RESUMO
Introdução: O desempenho do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) envolve a atuação das três esferas de governo considerando as características inerentes ao modelo federativo brasileiro e a gestão do Sistema Único de Saúde.
Objetivo: Desenvolver proposta de atuação de vigilância sanitária (Visa) que possibilite a harmonização de atividades e práticas, como forma de aprimorar a efetividade das ações e a identificação de critérios de execução das ações, como orientador das pactuações e programações de Visa.
Método: Estudo qualitativo descritivo, com revisão narrativa sobre o processo de harmonização e descentralização das ações de Visa, a partir das práticas individualizadas e coletivas observadas nas três esferas de gestão do SNVS. A proposta foi desenvolvida em oficinas de trabalho com representação de estados e municípios, do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde e do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde.
Resultados: Foram indicadas 12 ações críticas, sendo que nove delas estavam relacionadas à ação de inspeção. A categorização das ações críticas considerou: foco e abrangência da ação; momento de execução; produtos finais materializáveis; práticas e atividades que compõem a ação; e os resultados esperados. As práticas a serem harmonizadas foram priorizadas e detalhadas quanto aos requisitos a serem atendidos para a execução pela Vigilância Sanitária: legais; cognitivos; éticos; logísticos; e estruturantes para subsidiar o processo de descentralização de ações.
Conclusões: A efetiva qualificação das ações de Visa vem fortalecer os processos de construção coletiva, uma vez que está associada à definição das responsabilidades, suportada em critérios técnicos de competência e na uniformidade na execução de suas ações, com impacto na proteção da saúde a da população.
Palavras chave: Parâmetros, Regulamentos, Sistemas de Saúde, Vigilância Sanitária.
ABSTRACT
Introduction: The performance of the National Health Surveillance System (SNVS) involves the actions of the three spheres of government considering the inherent characteristics of the Brazilian federative model and the Brazilian Health System management.
Objective: To develop a proposal for health surveillance (Visa) activities, which would enable the harmonization of activities and practices, as a way to improve the effectiveness of actions and the identification of criteria for implementing these actions, as a guide for Visa agreements and schedules.
Method: Descriptive qualitative study with narrative review on the process of harmonization and decentralization of Visa actions, based on the individualized and collective practices observed in the three SNVS management spheres. The proposal was developed in workshops represented states and municipalities, and the National Council of State Health Secretaries and the National Council of Municipal Health Secretaries.
Results: Twelve critical actions were indicated, nine of which were related to the inspection action. The categorization of critical actions considered: focus and scope of the action; execution time; end materializable products; practices and activities that comprise the action; and the expected results. The practices to be harmonized were prioritized and detailed regarding the requirements to be met for implementation by the Sanitary Surveillance: legal, cognitive; ethical; logistics; and structuring to support the process of decentralization of actions.
Conclusions: The effective qualification of sanitary surveillance actions strengthens the collective construction processes, since it is associated with the definition of responsibilities, supported by technical criteria of competence and by uniformity in the execution of their actions, with impact on the health protection of the population.
Keywords: Parameters, Regulations, Health Systems, Health Surveillance.
COMUNICAÇÃO BREVE
Qualificação das ações de vigilância sanitária: harmonização e descentralização
Improvement of health surveillance actions: harmonization and decentralization
Recepção: 04 Setembro 2019
Aprovação: 07 Novembro 2019
A vigilância sanitária (Visa) é definida como um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo o controle de bens de consumo, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo e o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde 1, 2, 3. A partir da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), a Visa teve seu reconhecimento como política de saúde e suas ações foram incorporadas ao conjunto de ações de competência do SUS 4.
