 2014 e 2016. Foram determinados: o perfil de ácidos graxos, os índices de acidez e peróxidos a extinção específica a 270 nm, a diferença do ECN 42, o perfil de tocoferóis e a adequação da informação nutricional.
Resultados: Dezenove amostras (46%), de 12 marcas, não apresentaram perfil de ácidos graxos característico. A diferença do ECN 42 mostrou-se sensível para indicar a adulteração de outras duas amostras cujo perfil de ácidos graxos era de azeite autêntico. Das 26 amostras declaradas como AOEV, somente 9 enquadraram-se nesta categoria. Vinte e duas amostras apresentaram teor de ácidos graxos monoinsaturados (AGM) e/ou poli-insaturados (AGP) variando mais que 20% do declarado no rótulo.
Conclusões: As amostras adulteradas foram envasadas no Brasil, evidenciando a necessidade de um controle mais rigoroso na produção e na comercialização do produto com vistas à segurança nutricional deste alimento.
Palavras chave: Azeite de Oliva, Adulteração, Legislação, Vigilância Sanitária.
ARTIGO
Fraude em azeites de oliva do comércio brasileiro: avaliação pelo perfil de ácidos graxos, diferença do ECN 42 e parâmetros de qualidade
Recepção: 06 Junho 2017
Aprovação: 08 Agosto 2017
O emprego do azeite de oliva na culinária brasileira é bastante apreciado, devido à influência dos colonizadores e imigrantes europeus. Esta é uma das razões que levaram o Brasil a ser um dos principais importadores mundiais. A demanda interna brasileira é atendida por azeites importados, sendo que cerca de 90% é suprida por países da Europa tais como Espanha e Portugal e 10% pela Argentina1 , 2 . A importação brasileira de azeites é de cerca de 70 mil toneladas/ano1 e, na última década, teve um aumento expressivo, de cerca de 500%2 . A ampliação do mercado e a perspectiva de produção comercial nacional têm intensificado os trabalhos do governo brasileiro em aprimorar as exigências legais de controle deste produto. Apesar destas iniciativas, permanece um desafio diante das evidências de fraudes persistentes nos azeites envasados no Brasil3 , 4 , 5 , 6 , 7 . Mundialmente, devido à importância econômica deste produto, são intensas as pesquisas e discussões para se estabelecer parâmetros analíticos cada vez mais sensíveis que garantam a qualidade do produto comercializado8 , 9 , 10 .
Os atributos sensoriais e nutricionais excepcionais do óleo extraído das olivas e a produção limitada são alguns aspectos que conferem elevado valor de mercado. Contudo, óleos de diferentes categorias e qualidade são obtidos a partir do fruto da oliveira11 , 12 , 13 .
O azeite de oliva extra virgem, obtido na primeira prensagem de olivas frescas e em adequado estado de maturação, é o de melhor qualidade. Este azeite apresenta teor máximo de acidez de 0,8% (expresso em ácido oleico). Outros azeites de oliva de aroma e sabor de boa qualidade, porém com valores maiores de acidez, são classificados como azeite virgem. Categorias de qualidade inferior incluem o azeite refinado e o azeite de oliva, isto é, uma mistura de azeite virgem e refinado. O lampante é um azeite virgem originário de olivas de má qualidade. O óleo de bagaço de oliva ( orujo ou pomace oil ) é obtido pela extração com solventes da torta residual de prensagem das olivas. Tanto o azeite lampante como o óleo de bagaço de oliva devem ser refinados para tornarem-se próprios ao consumo humano11 , 12 , 13 . Definir cada tipo de óleo é uma tarefa difícil e que requer, muitas vezes, a realização de uma grande variedade de ensaios analíticos11 , 12 , 13 .
As propriedades físico-químicas que definem a identidade do azeite de oliva, e demais óleos vegetais, estão principalmente relacionadas à estrutura das moléculas predominantes. Cada óleo vegetal apresenta um perfil característico de triacilgliceróis (TAG) e ácidos graxos (AG)11 , 12 .
