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Instabilidades políticas em Pernambuco no tempo da Independência do Brasil (1817-1822)
Flavio José Gomes Cabral
Flavio José Gomes Cabral
Instabilidades políticas em Pernambuco no tempo da Independência do Brasil (1817-1822)
Political instability in Pernambuco at the time of Brazil’s Independence (1817-1822)
Anos 90, vol. 27, e2020007, 2020
Universidade Federal do Rio Grande Sul, Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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RESUMO: O texto discute as instabilidades políticas ocorridas em Pernambuco, província localizada na região norte do Brasil, no tempo da crise do Antigo Regime português. Em 1817, uma insurreição que se deu com muito derramamento de sangue e que foi motivada sobretudo pela cobrança excessiva de tributos, pela carestia e pela corrupção da corte portuguesa desafiou o monarca e instituiu uma república inspirada na revolução norte-americana, representando o primeiro traço de descolonização. Os novos ideários políticos de 1820 trouxeram uma cultura de liberdade que pôs em xeque a monarquia absoluta e conduziria o Brasil ao rompimento com Portugal em 1822: uma vitória do grupo centralista que minou as expectativas autonomistas pernambucanas. O grupo centralista alinhou-se ao grupo do Rio de Janeiro, liderado por José Bonifácio, que pensou em uma independência com o poder centralizado em D. Pedro, enquanto o grupo de Gervásio Pires, formado por pessoas que lutaram em 1817, tinha pensamentos autonomistas, isto é, seguia o modelo federalista pensado em tal revolução.

PALAVRAS-CHAVE:Revolução de 1817Revolução de 1817,PernambucoPernambuco,VintismoVintismo,Cultura políticaCultura política,IndependênciaIndependência.

ABSTRACT: The text discusses the political instabilities that were taking place in Pernambuco, a province located in the Northern region of Brazil, at the time of the Old Portuguese Regime’s crisis. In 1817, a bloody insurrection motivated mainly by excessive taxes, high prices, and corruption of the Portuguese court challenged the monarch and instituted a republic inspired by the North American revolution and which was the first trace of decolonization. The new political ideas of 1820 brought a culture of freedom that questioned the absolute monarchy and eventually led Brazil to break with Portugal in 1822: a victory of the centralist group that undermined Pernambuco’s autonomist expectations. The centralist group aligned itself with the Rio de Janeiro group, led by José Bonifácio, who thought of an independence with the power centered in D. Pedro, whereas Gervásio Pires’ group, formed by people who fought in 1817, had autonomist thoughts, i.e. they followed the federalist model of the revolution.

KEYWORDS: 1817 Revolution, Pernambuco, Vintism, Political culture, Independence.

Carátula del artículo

ARTIGO

Instabilidades políticas em Pernambuco no tempo da Independência do Brasil (1817-1822)

Political instability in Pernambuco at the time of Brazil’s Independence (1817-1822)

Flavio José Gomes Cabral
Universidade Católica de Pernambuco, Brasil
Anos 90, vol. 27, e2020007, 2020
Universidade Federal do Rio Grande Sul, Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Recepção: 10 Junho 2019

Aprovação: 08 Janeiro 2020

Introdução

Depois das medidas tomadas no Congresso de 5 do corrente, quis o Excelentíssimo Senhor Governador e Capitão-General que, por meio de um periódico, se instruísse o público de tudo quanto se fizesse a favor da causa d’El-Rei e da Nação, predispondo os povos do Brasil a abraçarem as novas instituições que a Augusta Assembleia Nacional está formando em Lisboa, para estabelecer-se a nossa liberdade política, e assegurando sobre inabaláveis fundamentos os Direitos da Majestade e os direitos da Nação. (MAGALHÃES, 1821 apud NASCIMENTO, 1969, p. 19)

As palavras acima são de parte do editorial do jornal Aurora pernambucana, cujo primeiro número saiu a lume no dia 27 de março de 1821, em formato 25x17, com quatro páginas, redigido pelo secretário do governo Rodrigo da Fonseca Magalhães (NASCIMENTO, 1969, p. 19). O noticioso, diga-se de passagem, o primeiro a ser editado em Pernambuco, foi fundado pelo capitão-general governador Luís do Rego Barreto, nomeado para o cargo por D. João VI para manter a monarquia absoluta em uma província que ousou desafiá-lo em um movimento então recente, iniciado em 6 de março de 1817, e que chegou a instalar uma república inspirada na política norte-americana com repercussão na Paraíba, no Rio Grande do Norte e em parte do Ceará 1. O jornal era editado na Oficina do Trem (Arsenal da Marinha) e confeccionado na mesma imprensa adquirida pelos revolucionários em 1817 para editar proclamações e outros papéis doutrinários da causa revolucionária que, por ocasião do desbarate do movimento, foi confiscada pela Coroa.

O Aurora pernambucana fez parte de um dos projetos de Luís do Rego para conter os ânimos que começavam a se exaltar em decorrência do avanço do liberalismo resultante da recente revolução que eclodira em 24 de agosto de 1820 na cidade do Porto. Entre outras propostas, pugnava pela constitucionalização da monarquia abalando os valores da monarquia absoluta. O general tomou ciência dessas novidades em meados de novembro de 1820, por ocasião da chegada em Recife do paquete inglês Chesterfield. A notícia imediatamente se espalhou, pondo as autoridades em alerta. A partir de então, o governador passou a ficar “[...] atento aos progressos da opinião [pública] [...]”, como assim se referia em 22 de novembro ao ministro Tomás Vila Nova Portugal, ou seja, ao “espírito público” que lhe serviria “de barômetro” (Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, 1979, p. 169).

O “barômetro”, que serviria para medir a opinião das ruas, a que se refere Luís do Rego, eram aquelas manifestações difíceis de serem captadas em registros escritos: gritos, gestos, disse-me-disse, boatos e aplausos que tomaram conta das vias pernambucanas e, para a historiadora francesa Farge (1992), eram expressão da opinião pública. Além daquelas manifestações, acrescentam-se as inscrições dos muros, a panfletagem e a circulação de impressos que, segundo as ponderações de Ozouf (1995, p. 187), além de causarem impactos, eram recursos para se conhecer a opinião de seus autores e a reação daqueles que tomavam conhecimento do que estava escrito. É assim que se entendia “opinião pública”, conceito muito distinto do atual.

Além do vozerio que partia das ruas onde a política se “teatralizava” (BALANDIER, 1982), era nas casas, nos quartéis e até mesmo nos conventos (considerados locais de meditação e oração) que as ideias eram discutidas, escreviam-se panfletos “incendiários” e orquestravam-se as sedições, muitas vezes à sombra da maçonaria. Esses espaços de sociabilidade, assomados ao crescimento dos falatórios e suas repercussões, paulatinamente iam fugindo do controle desejado pelas autoridades. Isso permitiu que Luís do Rego passasse a perder o sono e sorrateiramente infiltrasse nas ruas uma rede de espionagem a fim de conhecer os agitadores e os assuntos que eram derramados “como matérias elétricas” que ajudavam a “levantar incêndio” em várias localidades. Confiante em seus velhos métodos de coerção, explicava em 19 de dezembro de 1820 à Vila Nova Portugal que “só o medo” podia reprimir “as vozes públicas”, por isso continuaria a governar com mão de ferro (Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, 1979, p. 176).