Para garantir o escopo das ações de Visa, o Brasil optou pela criação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), que compreende o conjunto de ações executadas por instituições da Administração Pública direta e indireta da União, pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, que exerçam atividades de regulação, normatização, controle e fiscalização na área de Visa. Conforme disposto na Lei de criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999 3, cabe à Agência a coordenação do SNVS. A coordenação do SNVS foi orientada pelas deliberações da Conferência Nacional de Vigilância Sanitária que ocorreu no ano de 2001, seguida do Plano Diretor de Vigilância Sanitária (PDVISA) que ocorreu no ano de 2006 5, 6. O PDVISA foi o resultado do esforço de representantes das três esferas de gestão do SUS (União, estados, Distrito Federal e municípios), com o objetivo de fortalecer e consolidar o SNVS, contemplando as diversidades locais.
Mais recentemente, o Ciclo de Debates em Vigilância Sanitária de 2015 7 proporcionou um rico e oportuno espaço para troca de experiências, reflexões e debates sobre a atuação da Visa e seus desafios, entre os quais se destacam o avanço tecnológico e da globalização na circulação e utilização de bens, produtos e serviços. Entre os temas mais importantes apresentados para discussão, destacaram-se a coordenação federativa das ações de Visa, como um importante desafio em função da falta de articulação entre os entes do SNVS, e a consequente fragmentação na atuação como um dos principais problemas colocados à estruturação do Sistema e sua coordenação federativa das ações de Visa; da ausência de planejamento e estabelecimento de instrumentos predefinidos no processo de descentralização das ações da Visa (Eixo 3 – Desafio 7 do Ciclo de Debates em Visa) 7.
Segundo Lucchese 8, a pobreza do debate sobre o SNVS, formalizado na mesma legislação que criou a Agência, propõe um arranjo com a União, estados e municípios, principalmente, articulados de forma precária em um arranjo extremamente diversificado 8. A análise desses desafios evidencia as dificuldades que se têm apresentado no processo de estruturação do SNVS, sobretudo referentes à definição de papéis, ao processo de descentralização e à coordenação federativa do sistema 9.
Os mecanismos de pactuação entre as esferas de governo têm sido um dos aspectos mais importantes para o aperfeiçoamento e a consolidação do SUS 4. Entretanto, em muitas situações, esses mecanismos necessitam de adequação. No caso da Visa, na medida em que mais de um ente público concorre para a prática de uma mesma ação, a situação comporta uma complexidade maior, mas também a possibilidade do atendimento tempestivo daquilo que é requerido dos atores que compõe o sistema para a execução das responsabilidades assumidas por cada um deles.
Apesar da discussão e dos instrumentos sintetizados nesses movimentos, a capacidade de coordenação do SNVS permanece com um grande desafio, principalmente em função do acelerado processo de transformação digital – com novas ferramentas tecnológicas – e dos mecanismos de comunicação entre os entes federados, o que repercute na baixa qualificação das ações executadas, no desconhecimento sobre como se dá o financiamento das ações desenvolvidas no âmbito do sistema e especialmente na ausência de processos sistemáticos de monitoramento e avaliação das ações realizadas e dos resultados alcançados pelo SNVS 10.
É neste contexto que o projeto IntegraVisa se insere. Esse projeto foi desenvolvido pela Anvisa em parceria com o Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC), por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), triênio 2015–2017. O objetivo desse projeto foi o de elaborar uma proposta de qualificação de algumas ações de Visa consideradas críticas para o SNVS, apresentando estratégias e metodologias que contribuam para o esforço de harmonização das ações mais relevantes executadas no âmbito do sistema, identificando critérios para a maior efetividade da descentralização na execução das ações de Visa, e delineando uma proposta de monitoramento e avaliação dos resultados obtidos pelo sistema de forma integrada e permanente.
