Resumo: Ao abordar integradamente o tema território, territorialidade e desenvolvimento territorial, diferentes vinculações teórico-práticas podem ser realizadas. Uma delas é que a consolidação das territorialidades socioeconômicas, com seus rebatimentos na dinâmica territorial do desenvolvimento, resulta de processos contínuos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização (TDR). Partindo dessa concepção, o objetivo foi investigar as principais formas de TDR ocorridas nas últimas décadas, em seis municípios do Planalto Norte Catarinense, tais sejam, Bela Vista do Toldo, Canoinhas, Irineópolis, Major Vieira, Porto União e Três Barras. Metodologicamente, utilizou-se a análise da evolução de indicadores socioeconômicos obtidos junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo, sobre a dinâmica populacional, o número de propriedades rurais e proprietários desses municípios e tipo de cultivos agrícolas. No recorte territorial estudado, aconteceram no período, práticas de TDR, a exemplo do intenso êxodo de pessoas do meio rural para o meio urbano. Conclui-se com esse estudo que os processos de TDR que acontecem nos diferentes territórios, impactam no desenvolvimento territorial, pois dependendo de como se configuram os territórios, os mesmos podem ser mais ou menos dinâmicos socioeconomicamente.
Palavras-chave:TerritórioTerritório,TerritorializaçãoTerritorialização,DesterritorializaçãoDesterritorialização,ReterritorializaçãoReterritorialização,Desenvolvimento TerritorialDesenvolvimento Territorial.
Abstract: When integrated approaching the theme territory, territoriality and territorial development, different theoretic-practical bindings can be done. One of them is that the consolidation of socio-economical territorialities, with its unfolding in the territorial dynamics of development, results from continuous processes of territorialization, deterritorialization and reterritorialization (TDR). From this concept, the objective was to investigate the principal ways of TDR which occurred in the last decades in six cities of Catarinense North Plateau, being them Bela Vista do Toldo, Canoinhas, Irineópolis, Major Vieira, Porto União and Três Barras. Methodologically, it was used the analysis of socio-economical indicators from the Brazilian Institute of Geography and Statistics (BIGS), as for example, about the population dynamics, the number of rural properties and owners of those cities and the kind of agricultural cultures. In the territorial sample studied, practices of TDR happened within the period, exemplified with the intense exodus of people from the rural zone to the urban zone. With this study it is concluded that the TDR processes which occur in different territories, impact the territorial development, as depending on how the territories are configured, they can be more or less socio-economically dynamic.
Keywords: Territory, Territorialization, Deterritorialization, Reterritorialization, Territorial Development.
Artigos
Processos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização (TDR): um estudo sobre a realidade socioeconômica no Planalto Norte Catarinense
Processes of territorialization, deterritorialization and reterritorialization (TDR): a study about the socio-economical reality in the Catarinense North Plateau
Recepção: 21 Junho 2016
Aprovação: 11 Julho 2016
Ao nos referirmos ao termo desenvolvimento estamos fazendo referência a um conceito complexo, cuja compreensão envolve uma série de áreas de conhecimento. Essas áreas tentam explicá-lo com um conjunto de conceitos que lhes são peculiares. Do mesmo modo, quando refletimos sobre a concepção de desenvolvimento territorial, nos deparamos com várias ciências tentando explicar como ocorre e quais são os fatores que interferem. Ou seja, o desenvolvimento pressupõe uma série de fatores envolvidos e somente uma análise interdisciplinar pode oferecer-nos uma percepção mais aprofundada de como ele se processa, ou de como pode ser mensurado.
Falar em mensurar o desenvolvimento de determinadas regiões, trata-se de uma tarefa complexa, pois envolve duas categorias de fatores de análise: uma objetiva, baseada em indicadores econômicos de fácil mensuração e outra subjetiva que abarca outros fatores que nem sempre são mensuráveis através de dados estatísticos.
Para muitos desenvolvimento se confunde com ou só se explica através do nível de crescimento econômico, ou seja, quanto melhores os indicadores econômicos de determinada região, mais desenvolvida ela será. Para outros, no entanto, o desenvolvimento só ocorre, por exemplo, com a melhoria da qualidade de vida da população, a redução das desigualdades de renda, com a manutenção da biodiversidade dos recursos naturais. Nossa concepção de desenvolvimento se aproxima dessa segunda acepção.
O objetivo do estudo do qual resultou esse artigo foi investigar as práticas de TDR ocorridas em municípios que compõem a 25ª Agência de Desenvolvimento Regional (ADR), utilizando-se como referência teórica as categorias conceituais Território, Territorialidade, Territorialização, Desterritorialização e Desenvolvimento Territorial.
