REVISÃO
Recepção: 15 Julho 2019
Aprovação: 07 Outubro 2019
DOI: https://doi.org/10.22239/2317-269x.01364
Financiamento
Fonte: Agência Nacional de Vigilância Sanitária
Número do contrato: 003
Descrição completa: Financiamento
RESUMO
Introdução: O linfoma anaplásico de células grandes (ALCL) é um tipo raro de linfoma não Hodgkin e alguns relatos têm apontado possível associação entre a sua ocorrência e a implantação de próteses mamárias, especialmente as texturizadas. Contudo até o momento, pouco se sabe sobre o processo da doença e sua relação com os implantes mamários.
Objetivo: Identificar se há associação entre o uso de implantes mamários e o desenvolvimento de ALCL.
Método: Foi feita uma revisão de literatura com busca sistemática nas bases de dados: Medline via PubMed, Cochrane Library, Embase e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) em fevereiro de 2019, utilizando os termos Breast Implantation e anaplastic large-cell lymphomas .
Resultados: Ao todo foram identificados 797 estudos, dos quais 12 foram selecionados e incluídos no presente trabalho: dois estudos de caso-controle, cinco registros retrospectivos de banco de dados, um estudo de coorte prospectiva e quatro revisões sistemáticas de relatos de casos. Os estudos de caso-controle apontaram aumento da chance de ocorrência de ALCL nas pacientes com implante mamário. Nos casos de ALCL relatados, a maioria relaciona-se a implantes de superfície texturizada, entretanto os dados podem estar enviesados já que este é o tipo de prótese mais vendida em todo o mundo. Grande parte dos procedimentos foram realizados por motivos estéticos, seguidos de reconstrução mamária após câncer de mama e mastectomia. Nesses casos, não se sabe se a reconstrução é um fator de risco ou agravante para o desenvolvimento de ALCL. Os dados foram provenientes de estudos realizados nos Estados Unidos da América, Holanda, Suécia, Reino Unido e Itália.
Conclusões: Até o momento, os dados apontaram associação entre o implante mamário e o desenvolvimento de ALCL, entretanto não há como se estabelecer relação causal.
Palavras chave: Linfoma Anaplásico de Células Grandes, Implantes Mamários, Associação, Risco, Relação Causal.
ABSTRACT
Introduction: Anaplastic Large Cell Lymphoma (ALCL) is a rare type of non-Hodgkin’s lymphoma and some reports have indicated a possible association between its occurrence and the implantation of breast implants, especially the textured ones. However, so far, little is known about the disease process and its relationship with breast implants.
Objective: Thus, the aim of this study was to identify whether there is an association between the use of breast implants and the development of ALCL.
Method: A systematic literature review was performed on the databases: Medline via PubMed, Cochrane Library, Embase and Virtual Health Library (BVS) in February 2019 using the terms “Breast Implantation” and “anaplastic large-cell lymphomas.” Results: A total of 797 studies were identified, of which 12 were selected and included in the present study: 2 case-control studies, 5 retrospective database records, 1 prospective cohort and 4 systematic case report reviews. Case-control studies have shown increse the chance of ALCL in breast implant patients. In the reported cases of ALCL, most were relate to textured surface implants; however, data may be skewed as this is the best-selling type of prosthesis worldwide. Most of the procedures were performed for aesthetic reasons, followed by breast reconstruction after breast cancer and mastectomy. In these cases, it is not known whether reconstruction is a risk or aggravating factor for the development of ALCL. The data came from studies conducted in the United States of America - USA, Netherlands, Sweden, United Kingdom and Italy.
Conclusion: To date, data indicate an association between breast implant and the development of ALCL; however, there is no way to establish a causal relationship.
Keywords: Anaplastic Large Cell Lymphoma, Breast Implants, Association, Risk, Causal Relationship.