Quanto à qualidade, as determinações analíticas que diferenciam as categorias de azeite de oliva e óleo de bagaço de oliva baseiam-se na identificação ou dosagem de certos compostos formados, por exemplo, nos processos de maturação das olivas, extração do óleo, armazenagem e deterioração do óleo ou outro processo tecnológico ao qual o óleo foi submetido11 , 12 . Alguns dos parâmetros que podem indicar a qualidade daqueles óleos são: índice de acidez, peróxidos, extinção específica no ultravioleta (270 e 232 nm). O conteúdo de ácidos graxos trans também é indicativo da qualidade dos óleos das olivas11 , 12 .
A norma Codex Stan 33 é a que estabelece os padrões de qualidade e identidade para azeite de oliva e óleo de bagaço de oliva14 .
No Brasil, a Instrução Normativa n° 1 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) regulamenta os limites de tolerância para diversos parâmetros de identidade e qualidade de azeite de oliva e do óleo de bagaço de oliva, tendo como base o estabelecido em normas do Codex Alimentarius e no padrão comercial do Conselho Oleícola Internacional14 , 15 , 16 . Por meio desta legislação foi também definido o padrão de classificação para azeite de oliva e óleo de bagaço de oliva comercializado no Brasil16 . No âmbito da Saúde, vigora a RDC n° 270, de 22 de setembro de 2005, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que é um regulamento técnico para óleos vegetais, gorduras vegetais e creme vegetal, o qual fixa a identidade e as características mínimas de qualidade, como o índice de acidez e peróxidos para estes produtos17 . Atualmente, o controle e a fiscalização do produto obtido das olivas vendido no Brasil devem ser feitos tanto pelo MAPA como pelo Ministério da Saúde, amparados por legislações compatíveis e que se complementam5 .
Considerando as evidências de contínuas práticas fraudulentas em azeites comercializados no Brasil3 , 4 , 5 , 6 , 7 , 18 , o presente trabalho teve como objetivo avaliar a qualidade e identidade de óleos comerciais, declarados como azeites de oliva e enviados para a análise, por órgãos de fiscalização, ao Instituto Adolfo Lutz entre os anos de 2014 e 2016.
Foram analisadas 41 amostras de diferentes lotes e de 18 marcas ( Tabela ). As marcas foram codificadas com letras de A a R. Vinte e seis amostras eram declaradas como azeite de oliva extra virgem (AOEV) (15 marcas) e 15 como azeite de oliva (AO) (5 marcas). Vinte e seis amostras foram enviadas pela Vigilância Sanitária do estado de São Paulo, 12 pelo Instituto de Criminalística de São Paulo e 3 pelas Vigilâncias Sanitárias de outros estados brasileiros (BA, MG e ES). As amostras da marca F foram envasadas em Portugal e das marcas J e G na Espanha. As demais amostras foram envasadas no Brasil.
Os índices de acidez e peróxidos e a extinção específica a 270 nm foram determinados segundo métodos físicos e químicos do Instituto Adolfo Lutz (2005)19 .
A acidez, expressa em porcentagem de ácido oleico, foi determinada por titulometria com hidróxido de sódio 0,1 M. O índice de peróxido, expresso em miliequivalentes por 1.000 g de amostra, foi determinado solubilizando-se a amostra em ácido acético-clorofórmio (3:2) e adicionando-se solução saturada de iodeto de potássio. O iodo liberado, ao reagir com os peróxidos, foi titulado com solução de tiossulfato de sódio 0,01 M.
A leitura da extinção específica a 270 nm foi feita em espectrofotómetro de simples feixe, modelo Specord S 600 (Analytikjena, Alemanha), com cubetas de quartzo de 1 cm na solução 1% do óleo em ciclohexano grau espectroscópico.
Os ácidos graxos foram analisados em cromatógrafo gasoso (CG) com detector de ionização de chama (DIC).
A gordura foi transformada em ésteres metílicos de ácidos graxos (EMAG) por meio de reação com solução metanólica de KOH 2M. Os EMAG foram separados em coluna capilar de sílica fundida (SP 2560) de 100 m, instalada em cromatógrafo a gás, modelo Focus (Thermo, Estados Unidos), com as seguintes condições cromatográficas: temperatura do forno da coluna: isotérmica a 180°C, temperatura do injetor e detector: 250°C, gás de arraste H2; pressão na coluna: 170 kPa19 . Os componentes foram identificados por co-injeção de padrões e comparação com os tempos de retenção absolutos. Os ácidos graxos foram quantificados por normalização de área e expressos em porcentagem de área. Os perfis foram avaliados em relação aos valores de referência do Codex Alimentarius14 e legislação brasileira16 .