Nos procedimentos metodológicos, seguimos o método analítico-dedutivo, ou seja, a realização de análises sobre uma determinada realidade, com base em dados dos chamados indicadores de desenvolvimento, contemplando tanto a dimensão quantitativa, como a qualitativa. Assim, para a identificação das práticas de TDR tomamos como referência a descrição e evolução dos principais indicadores socioeconômicos do recorte territorial em estudo, tomando como variáveis, o número de propriedades e proprietários rurais, a dinâmica populacional urbana e rural, o comportamento dos indicadores econômicos, Produto Interno Bruto (PIB), Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), renda per capita e a população economicamente ativa, número de proprietários rurais, tamanhos das propriedades, lavouras permanentes e temporárias, matas nativas e matas plantadas. Com isso, fizemos a análise dos dados fornecidos nas variáveis referidas, relacionando-os com as categorias conceituais, a fim de reconhecer as principais formas de TDR no recorte territorial em análise e seu possível impacto na dinâmica territorial do desenvolvimento.
O recorte territorial tomado para análise foi a área de abrangência dos municípios que compõem hoje a 25ª ADR (Canoinhas, Irineópolis, Major Vieira, Três Barras, Bela Vista do Toldo e Porto União).
Os municípios deste recorte territorial possuem características econômicas análogas, baseadas na agricultura, com baixo nível de industrialização e voltadas mais ao setor extrativista. Outro fator em comum é que eles têm em seu passado histórico, seu envolvimento na Guerra do Contestado, episódio que marcou profundamente a região no início do século XX e que ainda hoje impacta na situação econômica e social da região.
Como principais resultados, constatou-se que no recorte territorial em estudo, nas últimas décadas, ocorreram intensos processos de TDR, em especial, representados pela evasão de milhares de pequenos produtores rurais, motivados por diferentes fatores, dentre os quais o avanço de cultivos agrícolas que favorecem a concentração fundiária, estes, na sua maioria, poupadores de mão de obra.
Este texto, além da introdução, inicia com abordagens teóricas sobre território, territorialidade, TDR e desenvolvimento territorial. Na sequência, são apresentados indicadores socioeconômicos sobre os municípios em estudo e, a partir de sua análise, são apontados os principais processos de TDR resultantes das transformações territoriais que ocorreram nas últimas décadas. Por fim, apresentamos nossas considerações finais.
Nessa parte do texto faremos uma abordagem de categorias conceituais cuja acepção dá suporte ao debate teórico-prático para o qual pretendemos contribuir. Começamos pelo debate sobre território.
Território é um dos conceitos que, em especial na Geografia, muitos autores procuram estudar. Procuraremos fazer referência a alguns desses.
O termo território vem do latim, territorium, que por sua vez, deriva de terra e significa pedaço de terra apropriado. Na língua francesa, territorium deu origem às palavras terroir e territoire, este último representando o prolongamento do corpo do príncipe, aquilo sobre o qual o príncipe reina, incluindo a terra e seus habitantes. Portanto, ao refletir sobre território implica na percepção de que o mesmo é mais do que uma porção do espaço, envolvendo fatores histórico-culturais, socioeconômicos e ambientais, bem como, o envolvimento de seus atores na dinâmica territorial (ALBAGLI, 2004).
Haesbaert (2001, p.121) ao refletir sobre território, assim se pronuncia:
O território envolve sempre, ao mesmo tempo [...], uma dimensão simbólica, cultural, por meio de uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de controle simbólico do espaço onde vivem (podendo ser, portanto, uma forma de apropriação), e uma dimensão mais concreta, de caráter político-disciplinar: apropriação e ordenamento do espaço com forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos. Assim, associar o controle físico ou a dominação objetiva do espaço a uma apropriação simbólica, mais subjetiva, implica em discutir o território enquanto espaço simultaneamente dominado e apropriado, ou seja, sobre qual se constrói não apenas um controle físico, mas também laços de identidade social.
Já, segundo Raffestin (1993), a passagem do espaço ao território ocorre em um processo de intervenção, quando o espaço é modificado, transformado por redes e fluxos que aí se instalam.