A cultura vintista e os novos hábitos

A revolução iniciada na cidade do Porto e com grande repercussão em Lisboa e posteriormente no Brasil convocou, à revelia do monarca, as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa 2, que deveriam se encarregar de elaborar uma Constituição e implementar reformas políticas e administrativas no reino português. O vintismo, nome pelo qual passou a se chamar o referido movimento político iniciado em Portugal em 1820, criou expectativas principalmente em relação ao direito de as pessoas reclamarem dos diversos estados de coisas que impediam a liberdade, por isso as reformas que se pretendiam realizar permitiram que fossem feitas reivindicações.

Para tanto, foi estimulada a fundação de jornais, aboliu-se o controle estatal e eclesiástico sobre os impressos, inclusive sobre os livros, uma vez que se entendia que as pessoas deveriam estar qualificadas para participar do debate político e opinar sobre ele. Valendo-se dessas prerrogativas, “Hum Pernambucano Constitucional”, indignado com a conservação de um militar português no comando da Artilharia recifense, mesmo quando Luís do Rego havia se afastado da governança e uma junta de governo havia sido eleita para substituí-lo, usava as páginas do Relator Verdadeiro para exigir seu afastamento. O missivista apontava que o militar havia sido contra os “Regeneradores deste País”3, e que lhe cabia o direito de desmascará-lo usando a tribuna da “imprensa para esse fim” (Relator Verdadeiro, 1 de janeiro de 1821).

O movimento em discussão pôs em uso algumas expressões, muitas delas herdadas da ilustração portuguesa (liberdade, constituição, igualdade, fraternidade), e que, a partir de então, ganharam novos significados por meio dos discursos dos políticos e principalmente dos editoriais e artigos dos jornais difundidos nos dois lados do Atlântico: regeneração, cortes, eleição, voto, eleitor, deputado, cidadão, direitos. Por outro lado, havia aquelas palavras que exprimiam o excesso de liberdade, evocadas pelos opositores do novo ideário político: anarquia, guerra civil, demagogos, jacobinos, pedreiros livres, república, partido e facção (NEVES, 2003, p. 169). Além desses “adereços”, a retórica, os rituais e as imagens forneceram arcabouços simbólicos para dilatar a cultura política vintista e os desejos de afastar as velhas tradições ligadas ao Antigo Regime e à crença de se construir uma nação regenerada, isto é, possuidora de direitos que até então não eram reconhecidos.

A revolução constitucionalista de 1820, ou o vintismo, proclamava-se arauto da liberdade e lutador desta causa. Embora o conceito não tenha sido uma criação do período, como alerta a historiadora portuguesa Isabel Nobre Vargues (1997, p. 102), o termo tornou-se um dos principais ornatos do movimento. Para se ter ideia de sua importância, a palavra é citada 25 vezes no número de estreia do jornal pernambucano Maribondo (25 de julho de 1822). O vocábulo despotismo, relacionado à falta de liberdade ou, como conceituou o dicionarista Moraes (1789, p. 598), “abuso de poder”, também aparece em igual número. Em termos práticos, o uso desses conceitos procurava inculcar na população a importância de um termo em detrimento do outro.

A palavra regeneração adaptava-se melhor que a velha expressão revolução e tornou-se muito utilizada e investida de grande significado, uma vez que identificava o próprio movimento que, por meio da Constituição, devolveria à população direitos que lhe foram subtraídos pelo despotismo. “A palavra revolução é sempre terrível aos ouvidos dos tiranos; também o deve ser aos ouvidos do povo, porque toda revolução traz consigo inconvenientes [...]”, dizia uma mensagem do rei dirigida às Cortes, em maio de 1821 (NEVES, 2003, p. 173). Mesmo presente, a revolução não exigia que se fizessem transformações bruscas nas estruturas do Reino Unido português; as mudanças iriam acontecer com o tempo até apagar as estruturas do Ancien Régime.

Rigorosamente, a palavra revolução, segundo o dicionarista Antônio Moraes, está relacionada à astronomia, ao movimento dos astros (SILVA, 1789, p. 689). Entretanto, para o mesmo dicionarista, os verbetes revoltoso e revoltado estavam mais relacionados à “revolta” ou “[...] que suscita e causa revolta”. Fabio Wasserman (2008, p. 159), analisando o termo, percebeu que “[…] durante el siglo XVIII la voz revolución podía utilizarse en castellano para expresar cambios políticos o las acciones que procuran dicho fin”. Entretanto, o dicionarista Esteban de Terreros Y Pando define revolução como tumulto, desobediência, sedição e rebelião: “[…] agrega una entrada que la hace equivaler a un trastorno social” (Apud Wassermann, 2008, 159). É esse o sentido de revolução que aparece nas devassas procedidas contra os questionadores do trono em quase toda a América portuguesa por tentarem desestabilizar o monarca.

A retórica política vintista utilizava-se de metáforas, alegorias, etiquetas e gestos e objetivava informar e persuadir as pessoas ao amor às virtudes cívicas. Por meio dos vários textos publicados em gazetas ou panfletos informativos, procurava-se dialogar com o passado e o presente. Neste bojo, foi comum insistir no diálogo entre o constitucional e o absolutista; corcundas x constitucionais; antigo sistema colonial x liberdade; liberdade x despotismo; liberdade x tirania (SCHIAVINATTO apud MALERBA, 2006, p. 223-224). O termo corcunda foi muito utilizado pelos constitucionais para xingar os absolutistas, causando nestes indignação. Em Ipojuca, vila localizada na Mata Sul, uma missa comemorativa que se celebrava pela chegada do ano de 1822 foi interrompida devido a um conflito vindo da rua. Era possível ouvir gritos de “viva à Constituição” e de “morram os corcundas”, provocando a ira dos absolutistas, que revidavam as afrontas utilizando força, armas e ameaças aos adversários (Apeje. ASM2, 1817-1822, fl. 124). Os constitucionais não se intimidaram e continuaram sua marcha cantando o hino constitucional:



Arrastava Pernambuco
O mais pesado grilhão,
Quando despontou no Douro
A Lusa Constituição (Relator Verdadeiro, 23 de dezembro de 1821).

O debate em torno da cidadania invadiu a imprensa e as casas causando muita estranheza e confusão, até porque não se tinha conhecimento nítido sobre o significado da palavra ou a que ela se referia. Por sinal, o vocábulo não é mencionado nos dicionários da época. Tanto para Bluteau (1712, p. 309) quanto para Moraes (1789, p. 395) o conceito é praticamente o mesmo e em linhas gerais se refere ao “morador de uma cidade” que gozava de privilégios, estando obrigado a pagar tributos. Destarte, nem mesmo durante a Revolução de 1817 falou-se sobre cidadania, mesmo que, segundo José Murilo de Carvalho (2006, p. 2005), tenham se discutido “com mais clareza alguns traços de uma nascente consciência de direitos sociais e políticos”. Suas lideranças preocuparam-se em falar sobre “patriotismo”, termo hoje bastante esclarecido pela atual historiografia (VILLALTA, 2003; BERBEL apud JANCSÓ, 2003; CABRAL, 2017), e não em “cidadania” ou “cidadãos”. O patriotismo era pernambucano, isto é, fazia referência ao local de origem, uma vez que, no período da Independência, não havia, por esses brasis, sentimento de patriotismo no sentido empregado atualmente.