INTRODUÇÃO
O linfoma anaplásico de células grandes (ALCL) é um tipo raro de linfoma não Hodgkin (LNH), que envolve as células do sistema imune. O ALCL é caracterizado por um crescimento anormal dos linfócitos T e é subdividido em ALCL sistêmico, cutâneo e puro 1. Atualmente, existem duas variantes principais do ALCL: uma expressa a proteína quinase do linfoma anaplásico (ALK+) e a outra não (ALK-), sendo esta última a variante mais comum. Destaca-se que a expressão da proteína ALK pelas células tumorais é um fator prognóstico independente preditor de sobrevivência 2.
O ALCL associado a implantes mamários ( breast implant associated anaplastic large cell lymphoma : BIA-ALCL) é extremamente raro, atinge a cápsula fibrótica ao redor do implante e ainda não possui patogenia bem elucidada, apresentando-se sob a forma de seroma ou massa 3.
O primeiro caso de BIA-ALCL foi reportado em 1997 1. Nas duas últimas décadas, os relatos documentados de casos confirmados de BIA-ALCL ultrapassam 300. O número exato de casos é difícil de ser determinado devido à ausência de dados globais sobre vendas de implantes mamários e a limitações significativas na notificação mundial de BIA-ALCL 4.
Até o momento, pouco se sabe sobre a doença e sua relação com as próteses mamárias. O diagnóstico normalmente ocorre durante a cirurgia de revisão do implante devido a um seroma atrasado ou persistente, associado a dor ou inchaço da mama. Em média, o BIA-ALCL desenvolve-se em 9 anos após a implantação da prótese 5.
Apesar de o Brasil ser o segundo maior mercado mundial de implantes mamários, atrás apenas dos Estados Unidos da América (EUA), não há dados oficiais nacionais da doença 1. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), a estimativa de novos casos de LNH para 2018 seria de 10.180, dos quais 5.370 ocorreriam em homens e 4.810 em mulheres 6.
A Food and Drug Administration (FDA), desde 2011, investiga a possível associação entre este câncer e os implantes mamários, fomentando um registro nacional de casos suspeitos 4. Em 2017, os dados da FDA apontaram que a maior parte (56,0%) dos BIA-ALCL registrados ocorreram em pacientes que tinham implantes texturizados; 7,0% em pacientes com implantes lisos e em 36,0% dos casos a informação não estava disponível. Em 50,0%, o preenchimento das próteses era de silicone, em 35,0% de solução salina e em 15,0% a informação não estava disponível 7.
As superfícies dos implantes mamários possuem uma camada externa de elastômero de silicone de forma estável, podendo ter a superfície lisa ou texturizada. O preenchimento pode ser de gel de silicone ou solução salina 8. A texturização do implante é uma irregularidade da superfície do silicone, projetado para mimetizar a forma e conferir os benefícios dos implantes de poliuretano, que apresentam menos complicações 4.
Dado que o FDA aponta que a maior parte dos casos ocorreu em pacientes com implantes texturizados, o objetivo deste estudo foi identificar se, de fato, há associação entre o uso de implantes mamários, principalmente os texturizados, e o desenvolvimento de ALCL.
MÉTODO
Foi feita uma revisão de literatura a fim de identificar se as evidências científicas apontavam associação entre o uso de implantes mamários, principalmente os texturizados, e o desenvolvimento de ALCL. Duas perguntas de pesquisa foram norteadoras do trabalho: i) “Pessoas com implantes mamários texturizados apresentam risco ou chance de desenvolver ALCL em comparação com pessoas com outros tipos de implantes mamários?”; ii) “Pessoas com implantes mamários texturizados apresentam risco ou chance de desenvolver ALCL em comparação com pessoas sem implantes?”.
Para tanto, em fevereiro de 2019, foram feitas buscas estruturadas, conforme Tabela 1 , nas bases de dados: Medline (via PubMed), Cochrane Library, Embase e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS).
Foram considerados elegíveis estudos de coorte, caso-controle, revisões sistemáticas de relatos de casos e observacionais do tipo registros de banco de dados sobre pacientes com linfomas e/ou implantação de próteses mamárias publicados em inglês, português ou espanhol. Não houve restrição quanto à data de publicação.
