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Prevenção da infecção de sítio cirúrgico em hospital universitário: avaliação por indicadores
Vigilância Sanitária em Debate, vol. 5, núm. 3, pp. 92-99, 2017
INCQS-FIOCRUZ

ARTIGO


Recepção: 12 Maio 2017

Aprovação: 04 Agosto 2017

DOI: https://doi.org/10.22239/2317-269x.00973

RESUMO

Introdução: As Infecções de Sítio Cirúrgico (ISC) têm grande impacto na segurança do paciente e a sua avaliação, através de indicadores, torna-se prática necessária na busca pela qualidade dos serviços de saúde.

Objetivo: Avaliar indicadores de prevenção de ISC em hospital universitário, bem como verificar a associação de conformidade dos indicadores entre as especialidades de cirurgia geral e ortopedia.

Método: Pesquisa avaliativa, transversal, observacional e quantitativa. Foram analisadas 200 cirurgias eletivas realizadas de abril a agosto de 2016 no Centro Cirúrgico de hospital universitário do Paraná, por observação direta e registro em formulários para extração de variáveis que compõem três indicadores do Manual de Avaliação das Práticas de Controle de Infecção Hospitalar. Após tabulação dos dados, empregou-se análise estatística descritiva e inferencial.

Resultados: As conformidades obtidas foram melhores para as condições do paciente no pré-operatório (85,5%) e condições estruturais (90,0%) em comparação às práticas de assepsia no intraoperatório (74,0%). Houve significância estatística (p-valor=0,003) apenas para o componente “Infecção a Distância”, com pior resultado para ortopedia.

Conclusões: Nenhum indicador alcançou a conformidade ideal, mesmo com diversos componentes plenamente adequados. Há espaços para busca de melhorias na prevenção de ISC, com enfoque no registro de investigação de infecções prévias e nas condições de assepsia.

Palavras chave: Infecção da Ferida Operatória, Indicadores de Qualidade em Assistência à Saúde, Segurança do Paciente, Gestão da Qualidade, Centros Cirúrgicos.

INTRODUÇÃO

O movimento pela qualidade na saúde tem sido pulsante devido às exigências sociais e as próprias mudanças no modo de produção do cuidado, nas quais são reconhecidos cada vez mais os riscos inerentes à assistência. Deste modo, atualmente, a busca pela qualidade na saúde é indissociável à promoção da segurança do paciente, que é entendida como a redução ao mínimo aceitável dos riscos atrelados ao cuidado1 .

A segurança do paciente é um bem complexo que envolve tanto a difusão da cultura organizacional sistêmica em prol ao cuidado mais seguro, quanto a elaboração, a implementação e a avaliação de estratégias racionais que culminem ao seu favorecimento1 , 2 . No contexto destas estratégias, recomenda-se que estas sejam viabilizadas em torno do conhecimento da dinâmica de produção assistencial de cada serviço e, principalmente, visem reduzir os riscos mais evidentes e os próprios eventos adversos produzidos pelo cuidado ou sua ausência através de ações sistemáticas, como protocolos, educação continuada, monitoramento de práticas, gerenciamento de riscos, entre outros2 .

No mundo todo, as Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) são consideradas o conjunto de eventos adversos de altíssima importância epidemiológica, além de representarem resultados negativos às organizações de saúde devido ao seu potencial dispendioso e, obviamente, fatores negativos à segurança do paciente atendido, pois aumentam sobremaneira a sua morbimortalidade3 , 4 . Destarte, as IRAS são produto direto do cuidado em saúde e, apesar da seriedade epidemiológica e clínica, a maioria dos eventos identificados são passíveis de prevenção1 , 3 .

No Brasil, houve a publicação oficial de medidas que visam estabelecer as melhores práticas de prevenção de IRAS, que foram pontuadas de acordo com a relevância epidemiológica e clínica das suas topografias, a saber: pneumonia associada à assistência à saúde, infecção do trato urinário, infecção da corrente sanguínea e infecção de sítio cirúrgico4 .