A cidadania, durante a construção da política vintista, tornou-se uma das mais importantes práticas da nova política que se contrapunha ao “servo” ou “vassalo”, termos recriminados e considerados anticonstitucionais por estarem associados à velha ordem. Com o novo quadro político, os súditos foram liberados da tutela real, transformando-se em cidadãos com direitos políticos. Paulatinamente durante os anos de 1820, passou-se a entender por “cidadão” todo homem livre, maior de 25 anos, independentemente da “pátria ou da cor” (AHU_ACL_CU_015, CX.285, D. 19494), que tem direito político com deveres para respeitar os direitos dos demais. Apesar de todo o debate, a cidadania não se tornou plena, uma vez que as mulheres e muitos grupos excluídos foram impedidos de votar (CABRAL, 2013, p. 152). Quanto a esse aspecto, diz José Murilo de Carvalho (2006, p. 21) que os “homens bons” não podem ser considerados cidadãos. Eles votavam e eram votados; isso não se pode negar. “Faltavam-lhes, no entanto, o próprio sentido da cidadania, a noção da igualdade de todos perante a lei”.

Em uma sociedade em que se valoriza a palavra oral, em que a casa, os bares e as esquinas se transformaram em espaços de sociabilidade, evidentemente toda essa reviravolta na cabeça das pessoas acostumadas a viver em uma sociedade do Antigo Regime suscitaria discussões e conflitos. Os negros livres ou escravizados ouviam nas casas dos seus senhores ou nas ruas as novidades e começaram a fazer interpretações sobre cidadania. Para eles, ser cidadão era ser igual aos brancos. Ao tomarem conhecimento de que em Portugal se discutia que as pessoas, independente de cor e do local de nascimento, eram cidadãs, alguns desses negros, no dia 21 de janeiro de 1822, passaram a comentar as novidades pelas ruas recifenses: eram cidadãos; portanto, entendiam que eram iguais aos “homens mais livres do universo”, inclusive estavam em pé de igualdade para exercer “empregos públicos” (AHU_ACL_CU_015, CX. 285, D. 19494). Um emprego público era ofício a que muita gente aspirava, além de que conferia distinção social.

A algazarra amedrontou algumas pessoas, principalmente os senhores de escravos, que, temendo uma rebelião escrava, como a que tinha havido no Haiti, pediram providências ao Governador das Armas José Maria de Moura. Este se sentiu de mãos atadas, porque era conhecedor das invocações propostas pelas Cortes sobre questões de censura. Embora não se tenha conhecimento sobre o desfecho final do conflito, ele serve para ilustrar que o movimento vintista, além de ter gerado expectativa para as camadas subalternas, a exemplo da escravatura, presentes em vários espaços, inclusive nas ruas, observando e tirando suas conclusões sobre os assuntos discutidos, não era constituído de grupos amorfos e passivos, uma vez que eles falavam, ou seja, não se encontravam na sombra ou “completamente excluídos” (HABERMAS, 2003, p. 23). Pelo contrário, tinham conhecimento do que se passava, faziam suas interpretações e marcaram presença em muitas manifestações, inclusive políticas, como têm demonstrado as investigações de Marcus Carvalho (2005, p. 881).

Não se pode negar que grande parte do debate político foi, sobretudo, promovido pelas elites. Alguns dos jovens rapazes que o integravam tinham formação acadêmica, alguns com passagem pela Universidade de Coimbra, na época de sua reforma, o que assegurava que estariam imbuídos das ideias ilustradas. Após a graduação, uns abraçaram a magistratura, ocupando cargos na Fazenda e em outras instituições, outros seguiram o magistério. Além da plêiade de intelectuais vindos da Europa, muitos pernambucanos da geração da Independência tiveram sua formação no Seminário de Olinda, comprometido com a estrutura mental e ideológica do reformismo ilustrado. Seu projeto foi “[...] formar padres úteis ao Estado e à Religião [...]”, o que, em Pernambuco, significa talhar sacerdotes cultos que se tornariam exponenciais formadores de opinião (SIQUEIRA, 2009, p. 58).

Se para muitos as novidades motivaram alegria e extravasamento dos ânimos, a exemplo das comoções de ruas de Ipojuca, muitos assistiam a tudo com desconfiança. Para esses, estavam muito presentes as lembranças de 1817, quando até sacerdotes perderam suas vidas por desafiar o rei; por isso, preferiam o silêncio e temiam reviravoltas. Para outros, era chegado o momento da mudança, uma mudança com a permanência da monarquia, porém em sua forma constitucional. Algumas permanências continuaram existindo, inclusive reinterpretações de antigos costumes. O vintismo não só não se divorciou do catolicismo como se valeu do poder da Igreja para legitimar a nova ordem por meio das prédicas dos padres e em outras cerimônias que serviram para referendar a nova política por meio da liturgia. Uma das exigências do Soberano Congresso era equipar a regeneração das províncias de modo a adequá-las aos moldes constitucionais, incentivando a eleição para suas juntas de governo e para a deputação às Cortes de Lisboa.

O citado Congresso enviou instruções sobre as eleições para diversas partes do reino e para os componentes das juntas de governos, que deveriam substituir os antigos governadores régios. Tanto em Portugal quanto no Brasil, a imprensa exerceu papel importante na divulgação dos processos eleitorais, procurando explicar quem estaria apto a votar, a importância do voto, os locais de votação e os resultados eleitorais. As gazetas esmeraram-se em traçar perfis dos candidatos e permitiram-se auxiliar o eleitorado na escolha de seus representantes.

Até certo ponto, a população tinha conhecimento sobre eleição. As mais conhecidas até então eram aquelas realizadas para a escolha das câmaras municipais. Contudo, pesquisas da historiadora Mariza de Carvalho Soares chamam a atenção para as práticas eleitorais existentes no interior das irmandades religiosas. Segundo a autora, são casos interessantes para se pensar sobre a diversidade dos exercícios eleitorais existentes à época. As irmandades e seus processos eleitorais, “[...] fossem elas de homens brancos ou pretos, ampliavam esse universo político, servindo de espaço para o exercício de uma prática eleitoral anterior cidadã e que se prolongou ao longo do século XIX” (SOARES Apud CARAVALHO, 2011, p. 425)4.

Em Pernambuco, a arrumação do processo eleitoral para escolha de sua junta de governo e para a deputação às Cortes lisboetas foi organizada em um ambiente tumultuado, em que reinaram discórdias, pancadarias e derramamento de sangue devido à interferência de Luís do Rego. Ele somente capitaneou o citado processo quando tomou conhecimento de que, em 26 de fevereiro de 1821, D. João VI havia jurado as bases da futura Constituição - exigência, diga-se de passagem, da política do momento. Esta decisão foi recebida com entusiasmo em Pernambuco e em Lisboa. Houve celebrações religiosas, festas de rua e outras manifestações de regozijo. Explica a historiadora portuguesa Miriam Halpern Pereira que constituíam hábitos antigos o juramento de fidelidade política e suas sucessivas formas. A obediência aparente foi a atitude dominante, e os casos de resistência foram vivamente reprimidos, como atestam o exílio imposto ao patriarca português e a prisão dos bispos de Olba e Angra (PEREIRA Apud CARVALHO, 2011, p. 182).

A bancada pernambucana eleita para compor o Congresso português era composta por elementos saídos da elite proprietária, alguns dos quais chegaram a estudar na Europa: padre Inácio Pinto de Almeida Castro (irmão do padre Miguelinho, executado por crime de lesa-majestade por ocasião do levante de 1817), Manuel Zeferino dos Santos (futuro presidente da província), Pedro de Araújo Lima (advogado e futuro regente do Império), João Ferreira da Silva (proprietário de engenho e negociante, colaborou em 1817 com o governo republicano), Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira (proprietário de engenho, estudou em Coimbra e foi emissário do governo de 1817 nos EUA), padre Francisco Muniz Tavares (formado em cânones na França, revolucionário de 1817 e autor de um livro sobre esta revolução) e Félix José Tavares de Lira (proprietário do engenho)5, padres José Teodoro Cordeiro e Serafim Sousa Pereira. Este religioso morreu antes da posse, sendo substituído pelo suplente Manuel Félix Veras (funcionário público) (Apeje. R. Pro 7/5, fl.s/nº).