Saquet (2015) concebe o território como uma construção social, histórica e relacional. O território, para o autor, está sempre vinculado a processos de apropriação e dominação do espaço e, evidentemente, às pessoas que nele residem. Ressalta, ainda, Saquet (2016), que o território, ao ser construído historicamente na relação entre a sociedade e a natureza, tais relações definem os significados concretos do desenvolvimento, tornando-o degradante ou sustentável. Mas, acertadamente, o autor reafirma que no território existe uma capacidade de mobilização e autogestão, ajuda mútua, autonomia, cooperação, valores que precisam ser compreendidos e valorizados, juntamente com a natureza, o patrimônio social e natural, a biodiversidade.
Ou seja, o território não é instituído por decisões governamentais, ele é fruto das interações de seus habitantes entre sociedade e natureza. Assim, pode-se inferir com base nas reflexões mencionadas, que as questões que envolvem a dinâmica territorial do desenvolvimento, contemplam a dimensão do embate, muitas vezes ideológico, onde os conflitos são uma constante. Neste sentido, alerta Saquet (2015), que os territórios são produzidos espaço-temporalmente pelo exercício do poder de determinado grupo ou classe social. No entanto, no território, também ocorrem relações de cooperação, de ação coletiva, na busca da superação das suas dificuldades ou na projeção de novas opções de organização socioeconômica.
Em síntese:
O território é espaço de relações que se mesclam entre formas de disputa de poder, logo conflituosas, ou de cooperação, pois é onde se expressam as diferentes formas de pensar e agir das pessoas, não só daquelas que habitam o território, também daquelas que, mesmo de fora, têm interesses projetados naquele recorte espacial (DALLABRIDA, 2016, p. 15).
Outra categoria conceitual muito utilizada nos estudos geográficos é territorialidade, que tem a ver com a maneira como são configurados os territórios. A territorialidade guarda estreita relação com o sentimento de pertencimento que os agrupamentos humanos têm em relação ao espaço que habitam, portanto, não é simplesmente a apropriação do espaço geográfico em si, mas sim a construção de vivências, num processo de interação com o mesmo.
Para Saquet (2015), precisamos entender o território e o tempo; entendendo esses conceitos, torna-se possível compreendermos as territorialidades e também as temporalidades e, a partir destas últimas, apreendermos a imensa gama de processos e fenômenos que substantivam o território. Isso, segundo o autor, nos leva a reafirmar o pensamento de que as configurações da territorialidade envolvem uma dinamicidade muito grande e que a territorialidade é algo que vai se desenvolvendo ao longo do tempo de forma histórica e relacional.
Complementando, Saquet (2015 p.107-108) nos apresenta a territorialidade em quatro níveis correlatos: (i) como relações sociais, identidades, diferenças, redes, malhas, nós, desigualdades e conflitualidades; (ii) como apropriações do espaço geográfico, concreta e simbolicamente, implicando dominações e delimitações precisas ou não; (iii) como comportamentos, objetivos, metas, desejos e necessidades; (iv) como práticas espaço-temporais, pluridimensionais, efetivadas nas relações sociedade-natureza. Assim, segundo o autor, a territorialidade é processual e relacional ao mesmo tempo.
Ou seja, nas territorialidades e nos territórios, existem relações de poder, redes de circulação e comunicação, controle de recursos naturais, entre outros componentes que indicam relações sociais entre sujeitos e entre esses com seu lugar de vida, tanto econômica, como política e culturalmente. Essas relações podem ser econômicas ou sociais e para se configurar um território existe a necessidade de interações das pessoas entre si, enquanto agentes no território e dos territórios com outros lugares, por exemplo, através da comunicação e circulação de mercadorias (SAQUET, 2015).
Portanto, podemos considerar como territorialidade todas as ações diárias que realizam os agrupamentos sociais na tentativa de modificarem e melhorarem suas condições de vida, buscando não somente o crescimento econômico, mas sim efetivando ações que possam transformar a realidade onde se encontram inseridos de maneira tal que consigam melhorias na qualidade de vida e também avanços para o local, na sua forma de inserção global.
Já a categoria conceitual territorialização refere-se ao processo de dominação e apropriação do espaço, para então, através do exercício de relação de poder, ser construído o território, este a partir de instrumentos materiais, culturais, jurídicos, econômicos, em conjunto, ou por vezes, separados e dicotômicos, porém baseados na territorialidade, nos símbolos de um território (HAESBAERT, 2005).