A Infecção de Sítio Cirúrgico (ISC) é definida como infecção pós-operatória que acomete a ferida cirúrgica e/ou a cavidade e órgãos operados e se apresenta clinicamente como processo inflamatório supurativo nestes locais, podendo atingir de 3 a 20% dos pacientes submetidos a procedimentos operatórios4 , além de representar até 31% da prevalência total de IRAS no âmbito hospitalar5 . Como critério geral, as ISC devem ser diagnosticadas no máximo até 30 dias após o procedimento, se não houver material protético instalado na cirurgia6 .

Em virtude do impacto na segurança do paciente cirúrgico, as ISC têm sido alvo de estudos em todo o mundo. No universo de publicações científicas, resultados alarmantes são evidenciados, tais como: estudo desenvolvido na Turquia7 identificou taxa geral de ISC de 4,3% (entre 41.563 procedimentos cirúrgicos) e a maioria das especialidades cirúrgicas (n=22) apresentou taxas superiores às recomendadas pelo National Healthcare Safety Network (NHSN); estudo desenvolvido na Índia8 identificou semelhante taxa geral de ISC (4,2%), chegando a 8,3% de infecção em cirurgias de mama. Na Colômbia9 , foram observados 193 casos de ISC em 5.063 procedimentos cirúrgicos realizados. Todas as pesquisas citadas afirmam que esse cenário é preocupante e que as instituições de saúde necessitam fazer valer as recomendações de prevenção de ISC vigentes.

Uma revisão sistemática realizada por pesquisadores de diferentes origens da Europa aponta que as ISC demandam hospitalização prolongada, reoperações e readmissões, perfazendo um importante fator que onera os sistemas de saúde, além de aumentar as taxas de mortalidade entre pacientes infectados10 . Este panorama reafirma a necessidade de controle e avaliação das práticas que entornam os procedimentos cirúrgicos, com a finalidade de favorecer a tomada de decisão em prol da prevenção das ISC4 , 11 .

Tanto no contexto das ISC como no contexto global da qualidade e segurança em saúde, os indicadores têm sido pontuados como medidas objetivas que delineiam uma determinada realidade ou situação de saúde, portanto, são elementares à avaliação dos serviços e ao planejamento racional de ações de melhoria11 , 12 . Neste escopo, existe a formulação de um manual de indicadores validados por um grupo de pesquisadores e profissionais com expertise na área de controle de IRAS que abarca o monitoramento de fatores que entornam a ISC por medidas relacionadas à avaliação das condições clínicas do paciente; a realização de procedimentos no período pré-operatório; a preparação pré-operatória da equipe cirúrgica; a antissepsia relacionada aos procedimentos; e a estrutura física e de recursos humanos do centro cirúrgico, considerados fundamentais à tomada de decisão para melhorias que fundamentem a prevenção de ISC12 .

Reforçando a justificativa para estudos na problemática em pauta, ressalta-se que o Programa “Cirurgias Seguras Salvam Vidas”, lançado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), tem como eixos a prevenção de ISC, a anestesia segura, equipes cirúrgicas seguras e o emprego de indicadores da assistência cirúrgica13 . Logo, acredita-se que a interface prevenção de ISC versus avaliação por indicadores é essencialmente profícua ao incremento da segurança do paciente cirúrgico, pois tem potencial para fundamentar racionalmente o (re)planejamento de serviços, o que, sem dúvida, alavanca a relevância social de pesquisas científicas neste escopo. Além disso, a investigação no bojo de indicadores em prevenção de ISC pode subsidiar o fortalecimento de melhores práticas através do benchmarking de resultados comparados entre organizações de saúde.

Ante o exposto, questionou-se: Qual é a situação das ações que favorecem a prevenção de ISC em um hospital universitário? No intuito de sanar tal indagação, objetivou-se avaliar indicadores de prevenção de ISC em hospital universitário público, bem como verificar a associação de conformidade dos indicadores entre as especialidades de cirurgia geral e ortopedia.