Não foram selecionados estudos com animais, in vitro , cartas ao editor e estudos cujo texto completo não estivesse disponível.
Foram excluídos estudos que: i) não abordassem pacientes com implantes mamários e ALCL; ii) não estudassem qualquer um dos desfechos: incidência, prevalência, mortalidade, tempo de desenvolvimento da doença, fatores contribuintes, risco ou chance de ocorrer BIA-ALCL.
O processo de seleção dos estudos foi realizado em duas etapas com auxílio da ferramenta on-line Rayyan QCRI (disponível em: <https://rayyan.qcri.org/welcome>). Inicialmente, foi feita triagem a partir da leitura de títulos e resumos por dois revisores independentes. Posteriormente, os artigos selecionados foram lidos na íntegra. Aqueles considerados adequados, segundo os critérios de inclusão e exclusão preestabelecidos, foram incluídos no trabalho. Nos casos de discordâncias entre os avaliadores, a decisão foi tomada em consenso.
Os dados dos estudos selecionados foram extraídos com a coleta das informações sobre a população, a doença e os implantes mamários.
RESULTADOS
Seleção dos estudos
A pesquisa da literatura recuperou 797 estudos, dos quais 112 eram duplicatas. Dessa forma, 685 estudos foram triados por título e resumo segundo os critérios de elegibilidade acima apontados. Desses, 20 seguiram para fase de leitura do texto completo. Os artigos que apresentavam potencial de elegibilidade, mas que não tiveram seus resumos ou textos completos obtidos, foram excluídos desta revisão. O total de 12 estudos atenderam a todos os critérios de inclusão estabelecidos. Os detalhes do processo de seleção e os motivos para exclusão estão ilustrados na Figura .
ALCL: linfoma anaplásico de células grandes.
Características dos estudos
Dos 12 estudos selecionados, a maioria era estudos observacionais retrospectivos. Foram incluídos dois estudos de caso-controle, cinco estudos retrospectivos de registro de bases de dados, uma coorte prospectiva e quatro revisões sistemáticas (RS) de relatos de casos.
Os estudos reportavam dados dos EUA, Holanda, Suécia, Reino Unido e Itália. Na maioria dos estudos, o procedimento teve finalidade estética, seguida de reconstrução mamária após carcinoma de mama ou mastectomia profilática.
Os implantes mais relatados foram os de superfície texturizada. Porém, em muitos (cerca de 50,0% dos casos), as informações sobre o tipo de implante, superfície e preenchimento eram desconhecidas. McGhan, Allergan e Mentor estão entre os produtores que mais apareceram nos estudos.
As principais características dos estudos incluídos estão apresentadas na Tabela 2 e os principais resultados na Tabela 3 .
Estudos de caso-controle
Foram selecionados dois estudos de caso-controle, ambos realizados na Holanda, cujas odds ratios (OR) estimadas foram altas, apontando alta chance de mulheres com implante mamário terem ALCL. Ambos buscaram identificar se a chance de ALCL estava associada a próteses mamárias. Importante ressaltar que a OR expressa se a chance de desenvolver a doença (no caso, o ALCL) no grupo de expostos é maior (ou menor) do que no grupo de não expostos.
O estudo de Daphne et al. 9 foi realizado em duas partes. Na primeira foi conduzida uma pesquisa no banco de dados da base populacional Pathologisch Anatomisch Landelijk Geautomatiseerd Archief (PALGA) de cobertura nacional para pacientes com linfoma mamário diagnosticado entre 1990 e 2006. Depois foi realizado um estudo de caso-controle aninhado. Na primeira parte, foram identificadas 11 mulheres com diagnóstico de ALCL, das quais oito tiveram acometimento mamário unilateral e três, bilateral.