Os elementos principais da territorialização também são encontrados na desterritorialização, porque embora aconteçam perdas ocorre também a reconstrução de identidades, havendo mudanças nas relações de poder, novas relações sociais e elementos culturais, que de certa forma são reterritorializados (SAQUET, 2003). É neste sentido que Haesbaert (2005) alude que a desterritorialização pode ser um mito, pois sempre que ocorre uma desterritorialização, há simultaneamente, como resposta, processos de reconfiguração territorial. Ou seja, na medida em que agrupamentos sociais abandonam ou são forçados a deixarem determinados territórios, como processos de desterritorialização, que podem ser naturais ou não, acontecem novos processos de territorialização, pois esses mesmos grupos passam a ocupar novos recortes territoriais, ocorrendo assim um processo de reterritorialização. Com isso, esses agrupamentos sociais constroem novos elos com o local onde se inserem, configurando novas territorialidades.
No entanto, nem todas as formas de reterritorialização são inclusivas. Não o são, quando os desterritorializados são remetidos para formas de territorialização precárias socioeconomicamente e ambientalmente, como o caso de ocupações de áreas de risco, ou bairros periféricos e sem saneamento ambiental, por exemplo. O mesmo ocorre, com as formas de te/reterritorialização que obedecem exclusivamente à lógica de reprodução do capital internacional, pois, em geral, provocam formas de desapropriação excludentes nos territórios ou regiões atingidas (SANTOS; SILVEIRA, 2001).
As territorialidades cotidianas, com suas formas de TDR, impactam no desenvolvimento territorial.
Dallabrida (2015) relembra que a concepção de desenvolvimento territorial surge após os anos 1970, associando-a a noção de território e a uma concepção renovada de desenvolvimento. O avanço do que se convencionou chamar de abordagem territorial do desenvolvimento deve-se em especial a pesquisadores italianos (BAGNASCO, 1977, 1988; BECATTINI, 1979; 1989), ao retomarem a noção marshalliana de distrito industrial, reconhecendo o papel das novas dinâmicas espaciais nos processos de desenvolvimento, seja na dimensão local ou regional.
A perspectiva territorialista passa a considerar o território sujeito ativo, com o que esse novo padrão de desenvolvimento tenderia a acentuar a inovação social, política e institucional (DALLABRIDA, 2016). Segundo Froehlich e Dullius (2012, p. 226), “A dimensão territorial do desenvolvimento enfatiza o estudo das redes, convenções e instituições que permitem ações cooperativas capazes de enriquecer o tecido social de uma determinada região”. Já para Jean (2010), a corrente do desenvolvimento territorial visa renovar em profundidade a compreensão do papel e da influência recíproca tanto das estruturas quanto dos atores sobre a formação e a recomposição dos espaços socioeconômicos e políticos.
No presente estudo, tomamos como referência o conceito de desenvolvimento territorial expresso em Dallabrida (2015, p. 235).
O desenvolvimento territorial é entendido como um processo de mudança continuada, situado histórica e territorialmente, mas integrado em dinâmicas intraterritoriais, supra territoriais e globais, sustentado na potenciação dos recursos e ativos (materiais e imateriais, genéricos e específicos) existentes no local, com vistas à dinamização socioeconômica e à melhoria da qualidade de vida da sua população.
Para finalizar essas reflexões teóricas, sintetizamos aclaramentos realizados por Dallabrida (2016) sobre a concepção de desenvolvimento territorial: (i) o desenvolvimento precisa ser compreendido como processo, não uma etapa ou estágio; (ii) trata-se de um processo situado histórica e territorialmente; (iii) processos dessa natureza sustentam-se essencialmente na dinâmica territorial, mas não exclusivamente; (iv) tais processos resultam da potenciação do conjunto de ativos e recursos territoriais, ou seja, o patrimônio territorial.
A descrição sumarizada da concepção de território, territorialidade, territorialização, desterritorialização, reterritorialização (TDR) e desenvolvimento territorial, tem o propósito de referir alguns fundamentos teóricos necessários para a análise da realidade estudada, em relação às principais formas de TDR que ocorreram nas últimas décadas e identificação das principais transformações territoriais decorrentes, com impactos no desenvolvimento territorial.
Na Figura 1 está a localização dos municípios da 25ª ADR (Santa Catarina-Brasil), como parte de um recorte territorial maior, denominado Planalto Norte Catarinense.

Os municípios deste recorte territorial possuem características econômicas análogas, baseadas na agricultura, com baixo nível de industrialização e voltadas mais ao setor extrativista. Outro fator em comum, é que eles têm em seu passado histórico o envolvimento na Guerra do Contestado, episódio que marcou profundamente a região no início do século XX e que ainda hoje impacta na situação econômica e social da região.