MÉTODO

Pesquisa avaliativa, transversal, observacional e quantitativa. Foi desenvolvida na Unidade de Centro Cirúrgico (UCC) de um hospital universitário público do Paraná, Brasil. O hospital tem capacidade operacional de 210 leitos exclusivamente ativados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e abrange atendimento a uma população de aproximadamente dois milhões de habitantes, sendo referência ao atendimento ao trauma, gestação de alto risco e tratamento do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Por sua vez, a UCC contempla cinco salas operatórias e outra sala reservada à recuperação pós-anestésica.

A amostra do estudo compreendeu 200 procedimentos cirúrgicos eletivos, sendo 100 destinados à especialidade de cirurgia geral e 100 à ortopedia, executados no recorte temporal de coleta de dados que compreendeu o período total de abril a agosto de 2016. A amostra foi definida em consonância às recomendações do Manual de Avaliação das Práticas de Controle de Infecção Hospitalar12 , referencial metodológico base da pesquisa, que determina a quantidade de observações elencada como suficiente e válida à apreciação dos indicadores. Já as especialidades cirúrgicas foram intencionalmente escolhidas em alinhamento ao perfil epidemiológico do local de pesquisa. Os critérios de inclusão definidos foram: cirurgia eletiva das especialidades referidas e executadas no período diurno de segunda a sexta-feira, que foram empregados a todas as cirurgias até o preenchimento da amostra.

A coleta de dados foi procedida por observação direta por um único pesquisador a fim de atenuar os vieses comuns aos estudos observacionais, além de extração de informações em fonte documental, que se valeu dos relatórios anestésico-cirúrgicos e prontuários eletrônicos dos pacientes. Houve treinamento prévio à coleta por outra pesquisadora da área de IRAS, enfermeira, com título de Doutora e em franca atividade no ensino e pesquisa no escopo estudado. Em caso de cirurgias simultâneas entre as especialidades avaliadas, o pesquisador optou pela observação de um deles, por conveniência, e seguiu o procedimento de preenchimento da amostra. Entre os cinco meses de coleta de dados, a média de observação de cada cirurgia e os componentes avaliativos foi em torno de 45 minutos, o que totalizou aproximadamente 150 horas de avaliação.

A coleta de dados se deu por preenchimento de formulários próprios advindos do referencial base do estudo12 , que contemplavam a extração das variáveis tricotômicas de avaliação (conformidade, não conformidade e sem aplicação) ou dicotômicas (sim/não) dos seguintes indicadores: Indicador 1: Avaliação das condições do paciente no período pré-operatório; Indicador 2: Avaliação das condições de assepsia no período intraoperatório; e Indicador 3: Avaliação das condições estruturais da UCC. Cada indicador possui critérios de avaliação (que definem a sua conformidade ou não conformidade), fontes de informações e itens/componentes estruturantes próprios.

O Indicador 1 redunda na apreciação dos seguintes aspectos: risco de morte anestésica como marcador substituto da condição clínica geral do paciente (risco “ASA” – critérios da American Society of Anesthesiologists ); investigação de infecções remotas/prévias ao sítio cirúrgico; e horário que (se) foi realizada a tricotomia. A avaliação deste indicador é averiguada através da existência de registros documentais que, quando presentes, comprovam que estas condições pré-operatórias estão sendo monitoradas no paciente, e seus critérios de conformidade são claros na descrição do manual12 .

O Indicador 2 relaciona-se à avaliação da utilização de paramentação completa e correta pela equipe cirúrgica; realização adequada da antissepsia do campo operatório; e drenagem por sistema fechado, quando houver indicação. A fonte de informação deste indicador é observacional, ou seja, o próprio procedimento cirúrgico e seus critérios de conformidade também são bem definidos às recomendações do referencial metodológico eleito12 .

