Resumo: O aumento das mulheres encarceradas nos sistemas prisionais crescem exponecialmente nas últimas décadas. Embora com participação reduzida em relação aos homens na criminalidade, há violação e desigualdade de seus direitos, e invisibilidade das políticas públicas que deveriam garantir o seu regresso a sociedade em condições adequadas. Nesse contexto, objetiva-se compreender a realidade e as singularidades do sistema carcerário feminino no Brasil e no mundo. O presente estudo desenvolveu extensa revisão de literatura, com base em estudos científicos sobre as mulheres encarceradas. A pesquisa desenvolvida, identificou a necessidade da implementação de diferentes metodologias que visam avaliar a realidade das mulheres encarceradas, bem como o desenvolvimento e redirecionamento de políticas públicas ligadas as mulheres nos sistemas prisionais e setores da sociedade.
Palavras-chave:ViolênciaViolência,CárcereCárcere,MulherMulher.
Abstract: The increase in incarcerated women in prison systems has grown exponentially in recent decades. Although with reduced participation in relation to men in crime, there is a violation and inequality of their rights, and invisibility of public policies that should guarantee their return to society in adequate conditions. In this context, the objective is to understand the reality and the singularities of the female prison system in Brazil and in the world. The present study has developed an extensive literature review, based on scientific studies on incarcerated women. The research developed, identified the need to implement different methodologies that aim to assess the reality of incarcerated women, as well as the development and redirection of public policies related to women in prison systems and sectors of society.
Keywords: Violence, Prison, Woman.
Resumen: El aumento de las mujeres encarceladas en los sistemas penitenciarios ha crecido exponencialmente en las últimas décadas. Aunque con una participación reducida en relación con los hombres en el crimen, existe una violación y desigualdad de sus derechos, y la invisibilidad de las políticas públicas que deberían garantizar su retorno a la sociedad en condiciones adecuadas. En este contexto, el objetivo es comprender la realidad y las singularidades del sistema penitenciario femenino en Brasil y en el mundo. El presente estudio ha desarrollado una extensa revisión de la literatura, basada en estudios científicos sobre mujeres encarceladas. La investigación desarrollada identificó la necesidad de implementar diferentes metodologías que tengan como objetivo evaluar la realidad de las mujeres encarceladas, así como el desarrollo y la redirección de políticas públicas relacionadas con las mujeres en los sistemas penitenciarios y sectores de la sociedad.
Palabras clave: Violencia, Prisión, Mujer.
ARTIGOS
Mulheres no cárcere: Uma revisão de literatura sobre a realidade das mulheres encarceradas
Women in Jail: a literature review on the reality of women in charge
Mujeres en la Cárcel: una revisión de literatura sobre la realidad de las mujeres encargadas
Recepção: 27 Junho 2020
Aprovação: 30 Setembro 2020
Em todo o mundo, a violência é um dos principais contribuintes para mortes por causas externas, doenças e uma série de outras consequências sociais e de saúde (OMS, 2014). Esse fenômeno complexo, não se limita as barreiras geográficas, classes sociais e/ou períodos históricos.
A compreensão da violência urbana e o contexto acerca dos sistemas prisionais, estão intrínsecas as relações históricas e territoriais. Sendo que a sociedade vive amedrontada com o crescimento da violência, e espera que a prisão em massa seja a solução (JORGE, 2009). Nesse contexto, observa-se singularidades entre as mulheres aprisionadas, que além de transcender questões como relações de gênero, direitos humanos, segurança pública, saúde coletiva e desigualdades sociais, nos sistemas prisionais há em sua maioria em parte omissão de políticas públicas capazes de assegurar direitos naturais e as necessidades básicas das mulheres apenadas.
Considerando o exposto, o presente estudo propõe-se a contextualizar e ampliar a compreensão da realidade que vivem as mulheres nos sistemas prisionais nas diferentes regiões do Brasil e do Mundo. Para tanto, inicia-se caracterizando o sistema prisional a partir da revisão de literatura de estudos científicos desenvolvidos na última década, por meio do portal de periódicos da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), SCIELO e Google Acadêmico, divido em 25 artigos abrangendo a realidade brasileira e 25 relativos a artigos internacionais. Posteriormente, analisa-se pesquisas sobre a realidade das mulheres encarceradas, a partir de informações ligadas ao tema; recorte espacial e metodologia aplicada.
No Brasil, as punições sob forma de pena são tão antigas quanto sua história, remontando desde os períodos coloniais escravistas com atenção as punições corporais aplicadas aos escravos. Contudo, apenas a partir do século XIX que se estrutura o sistema prisional, semelhante aos estabelecimentos atuais com a Casa de Correção do Rio de Janeiro em 1850, como expõe Machado et. al. (2013, p. 203) “no Brasil, foi a partir do século XIX que se deu início ao surgimento de prisões com celas individuais e oficinas de trabalho, bem como arquitetura própria para a pena de prisão”.