Correlacionando-se esse passado histórico ao objeto de estudo, os processos de TDR, pode-se afirmar que a região passou desde o início do século XX, por um processo de desterritorialização, antes, durante e depois da chamada Guerra do Contestado. Isso, pois, segundo registros históricos, desde o início do século XX, muitos posseiros que ocupavam as terras ditas devolutas neste território, passaram por um processo de exclusão territorial, processo esse levado a efeito pelo governo federal que concedeu terras como forma de pagamento para a empresa que construiu a estrada de ferro que passava pela região, e posteriormente, pela ação de coronéis e empresas estrangeiras que desejavam explorar economicamente as terras desse território. Ou seja, práticas de desterritorialização excludentes ocorrem nesse território há muito tempo (TOMPOROSKI, 2015).
Nesse item apresentamos os principais dados analisados, os quais nos dão indicativos de processos de TDR no recorte territorial em análise. Em todos os dados, foram utilizadas sempre três séries históricas, o mais próxima possível do período de referência, os últimos vinte anos. Iniciemos pela renda per capita, com a Tabela 1.

Podemos notar que a renda per capita média na região em estudo é baixa, se comparado com a média estadual, o que demonstra que a realidade socioeconômica regional é de precariedade, podendo ter relação com intensos processos de exclusão territorial, tanto históricos, como atuais, conforme podemos observar a partir de outros dados. Mesmo assim, percebe-se que, em geral, o crescimento da renda média no período foi maior que a média estadual. É um possível indicativo de melhoras. No entanto, outros dados indicam tendência de concentração de renda na região, em especial se considerarmos que, segundo a Tabela 2, no período analisado houve diminuição do número de estabelecimentos agropecuários, logo de proprietários rurais, na maioria dos municípios, além de uma redução na área das propriedades.

Como vimos no referencial teórico, as territorialidades se configuram a partir do sentimento de pertencimento das comunidades humanas com o espaço onde estão inseridas. Portanto, se no território em questão aconteceu uma diminuição no número de estabelecimentos rurais, podemos estimar que muitos dos antigos proprietários deixaram o campo e foram construir novas territorialidades, notadamente no meio urbano, o que indica a existência de práticas de TDR na região.
O êxodo rural de milhares de trabalhadores rurais se confirma pelos dados sobre a dinâmica populacional, rural e urbana, da Tabela 3, com pequenas exceções em alguns municípios. É mais acentuado da década de 1990 para 2000.
Tomando como base os censos populacionais, podemos constatar que três municípios concentram a maior parte da população da área em estudo: Canoinhas, Porto União e Três Barras. A concentração populacional nesses municípios tem uma relação direta com a concentração de atividades produtivas, em especial o setor industrial papeleiro, o caso de Três Barras. Canoinhas, além de atividades industriais, comporta atividades terciárias, sendo centro de serviços médicos, sede de órgãos públicos regionais, além de ser o primeiro centro urbano constituído historicamente. Já Porto União, também concentra atividades industriais e comerciais de pequeno porte, polarizando cidades menores, como Irineópolis.
Pela análise dos dados da Tabela 3, os municípios da região em estudo tiveram nos últimos anos uma redução em sua população rural e um consequente crescimento da população urbana, o que nos leva a concluir que ocorreram vários processos de desterritorialização, na medida em que muitos antigos pequenos proprietários rurais abandonaram o campo em direção às cidades, as quais apresentam crescimento em sua população urbana, conforme demonstram os dados. Isso nota-se principalmente nos menores municípios, como Major Vieira, por exemplo.

Analisando-se também os dados do estado de Santa Catarina durante esse intervalo de tempo, notamos que ocorreu um aumento de 63,6% na população que vive nas áreas urbanas e uma redução de 25,0% no número de catarinenses que vivem no espaço rural. Portanto, nota-se que a realidade dos municípios que compõem a área de estudo, não difere muito da realidade estadual no quesito população urbana e rural. No entanto, a diminuição da população rural na região estudada tem índices superiores à média estadual.
Sobre a dinâmica populacional, pode-se inferir por observações pessoais que, de maneira geral, as pessoas o meio rural nas cidades da região em estudo, nem todas se dirigem para os centros urbanos regionais; dirigem-se para centros urbanos maiores, em busca de novas e melhores condições de vida. Normalmente esse fenômeno de esvaziamento populacional é percebido nos grupos de pessoas mais jovens, o é possível observar em conversas com estudantes do Ensino Básico e Superior. São formas de consolidação de novas territorialidades e de TDR, com características específicas.