Por fim, o Indicador 3 preocupa-se com a apreciação das condições de estrutura da UCC, por meio de observação direta e/ou contato com os profissionais lotados na unidade, sobre os seguintes aspectos: circulante na sala operatória; anestesista na sala operatória; ar-condicionado com pressão positiva no interior das salas operatórias; lavabo; torneiras para degermação; disponibilidade do produto antisséptico; dispensação adequada do produto antisséptico; expurgo; rotina de limpeza do setor; restrição da circulação de pessoas no setor; e portas da sala operatória. A (in)conformidade de cada item do indicador também é clara no manual utilizado12 , e a avaliação dos aspectos que o entornam foram realizadas de forma dicotômica (sim/não).

Os dados coletados e registrados nos formulários foram transportados para planilhas eletrônicas. Após tabulação, os dados foram submetidos à análise estatística descritiva e inferencial, com uso do software R®. A conformidade de cada item e conformidade geral de cada indicador avaliado foram obtidas mediante fórmulas próprias recomendadas, que se valem de relações de proporção em percentual12 .

A conformidade geral dos indicadores é obtida através da quantidade de procedimentos avaliados (casos separados), na qual todos os itens estruturantes do indicador estavam adequados e que se desdobra em relação percentual pelo total de casos observados. Todos os indicadores possuem conformidade ideal (“padrão”) recomendada em 100%12 . Já para testar a associação dos itens dos indicadores entre as especialidades de cirurgia geral e ortopedia, empregou-se o teste não paramétrico Qui-Quadrado (χ2 ) para proporções, considerando-se significância estatística de 5%, expressa em p-valor.

O projeto de pesquisa que fomentou este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, recebendo protocolo de nº 1447.806/2016 e CAAE: 50066815.8.0000.0107.

RESULTADOS

O estudo analisou 200 procedimentos cirúrgicos eletivos à apreciação da prevenção de ISC, sendo 100 da especialidade de cirurgia geral e 100 da ortopedia.

Verifica-se, por meio da Tabela 1 , que todos os componentes analisados em relação às condições do paciente no pré-operatório apresentavam-se, em sua maioria, de acordo com o preconizado, ao se obter uma conformidade geral de 85,5%. O componente que apresentava a maior inconformidade é o registro ASA, que se relaciona à segurança do paciente durante o ato anestésico, indicando perspectiva desfavorável nesse quesito.

Tabela 1
Conformidade dos componentes e conformidade geral do Indicador 1: Avaliação das condições do paciente no período pré-operatório (n=200). Cascavel-PR, Brasil, 2016.

*Classificação de risco referente aos procedimentos anestésicos segundo critérios da American Society of Anesthesiologists .

A Tabela 2 ilustra os achados atinentes à apreciação do Indicador 2: Avaliação das condições de assepsia no período intraoperatório.

Tabela 2
Conformidade dos componentes e conformidade geral do Indicador 2: Avaliação das condições de assepsia no período intraoperatório (n=200). Cascavel-PR, Brasil, 2016.

A avaliação das condições estruturais da UCC – Indicador 3 – obteve conformidade geral em 90%, pois nove dos dez itens observados estavam de acordo com o preconizado.

Em relação à estrutura da UCC, dos 10 componentes avaliados, apenas um não atendeu aos critérios. Este elemento diz respeito à presença de um anestesista exclusivo para cada procedimento cirúrgico, ou seja, indica que este profissional deveria prestar assistência integral ao paciente durante todo o período transoperatório, o que não foi observado.

A Tabela 3 sumariza os resultados relacionados à associação entre as especialidades cirúrgicas estudadas aos componentes do Indicador 1.

Tabela 3
Associação entre os componentes do Indicador 1: Avaliação das condições do paciente no período pré-operatório, com as especialidades de ortopedia e cirurgia geral (n=200). Cascavel-PR, Brasil, 2016.

a Teste χ2 para proporções; *Valor com significância estatística.

Por fim, a Tabela 4 demonstra os resultados de associação entre conformidades dos componentes do Indicador 2 e as especialidades cirúrgicas.