Atualmente, o sistema carcerário brasileiro é regulamentado pela Lei de nº 7.210, de julho de 1984 do Código Penal, a Lei de Execuções Penais (LEP), com os principais tipos de estabelecimentos penais: Cadeias Públicas, Casas do Albergado, Penitenciárias, Colônias Agrícolas, Industriais ou Similares, Patronatos, Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (OLIVEIRA, 2007). Esse instrumento preconiza como deve ser executada a pena de privação de liberdade e restrição de direitos no Brasil.
O dispositivo legal supracitado reforça a finalidade da ressocialização nos estabelecimentos prisionais, bem como assegura a recreação, assistência à saúde, jurídica, educação adequadas, alimentação e vestuários suficientes aos apenados. No entanto, observa- se grande disparidade entre as ferramentas legais e os instrumentos do cárcere.
Como reflexo desse contexto, verifica-se superlotações, sucateamento estrutural, contínuos episódio de rebeliões, disputa entre facções dentro e fora dos presídios, resultando no aumento da violência e insegurança. Dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN,2019), retratam essa conjuntura, em que a população carcerária brasileira supera a quantidade disponível de vagas (442.000), com aproximadamente 755.200 pessoas restrição de liberdade em 2020. Isso demonstra o quadro de precariedade que o sistema carcerário nacional vivencia.
A realidade exposta, afeta significativamente todo o sistema prisional e de forma específica as mulheres. Nesse contexto, destacam-se questões como a maternidade, desigualdade de gênero, violências físicas, psíquica, emocional.
Sendo este, portanto, um dos inúmeros problemas relacionados a superlotação que atinge principalmente as prisões brasileiras. Entretanto, tal situação é possível de se remediar, acentuando-se a exemplo os presídios holandeses com baixíssima lotação como ressalta Rudnicki (2016). O autorutilizacomo exemplo de boas práticas, a Penitenciária Feminina Madre Pelletier no Estado do Rio Grande do Sul, que através de ações conjuntas entre diferentes agentes de transformação social, busca solucionar a superlotação do presídio, a partir da situação de convívio entre as apenadas.
Mesmo com penitenciárias com exemplos exitosos, a problemática do superencarceramento ainda está longe de ser uma realidade para todo o país. A seguir, refletimos de forma específica sobre a realidade das mulheres no sistema prisional e as ações sociais por meio das políticas públicas.
Dados do World Prision Brief (WPB, 2017), mostram que o sistema prisional feminino em 2017, registrava mundialmente mais de 700 mil mulheres e meninas em regime fechado, semiaberto, preventivo. Os Estados Unidos lideram esse rank com um total de 211. 810 presas, em seguida, estão a China com 107 mil mulheres encarceradas, até a última atualização da lista mundial de prisioneiras mulheres1. Em terceiro a Rússia com 48.478, e Brasil com cerca de 44.700 mulheres privadas de sua liberdade, principalmente pelo crime de tráfico de drogas (RUEDIGER e SANCHES, 2018).
O crime mais cometido por mulheres encarceradas no mundo é o tráfico de drogas, acompanhado dos crimes de associação ao tráfico, roubo, furto, e em menor proporção homicídio e latrocínio (DEPEN, 2017). Conforme o INFOPEN Mulheres (2017) e International Drug Policy Consortium (IDPC, 2013) no Brasil e na América Latina, 50% das mulheres encarceradas estão na faixa etária de 18 a 29 anos, 62%sãosolteiras, aproximadamente 80% são mães solteiras e cerca de 62% possuemenvolvimento com tráfico de drogas (Gráfico 1).
Na Argentina, Brasil e Costa Rica mais de 60% da população carcerária feminina possui restrição de liberdade por delitos relacionados a drogas (Tabela 1). Como relatado anteriormente, significativa parcela possui baixo nível educacional, vivem em condições de vulnerabilidade social e possuem dependentes (WOLA, 2018).
Sob o contexto apresentado, Boiteux (2016, p.5) afirma “A maioria destas mulheres vêm de estratos sociais mais marginalizados e excluídos socialmente, e não tem os meios financeiros ou o conhecimento jurídico ou de capital para fornecer-se com a defesa jurídica adequada.” Ramos destaca (2010) que quando o parceiro é preso a mulher dificilmente lhe abandona neste período de sua vida, mas quando é o inverso, dificilmente o parceiro mantém a relação de afetividade pela mulher.
As mulheres encarceradas são majoritariamente esquecidas nos sistemas prisionais, e recebem o rigor do sistema de justiça criminal aos processos criminais do tráfico: a dosimetria desproporcional, execução da pena em desacordo com os direitos reconhecidos aos indivíduos privados da liberdade, além da ausência em sua maioria do benefício da visita íntima, distanciamento dos familiares e separação dos filhos (MACHADO, 2016).