Para o estudo de caso-controle, foi realizada uma análise de regressão logística condicional para estimar a OR de ALCL associado à prótese mamária, cujo valor foi de 18,2 (IC95%: 2,1–156,8). Os resultados sugeriram associação entre próteses mamárias de silicone e o desenvolvimento de ALCL. Embora esse aumento de 18 vezes e o desenvolvimento de ALCL possa causar preocupação significativa entre as mulheres com próteses mamárias, deve-se observar que a chance permanece baixa devido à rara ocorrência de ALCL da mama na população (11 casos na Holanda em 17 anos, cuja população é de 8 milhões de mulheres). Estima-se que a incidência de ALCL na mama varie entre 0,1 a 0,3 por 100.000 mulheres com próteses por ano (cinco casos em 1,7–5,1 milhões de pessoas-ano) 9.
O estudo aponta que, caso as próteses de silicone também estejam associadas a linfomas mamários diferentes de ALCL, a força da associação entre próteses mamárias e ALCL na mama podem ter sido subestimadas.
O estudo de Boer et al. 10 analisou se havia um tipo específico de implante que pudesse estar mais associado ao ALCL. Quarenta e três pacientes foram identificadas com ALCL mamário, dos quais 32 tinham implante mamário ipsilateral e sete tiveram câncer de mama anterior a implantação da prótese mamária. Dos 146 controles, uma paciente possuía o implante mamário (com finalidade estética) na mama afetada pelo linfoma. Isto resultou em uma OR de 421,8 (IC95%: 52,6–3.385,2; P < 0,001) para o BIA-ALCL. Portanto, os autores afirmaram que implantes aumentam fortemente a chance deste tipo raro de linfoma.
No estudo, a prevalência estimada de mulheres entre 20 a 70 anos com implante mamário foi de 3,3% em 2015. Riscos cumulativos de BIA-ALCL em mulheres com implantes foram de 29 por milhão em pessoas com 50 anos e 82 por milhão em pessoas com 70 anos, ou seja, é muito maior em mulheres mais velhas. A média de idade de mulheres com BIA-ALCL foi entre 18–75 anos, mas o maior número de casos reportados foi entre 51–75 anos. O número necessário de mulheres com implantes para causar um caso de ALCL da mama antes dos 75 anos de idade foi de 6.920, evidenciando a raridade da doença. A maioria dos casos diagnosticados ocorreu entre 2011–2016. A maior porcentagem dos implantes corresponde aos macrotexturizados, das empresas Allergan, Inamed e McGhan 10.
Estudos retrospectivos de análises de banco de dados
Foram recuperados estudos retrospectivos de banco de dados, dos quais a maioria (3/5) foi realizada nos EUA. No relato de tais estudos continham as caracteristicas mais comuns dos pacientes, tais como: os tipos de implantes, em qual mama foi identificado o linfoma, o tempo do diagnóstico, a média de idade dos pacientes e os principais sintomas. Todos relataram implantes de silicone ou solução salina, em que grande parte a superfície era texturizada.
O estudo de Srinivasa et al. 11 utilizou banco de dados internacionais do Brasil, Canadá, China, Colômbia, Japão, México, estados-membros da União Europeia, Nova Zelândia, Coreia do Sul e Itália, além de uma pesquisa na base de dados International Manufacturer and User Facility Device Experienc e (MAUDE), fomentada por 40 países, em que foram analisados, entre 2010 e 2015, um total de 459 relatórios de dispositivos médicos. Tais relatórios contêm informações sobre eventos adversos, mortes suspeitas associadas a dispositivos, lesões graves e malformações. Metástase linfonodal foi relatada em 16 (6,2%) casos, enquanto em 12 (4,7%) não foi especificada a ocorrência de qualquer metástase linfonodal. Vale ressaltar que as bases do Brasil (Sistema de Notificações para a Vigilância Sanitária – Notivisa), Canadá ( Vigilance Adverse Reaction Online Database – VAROD), China ( China Food and Drug Administration – CFDA), Colômbia ( Ministry of Health and Social Protection ), Japão ( Pharmaceuticals and Medical Devices Agency – PMDA), México ( Secretaria de Salud ) e Coreia do Sul ( Ministry of Food and Drug Safety – MFDS) não apresentaram nenhum caso de BIA-ALCL.