Outro fator que pode ser analisado e nos dar indicativos de processos de TDR, é o referente à ocupação do solo com cultivos florestais. Na Tabela 4, temos as áreas ocupadas no recorte territorial estudado com matas plantadas. Na realidade, o que consta nos dados do IBGE como matas plantadas, trata-se de cultivos de espécies vegetais exóticas, na forma de monoculturas silvícolas. Esta informação é de real importância, considerando que representa atividade de destaque em todos os municípios em estudo.
Analisando a Tabela 4, os dados demonstram que as monoculturas silvícolas vêm aumentando significativamente a área ocupada. De maneira geral, também ocorre um aumento no número de informantes, mesmo que esse dado não seja significativo, pois, pode simplesmente ter havido concentração fundiária.
O aumento na área plantada com cultivos vegetais exóticos é significativo. Por exemplo, em Canoinhas, houve um crescimento de 177% no número de proprietários e de 75,19% na área plantada, entre 1985 e 2006. Em Irineópolis o crescimento é ainda maior: de mais 1.000% no número de informantes e de 233,67% na área ocupada; no município de Porto União houve um crescimento de 44,57% na quantidade de informantes e de 97,60% na área ocupada; em Três Barras o aumento no número de informantes foi de 279,16% e o crescimento na área utilizada com matas plantadas foi de 8,86%. Nos demais municípios os dados são menos alarmantes.

Comparativamente com o que ocorreu no estado de Santa Catarina, onde aconteceu um crescimento de 25,93% no número de informantes e um crescimento de 37,37% em relação à área utilizada, como referido, na região a ampliação da área ocupada com cultivos vegetais exóticos e o número de proprietários, merece um destaque especial.
O primeiro destaque a se fazer é que os dados demonstram que está acontecendo na região de abrangência do estudo um aumento da atividade extrativa vegetal. Esse aumento de área ocupada com monoculturas silvícolas representa a ampliação do cultivo de pinus e eucaliptos que abastece as empresas da região, principalmente as indústrias de papel e celulose. Como sabemos esse tipo de atividade monocultora com espécies exóticas, é extremamente dependente de grandes extensões de terra, ao mesmo tempo, utilizando pouquíssima mão de obra. Essa ampliação de área plantada resulta numa consequente diminuição das atividades agrícolas que utilizam a mão de obra familiar.
Essa situação ocasiona na região um afastamento do meio rural de milhares de pequenos produtores que se sentem compelidos a venderem suas propriedades e migrarem para o meio urbano em busca de melhores condições de subsistência. Isso ocorre, dentre outros fatores, pelo fato de que, mesmo que o pequeno produtor quisesse optar pelo plantio de pinus, esta situação seria inviável em pequenas áreas, pelo fato de que a geração de renda demora em torno de duas décadas, inviabilizando sua subsistência. Representa um dos principais fatores causais de intensos processos de desterritorialização, ampliando significativamente os fluxos populacionais, saindo do meio rural, ocasionando processos de reterritorialização no meio urbano. Esse fato acarreta problemas sociais de grande monta na região, tendo em vista o pouco dinamismo da economia urbana (comercial, industrial e de serviços). Mesmo as atividades industriais situadas em alguns municípios, como o exemplo do setor de papel e celulose, estas, por utilizarem alta tecnologia na produção, são poupadoras de mão de obra, com baixo o índice de empregabilidade. Isso torna maior o problema das chamadas TDR na região.
Mesmo que autores já citados, como Haesbaert, (2001) considerem que nem todas as formas de desterritorialização resultam em formas de exclusão, no caso em referência, isso ocorre, pois os centros urbanos dos municípios da região, só oferecem oportunidades de emprego e renda para uma minoria dessa população, o que fica comprovado se observarmos as extensas áreas urbanas periféricas que existem, em especial, em municípios como Canoinhas e Porto União, os mais populosos.
Por fim, a Tabela 5 apresenta dados que permitem fazer um comparativo entre o número de estabelecimentos rurais, com o total e média da área.

Analisando comparativamente o período de referência do presente estudo, em torno de 20 anos, entre os anos de 1985 e 2006, ano do último senso agropecuário realizado no Brasil, no que diz respeito ao número de estabelecimentos agropecuários houve um decréscimo de 9, 84%. Quanto à área total dos estabelecimentos, temos uma redução de 22, 33%. Já, em relação à área média dos estabelecimentos, os dados nos mostram que aconteceu um decréscimo de 13,86%. O dado mais significativo, e que reforça análises feitas sobre a existência de processos de desterritorialização, é o da redução do número de propriedades, logo de proprietários rurais.