Pernambuco entre as Cortes de Lisboa e o Regente Pedro

No Brasil, um dos primeiros efeitos da Revolução do Porto ocorreu em primeiro de janeiro de 1824, na Província do Pará, que logo aderiu ao movimento liberal, seguida pela Bahia, em dez de fevereiro. Entretanto, em fins de outubro de 1820, Pernambuco se adiantaria àquelas províncias, planejando uma sedição urdida nas casas, nos quartéis e nos conventos, para destituir o Governador Luís do Rego e proceder à imediata eleição de uma junta de governo para substituí-lo no comando da província. A sedição foi urdida por militares nas casas e nos quartéis e planejada para eclodir em meados de novembro de 1820. O movimento foi descoberto por uma carta anônima dirigida ao mandatário provincial que denunciava que uma sedição estava sendo arquitetada para assassiná-lo e imediatamente implantar em Pernambuco um governo igual ao de Portugal, (CABRAL, 2013 p. 100).

Quanto a estes e outros acontecimentos que conturbaram a localidade, razão teve o jornalista Hipólito da Costa em dizer que os eventos ocorridos na cidade do Porto haveriam de ter grande repercussão no Brasil por haver desagradado as velhas práticas coloniais ainda existentes, mesmo estando a Corte ali instalada. “Os motivos de descontentamento que se têm alegado em Portugal existem no Brasil em grau mais sensível [...]”, declarava o redator do Correio Braziliense; portanto, era preciso levar em conta “a forma de administração das províncias [brasileiras]”, que se encontravam governadas por “[...] militares absolutos [...] irresponsáveis por seus atos públicos” (COSTA, 2002, p. 167, v. XXVI). Durante as articulações sediciosas, um panfleto escrito de forma codificada procurava cooptar pessoas e instigar a rebeldia contra as autoridades constituídas. Em seu trecho final, rogava: “Se és homem de bem como deves ser, põe a resposta no mesmo lugar sem ser curioso” (AN. IJJ9, fls. 187-187v). A sedição foi descoberta e seus mentores foram presos e exilados em Portugal.

O ano de 1821 foi intenso no que tange a discussões políticas. Nesse momento, muitos dos que haviam contestado o rei em 1817 foram libertados por determinação da Justiça, diferentemente do que ocorrera em 1818, quando 41 prisioneiros foram indultados por conta das celebrações da aclamação de D. João VI, conservando-se na prisão aqueles acusados de serem cabeças do movimento. Frei Caneca foi um dos que não foram beneficiados pela clemência real: pesava sobre o religioso carmelita a acusação de ter acompanhado, na qualidade de sacerdote, tropas revolucionárias e de ser amigo pessoal do padre João Ribeiro, um dos artífices do movimento e componente do Governo Provisório (IAHGP. Mapa curioso, fls 12-13). Na cadeia, chegou a apelar para o Frei Inocêncio das Neves Portugal, irmão do ministro Tomás Antônio Vila Nova Portugal (BN. I-30, 33, 002), para que intercedesse junto ao irmão por ele. Entretanto, não foi bem sucedido: foi beneficiado somente em 1821, quando a Justiça, diante dos novos ares políticos que entendia que externar ideias políticas não era crime, determinou a soltura dos implicados no movimento de 1817.

Um dos efeitos do vintismo foi pôr um ponto final sobre a questão dos interditos relacionados às questões ideológicas. Assim sendo, não se admitia que continuassem nas prisões do reino pessoas que haviam sido presas por questões políticas. Em 26 de maio de 1821, o Recife viu desembarcar em seu porto vários homens vindos da Bahia que haviam deixado a prisão e voltavam para o convívio de suas famílias, não sem antes serem recepcionados e carregados pelas ruas sob aplausos. Eles foram encarcerados por terem se envolvido em 1817, e a população, em acinte ao governador, prestou-lhes muitas homenagens. A recepção do padre Luís José de Albuquerque Cavalcanti Lins, antigo vigário da Matriz de Santo Antônio, foi bastante concorrida. Do porto, ele foi conduzido por uma expressiva multidão para tomar posse de sua matriz e, lá chegando, grupos contrários impediram-no de entrar e, dada a falta do padre Antônio Luís Inácio de Melo e da irmandade do Santíssimo Sacramento, administradora do templo. Mesmo ciente da chegada, seus membros não compareceram à cerimônia de posse que foi realizada pelos paroquianos (BARRETO, 1822, p. 36). As autoridades reais, ainda que indignadas, assistiam a tudo de mãos atadas e tinham a convicção de que a presença dos recém-chegados certamente contribuiria para inflamar os debates políticos, como de fato aconteceu.

O clima recrudesceu e houve descontentamentos e atos violentos. Em julho de 1821, Luís do Rego foi baleado na Ponte da Boa Vista, o que motivou a prisão de 31 suspeitos. Eles foram remetidos a Lisboa para serem julgados, mas foram soltos a mando da Justiça por falta de provas6. A ação do governador foi considerada despótica, além das acusações pesando contra ele nas Cortes por governar com mão de ferro. Depois de muitos reveses, resolveu o governador organizar o governo provincial constituindo um conselho sob sua presidência que várias vezes foi trocado, à medida que ele se inimizava com os membros. Tal política seria contestada pelos liberais sob o argumento de não ter licitude, porque não havia sido eleita como recomendavam as Cortes; portanto, não se enquadrava nas qualidades constitucionais.

Os recém-libertos, desejosos de desbancar o general e adequar a província aos moldes constitucionais, perceberam que dificilmente conseguiriam alguma vantagem estando próximo dele. Por isso, alguns se deslocaram para a Mata Norte, onde, longe dos olhos de Luís do Rego, poderiam organizar a resistência com mais cuidado. Concentrados principalmente na Vila de Goiana e contando com o apoio de várias lideranças interioranas, além das milícias de Goiana, de Paudalho, de Limoeiro e de Tracunhaém, no dia 29 de agosto de 1821, perante a Câmara Goianense e do Juiz de Fora, elegeram, para repulsa do governador, uma Junta Provisória de governo que dizia se sujeitar apenas “ao senhor rei D. João VI e às Cortes” (Apeje. OC. Cód. 1, fl. 335). E, como Luís do Rego não sinalizava se demitir da governança, alegando que havia recebido o cargo das mãos do monarca, que era o único que tinha direito de destituí-lo, resolveu a junta goianense, em doze de setembro de 1821, persistir na invasão do Recife e forçar a saída do general (IAHGP. Coleção Mário Mello, gaveta 2, 1821).

Os ânimos acirraram-se. A inglesa Maria Graham, futura camareira de D. Leopoldina, testemunhou a invasão do Recife pelas forças da Mata Norte e as trocas de tiros com as forças comandadas pelos soldados de Luís do Rego. Em quatro de outubro de 1821, uma comissão composta por várias pessoas foi até a povoação de Beberibe, onde estavam concentradas as forças de Goiana, e, em nome do general, propuseram um pacto - a Convenção de Beberibe. Ele foi acertado no dia seguinte e nele ficou ajustado que o governo da província ficaria nas mãos dos governos de Goiana e do Recife. Este último se restringia apenas à vila do Recife e à cidade de Olinda, e o outro incluía todas as vilas do interior até que as Cortes e o rei decidissem como ficaria a administração provincial.