O estudo de Popplewell et al. 12 analisou arquivos de pacientes que apresentavam linfoma primário de células T, entre 1999 e 2007. Esses documentos eram do departamento de Patologia e Hematologia de Células Hematopoéticas provenientes do banco de dados de patologia da City of Hope Pathology, USA. Foram identificados oito casos de BIA-ALCL, sendo que, destes, sete expressavam o ALK- e um único caso de ALCL ALK+, que era de uma paciente de 15 anos que não possuía implante mamário. Os sintomas relatados pelos pacientes foram inchaço, acúmulo de líquidos na mama e aumento de massa. Os autores concluíram que há uma forte inclinação em direção a histologia ALCL ALK- na ocorrência de linfoma primário de células T associados a implantes mamários.
O estudo de Doren et al. 5analisou 100 casos de BIA-ALCL documentados entre 1996–2015 nos EUA. A partir disso, foi identificada incidência de 2,03 casos por 1 milhão de pessoas-ano com implantes mamários texturizados e prevalência de uma a cada 30.000 mulheres com implantes texturizados.
Assumindo que o ALCL associado ao implante mamário ocorre apenas em implantes texturizados, o risco de desenvolvê-lo é muito maior que o risco de desenvolver ALCL primário com acometimento do tecido mamário na população geral (67,6 vezes superior), considerando a incidência de 3,00 por 100 milhões por ano, segundo a literatura.
O estudo aponta associação, mas não causalidade. E apresenta como limitação o fato de que a doença ocorre predominantemente em pessoas com implantes texturizados, uma vez que utiliza dados de vendas dos EUA de implantes texturizados das empresas Allergan e Mentor, não avaliando os demais tipos de implantes 5.
O estudo de Dashevsky et al. 13 avaliou o sistema de informações hospitalares de um centro de câncer dos EUA a fim de revisar o prontuário eletrônico de mulheres diagnosticadas com BIA-ALCL entre 2010 e 2016 submetidas à reconstrução mamária ou ao aumento estético na instituição. O estudo aponta que não é possível estabelecer correlação com a textura dos implantes mamários, dado o pequeno número de casos.
Apesar da maior parte dos implantes mamários serem bilaterais (10/11, 91,0%), os pacientes só desenvolveram BIA-ALCL unilateral. Em 56,0% dos casos, o BIA-ALCL foi diagnosticado do mesmo lado do câncer anterior 13.
O estudo de Campanale et al. 14relatou casos italianos de BIA-ALCL registrados na base de dados, Dispovigilance. Uma iniciativa da autoridade de saúde do governo italiano (Ministério da Saúde) para monitorar, investigar e compreender a real incidência do BIA-ALCL, além de identificar os dispositivos médicos que possam estar associados à doença e seus aspectos clínico-patológicos. Em 2015, a incidência estimada de BIA-ALCL na população italiana foi de 2,8 casos por 100.000 pacientes.
Destaca-se que os dados foram coletados em 2017, porém, os diagnósticos foram feitos entre 2010 e 2016 e as próteses colocadas entre 1994 e 2012. Cinco casos foram estadiados como cânceres em estágio(s) avançado(s).
Estudos de coorte prospectiva
O estudo de Wang et al. 15 avaliou a associação entre implantes mamários e a incidência de linfoma de células T na coorte California Teachers Study (CTS), que incluiu 123.392 profissionais do sexo feminino de escolas públicas. Desse total, dez mulheres foram diagnosticadas com ALCL, sendo que somente duas relataram ter implante mamário – salino e de silicone. O implante foi associado a um aumento de 10,9 vezes no risco específico de desenvolver ALCL (HR = 10, 9; IC95%: 2,18–54,00). Nenhuma delas tinha histórico familiar de linfoma, tampouco de doença celíaca identificada. O local primário identificado do ALCL em uma delas foi a mama e na outra os gânglios linfáticos múltiplos. Nenhum outro participante do estudo diagnosticado com qualquer outro subtipo de linfoma de células T relatou o uso de implantes mamários, assim como nenhum outro linfoma de célula T identificado na coorte assim como a mama foi o sítio primário em nenhum outro linfoma de célula T identificado na coorte.