Foram comparados os valores declarados no rótulo e os obtidos experimentalmente, quanto aos teores de ácidos graxos saturados (AGS), trans (AGT), mono (AGM) e poli-insaturados (AGP).
A diferença do ECN 42 foi avaliada em duas amostras (1 e 11), as quais apresentaram teor de ácido alfa-linolênico (18:3 n-3) muito próximo a 1%, que é o limite máximo deste parâmetro, segundo IN n°1, de 30 de janeiro de 2012, do MAPA. Os triacilgliceróis foram separados e quantificados por cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) com detector de índice de refração, e a diferença entre o valor experimental (CLAE) e teórico a partir da composição de ácidos graxos foi obtida de acordo com o método oficial do Conselho Oleícola Internacional (2001)20 . Empregou-se um cromatógrafo líquido de alta eficiência com detector de índice de refração (Shimadzu, Japão), sendo o sistema composto por: bomba LC-10AD, degaseificador DGU-14A, interface CBM-20A, detector de índice de refração RID, e forno da coluna CTO-20A. Foram utilizadas as seguintes condições: coluna em fase reversa C-18 (250 mm x 4.6 mm x 5 μm) (Varian, USA); fase móvel: acetona: acetonitrila (1:1), fluxo:1,15 mL.min-1.
O perfil de tocoferóis foi determinado por CLAE com detector de fluorescência. Empregou-se cromatógrafo composto por: bomba LC-10AD, degaseificador DGU-14A, interface CBM-20A, detector de fluorescência RF-10AXL e forno de coluna CTO-20A (Shimadzu, Japão). A determinação do perfil de tocoferóis seguiu método AOCS Ce 8–8921 . O perfil foi determinado nas amostras 1 e 11, as quais também foram submetidas à análise da diferença do ECN 42.
Na Figura 1 estão representados os parâmetros de identidade (composição dos principais ácidos graxos) e na Figura 2 , os parâmetros de qualidade (índice de acidez, peróxidos e E 270 nm) obtidos para as amostras de óleos comerciais, em relação aos valores de referência segundo a Instrução Normativa n° 1/2012 do MAPA16 .
Das 26 amostras declaradas como AOEV, somente nove enquadraram-se nesta categoria, segundo os parâmetros avaliados (acidez, peróxidos, E 270 nm e ácidos graxos trans ) ( Figuras 1D, 1E e Figura 2 ). Dezesseis destas amostras estavam adulteradas com outro óleo vegetal, conforme indicado pelo perfil de ácidos graxos ( Figura1 ). Estas também apresentaram valores muito altos de E 270 nm ( Figura 2C ), superando os limites da categoria, o que reforça a presença de óleo refinado nas amostras5 , 11 . Duas amostras, com perfil de ácidos graxos característico de azeite de oliva, apresentaram E 270 nm igual a 0,82 e 0,44, (amostras 11 e 38), isto é, acima do limite para AOEV ( Figura 2C ).
Com relação ao perfil de ácidos graxos, 19 amostras (46%) de 12 marcas, não apresentaram perfil característico de azeite de oliva, sendo que nove tinham perfil de óleo de soja (amostras 6,7,9,10,12,31,32, 34 e 35). Em 18 amostras o teor de ácido alfa-linolênico (18:3 n-3) foi superior a 1%, limite estabelecido na legislação brasileira para este parâmetro no azeite de oliva ( Figura 1C )16 . Amostras comerciais com valores próximos ou superiores a 1% podem estar adulteradas com óleos com conteúdo considerável de ácido alfa-linolênico, como é o caso do de soja que apresenta de 4,5 a 11%22 . Cabe ressaltar que o óleo de soja tem baixo valor comercial quando comparado ao azeite de oliva e é o adulterante mais comum no Brasil5 , 6 , 7 . A Figura 3 apresenta o perfil de ácidos graxos de uma amostra de azeite de oliva autêntica e de óleo de soja.