Problemas de comunicação evidentemente inviabilizaram tomadas de decisão, algumas delas em Lisboa com relação ao Brasil, mais rápidas: chegavam com tardança e certas atitudes tomadas aqui talvez tivessem sido evitadas. Com a chegada no dia doze de outubro de 1821 de correspondência vinda de Portugal, tomou-se conhecimento de que o decreto de primeiro de setembro de 1821 das Cortes portuguesas ordenava que se criasse a Junta Provisória de Pernambuco, o que, em termos óbvios, formalizava a exoneração de Luís do Rego e a imediata eleição da escolha do novo governo pernambucano, que ficou assim constituído: Gervásio Pires Ferreira (presidente), padre Laurentino Antônio Moreira de Carvalho (secretário) e os vogais Cônego Manuel Inácio de Carvalho, o tenente-coronel Antônio José Vitoriano Borges da Fonseca, Felipe Néri Ferreira, Joaquim José de Miranda e Bento José da Costa (Relator Verdadeiro, 13 de dezembro de 1821).

Em sua circulação do dia treze de dezembro de 1821, o Relator Verdadeiro explicava que a formação da nova junta pernambucana foi obra do “[...] Supremo Congresso Nacional, [que] anuiu as representações justíssimas dos nossos infatigáveis e beneméritos deputados e mandou que se instalasse entre nós um Governo Provisório” (Relator Verdadeiro, 13 de dezembro de 1821). Luís do Rego, contrariando as decisões das Cortes, partiu para Portugal sem comparecer à cerimônia de posse da junta, que se deu em meio a muito regozijo, com missas, músicas, desfiles de tropas e foguetórios. A partida do ex-governador foi bastante comemorada. Uma quadra bastante cantada pelas ruas demonstrava o regozijo (AMARAL, 1974, p. 96):



Luís do Rego foi guerreiro.
Sete campanhas venceu.
Mas na oitava de Goiana
Luís do Rego esmoreceu.

Aos olhos de nossos tempos, alguns poemas declamados ou cantados pelos pernambucanos do século XIX podem parecer estranhos; entretanto, eles tinham alvos certeiros, uma vez que serviam para xingar os agentes reais por seus procedimentos ou protestar contra a política absolutista. Também eram uma tradição local: estavam incorporados à cultura e ao gosto popular. Para Darnton, grande observador das redes parisienses de comunicação do século XVIII, “[...] qualquer que seja a origem de tais canções [...] elas têm uma poderosa capacidade de transmitir mensagens. Fixam-se na memória coletiva e funcionam como instrumentos mnemônicos, particularmente em sociedade com baixo índice de alfabetização” (DARNTON, 2014, p. 172).

No tempo da chegada dos Bragança ao Rio, a corte tinha frequentes necessidades de dinheiro, o que concorria para que os cofres da província estivessem sempre à sua disposição e era motivo de intensas contestações, inclusive dos revolucionários de 1817. Dizia-se que, de todos os erários, o de Pernambuco era o mais requisitado. “Os saques e ressaques da corte e de outros erários [provinciais] eram quase cotidianos” (MELLO, 2004, p. 30). Um poema de autoria do bacharel em Direito Manuel Caetano de Almeida e Albuquerque, conhecido como “poeta”, saiu pelas ruas recifenses quando estas se encontravam convulsionadas em face das agitações de 1817, denunciando a permanência da família real e seus gastos. Eles oneravam o orçamento da província, que se via obrigada a custear seu luxo e pagar pela iluminação da nova sede da monarquia, enquanto o Recife vivia às escuras (COSTA, 1958, p. 427):



Sem grande corte na corte,
Não se goza um bem geral;
Que o corte é quem nos faz bem,
A corte é quem nos faz mal.

Darnton chama a atenção, ainda, para a divulgação de um tipo de poema como os que estão sendo estudados aqui. Com exceção do poema acima, de autoria clara, a maioria quiçá nunca tenha tido um autor. O autor parte da premissa de que, quando o poema circulava pelas ruas, as pessoas acrescentavam ou subtraíam estrofes, modificando as frases a seu bel-prazer. Em certos casos, os poemas eram ajustados para melodias populares e passavam a ser cantados. E, como eram de fácil memorização, caíam no gosto popular. Antes dos eventos de 1820, eram tidos como sediciosos, por atacarem a majestade ou seus agentes, a exemplo do poema citado acima e de autoria de Manuel Caetano de Almeida e Albuquerque. Depois da Revolução do Porto, porém, tornaram-se corriqueiros, uma vez que a liberdade de expressão havia sido valorizada.

Durante a posse da Junta, ocorrida no dia 27 de outubro de 1821, seu presidente, Gervário Pires Ferreira, falou sobre a importância de administrar a máquina pública com competência e honradez e pôr fim às discórdias herdadas dos tempos passados, que tanto haviam ensanguentado a província. O discurso do presidente procurava fazer uma ponte entre a velha ordem, maculada pelo servilismo, e a falta de liberdade. Contudo, os novos tempos, assentes sobre a liberdade, seriam de esperança de melhoras, uma vez que a Constituição que estava sendo tecida preconizava esses desejos:

Guiados pelo patriotismo constitucional, que nos anima, e pela luz da razão e da experiência do passado, não devemos recear os escolhos que o egoísmo dos áulicos tem sabido espalhar pela estrada da verdade. Devendo, portanto, dar princípio desde logo à nossa tarefa, deixando aos historiadores o cuidado de fazer o triste quadro de nossas passadas desgraças e de transmitir aos nossos vindouros para sua instrução [...]. E em vista da proclamação do Soberano Congresso aos povos do Brasil, tendiam, a exemplo dos nossos irmãos de Portugal, a afastar o despotismo de nossas praias e a instalar um governo constitucional como o que se acha [agora] estabelecido [...]. Os pernambucanos, qualquer que tenha sido o local de seu nascimento, correspondendo aos sentimentos dos vogais que formaram o seu governo, morreram, primeiro que vejam outra vez o despotismo pisar a praia dos Vieiras, Vidais e Dias; e que, ligados aos seus irmãos de Portugal pelas mais estreitas relações de sangue e mútuos interesses, unem igualmente suas vozes à de seus deputados para protestarem a mais firme adesão e fidelidade às Cortes Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, e a el-rei constitucional, o senhor Dom João VI e a sua real família. Vivam a religião, as cortes e el-rei! (ATAS, 1997, p. 41).

Pelas palavras de Gervásio, a Junta estava investida da tarefa de governo e, como tal, tinha a função de desenferrujar a máquina pública, emperrada pelas práticas marcadas pela velha política, que excluía o cidadão de participar do governo. Havia esperança de que, com a constitucionalização do reino, as estruturas políticas seriam desentravadas e a nova política consolidar-se-ia, por sinal firme na liberdade, graças à atuação das Cortes (BERNARDES, 2006, p. 406). À noitinha, após a posse da Junta, ocorreu missa em ação de graças na matriz do Corpo Santo. Na nave principal do templo, encontrava-se exposto sob um dossel o retrato do monarca e diante dele perfilaram-se os membros do governo, da administração, do clero, oficiais, funcionários públicos e a elite local.