Os dados confirmaram uma associação entre implantes mamários e risco de ALCL, porém a ocorrência de ALCL entre mulheres com implantes mamários permaneceu extremamente baixa.
Estudos de revisões sistemáticas de relatos de casos
O estudo de Story et al. 16 realizou uma busca nas bases de dados PubMed, Embase, FDA e Web of Knowledge , no período de 1990 a 2012. O estudo incluiu 23 relatos de casos que descreveram 39 pacientes com ALCL nas proximidades do implante – seja de gel, de silicone ou de solução salina.
Os sintomas apresentados estavam disponíveis para 34 pacientes, sendo o mais comum o inchaço da mama afetada, que estava associado a dor em alguns pacientes. Destes, 18 (53,0%) apresentaram líquido periprostético (1 ano após o implante), 12 (35,0%) tinham massa palpável e quatro (12,0%), outras manifestações. Desses 34 pacientes, um apresentou tanto o líquido periprostético quanto a massa palpável. Os implantes mamários foram removidos da maioria das pacientes em que tal informação estava disponível (26 de 28 pacientes, 93,0%). Duas pacientes (7,0%) os mantiveram 16.
O tempo de seguimento estava disponível para 20 pacientes, o qual variou de 7 a 108 meses, com uma média de 30 meses. Vinte e três pacientes (79,0%) tiveram resposta completa ao tratamento, quatro tiveram resposta desconhecida (14,0%) e dois morreram (7,0%), sendo que para esses dois houve comprometimento além do sítio primário no momento do diagnóstico, incluindo envolvimento nodal e sistêmico 16.
O estudo de Rupani et al. 17 revisou e analisou a literatura publicada sobre malignidades hematopoiéticas associadas a implantes mamários. As buscas foram realizadas no Pubmed, entre 1995 e 2014, e recuperaram 83 casos de linfoma associados a implantes mamários, dos quais 71 eram ALCL.
Dos 71 casos de ALCL, 66 eram ALK-. Os resultados não apontaram associação com qualquer tipo particular de implante. O estudo sugeriu que os casos mais agressivos e a baixa taxa de mortalidade podem estar relacionados à presença de massas mamárias 17.
Os dados compilados sugerem que há um risco baixo de desenvolver ALCL. Contudo, é necessário que haja maior conscientização da população sobre a associação entre implantes mamários e o desenvolvimento de ALCL, e que os pacientes que desejam por implantes mamários devem ser informados sobre o risco 17.
O estudo de Kim et al. 18 analisou relatos de casos notificados de linfoma não Hodgkin em pacientes com implantes mamários. As buscas foram realizadas nas bases de dados PubMed, Embase e Web of Science . Trinta e quatro artigos foram incluídos no estudo, reportando 36 casos de linfoma não Hodgkin em pacientes com implantes mamários, dos quais 29 (81,0%) eram ALCL.
Dos 29 casos de ALCL, em 20 (69,0%) o implante afetado foi removido e em um caso (3,0%) o implante foi mantido. Nos demais oito casos (26,0%), não havia informação disponível sobre o assunto. A maioria dos relatos de ALCL (n = 21, 72,0%) não indicou se a cápsula estava ou não associada à inflamação. Vinte e cinco dos 29 casos de ALCL (86,0%) eram negativos para ALK 18.
Na maioria dos casos (16 de 29, 55,17%), a mama afetada foi a direita, seguida da esquerda (12 de 29 casos, 41,98%). Apenas um paciente (3,45%) teve manifestação bilateral. No que concerne à localização do implante, poucos casos tinham tal informação, a maioria dos casos (27 de 29, 93,00%) não reportavam essa informação.
Dos pacientes que tiveram câncer prévio, o tempo médio entre o primeiro câncer e o diagnóstico de ALCL foi de 14,7 anos (variando de 7 a 32 anos) – segundo dados provenientes de 10 casos. Dois pacientes dos 29 (7,0%) tinham histórico de linfoma de célula T prévio e o tempo médio entre a manifestação do linfoma célula T e o diagnóstico de ALCL foi de 1,8 anos (variando de 1 a 2,5 anos) 18.