Estudo qualitativo descritivo, com revisão narrativa, com informações coletadas de oficinas de trabalho, com representação de técnicos e gestores de Visa das três esferas de gestão que compõe o SNVS. A seleção das equipes de Visa municipais e estaduais considerou representação regional com a existência de serviços/estabelecimentos e processos/produtos de alto risco em seus territórios. As oficinas de trabalho contaram com a participação de aproximadamente 100 profissionais: Vigilâncias Sanitárias de dez estados das cinco grandes regiões brasileiras – um estado da Região Norte, um da Região Centro-Oeste, três estados da Região Nordeste, três estados da Região Sudeste e dois estados da Região Sul; e de 50 municípios, sendo cinco municípios de cada um dos estados participantes – tendo a capital dos estados sempre representada; técnicos das áreas da Anvisa e representantes do Subgrupo de Trabalho de Vigilância Sanitária (GTVisa), composto por representantes do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS) e representantes do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS).
O processo de trabalho do grupo gestor do IntegraVisa incluiu a realização de reuniões preliminares com os gestores estaduais, oficinas descentralizadas nos serviços de Vigilância Sanitária de dez estados brasileiros, com a participação dos municípios envolvidos. As atividades foram focadas na construção de conceitos compartilhados coletivamente e na criação de subsídios para o processo de harmonização e descentralização das ações de Visa.
As práticas de Visa estabeleceram-se com base na percepção de risco – perigo virtual ou ameaça de agravo 11– precedido pela definição detalhada do recorte de ações de Visa a serem trabalhadas pelos participantes. Nesse sentido, foram identificadas, entre as ações de alto risco, as ações consideradas críticas e/ou prioritárias para o SNVS por meio de consultas internas às áreas técnicas da Anvisa, e aos representantes do CONASS e CONASEMS que compunham o GTVisa. Foram consideradas ações críticas para o projeto IntegraVisa aquelas que tinham como objeto processos, procedimentos e/ou produtos com alto risco para a saúde da população, que poderiam gerar impacto econômico significativo, e que exigiam alta complexidade tecnológica para sua execução ou a necessidade de conhecimento específico para sua realização.
As oficinas foram construídas com espaços de construção coletiva, de forma estruturada e pactuada, que potencializaram a reflexão focada, a partir de disparadores previamente estabelecidos que permitiram o aprofundamento e a integração de saberes e práticas na construção de propostas possíveis para as questões pertencentes ao contexto da Visa no território. A partir das oficinas, foram mapeadas as práticas e as diferentes realidades enfrentadas pelas Vigilâncias Sanitárias que subsidiaram o embasamento teórico e metodológico envolvido no processo de harmonização e descentralização das ações de Visa.
O conteúdo produzido nas oficinas de harmonização e de construção dos critérios para a descentralização de ações críticas no SNVS atendeu ao seguinte trajeto metodológico:
Descrição detalhada das ações críticas, com ênfase em aspectos do seu contexto, conceitos, resultados, produtos e componentes (práticas e atividades harmonizáveis);
Levantamento de situação de harmonização nos territórios;
Identificação das atividades a serem harmonizadas nas práticas;
Construção da matriz de priorização de atividades de ações;
Construção dos descritores das ações;
Elaboração das diretrizes gerais do Processo de Harmonização;
Reconhecimento de naturezas e tipos de requisitos para a execução das ações críticas;
Desenvolvimento de parâmetros para os requisitos das ações críticas;
Elaboração de diretrizes gerais para subsidiar o processo de descentralização; e
Validação de modelo de critérios e requisitos parametrizados.
Para fins deste estudo, o termo “harmonizar” considerou a identificação de ações, atividades e formas comuns de atuar e, assim, de produzir acordos comuns que permitam uma conformidade de práticas, atividades e resultados. Por outro lado, o termo “descentralizar” considerou a identificação de critérios e requisitos de pactuação de competências e responsabilidades que contribuam com o processo de uma melhor, mais adequada e mais eficaz execução de ações críticas priorizadas.