Das variáveis analisadas no estudo do qual resultou, como síntese, este texto, os que foram apresentados são os que têm uma maior capacidade explicativa para se identificar possíveis relações entre a evolução dos dados e a efetivação de formas de TDR no recorte territorial em estudo. Na sequência, algumas considerações finais.
Várias são as considerações possíveis de serem referidas. Vamos nos ater às que consideramos mais impactantes na dinâmica territorial do desenvolvimento da região em estudo.
Em primeiro lugar, analisando indicadores socioeconômicos, percebemos claramente que os municípios estudados, são extremamente dependentes do setor agropecuário, merecendo destaque o plantio de espécies vegetais exóticas para a indústria papeleira, a qual é a mais representativa na região. Devido a isso, grandes são as extensões de terra utilizadas com monoculturas silvícolas. Sabemos que esse tipo de atividade requer na atualidade pouca mão de obra e que quase todo o processo produtivo, desde o cultivo vegetal até a indústria, é realizado por meios mecânicos. Como consequência desse processo de mecanização, mesmo havendo dinamismo econômico em determinados setores, ocorrem reduzidos índices de empregabilidade. Mesmo parte significativa dos empregos ofertados, auferem baixos salários.
Essa situação ocasiona na região o afastamento do meio rural de milhares de pequenos produtores, migrando para o meio urbano em busca de melhores condições de subsistência, pois a atividade predominante, a silvicultura, inviabilizaria sua subsistência. Outros estudos já realizados, em especial, por meio de dissertações de mestrado defendidas na Universidade do Contestado, comprovam situações de precariedade das populações das periferias urbanas, oriundas do meio rural.
Sem assumir um posicionamento repulsivo, apenas relembramos afirmação de autores da Geografia (SANTOS; SILVEIRA, 2001), insuspeitos pelo que representam na academia brasileira e mundial, de que todas as formas de desterritorialização que satisfazem exclusivamente à lógica de reprodução do capital internacional, provocam formas de desapropriação excludentes nos territórios ou regiões atingidas. No caso da região em estudo, essa afirmação é muito procedente, por duas razões: (i) uma histórica, pois as primeiras formas de exclusão territorial e social ocorreram regionalmente, exatamente, pela imposição de interesses mercenários de uma empresa, a Lumber, que aqui atuou durante a primeira metade do Século XX, se apropriando de terras de populações pobres e apoiando ou até executando formas extermínio populacional, além de destruir a rica vegetação nativa da região, transformando-a em madeira para exportação; (ii) uma forma atual, pelo fato de que dentre os dois dos principais tipos de uso do solo regional, um é destinado ao plantio de tabaco para a exportação, o outro para o cultivo de espécies vegetais exóticas que abastecem, quase exclusivamente, uma grande empresa multinacional do setor de papel e celulose presente na região.
Esses usos das terras agrícolas da região, não ocorrem por acaso. Resultam de decisões históricas e contemporâneas sobre a matriz produtiva a ser privilegiada e promovida regionalmente. A explicação está na afirmação de um dos autores referenciados, Saquet (2015), ao afirmar que os territórios são produzidos espaço-temporalmente pelo exercício do poder de determinado grupo ou classe social. No entanto, afirma o autor, no território, também ocorrem relações de cooperação, de ação coletiva, na busca da superação das suas dificuldades ou na projeção de novas opções de organização socioeconômica. É o que representou a revolta dos caboclos do Contestado, do passado. Mas, convenhamos, que tais processos de resistência precisam ser fortes o suficiente para avançar. No passado, os caboclos pobres foram chacinados pelas armas empunhadas pelos representantes do Estado, de uma multinacional instalada regionalmente, com o apoio dos coronéis latifundiários da região.
Procurando ainda dialogar com o referencial teórico, é possível afirmar que, as formas de TDR que ocorreram na região, favorecem a consolidação de novas territorialidades no meio urbano, no entanto, resultando em situações de precariedade de toda espécie. Em um dos estudos já realizados na região, em sua grande parte oriundos do meio rural, a quase totalidade dos entrevistados apontou a falta de oportunidade de trabalho digno, como causa principal, quando apontados os fatores que poderiam contribuir para que os mesmos saíssem da situação de precariedade social em que se encontravam (PAWLOWYTSCH, 2014).
Temos, então, um indicativo de TDR, agravado por formas de exclusão social e de concentração de renda. Ou seja, a reterritorialização dos desterritorializados, quando ocorre na região, é em situações de precariedade, nas periferias urbanas, o que pode ser observado e já foi motivo de estudos, como o que foi apontado anteriormente.