No estudo de Jewell et al. 19, a busca foi conduzida no PubMed limitada a artigos em língua inglesa publicados entre janeiro de 1990 a outubro de 2010. O objetivo do estudo foi identificar casos publicados de ALCL associado à mama. Estudos sobre ALCL cutâneo que não envolvessem o tecido mamário periprotético foram excluídos.
Um total de 18 publicações foram recuperadas, as quais descreviam 27 casos de ALCL em pacientes com implante de gel de silicone e solução salina. Proporções semelhantes de pacientes tinham prótese dos dois preenchimentos 19.
A manifestação clínica mais comum foi inchaço mamário unilateral relacionado à coleta de fluido periprotético tardio (1 ano após o implante). A mama inchada às vezes era relatada como dolorida e sensível ao toque, mas raramente com contratura maciça ou capsular. Além disso, os sintomas constitucionais (febre, perda de peso e sudorese noturna) raramente foram relatados. Já nos pacientes diagnosticados com ALCL sem fluido periprotético tardio (n = 14), a apresentação ao diagnóstico variou: três apresentavam massa; um, dor e inchaço; e dois, contratura capsular 19.
A textura do implante foi relatada em apenas cinco casos (todos de superfície texturizada), impedindo a determinação de qualquer padrão de associação entre ALCL e texturização do implante. A maioria dos casos era ALK-. A maioria dos pacientes (59,0%) não apresentava doença disseminada e ficou livre de doença após um acompanhamento médio de 16 meses (variando de 7 a 48 meses) após terapia 19.
Uma associação, sem evidência de causalidade, foi relatada entre implantes mamários e o desenvolvimento de ALCL. Contudo, mais estudos são necessários para confirmar a associação. ALCL associado à mama ocorreu raramente em mulheres com e sem implantes mamários, com e sem antecedentes de câncer, com e sem a presença de líquido periprotético tardio e com diferentes tipos de implantes (não se limitou a um tipo específico de prótese) 19.
DISCUSSÃO
Foram encontradas poucas evidências que atendessem às perguntas de pesquisa. A maioria não relaciona o tipo de textura com o linfoma, nem o tipo de implante.
As evidências encontradas apresentaram limitações, entre elas, destacam-se:
i.Pequena quantidade de estudos realizados até o momento com boa qualidade metodológica que respondessem as perguntas de pesquisa. A maior parte das informações são provenientes de relatos de casos, tipo de estudo não selecionado para essa síntese;
ii.Pequeno número de BIA-ALCL estudados nos estudos (casuística pequena), o que não permite muitas inferências, já que o poder estatístico de amostras pequenas é reduzido. O fato de o carcinoma ser raro esbarra na escassez de resultados para a questão;
iii.A maioria dos estudos não apresentou duração adequada para a observação do desfecho de interesse – acompanhamento por pelo menos 10 anos, tempo necessário para o desenvolvimento do ALCL, segundo a literatura.
Até o momento, os dados apontam que o implante mamário aumenta o risco e/ou a chance de BIA-ALCL. Os resultados indicaram associação, mas não relação causal. Vale ressaltar que, mesmo que haja aumento do número de BIA-ALCL, ainda há escassez de dados que permitam inferir sobre a ocorrência de BIA-ALCL, isto porque a casuística de ALCL é pequena, por se tratar de uma doença rara.
É importante destacar que os estudos de caso-controle são delineamentos ideais para doenças raras, pois iniciam a investigação a partir do efeito (a doença) e avaliam retrospectivamente os fatores de risco (as causas). Desta forma, permitem investigar simultaneamente diferentes hipóteses de causa e origem da doença, além de identificar prevalência 14. Os resultados dos estudos encontrados apontaram chances muito maiores (OR elevada) de ALCL nos pacientes com implantes mamários, contudo não estratificam por tipo de implante e textura. São necessários mais estudos com períodos de acompanhamento adequados, com maior número de mulheres, gerações, poder estatístico, diferentes tipos de implantes e empresas produtoras para avaliar melhor tais questões.