A política vintista procurava posicionar-se de modo que transparecesse que havia rompido com o absolutismo, mas não com o rei, a quem continuava devotando obediência, bem como à sua dinastia (MENDONÇA, 1984, p. 429). Para os absolutistas, o monarca encontrava-se de mãos atadas, isto é, prisioneiro do Soberano Congresso. A esta linha de pensamento juntaram-se figuras de relevo, entre as quais a Rainha Carlota Joaquina. Na visão de Hipólito da Costa, as cortes na verdade procuraram negar o papel político do monarca. O jornalista, observando o caso da Revolução Francesa, acreditava que era até possível “[...] compreender a existência de um Estado ou Nação sem rei [...]”; entretanto, questionava a utilidade de um monarca “sem atributos essenciais da realeza” (LUSTOSA, 2019, p. 218). Entendia que a imagem do rei era um símbolo máximo do regime e as atitudes de deferência para com ele, mesmo não significando poder de fato, eram importantes para a manutenção da ordem pública. E completava: “[...] qualquer mordomo de um milorde inglês tem mais representação do que se tem dado em Portugal ao seu rei” (LUSTOSA, 2019, p. 218-219).

A Junta procurou não se afastar do pensamento liberal e, mesmo tendo sido criada por ordens das Cortes, procurou devotar consideração a D. João VI e ao regente brasileiro, deixando-os a par dos problemas provinciais. O rei chegou a ser interpelado para interceder junto às Cortes, quando se percebia que determinações articuladas no congresso prejudicariam os interesses locais, a exemplo do envio de tropas para Pernambuco. A Junta manteve bom diálogo com o Regente Pedro, uma vez que havia ficado no Brasil por determinação do pai. Ela lhe devotou obediência e inclusive apoiou o Fico de nove de janeiro de 1822. E, quando nesse ano os ânimos começaram a se exaltar, principalmente quando as Cortes se bateram contra o príncipe, anulando seus atos, solicitando seu retorno à Lisboa e decretando medidas que inferiorizavam o Brasil, a Junta se posicionou ao lado do regente, apoiando-o em suas decisões. Para Bernardes (2001, p. 306), no comportamento da Junta havia “[...] uma constante preocupação de respeito às formulas legais, sem, no entanto, se deixar prender pelo formalismo das antigas leis, ou das novas decisões do poder que julgava criticáveis ou inaceitáveis”.

Vale destacar que o afeto da Junta pelo monarca não significava conservadorismo; afinal de contas, como explicado anteriormente, o vintismo continuou respeitando-o e até lhe deu o título de “Rei Constitucional” ou “Pai da Pátria”. Durante a nova ordem política, D. João VI se tornou alvo de vários tratamentos iconográficos tanto em Portugal quanto no Brasil, passando sua imagem a ser estampada em retratos, miniaturas, leques, alegorias, litografias, desenhos e quadros. Uma dessas imagens, de autoria do pintor Domingos Antônio Sequeira, foi encomendada pela Junta Provisional do Governo de Lisboa e entronizada em sua sala principal. O soberano foi retratado sem ostentar as velhas insígnias da monarquia absoluta e segurando um livro fechado em cuja lombada se lia “Cortes 1821” (VARGUES, 1997, p. 270). Durante as festas e outros atos cívicos, as pessoas continuaram fazendo reverência ao monarca, porém não como súditos como no Antigo Regime, mas como cidadãos. Com o novo estatuto político, as pessoas foram liberadas das condições de súditos ou de vassalos do rei e transformaram-se em cidadãs, por gozarem de direitos políticos.

Como se vê, a imagem do rei não foi ultrajada durante a implementação da nova política, mas não foi assim em 1817, por ocasião dos desdobramentos das comoções revolucionárias nas províncias nortistas. Em Recife, o quadro do soberano foi retirado da sala principal de sua Câmara e na vila paraibana de Pilar, os descontentes, ao entrar na câmara local, apoderaram-se das bandeiras das ordenanças e das insígnias reais e atiraram-nas na rua. Em Itabaiana, as cenas de agressão aos símbolos reais repetiram-se e incluíram a invasão de sua câmara: “[...] quebraram, por desprezo, as varas dos vereadores [...] nas quais estavam pintadas as armas reais”. Durante a invasão, o brasão real que encima aqueles bastões foi danificado com instrumentos cortantes com o objetivo de apagar seus ornatos (DOCUMENTOS HISTÓRICOS, 1953, p. 183, vol. CII).

Essas atitudes denotam sinais de desafeição pelo trono, como bem demonstrou Jancsó em instigante artigo intitulado A sedução da liberdade, e revelam que os ensaios sediciosos, além de anunciar a crise do Antigo Regime, desdobravam-se nas áreas periféricas do sistema Atlântico, “[...] apontando para a emergência de novas alternativas de ordenamento da vida social” (JANCSÓ apud SOUZA, 1997, p. 389). Na realidade, ao se contestar a legitimidade do Antigo Regime, impunha-se a necessidade de contestar seus lemas e inventar símbolos políticos que pudessem expressar os ideais e princípios da nova ordem. Para Hunt (2007, p. 78), não existe governo sem rituais e sem emblemas, que, de alguma forma, transmitam e reafirmem a legitimidade de governar, que significa a concordância geral sobre sinais e insígnias.

Impasses entre Pernambuco, Lisboa e Rio

Depois da posse da Junta Pernambucana, suas principais preocupações foram tentar organizar a administração, as finanças públicas e o ensino. Para tanto, em meados de 1822, alguns professores de primeiras letras foram nomeados e seus salários, aumentados. Entre outras realizações, foi organizada a repartição da inspeção de obras públicas, que atuaria na fiscalização das obras do encanamento do Rio Beberibe, da Ponte do Recife, destruída por ocasião dos conflitos de 1821, e da cadeia. As divergências ideológicas foram uma das questões que a Junta gervasista não conseguiu contornar, e tudo leva a crer que o fenômeno não se circunscreveu apenas a Pernambuco. Além das dimensões continentais brasileiras, que dificultavam de certa forma a união do país, a existência de dois centros de poder nos dois lados do Atlântico - Lisboa e Rio de Janeiro - a partir de 1820, concorreu para dificultar as relações políticas. Perpassava pelo discurso dos liberais manter a integridade do reino devido à importância dos produtos brasileiros. Entretanto, observou Proença (1987, p. 42) que impasses existiam e parecia impossível harmonizar os interesses de modo que o Brasil pudesse participar da regeneração econômica do reino sem ter que perder direitos conquistados a partir de 1808 com a vinda da corte.

A partida de D. João VI em 1821 restituiu os ânimos dos portugueses, que viam a soberania retornar para Portugal. Entretanto, a conservação do príncipe Pedro no Brasil como regente foi bem aceita pelo “partido brasileiro”, que lutava pela fundação de um projeto de Império sediado nos trópicos. A decisão de D. Pedro de permanecer no Brasil foi recebida com desconfiança pelas Cortes e com entusiasmo pelos pernambucanos, principalmente por sua jovem imprensa. Esta procurou instigar o regente na luta contra os projetos recolonizadores das Cortes, fazendo-o perceber que seu destino se confundia com o do Brasil7. A Junta enviou um de seus membros, Felipe Neri da Fonseca, para o Rio, a fim de apresentar ao príncipe “protestos de amor, fidelidade e obediência” (Apeje. R. Pro 9/1, fl. 136). Ao longo de 1822, os ânimos acirraram-se entre o regente e as Cortes, a ponto de estas invalidarem decisões tomadas por ele em relação ao Brasil, de exigirem seu retorno para Portugal e também passaram a baixar decretos que procuravam inferiorizar o Brasil. Essas decisões repercutiram na imprensa local como ato de declaração de guerra. Em nove de março de 1822, em um longo editorial, o Segarrega classificava as deliberações das Cortes em relação ao Brasil de maquiavélicas e denunciava as autoridades portuguesas de pouco olharem para o país, porque o que mais lhes interessavam eram os produtos que saíam daqui e que contribuíam para equilibrar as finanças lusitanas.