Tabela 4
Associação entre os componentes do Indicador 2: Avaliação das condições de assepsia no período intraoperatório, com as especialidades de ortopedia e cirurgia geral (n=200). Cascavel-PR, Brasil, 2016.

aTeste χ2 para proporções.

DISCUSSÃO

O estudo traz um panorama amplo acerca da situação das ações que favorecem a prevenção de ISC. Verifica-se que nenhum dos indicadores avaliados atingiu o valor de conformidade ideal recomendado (100%) pelo referencial das medidas avaliativas12 . Os resultados foram melhores se comparados à outra pesquisa11 desenvolvida no estado de Goiás, onde a conformidade geral de outros indicadores atinentes à prevenção de ISC foi de apenas 35,4%. Porém, ressalta-se que o estudo citado mensurou alguns indicadores distintos ao desta pesquisa, ao exemplo da profilaxia antimicrobiana até 1 hora antes da incisão cirúrgica, duração da profilaxia antimicrobiana ≤ 24 horas, controle glicêmico no pós-operatório de pacientes diabéticos, controle térmico de pacientes no intraoperatório e número de caixas cirúrgicas com registro de inspeção11 .

Ante ao exposto, concorda-se que a comparação de resultados de indicadores de qualidade, produtividade e desempenho organizacional é um desafio no mundo globalizado hodierno, uma vez que as realidades locais podem ser distintas e os mecanismos de avaliação tendem a ser pouco padronizados no Brasil, ao exemplo de padrões claros do que é aceitável sobre dado evento em saúde14 .

Em relação aos componentes do Indicador 1 ( Tabela 1 ), um resultado a se ressaltar é a não conformidade em mais de 10% sobre o Registro ASA. Tal componente do indicador relaciona-se à maior segurança do paciente durante o ato anestésico, pois através da observação do prontuário, da anamnese, da solicitação de exames laboratoriais, da investigação de anestesias prévias, de medicações em uso, dentre outras, é determinado o risco ASA15 . Portanto, o resultado em questão denota perspectiva desfavorável à qualidade perioperatória na UCC de inquérito, no contexto da segurança anestésica.

Os dados desta pesquisa divergem de estudo realizado em um hospital-escola de Goiânia, no qual, dos 70 pacientes com cirurgia que resultou em ISC, de um universo de 700 prontuários, não houve nenhuma descrição de ausência do registro do risco ASA16 . Neste aspecto, apreende-se que a informação descrita converge à melhor qualidade documental cirúrgico-anestésica, uma vez que a sua ausência e de outros registros no prontuário a respeito da condição clínica pré-operatória do paciente pressupõem falhas da equipe com consequências diretas ao paciente, já que a aplicação do risco ASA de forma eficaz permite que o procedimento seja realizado com maior segurança, evitando possíveis danos desnecessários ao paciente durante o procedimento e, consequentemente, a ocorrência de complicações15 .

Também em relação ao Indicador 1, o componente que trata sobre a tricotomia obteve conformidade em 96,6%, considerada positiva/favorável, entre os 30 casos que o procedimento tinha aplicabilidade avaliativa ( Tabela 1 ). Segundo o Manual de Indicadores utilizado, este componente é apreciado sob os seguintes critérios de conformidade: quando ocorrer a tricotomia em período até 2 horas antes do início da cirurgia; caso não tenha sido realizada, registrar na planilha de avaliação como “Sem Aplicação”, que não será estimada no percentual de conformidade do componente12 e que, no caso desta pesquisa, computou-se em 170 casos.

O momento da tricotomia foi apreciado como indicador de prevenção de ISC em outra pesquisa que determinou adequabilidade do procedimento em intervalo menor ou igual a duas horas antes do procedimento cirúrgico em 82,5%17 , o que possivelmente reforça a perspectiva positiva do componente do indicador avaliado nesta investigação. Ainda assim, cumpre ressaltar que o valor ideal (100%)12 , mesmo que próximo, não foi atingido.