Ao mesmo tempo, que se observa o menor quantitativo comparado aos homens, os dados oficiais expõem um crescimento em massa de mulheres encarceradas ao longo das últimas décadas. Santoro e Pereira (2018, p. 90) apontam que “O percentual de mulheres encarceradas é menor comparativamente aos homens, contudo, a reduzida presença numérica das mulheres não pode ser usada como justificativa para a violação de seus direitos.”.
A maior parcela das penitenciarias brasileiras foram criadas e destinadas para a população masculina, moldando-se ao longo das últimas décadas ao aumento exponencial das mulheres encarceradas. Segundo a Pastoral Carcerária (2015), no Brasil há 508 estabelecimentos penitenciários com mulheres encarceradas; desse universo somente 58 são exclusivamente estabelecimentos femininos, e 450 são compartilhadas entre os homens e mulheres.
Segundo o INFOPEN Mulheres do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN, 2017), em 2017 a população prisional feminina atingiu a marca de 38 mil mulheres aprisionadas, correspondendo a um aumento da população feminina de 656,5% em relação a 2000, quando registrava-se aproximadamente 6 mil mulheres apenadas (Gráfico 02).
Com base na revisão bibliográfica realizada, foram produzidos quadros síntese- analíticos, relacionados ao contexto de mulheres presas no sistema brasileiro e internacional. O Quadro 01 a seguir, relaciona a ordem, título e autor, recorte espacial do estudo, metodologia e resultados e conclusões obtidas dos trabalhos analisados.
Entre as principais metodologias (Gráfico 03) utilizadas para compreender a temática das mulheres encarceradas no Brasil, evidenciou-se que há um predomínio das pesquisas de abordagem bibliográfica/documental com 40%, seguidas das pesquisas quantitativa/qualitativas 24%; artigos com abordagem etnográfica com 4%.
Em relação a região brasileira, com o maior número de pesquisas estruturadas na amostra de estudos coletados, destaca-se as regiões sudeste e sul. Verifica-se que 24% das pesquisas selecionadas estão concentrados na região sudeste, principalmente do Estado de Minas Gerais, a região sul com 20% nos Estados do Paraná e Rio Grande do Sul. A região nordeste, apresentou 18% dos estudos analisados, concentrando-se no Rio Grande do Norte e na Bahia. Já as regiões Centro-Oeste e Norte, foram apresentaram menos trabalhos identificados nesta pesquisa. Salientando-se que os estudos foram coletados de maneira aleatória, sem seleção das localidades (Gráfico 4).
Quanto as pesquisas internacionais selecionadas, constatou-se que dos 25 artigos internacionais, 8% dos estudos analisaram o recorte global, 32% concentrou-se nos Estados Unidos da América (EUA). Países como o Brasil, Reino Unido, México, Irlanda, Nova Zelândia, Israel, África Subsaariana e Argentina aparecem com 1 artigo cada (Gráfico 05; Quadro 02).
Entre as principais metodologias utilizadas nos artigos estrangeiros (Gráfico 07), estão as pesquisas desenvolvidas através de entrevistas com cerca de 32% dos artigos; seguidos de artigos com metodologia documental/bibliográfica com 24%; Estudos de casos, etnográficos e de análise histórica representam 4% do universo amostral.
Os estudos apontam propostas necessárias para melhorias e ressocialização das apenadas nos sistemas prisionais femininos tanto no Brasil quanto em outros países (Quadro 3):
A partir deste estudo desenvolvido, foi possível verificar que:
- Predomínio de metodologias qualitativa/documental no Brasil, com abordagens alicerçadas por entrevistas, com mais de 40% das abordagens bibliográfica/documental;
- A partir da análise dos estudos brasileiros coletados, observou-se que as regiões Sudeste e Sul apresentaram maior quantitativo entre os trabalhos selecionados com 24% e 20%, respectivamente. A região nordeste apresentou 18% dos estudos analisados, com maior concentra no Rio Grande do Norte e na Bahia, enquanto nas regiões Centro-Oeste e Norte, foram as que tiveram as menores distribuições de trabalhos identificados.
- O resultado dos artigos apresentou a necessidade de implementação de políticas públicas que possibilitem alcançar a equidade de homens e mulheres nos sistemas prisionais;
- Observa-se que a temática das mulheres encarceradas ainda sofre certa invisibilidade por parte de diversos setores da sociedade e da Academia, principalmente na observância de abordagens recentes que abordem enfoques Geográficos e da Criminologia Feminista;
- A maioria das mulheres nos sistemas prisionais é punida duplamente pelo delito cometido: tanto pelo sistema prisional, quanto pela sociedade. E que para amenizar esse contexto, reafirmando a necessidade da ressocialização, e de romper barreiras da desigualdade e estigmas;
- Outro aspecto ressaltado, é que em geral a mulher entra no crime por influência do parceiro íntimo, relacionados ao tráfico de drogas;
Por fim, salienta-se a necessidade do desenvolvimento de mais pesquisas com a finalidade de desenvolver metodologias e estudo, capazes de subsidiar o desenvolvimento de políticas públicas, mas aproximadas com a realidade das mulheres encarceradas.