O processo de construção da identificação das ações críticas, com momentos de refinamentos e validações interna e externa à Anvisa, estabeleceu um rol de 12 ações, dentre elas, nove relacionadas à ação de inspeção:
Inspecionar indústria de medicamentos e de insumos farmacêuticos ativos (IFA);
Inspecionar indústria de produtos para saúde classe III e IV;
Inspecionar serviços de sangue, tecidos, células e órgãos (STCO);
Inspecionar farmácias de manipulação;
Inspecionar indústrias de fabricação de alimentos para fins especiais e de suplementos alimentares;
Inspecionar cozinhas industriais;
Inspecionar em ambiente hospitalar os serviços de: unidade de tratamento intensivo (UTI), central de material de esterilização, radiodiagnóstico, radioterapia, serviço de controle de infecção hospitalar, núcleo de segurança do paciente; gerenciamento de resíduos sólidos de saúde;
Inspecionar os serviços de quimioterapia e nutrição parenteral, radioterapia, radiodiagnóstico, diálise e endoscopia;
Inspecionar empresas de preparo e esterilização de materiais médico-hospitalares para uso em ambiente hospitalar;
Gerenciar eventos adversos e queixas técnicas de produtos e serviços sujeitos à Visa;
Delinear as ações de Visa nos eventos de massa;
Investigar emergências de produtos e serviços sujeitos à Visa.
As ações críticas foram detalhadas em relação aos resultados esperados das mesmas, os produtos obtidos com a sua realização, as práticas associadas à sua realização e as atividades que compõe cada prática de Visa. Esses descritores foram compostos pelos seguintes elementos: (a) foco da ação; (b) abrangência da ação; (c) momento de execução [macroprocesso]; (d) produtos finais materializáveis; (e) práticas e atividades que compõem a ação; (f) resultado da ação ( Quadro 1).
Com relação à harmonização das atividades e práticas, as oficinas apontaram diferentes realidades enfrentadas pela Visa, o que viabilizou a construção e a pactuação de uma proposição de harmonização. No decorrer da descrição de cada ação crítica foi possível perceber a repetição entre práticas e atividades nas diferentes ações, com a identificação de muitas estruturas comuns entre elas. Da mesma forma, houve o reconhecimento de muitas atividades como unidades comuns de diversas práticas e ações e, portanto, passíveis de serem componentizáveis, como, por exemplo: procedimento de elaboração de relatório de inspeção 12.
A análise indica que estes componentes comuns devem ser harmonizados anteriormente às discussões técnicas específicas mais relacionadas a ações temáticas apropriadas por campos de conhecimento mais estruturados, no sentido de se padronizar o tronco comum das atividades ( Quadros 2 e 3).
A partir da análise das condições necessárias para a execução das atividades associadas às 12 ações identificadas como críticas e dos seus componentes, foram construídos agregados de requisitos e detalhadas as exigências gerais e específicas para a realização de cada ação, qualquer que seja o ente executor das mesmas. Foram consideradas cinco categorias de requisitos:
Legais – marcos legais necessários para a execução de uma ação (normas técnicas, código sanitário, designação legal do fiscal);
Cognitivos – habilidades, competências e qualificação profissional e técnica necessária para a execução de uma ação;
Éticos – condutas necessárias para a execução de uma ação de Visa (código de ética, conflito de interesses, entre outros);
Logísticos – suprimentos, insumos e todos os meios necessários para a execução de uma ação; e
Estruturantes – elementos como o acesso à informação, acesso a laboratório, formação da equipe e outras condições de infraestrutura necessárias para execução de uma ação de Visa.
No desenvolvimento das discussões, identificou-se que algumas condições de execução são gerais para todas as ações de Visa, críticas ou não, e, portanto, consideradas como condição limitante para que uma Vigilância Sanitária possa assumir a responsabilidade pela execução de qualquer ação. Com este entendimento, estes fatores foram considerados como requisitos gerais no campo legal, ético, logístico e estruturante ( Quadro 4). Os requisitos específicos centraram-se nas categorias estruturante e cognitivo ( Quadro 5).