Em outro estudo realizado em quatro hospitais na cidade de Pelotas com amostra de 1.500 pacientes, apenas duas instituições respeitaram o tempo de realização da tricotomia, com conformidade de 100% e 93,4% no indicador de tempo adequado, as outras duas instituições apresentaram conformidade de 52,2% e 16,7%, ou seja, valores discrepantes18 . Frente ao resultado desta pesquisa e ao panorama da literatura descrito, concorda-se com o postulado de autores ao afirmarem que, apesar da tricotomia ser muito bem definida às recomendações de melhores práticas por órgãos regulamentadores, ela ainda está aquém de ser padronizada entre os serviços de saúde17 .

Ressalta-se que as recomendações nacionais oficiais mencionam que a tricotomia não deve ser feita de rotina, e que se os pelos tiverem que ser removidos, deve-se fazê-lo imediatamente antes da cirurgia, utilizando tricotomizadores elétricos e fora da sala de cirurgia. O uso de lâminas está contraindicado4 . Este não foi um aspecto analisado no estudo, o que perfaz uma limitação da pesquisa. No entanto, à prática clínica, sabe-se que a rotina usual da organização para a tricotomia tende ao uso de tricotomizadores elétricos, o que coaduna às diretrizes vigentes.

Em relação ao Indicador 2: Avaliação das condições de assepsia no período intraoperatório, apesar de ter apresentado a maioria dos componentes com conformidade em 100%, ou seja, ideal, computou a pior conformidade geral entre os três indicadores avaliados ( Tabela 2 ). Isso pode ter ocorrido porque dois itens componentes dessa medida obtiveram resultados desfavoráveis à conformidade ideal, especialmente aquele que tratou da paramentação correta, estimado à sua adequabilidade em 80,5%, ou seja, com 19,5% de não conformidade entre as observações.

A finalidade da paramentação cirúrgica é estabelecer uma barreira microbiológica contra a penetração de microrganismos no sítio cirúrgico do paciente, que podem ser oriundos dele mesmo, dos profissionais, produtos para saúde e ar ambiente, além de proteger a equipe cirúrgica do contato com sangue e fluidos dos pacientes4 . É evidente, portanto, a relação do processo de proteção para a segurança no cuidado, tanto do paciente como do trabalhador.

A conformidade da paramentação correta poderia ser refletida à sua impossibilidade caso a organização não provesse a completude dos aparatos necessários, porém, a adequação em 100% de paramentação completa, de certa forma, denuncia o processo em questão adotado na UCC pesquisada. Diante disso, acredita-se que o resultado negativo encontrado no estudo se relaciona à adesão deficitária da equipe cirúrgica na forma de paramentar-se.

Para que a paramentação fosse considerada adequada, todos os membros da equipe cirúrgica (inclusive o anestesista e circulante de sala) deveriam estar com gorros cobrindo totalmente o couro cabeludo e prendendo o cabelo, máscaras cobrindo a via aérea superior (nariz e boca) e aventais completamente fechados12 . Considerando que os aparatos de proteção estavam presentes na UCC, infere-se que há necessidade de maior supervisão por parte das lideranças da Unidade e chefias imediatas, como por exemplo, Direção Clínica e de Enfermagem acerca da adesão dos trabalhadores à paramentação correta, além da ação vigilante do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH).

Estudo observacional desenvolvido em Belo Horizonte trouxe que a utilização da paramentação cirúrgica entre 70 observações (profissionais que poderiam ser os mesmos, devido à repetição nos procedimentos cirúrgicos) resultou em 14,3% de utilização de óculos de proteção; 58,6% de adesão aos propés; 7,2% de uso adequado do gorro cirúrgico, cobrindo os cabelos e as orelhas; 100% de adesão ao uso do capote (avental); 97,1% de uso correto da máscara cirúrgica; e 100% quanto às luvas cirúrgicas19 . Nota-se que o estudo citado foi além na avaliação da adesão à paramentação correta, no entanto, acredita-se que os resultados demonstrados nesta pesquisa são suficientes para fundamentar ações de melhoria, como a capacitação em serviço e a supervisão.