As amostras, provavelmente adulteradas com óleo de soja, apresentaram um conteúdo elevado de ácidos graxos trans (AGT), principalmente da soma de 18:2t e 18:3t, os quais se formam no processo de refino de óleos vegetais poli-insaturados como é o caso do óleo de soja23 . Aquela soma excedeu o limite tanto para a categoria AOEV como AO ( Figura 1E ).
Duas amostras, uma declarada como AO (Amostra 1) e outra como AOEV (Amostra 11), apresentaram teor de ácido alfa-linolênico entre 0,9 e 1,0%, muito próximo ao limite máximo do parâmetro segundo a IN n° 1/2012 do MAPA ( Figura 1C ). Estas amostras também foram analisadas quanto à diferença do ECN 42 e ao perfil de tocoferóis. Os valores obtidos para a diferença do ECN 42 nas amostras 1 e 11 foram 0,60 e 0,85, respectivamente, isto é, superiores a 0,50, indicando a presença de óleos vegetais ricos em ácido linoleico na amostra, como o de soja12 , 14 , 15 , 16 . A Figura 4 apresenta o cromatograma dos triacilgliceróis de uma amostra declarada como azeite extra virgem, destacando a região dos TAG com ECN 42.
Os TAGs com ECN 42, especialmente a trilinoleína (LLL), que na Figura 4 é o componente em maior proporção no grupo de ECN 42, encontram-se apenas como traços em azeite de oliva autêntico7 , 12 . A diferença do ECN 42 é um parâmetro muito importante na avaliação dos azeites comercializados no Brasil, pois é sensível para indicar adulterações pela adição de até 2,5% de óleos ricos em ácido linoleico, como o de soja, milho e girassol7 , 11 , 12 .
As amostras 1 e 11 também foram avaliadas quanto ao perfil de tocoferóis. Ambas apresentaram delta-tocoferol no perfil, o qual é característico de óleo de soja e não detectado em azeite de oliva14 , 22 , 24 ( Figura 5 ).
Apesar do perfil de tocoferóis não constar entre os parâmetros do padrão do Codex Alimentarius para azeite de oliva, o resultado observado, neste caso específico, reforça a presença do óleo de soja em mistura nas duas amostras. A medida do E 270 nm para a Amostra 11, declarada com AOEV, foi de 0,82, que é bem superior ao limite da categoria (0,22), reforçando a presença de um óleo refinado em mistura ( Figura 2C ).
Considerando a informação nutricional na rotulagem das amostras, verificou-se que 22 apresentaram teor de AGM e/ou AGP variando mais que 20% do declarado na porção de 13 mL, sendo que 18 eram amostras adulteradas. Para 20 amostras os teores de ácidos graxos monoinsaturados estavam abaixo e os de poli-insaturados muito acima do declarado ( Figura 6 ).
O Brasil, desde 2003, tem adotado a informação nutricional obrigatória no rótulo dos alimentos industrializados, como estratégia de prevenção de doenças crônicas25 . Os ácidos graxos de declaração obrigatória são os saturados e trans , mas os fabricantes de óleos vegetais, na grande maioria, incluem a informação sobre os AGM e AGP. Neste estudo 25 amostras declaravam, além dos nutrientes obrigatórios, os ácidos graxos monoinsaturados e poli-insaturados na porção (13 mL). Entretanto, os resultados revelam que a informação sobre os AGM e AGP, em grande parte, não correspondeu ao declarado ( Figura 6 ).
Vinte e uma amostras de 12 marcas (51%), coletadas no comércio nacional, estavam adulteradas com óleo vegetal de menor valor comercial, principalmente óleo de soja. A maioria das adulterações observadas foi detectada pelo perfil de ácidos graxos. Entretanto, para duas amostras, cujo perfil de ácidos graxos era de azeite autêntico, somente foi possível constatar a adulteração empregando a determinação da diferença do ECN 42. O perfil de tocoferóis corroborou na constatação da adulteração observada.
Com relação à informação nutricional, 54% das amostras apresentavam teores não condizentes com o declarado no rótulo para os AGM e AGP.
As amostras adulteradas foram envasadas no Brasil, evidenciando a necessidade de um controle mais rigoroso na indústria e na comercialização do produto com vistas à segurança deste alimento.
os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.
* E-mail: spimente@ial.sp.gov.br