A partir desses requisitos, foram definidos os parâmetros para cada requisito geral e específico das 12 ações críticas, as quais constam dos documentos Planos de Harmonização e Descentralização, produtos do projeto. Esses parâmetros são diretamente relacionados com a ação específica, sendo estabelecidos em função das necessidades e características da ação.
O modelo federativo do SUS, no qual a Vigilância Sanitária se insere, caracteriza-se pela autonomia dos seus entes 1. O desafio da harmonização de procedimentos e da pactuação de critérios e requisitos de execução implicam na necessidade de um processo no qual uma representação qualificada desses agentes possa realizar essa identificação de forma pactuada. Esta participação é necessária para o mapeamento e reconhecimento das diferentes situações enfrentadas por estados e municípios próximos e longínquos. Processo que, por garantir a diversidade, garante também riqueza dos resultados obtidos, como pelo compromisso com a coerência de um processo que é essencialmente coletivo, de construção de consensos e de negociações baseadas na cooperação entre agentes autônomos, mas interdependentes, como cabe a um sistema.
Com a representatividade dos participantes no âmbito desse estudo, buscou-se legitimar o processo de construção, possibilitando que as pactuações a nível bipartite fossem uma decorrência natural, tanto quanto à execução das ações críticas, como também quanto à adoção de procedimentos harmonizados. Os dez estados participantes do projeto, além de cobrirem todas as regiões da Federação e de possuírem em seus territórios estabelecimentos e serviços que foram entendidos como os que demandavam as ações mais críticas de Visa, concentraram cerca de 72% da população Brasil no ano de 2018. Com relação aos 50 municípios que participaram do Projeto IntegraVisa, todos tinham população maior do que 50.000 habitantes.
A necessidade da harmonização das práticas e atividades das ações de Visa foi reconhecida como fundamental ao fortalecimento do Sistema, na medida em que promove o alinhamento das ações entre as Visa, a convergência regulatória e previsibilidade das ações, atuar de forma harmônica e previsível, diante de situações que requerem comportamentos que não sejam questionáveis ou que remetam a subjetividade. Observou-se ainda a necessidade de fortalecer os mecanismos de coordenação federativa no contexto da estrutura político-administrativa, necessidade percebida cotidianamente na busca por maior complementariedade, uma vez que as unidades federadas têm competências e capacidades de execução diferentes. 3 A Lei nº 9.782/1999 3 não contribuiu para ordenar essa coordenação, já que os componentes e o próprio funcionamento do Sistema não foram explicitamente definidos. Estabelecer com clareza critérios, recursos e limites desta execução é fundamental para o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis, evitando o paralelismo de atuação e promovendo a obtenção de melhores resultados.
Vale destacar que, como resultado da priorização das atividades de inspeção desenvolvidas pelos agentes de Vigilância Sanitária, houve consenso entre os participantes em destacar as atividades de elaboração do relatório de inspeção, verificação do cumprimento das normas e realização da categorização das não conformidades considerando a avaliação de risco como atividades que impactam diretamente na atuação do fiscal como poder de polícia e que, portanto, não podem ter grande variabilidade na forma de sua execução nem serem calcados na subjetividade de julgamento.
O estabelecimento das condições necessárias para a pactuação de execução das ações de Visa, entre estados e municípios, tem acontecido de forma incipiente e pontual. Considerar a capacidade técnica e operacional de cada ente de executar a ação, mediante a incorporação dos requisitos legais, cognitivos, logísticos, éticos e de estrutura associados, que, de alguma forma, respeite as diferentes realidades dos entes que as realizam e, ao mesmo tempo, represente um avanço significativo na qualificação das ações de Visa. Deve-se destacar que a discussão quanto à harmonização de práticas e atividades foi incorporada como requisito específico estruturante de todas as ações críticas avaliadas.