Outra investigação realizada em um hospital geral de Porto Alegre, por meio de observação de 65 cirurgias, o uso de máscaras teve a menor proporção de adequação (69%) identificado entre médicos anestesistas20 . Apesar de não ser uma justificativa para a correta adesão à paramentação cirúrgica, o resultado aludido pela literatura talvez reflita-se nos achados desta pesquisa em relação ao Indicador 3, que tratou das condições estruturais da UCC, no qual resultou que a única inconformidade constatada era a não presença de anestesista em todas as salas cirúrgicas. Ou seja, talvez pela impossibilidade de atender exclusivamente um paciente, os profissionais em questão possam ter contribuído para a adesão deficitária na paramentação correta, contribuindo à insegurança cirúrgica no local de pesquisa.

A Resolução n° 1.802, de 1o de novembro de 2006, do Conselho Federal de Medicina, que dispõe sobre a prática do ato anestésico, atualiza e revoga decisões da resolução anterior, menciona em um dos incisos do seu Artigo 1º que, para conduzir as anestesias gerais ou regionais com segurança, deve o médico anestesiologista manter vigilância permanente a seu paciente21 . Considerando que não havia total disponibilidade da assistência médica anestésica em todas as cirurgias avaliadas, postula-se que a UCC e a Direção Clínica do Hospital podem rever o possível desacordo com a diretriz ética citada, o que certamente contribuirá à segurança do paciente cirúrgico naquele contexto.

Destaca-se que a alusão antes expressa é apenas uma interpretação reflexiva dos fatos aliados à literatura correlata, não podendo se conformar como afirmação ou inferência da pesquisa. Ainda assim, é válido ressaltar que as práticas de prevenção de ISC no intraoperatório merecem ser reavaliadas, já que o Indicador que tratou destas questões obteve o pior resultado, e também, porque as condições de estrutura da UCC tendem a ser favoráveis à qualidade cirúrgica ( Quadro ).

Quadro
Observação do atendimento aos componentes de avaliação da estrutura da UCC. Cascavel-PR, Brasil, 2016

UCC: Unidade de Centro Cirúrgico.

A degermação cirúrgica das mãos foi outro aspecto que não obteve conformidade ideal (92,0%), e isso, certamente, é uma prática de muita interferência na prevenção de ISC. A avaliação da degermação cirúrgica pela equipe foi um aspecto trabalhoso, uma vez que a averiguação da conformidade do componente deveria atender os seguintes critérios para todos os membros da equipe cirúrgica: utilização de antisséptico aprovado por legislação governamental ou recomendação de diretriz clínica; degermação, com ou sem escova, durante pelo menos dois minutos, de toda a superfície de cada membro superior, desde unhas até o cotovelo; e enxágue dos membros a partir dos dedos aos cotovelos, mantendo-os elevados de maneira que a água de enxágue não retorne dos cotovelos aos dedos12 .

Considerando, que os aspectos estruturais da UCC eram favoráveis a esta e outras práticas de prevenção de ISC, como, por exemplo, o atendimento de um lavabo para cada duas salas cirúrgicas; torneiras acionadas sem contato com as mãos e a disposição de produtos antissépticos para degermação das mãos, apesar da proporção de conformidade do componente de degermação ter sido “alta” é possível refletir que a adequação deste item do Indicador 2 foi interferida pela adesão deficitária dos profissionais da unidade, e não por desfavorecimento estrutural.

Ressalta-se que a degermação cirúrgica das mãos foi um componente avaliativo mais positivo entre a equipe de ortopedia (96,0%) em comparação à cirurgia geral (88,0%), com p-valor próximo (0,068) à significância estatística para associação ( Tabela 4 ). Isso, apesar de ser um dado isolado entre as duas especialidades cirúrgicas, também favorece a tomada de decisão mais racional em prol da melhor adesão à prática de degermação cirúrgica das mãos, ou seja, sinaliza que a equipe de cirurgia geral, entre as duas, é a que precisa de maior investimento na busca pela melhor adesão.