Poder-se-ia questionar: quais tipologias de novas territorialidades estão se constituindo nesses novos territórios? Esses novos territórios poderiam ser chamados de “territórios de exclusão”.
Essas reflexões nos leva a conjeturar que se trata de territorialidades diferentes das que estavam constituídas nas áreas rurais de onde provém a maioria das populações que hoje reside de forma precária nas periferias urbanas da região em estudo. Outros estarão passando por situações de insulamento, longe de seus familiares e amigos, por terem ido residir em centros urbanos de outras cidades do estado de Santa Catarina, ou outros estados brasileiros, longe de sua região de origem. Alguns, quem sabe, terrão se reterritorializado e construído novas territorialidades mais dignas.
Em segundo lugar, os dados demonstram que o número de propriedades rurais igualmente diminui, o que caracteriza um processo de concentração fundiária nos municípios estudados, portanto, mais processos de TDR, com consequências de exclusão social e econômica. Somado a isso, achamos de fundamental importância ressaltar que as formas de TDR têm intrínseca relação com as mudanças na matriz produtiva regional, dos anos 1980 até os dias atuais: predomínio de cultivos agrícolas sustentados na monocultura silvícola, com extensas áreas ocupadas por espécies vegetais exóticas, para servir a uma atividade industrial que pouco impacta na dinamização da economia regional. A essa situação, adicione-se outras áreas ocupadas pelo cultivo de cereais, como a soja.
Referindo-se em especial à extensa área ocupada com espécies vegetais exóticas, pode-se afirmar que esse tipo de cultivo, pelo senso comum, é vista como um excelente negócio para os produtores rurais, que têm médias e grandes propriedades. No entanto, isso impacta diretamente na região, não só no aspecto ambiental, pelos problemas que esse tipo de cultura ocasiona, reduzindo a biodiversidade, mas principalmente nos problemas sociais. Muitos dos pequenos proprietários vendem suas propriedades para o agronegócio estabelecido e dirigem-se às cidades em busca de melhores condições de vida, provocando assim processos de desterritorialização no campo e novas e precárias territorializações nos centros urbanos, penalizando duplamente a sociedade regional: primeiro, por contribuir para o aumento de pessoas subempregadas, com baixa ou nenhuma renda monetária para consumirem, o que inviabiliza novas oportunidades de negócios no comércio e indústria regional; segundo, por exigirem que parte dos impostos arrecadados pelo Estado, precisem ser investidos na proteção desse contingente populacional marginalizado, com isso, inviabilizando investimentos em obras de infraestrutura e novas alternativas de trabalho e renda, como contributo ao desenvolvimento dos territórios e regiões.
Correlacionando os fatores que podem ocasionar processos de desterritorialização e reterritorialização na região estudada com as ideias levantadas por pesquisadores no referencial teórico, podemos concluir que a maneira como os territórios assumem suas configurações tem intrínseca relação com o as condições socioeconômicas da população do território, o que acontece aqui no PNC. Caracterizando essa região como essencialmente agrícola, possuindo pequenas propriedades rurais como característica básica da estrutura fundiária, aliando-se a isso o fato da agricultura regional se basear principalmente em duas atividades agrícolas monocultoras, que são o cultivo do tabaco e também a plantação de pinus que sustenta a atividade papeleira, temos uma multiplicação de situações de existência das chamadas TDR nesses municípios.
Portanto, partindo-se da ideia inicial de pesquisa podemos concluir claramente que nos municípios de Canoinhas, Irineópolis, Major Vieira, Porto União e Três Barras, nos últimos 20 anos, vêm ocorrendo processos de TDR, como nos mostram os indicadores estudados. Como resultante, os municípios estudados continuam com graves desafios, quando se pensa em desenvolvimento territorial. Em relação à Bela Vista do Toldo, é necessário relativizar os dados, em função de que foi criado em 1990.
Ou seja, é necessário que a região possa encontrar no conjunto de seus atores sociais, novas alternativas de desenvolvimento territorial, que possibilitem a geração de novas alternativas de trabalho e renda regional, apoiando, em especial, as populações oriundas do meio rural, ou que lá resistem valentemente.
Novos estudos precisam ser realizados, para que se aprofunde o debate aqui introduzido com esta investigação, em especial, que identifiquem novas oportunidades de negócios, que permitam empregos qualificados regionalmente, superando a simples preocupação com a sobrevivência.