Uma entre outras respostas do príncipe aos atos abusivos das Cortes veio com um decreto de dezesseis de fevereiro de 1822, que criava no Brasil um Conselho de Estado que seria composto por procuradores de todas as províncias (Apeje. OR, 41, fl. 159). A notícia chegou a Recife no dia 26 de março acompanhada de um ofício de José Bonifácio, que solicitava empenho da Junta na implementação do decreto. Os gervasistas receberam as novas com apreensão, porque entendiam que somente as Cortes tinham autoridade de criar tal conselho e também criticavam o direito de os ministros terem nele assento e veto, uma vez que temiam o retorno do antigo despotismo ministerial. O posicionamento da Junta não foi bem visto por José Bonifácio, que, no tempo oportuno, escreveu-lhe dizendo:

Se os ministros de Estado têm, pelo decreto, assento e voto no conselho, longe de ser esta prerrogativa, como receia a junta, um meio de ressuscitar o antigo despotismo ministerial, é antes um providente recurso que habilita os procuradores a inquirir dos ministros, face a face, as razões de qualquer medida tomada ou proposta, a rebater diretamente sem argumentos e a convencê-los da falsidade dos seus princípios ou da sua má-fé, não sendo ao mesmo tempo de esperar de pessoas que devem ser escolhidas entre as mais distintas em luzes, probidade e patriotismo (Apeje. OR, 41, 172 v).

Apesar de toda a celeuma, registre-se que não foi apenas Pernambuco que não aplicou o decreto de dezesseis de fevereiro de 1822: as Juntas do Maranhão, do Grão-Pará e da Bahia, mesmo dizendo devotar obediência ao regente, entendiam que não lhes cabia o direito de criar conselhos de procuradores no Brasil (AS JUNTAS, 1973, p. 59). Estes redemoinhos demonstram a fragilidade do poder do príncipe sobre todo o país. Seu comando político “[...] ainda não despertava, especialmente no Norte do Brasil, uma ressonância equivalente àquela produzida pelo Congresso de Lisboa” (NEVES, 2003, p. 319). D. Pedro tinha conhecimento de que sua autoridade se limitava ao eixo do Rio de Janeiro. Quando partiu para Portugal, em 1821, seu pai o deixou no Brasil como regente, mas ele não se sentia como tal: “[...] eu fiquei regente, e hoje sou capitão-general, porque governo só a província [do Rio de Janeiro]” (CINTRA, 1921, p. 50).

A implicância do ministro José Bonifácio com os gervasistas talvez tenha outro motivo: não lhe agradava a ideia defendida por aquele grupo sobre a questão da autonomia das províncias. Pernambuco talvez tenha sido a província que mais contestou o projeto do ministro e por isso caiu em seu desagrado. Aliás, Evaldo Cabral sugere que, no tempo da Independência, Pernambuco e as províncias vizinhas “[...] constituíram a única região da colônia a haver ensaiado uma experiência de autogoverno, ao contrário do Sul, que só havia conhecido inconfidências esmagadas no ovo” (MELLO, 2004, p. 35). Na realidade, a questão federalista estava no sangue dos pernambucanos. Tratava-se de uma herança da Revolução de 1817. Os revolucionários inspiraram-se no modelo político norte-americano quando instalaram uma república em Pernambuco. A gota d’água contra os pernambucanos veio quando o Rio de Janeiro tomou conhecimento de que documentos oficiais do príncipe endereçados para a Junta haviam sido divulgados pela imprensa lusitana.

Na realidade, as medidas tomadas pela Junta não significavam ação de maledicência, uma vez que o vintismo aboliu a política de segredo dos gabinetes. Cartas de D. Pedro ao rei, principalmente aquelas que externavam desejos de permanecer no Brasil, tiveram plena divulgação na imprensa (AHU_ACL_CU_015, CX,_285, D. 19535). No Rio, boatos circularam denunciando a Junta de desrespeitar o regente por ter feito sua opção pelas Cortes. A Junta procurou refutar essas incriminações dizendo que não poderia desobedecer ao regente, que havia ficado no Brasil por ordem do monarca:

Teríamos nós, os fidelíssimos pernambucanos, a quem a calúnia tem querido denegrir os brios, e honra, teríamos nós a ousadia de contrariar ordens, que dimanam do Poder Executivo [...]. Nós, que no mesmo momento, em que foi instalada a Junta, logo nos dirigimos a Sua Alteza Real; nós que imediatamente fizemos subir à sua real presença mais de cinquenta documentários, que bem mostravam a nossa firme adesão à sua real pessoa (LIMA SOBRINHO, 1998, p. 38).

O rompimento de Pernambuco com as Cortes começou a ser delineado a partir das intransigências do Congresso contra o Brasil, cuja prática foi severamente criticada pela bancada brasileira. Um desses deputados, ao entrar em contato com o redator do Segarrega, lamentava as intransigências dizendo: “Temos lutado muito e nada temos feito [...]. Igualdade de lei e de direitos, reciprocidade, amizade, tudo são palavras que para os deputados [brasileiros] de nada servem”. A decisão do príncipe de criar no Brasil sua própria Assembleia Geral Constituinte em três de junho de 1822, que somente seria instalada no ano seguinte, estimulou as províncias a eleger seus representantes sob a expectativa de que, com ela, os problemas locais seriam resolvidos com mais celeridade que em Lisboa (FRANCO, 2003, p. 23). A medida golpeava as Cortes e foi recebida com indignação, concorrendo para criar um clima de insatisfação entre os congressistas.

De uma ou de outra forma, o destino da Junta gervasista começou a ser tramado no Rio quando ficou acordado enviar para o Recife Antônio de Menezes Vasconcelos de Drummond, com a missão de promover discórdias e a cisão do grupo (ANNAES DA BIBLIOTECA NACIONAL, 1889, p. 16). O jogo de intrigas acelerou depois que boatos circularam em junho de 1822 acusando a Junta de ser independente e de apunhalar o príncipe pelas costas. O Segarrega posicionou-se a favor dos gervasistas, denunciando em suas páginas que tudo não passava de boatos e de intrigas espalhadas por “[...] dois ou três vagabundos vindos do Rio de Janeiro [...]”, fazendo referência a Drummond, Mayer e Cavalcanti de Lacerda, que se reuniam em botequins, casas de jogo e prostíbulos cariocas com a finalidade de desestabilizar o governo (SEGARREGA, 3 de julho de 1822).