Um estudo epidemiológico dos EUA revelou uma prevalência de 33 casos de BIA-ALCL por 1 milhão de pessoas com implantes de mamas texturizadas. A literatura australiana relata uma incidência maior do que nos Estados Unidos. Na Ásia, quase não há casos relatados e na América Latina, apenas alguns 19, 18. Ademais, o fato da maior parte dos dados ser proveniente dos EUA provavelmente está relacionado ao alerta emitido pelo FDA e ao historico dos EUA serem o país que mais faz cirurgias de implantação mamária. Destaca-se ainda que haja possibilidade de subnotificação nos demais países.
Importante considerar que praticamente todos os estudos apontaram uma taxa superior de amostras com implantes texturizados em relação aos lisos. Isso ocorre porque os implantes texturizados são aproximadamente 85,0% mais vendidos em todo o mundo em relação aos lisos. Por esta razão, pela pequena quantidade de casos existentes (n) e por haver poucos estudos de boa qualidade realizados, não se pode afirmar que implantes texturizados são diretamente associados ao ALCL, tampouco estabelecer relação biunívoca 17.
Não foram encontrados estudos que explorassem a relação da contratura capsular e o BIA-ALCL. Foram encontrados estudos que reportaram contratura capsular, porém não se sabe se, de fato, ela é um fator de risco ou se há relação causal com o BIA-ALCL.
Implicações para prática e pesquisa
Dado que os resultados da revisão apontam que são necessários mais estudos para avaliar o papel dos implantes texturizados na etiologia do ALCL, o fomento à pesquisa é uma forma de obter mais dados qualificados para avaliação estatística. Ademais, o incentivo para a criação de registro colaborativo de bancos de dados, como apontado em alguns estudos, é fundamental para que os órgãos reguladores de diversos países mantenham dados obrigatórios desses pacientes, contendo informações que abranjam desde o produto até manifestações clínicas. Desta forma, as autoridades regulatórias poderiam monitorar os desfechos desses pacientes, identificar potenciais problemas relacionados à saúde e intervir com medidas regulatórias, conforme necessário.
Tais medidas podem ser incentivadas não só pelas autoridades sanitárias, como também por sociedades nacionais e internacionais de especialidades médicas afins à temática.
O fomento a estudos que explorem a casuística brasileira do BIA-ALCL é necessário, assim como a estudos científicos rigorosos que possam identificar e explorar qualquer potencial relação causal entre implantes mamários e a ocorrência de BIA-ALCL. Ademais, estudos genéticos sobre a população afetada pelo BIA-ALCL poderiam esclarecer porque apenas alguns pacientes com implantes mamários desenvolvem a doença.
CONCLUSÕES
Os dados apontaram associação entre o desenvolvimento de ALCL e a implantação de próteses mamárias, porém não se pode afirmar relação causal. O ALCL é um tipo raro de linfoma cujos dados sobre casuística são escassos, e tem ocorrido em um pequeno número de pacientes com implante mamário. Apesar da possibilidade de uma mulher com implante mamário desenvolver BIA-ALCL ser baixa, informações abrangentes sobre o risco da doença devem ser dadas a todos os pacientes envolvidos. Os riscos e benefícios devem ser informados pelo médico e discutidos com o paciente que pretende submeter-se à cirurgia de prótese mamária.
É importante destacar que o estudo contribui para alertar médicos, profissionais de saúde e pacientes a respeito da segurança e da proteção dos pacientes que possam vir a ter próteses mamárias implantadas, para que fiquem vigilantes à questão.
REFERÊNCIAS
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Notas
A pesquisa foi financiada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por meio do Projeto Direb 003 Fio 17: Ações para apoio a governança regulatória de produtos sujeitos a vigilância sanitária, que estabelece parceria entre a agência e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Brasília.
Autor notes
* E-mail: juliana.girardi@fiocruz.br
Declaração de interesses
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares, instituições, políticos ou financeiros deste estudo.