A definição do que fazer, como fazer e quem assumirá a responsabilidade de fazer, no âmbito do SNVS, deve considerar a potencialidade do risco e a capacidade de gestão e de gerenciamento em cada local e momento de pactuação. Alguns municípios eventualmente não terão condições – técnicas, organizacionais ou políticas – de realizar determinadas responsabilidades sanitárias. É esta realidade dinâmica que requer coordenação atenta e cooperação permanente e regionalizada, o que coloca a relevância da presença da esfera estadual na própria prestação de serviços de forma complementar, por um horizonte temporal variável, mas provavelmente ainda longo.
Nesse sentido, a criação de espaços vivos de negociação específicos de Visa, no âmbito da gestão estadual e/ou das Comissões Intergestoras Bipartite (CIB), possibilitará o desenho de estratégias para melhorias na estrutura e o alcance de resultados na assunção de novas responsabilidades.
Este manuscrito apresentou subsídios construídos a partir das ações de Visa que se enquadraram como ações críticas e no conhecimento de um conjunto de atividades que pudessem ser harmonizáveis, conteúdos estes desenvolvidos e entregues como produtos do Projeto IntegraVisa à Anvisa. A descentralização de responsabilidades entre entes federados é uma condição quase obrigatória no âmbito de uma federação, já que a sua existência incorpora o reconhecimento de governos subnacionais autônomos, mas também com relações de interdependência e com responsabilidades republicanas. Além disso, assume-se no âmbito de uma federação o conceito de subsidiariedade, que se refere à criação de mecanismos para compensar a desigualdade entre os entes federativos.
Os critérios e requisitos que foram estabelecidos como referências para orientar e qualificar o processo de descentralização das ações de Visa entre os três entes federados foram entendidos como pressupostos para a posterior negociação e pactuação das referidas ações entre os mesmos. O esforço aqui sintetizado ampliou o escopo deste processo e incorporou questões técnicas específicas para todas as ações denominadas críticas, ao mesmo tempo em que o fez utilizando uma metodologia participativa que contou, além de técnicos da Anvisa, com a adesão de técnicos e gestores de dez estados da federação, de 50 municípios (cinco de cada estado) e representantes do GTVisa, tornando o resultado alcançado mais próximo da realidade vivenciada pelo conjunto do SNVS.
Não se pretende com esta proposta estabelecer um modelo único para a pactuação entre os entes federados, mas deixar mais claras as necessidades vivenciadas e priorizadas pelos agentes de Vigilância Sanitária quando alinhados ao propósito de uma atuação mais uniforme, transparente e previsível, assim como os pressupostos e diretrizes que poderão contribuir para a consolidação do SNVS em cada esfera de governo. O SNVS deve ser parte integrante de um processo de melhoria contínua, juntamente com as instituições nele envolvidas, no qual se inclui a ampliação de competências de gestão estratégica da qualidade, e instrumentos que facilitem o atendimento das missões institucionais de todos os entes e organizações que nele estão incluídos como atores sociais interessados em seus resultados.
A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n o 207, de 03 de janeiro de 2018 13, que dispõe sobre a organização das ações de Visa, exercidas pela União, estados, Distrito Federal e municípios, incorporou a adoção dos requisitos como princípio de delegação de responsabilidade pela execução de ações. Ademais, o processo de harmonização foi entendido como um requisito estruturante entre os critérios a serem pactuados.
É fundamental que estas e outras propostas, assim como novas estratégias de pactuação e de relação entre os entes, desde que incorporem conteúdos relevantes nas negociações específicas para a definição das responsabilidades sanitárias para os entes que compõe o SNVS, sejam incluídas às agendas de negociação interpartite no âmbito do SUS 14.
Agradecemos a todos os profissionais dos serviços de vigilância estaduais, municipais, Anvisa e HAOC que contribuíram para o desenvolvimento dos trabalhos.
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.
* E-mail: lucia.alencar@anvisa.gov.br