O componente de infecção prévia ao procedimento operatório do Indicador 1, referente às condições do pré-operatório, apresentou associação estatística positiva (0,003) na verificação da conformidade por especialidades, na qual a equipe da ortopedia teve resultado inferior ( Tabela 3 ). Isso significa que houve observação de não apresentação de exames em prontuário que indiquem a possível presença (ou sua investigação) de uma infecção prévia ao ato cirúrgico12 entre os procedimentos de ordem ortopédica.

As cirurgias da especialidade de ortopedia e traumatologia são muito comuns no local de pesquisa, que é referência ao atendimento ao trauma. Não raras vezes, sabe-se que os procedimentos cirúrgicos desta ordem incorrem no posicionamento de fixadores, próteses e outros corpos que podem ter a ISC facilitada se na presença de processo infeccioso prévio, que deveria ser investigado via exames laboratoriais4 . Dito isso, é necessária a revisão da prática médica no contexto pré-operatório da especialidade em pauta, a fim de que o planejamento cirúrgico possa ser mais seguro, e assim, contribua mais assertivamente à prevenção das ISC.

Entre os outros componentes comparados por associação estatística, percebe-se que as especialidades de cirurgia geral e ortopedia apresentaram comportamentos semelhantes. No entanto, nas proporções de conformidade, a ortopedia computou maior inadequação em três de oito componentes dos indicadores avaliados ( Tabelas 3 e 4 ). A cirurgia geral obteve pior resultado no item de registro do risco ASA, o que na verdade, não seria uma falha da equipe operatória, e sim, anestésica; e no componente avaliativo sobre a degermação cirúrgica das mãos. Os demais itens foram pareados e pontuaram 100,0% de conformidade entre ambas as especialidades. Portanto, como um todo, a segurança cirúrgica no contexto da prevenção de ISC tendeu a ser mais favorável entre a especialidade de cirurgia geral.

Como o estudo limita-se à avaliação de algumas práticas e fatores de prevenção de ISC, não é possível inferir que a sua adequabilidade interfere na incidência do processo infeccioso. Portanto, é prudente afirmar que novas pesquisas são necessárias, ao exemplo dos estudos de causa e efeito, a fim de verificar o impacto das medidas de prevenção na ocorrência real das ISC.

CONCLUSÕES

Foi possível evidenciar um cenário das ações que envolvem a prevenção de ISC, pela avaliação por indicadores. Sobressaíram os seguintes achados: não atendimento da conformidade ideal (100%) entre nenhuma das três medidas avaliativas, mas de diversos de seus componentes estruturantes; melhor qualidade nos requisitos das condições pré-operatórias e de estrutura da UCC em comparação às de antissepsia do período intraoperatório; e, comportamento semelhante entre as especialidades de cirurgia geral e ortopedia. No entanto, piores resultados para a última.

Conclui-se que a avaliação dos indicadores aponta que há claro espaço para melhorias na prevenção de ISC e que houve associação estatística apenas para o componente de registro de infecção prévia ao procedimento operatório, tendendo à necessidade de melhorias mais emergentes na especialidade de cirurgia ortopédica. Ademais, as práticas de antissepsia no período intraoperatório; o registro de risco ASA e a presença de médico anestesiologista em todos os procedimentos também merecem sua revisão.

As limitações desta pesquisa se atrelam à impossibilidade de generalização de resultados, a inclusão de apenas duas especialidades cirúrgicas e outras referentes aos próprios indicadores. Contudo, acredita-se que o estudo contribui sobremaneira ao avanço do conhecimento da prevenção de ISC, uma vez que traz um diagnóstico sólido de componentes que envolvem as práticas que a entornam, além de reafirmar a importância da avaliação e controle de medidas válidas para o planejamento de ações rumo à segurança do paciente perioperatório.

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Autor notes

* E-mail: cristina_bohrer@hotmail.com

Declaração de interesses

Conflito de Interesse:

os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.



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