Esta divisão dos grupos políticos concorreu para criar na província “[...] duas facções das elites locais com força suficiente para disputar o poder” (CARVALHO, 2005, p. 895). Tudo colaborou para que os membros da Junta se demitissem do comando, abrindo espaço para que um novo grupo de proprietários de terra chegasse ao poder. Os demissionários, reunidos no dia treze de agosto de 1822, não entregaram o governo sem antes esclarecer ao príncipe:

Sereníssimo Senhor [...] espírito intrigantes, vindo dessa [corte] têm podido disseminar desconfianças no povo para com o governo, vendo por outro que estas desconfianças, aliás, desmentidas por tantos fatos da mais transcendente prova literal e depoimento de todos os bons cidadãos, têm progredido na baixa classe do povo que se tem procurado iludir em menoscabo da dignidade do governo e segurança pessoal de seus membros; vendo por outro lado que com o sagrado nome de V.A.R. se tem procurado desvairar dos seus deveres oficiais inexpertos e homens de cor. [...] Por estas e outras razões, rogamos a V.A.R. queira mandar que se proceda imediatamente à convocação dos eleitores para o novo governo, pois que, desenganados de podermos conseguir a desejada paz interna e a união da grande família portuguesa (MELLO, 1973, p. 132, v.1).

A nova Junta eleita ficou conhecida como Junta dos Matutos, porque estava constituída por homens do interior, tinha planos centralistas e alinhava-se aos planos de José Bonifácio e do Príncipe Pedro. Era composta por Afonso de Albuquerque Maranhão (presidente), Capitão-mor Francisco Pais Barreto (do morgado do Cabo), Capitão Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque (futuro Visconde de Suassuna), e quatro da Mata Norte: José Mariano de Albuquerque Cavalcanti (secretário), Francisco de Paula Gomes dos Santos, Manuel Inácio Bezerra de Melo e João Nepomuceno Carneiro da Cunha. Apesar da mudança no comando da província, a pax não seria totalmente restabelecida. Os atos absolutistas de D. Pedro reacenderiam na província novas comoções efetivadas em 1824, como a Confederação do Equador. Pernambuco pagaria muito caro por sua rebeldia, mas se trata de outro assunto que não será aqui especificado.

Material suplementar
Referências
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SEGARREGA, Recife, n.° 1, 8 dez. 1821.
SEGARREGA, n.º 13, 3 jul. 1822.
SEGARREGA, n.º 20, 2 nov. 1822.
SEGARREGA, n.º 7, 9 mar. 1822.
Notas
Notas
1 Havia desejo entre as lideranças de 1817 de aquilatar alianças bilaterais entre a jovem República Pernambucana e os Estados Unidos. Segundo carta datada de doze de março de 1817, escrita pelo Governo Provisório ao Presidente James Monroe pedindo apoio para a revolução, esclarecia que muitas atitudes tomadas pelo governo se espelhavam no exemplo da “brilhante revolução” norte-americana (CABRAL, 2017, p. 153).
2 Rigorosamente, “cortes”, segundo o dicionarista Moraes, significava o ajuntamento dos procuradores das diversas localidades, dos nobres e do clero para propor aos reis as leis e providências sobre o governo, ou seja, constituíam-se em um órgão meramente consultivo. No vintismo, elas foram apresentadas como um órgão composto pelos representantes de diversas partes do reino para elaborar a Constituição (NEVES, 2003, p. 176). No Brasil, críticas contrárias ao citado órgão começaram a ser gestadas a partir de 1822, quando ocorreram medidas desfavoráveis aos interesses do país, como extinções de órgãos fundados no tempo de D. João VI e o retorno do Príncipe Regente D. Pedro.
3 O vintismo procurou criar títulos para ressaltar os grandes vultos da revolução ou promotores do movimento liberal. O mais comum foi o de “benemérito”, criado pelas cortes em reconhecimento aos cidadãos que tinham iniciado o movimento em 1820 (VARGUES, 1997, p. 72-74). Em Pernambuco, os membros da Junta de Goiana, que desafiou Luís do Rego, antecipando em 29 de agosto de 1821 a instalação de Junta Provisória, reivindicou tal título. De igual maneira, Gervásio Pires recebeu da Junta Pernambucana o citado título por ter lutado pela regeneração da província contra o despotismo de Luís do Rego. Na realidade, o título era um símbolo que procurava expressar as qualidades de seus portadores e suas disposições para com a coletividade (CABRAL, 2013, p. 15-16).
4 Durante a Revolução Pernambucana de 1817, um processo eleitoral para a escolha da Junta Provisória de Governo foi organizado logo após a capitulação do Governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro. O eleitorado estava composto por dezesseis pessoas, das quais duas eram negras: Joaquim Ramos de Almeida, mestre-de-campo do terço dos Henriques, e o tanoeiro Tomás Ferreira Vilanova, também da mesma batente (SILVA apud JANCSÓ, 2003, p. 510-511).
5 Por longos anos, a historiografia sobre a Revolução de 1817 vinha repetindo que o citado deputado havia sido enviado para Buenos Aires como agente diplomático. Estudos de João Paulo Pimenta e Luiz Geraldo Silva (2010, p. 312-41) desfizeram o equívoco. Explicam os historiadores que a primeira notícia sobre sua suposta missão foi ventilada no Correio Braziliense. Este noticioso, no dizer de Lustosa (2019, p. 82), era abastecido por cartas que lhe chegavam de várias localidades brasileiras e, municiado por uma delas, seu redator Hipólito da Costa informava em junho de 1817 que tinha conhecimento de que os rebeldes haviam enviado à região platina Félix José Tavares de Lima para atuar como diplomata em Buenos Aires. A partir de então, a informação foi sucessivamente repetida por toda a historiografia. Sem que ninguém percebesse, o próprio Correio, que circulou em dezembro de 1817, informava, respaldado em uma carta de um correspondente, que o citado Lima era um respeitado proprietário de terra em Pernambuco e que nunca havia saído de sua terra nem havia assumido nenhuma missão diplomática. O redator do Correio, Hipólito da Costa, explicava seu prazer em corrigir um erro daquela natureza, “[...] que pode ser prejudicial aos indivíduos”. Destaque-se que Félix Tavares se chamava Lira, e não Lima, negociava com a região do Rio da Prata e uma de suas propriedades em Pernambuco chamava-se justamente Buenos Aires. Dessa maneira, os autores conseguiram corrigir antigos equívocos; entretanto, é importante que se destaque que os revolucionários de 1817 mantiveram alguns contatos na região portenha, mas isso são outras histórias, que não comportam serem aqui esmiuçadas.
6 Os prisioneiros “Vítimas de Pernambuco”, segundo o Relator Verdadeiro (suplemento do n. 2, primeiro de janeiro de 1822), chegaram em Lisboa no dia quinze de outubro de 1821 e, dado o fato de a Relação se encontrar em férias, ficaram retidos a bordo até o retorno dos ministros do citado tribunal. A deputação pernambucana acusou o general de déspota. O Deputado Girão se mostrou indignado e disse que as despesas com o transporte e manutenção dos presos deveriam ser desembolsadas pelo Governador de Pernambuco “por ser ele a causa de tudo”.
7 A historiografia da Independência fez longa referência sobre a pretensão das cortes de, por meio da edição de vários decretos, recolonizar o Brasil. Marcia Regina Berbel (2005, p. 791-808), em instigante artigo intitulado A retórica da recolonização, procurou esclarecer que o vocábulo é uma expressão que aparece em 1822 e foi utilizado por um grupo político alinhado à política do Rio de Janeiro. Segundo suas pesquisas, a palavra foi utilizada durante os debates nas Cortes uma única vez, na sessão de 27 de julho, pelo deputado paulista Nicolau Pereira Campos Vergueiro. No Brasil, não se utiliza o termo, e sim, expressões como “voltar a ser colônia” ou “restabelecer o sistema colonial” (BERBEL, 2005, p. 794).
Autor notes
Professor da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

*E-mail: gomescabral@uol.com.br

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