Resumo: O objetivo deste texto é delimitar a relação entre educação e política na obra de John Locke, considerando as atribuições que o magistrado exerce. Nesse sentido, detalhar qual a função que o magistrado tem na manutenção dos direitos individuais e quais são as atribuições do poder legislativo e do poder executivo, torna-se necessário. Para tal intuito, iremos expor inicialmente a teoria lockeana da divisão dos poderes; em seguida, demonstraremos que o magistrado deve ser um indivíduo que elabora e execute as leis imparcialmente; e, por fim, relacionar esta argumentação com seus escritos sobre educação. Por ser resultado de uma pesquisa qualitativa e de cunho filosófico empregamos a hermenêutica como metodologia. Consequentemente, o procedimento metodológico adotado foi a análise de texto.
Palavras-chave:EducaçãoEducação,GentlemanGentleman,LockeLocke,PolíticaPolítica.
Abstract: The objective this text is to delimit the relationship between education and politics in the John Locke’s writing, regard the assignments that the magistrate wields. Detailing what the function that the magistrate has the upkeep of individual rights and what are the obligations of the legislative and executive powers, it becomes necessary. To this end, we will expose initially theory of division of powers; then we demonstrate that the magistrate must be an individual which prepares and executes the law impartially; and, finally, to relate this arguing with his writings on education. As a result of a qualitative research and philosophical we use hermeneutics as methodology. Consequently, the methodological procedure adopted was the analysis of text.
Keywords: Education, Gentlema., Locke, Politics.
Artigos
Locke e a educação do magistrado
Locke and the education of magistrate
Recepção: 12 Setembro 2011
Aprovação: 05 Dezembro 2011
As controvérsias que orientam as interpretações sobre Locke encontram em seus textos políticos forte sustentáculo. Entretanto, o ponto de partida é a constituição da sociedade política, oriunda do estado de natureza. Disso resulta que a sociedade política é composta por um poder soberano, que deve instituir leis positivas visando à manutenção dos direitos naturais de cada um de seus membros, e é “aí que encontramos o direito original e a origem dos poderes legislativos e executivo, bem como dos governos e das sociedades mesmos.” (LOCKE, 2001, p.497). Nesse sentido, Gough faz um importante registro:
O poder do povo, em seu sistema, é exercido quando da criação do estado, mas depois disso ele permanece dormente a não ser que uma revolução se torne necessária [...] mas seu conceito de administração serviu para reforçar a noção de que os governos não são organismos de poder arbitrários e irresponsáveis, mas têm a responsabilidade de promover o bem-estar público. (GOUGH, 1980, p.201).
Ora, percebemos em Locke que os membros que instituem a sociedade política2. tem mais poder do que os poderes a ser instituídos, como também, tem mais que os homens que exercerão funções políticas3.. Isso fica evidenciado quando há a violação por parte do magistrado ou quando o poder legislativo e/ou executivo desvia-se das funções que lhes foram atribuídas pelo contrato social. Existe uma terceira forma de dissolução da sociedade política que é quando uma nação estrangeira invade e ocupa, submetendo o Estado invadido a sua vontade.
Mas o que nos interessa é compreender a divisão dos poderes e a função que o magistrado deve exercer no usufruto de suas funções políticas. Assim, o poder instituído deve ter três prerrogativas: 1) existir uma lei estável; 2) ter um juiz comum para todos e que seja imparcial; 3) haver um poder que execute as decisões. Nesse sentido, Locke propõe o estabelecimento de dois poderes4., a saber: o legislativo e o executivo5.. Existe um terceiro poder que é o federativo, mas esse está vinculado diretamente ao executivo.
Goyard-Fabre institui um quarto6. poder, denominado por ela de poder constituinte. Esta sustenta que tal poder antecede a origem de uma corte constitucional e é designado pelo consentimento popular e a confiança da autoridade civil, ou seja, o poder constituinte é mais político que jurídico. Desse modo, “o poder constituinte, que é a condição da existência das sociedades civis [...] exprime a racionalidade da lei superior que age em relação às outras criaturas.” (Goyard-Fabre, 1986, p.145. tradução nossa). Esta análise, embora salutar, não difere da apresentada acima, ou seja, os poderes institucionalizados são subordinados aos indivíduos que estabelecem, por consentimento, a sociedade política7..
Assim, ao transferir à sociedade civil o direito de preservar os direitos naturais de cada indivíduo, faz-se necessário a institucionalização de tal cessão.
Contudo, embora quando entrem em sociedade os homens entreguem a igualdade, a liberdade e o poder executivo que possuíam no estado de natureza nas mãos da sociedade, para que deles disponha o legislativo segundo o exija o bem da sociedade, contudo, como cada qual o faz apenas com a intenção de melhor conservar a si mesmo, a sua liberdade e propriedade – pois não se pode supor que uma criatura racional mude propositadamente sua condição para pior -, o poder da sociedade ou o legislativo por esta constituído jamais pode supor-se estenda-se para além do bem comum. (LOCKE, 2001, p.499).
Para Locke, o poder legislativo tem supremacia em relação ao executivo, sendo o depositário do poder supremo. Consequentemente, o legislativo é inalterável nas mãos de quem a comunidade o tenha delegado, fazendo com que cada membro da sociedade civil seja subordinado a obedecer ao que é decidido pelos legisladores, desde que não desrespeite o contrato estabelecido na passagem do estado de natureza à sociedade política. Porém, o legislativo é limitado da seguinte forma: 1) não pode ser absoluto nem arbitrário sobre a vida das pessoas; 2) a autoridade legislativa não pode governar por meio de decretos arbitrários; 3) não se apropriar de nenhuma parte de propriedade do homem, sem o consentimento deste; 4) é impedido de transferir o poder de elaborar leis para outras mãos. Nas Cartas sobre a tolerância, Locke afirma que o poder legislativo deve garantir a segurança das posses das pessoas, preservar a paz entre os membros da sociedade política e não estender suas atribuições à salvação das almas.
Goyard-Fabre observa que as atribuições e os limites do poder legislativo devem estar de acordo com uma teleologia da lei de natureza, já que o mesmo poder político implica um devir, do mesmo jeito que as leis positivas refletem uma lei de natureza, constituindo uma aliança entre moral e política. Esta relação nos interessa porque em sendo a moral consequência direta da ação de cada indivíduo no meio em que vive, podemos promover uma estreita relação com a educação deste sujeito e que exerça as funções que lhes fora delegada pela sociedade política no exercício de suas funções políticas. Entendemos que o filósofo inglês legitima os membros da sociedade política como os depositários das decisões políticas, mesmo que para isso, ele transfira este poder a um corpo político-institucional apto e que represente os interesses dos integrantes de determinada sociedade civil.
No que se refere ao poder executivo, o filósofo inglês é bastante objetivo. Justifica a existência de tal poder afirmando que, após a criação das leis, é necessária a existência de um corpo político que tenha como função, dar assistência e fazer valer cumprir as leis promulgadas, de forma permanente, sendo um poder executor das decisões tomadas no legislativo. Ao ser instituído o poder executivo8. tem a atribuição de convocar, temporariamente, o poder legislativo, para que este possa estabelecer novas regras, caso elas não existam.
Há o poder federativo9., embora seja distinto do executivo, encontra-se unido a este. A função do federativo é “a gestão da segurança e do interesse do público externo, com todos aqueles de que ela pode receber benefícios ou injúrias” (LOCKE, 2001, p.516). No entanto, ele observa que tal poder tem dificuldades de ser regido por leis existentes, pela natureza dinâmica variada que as relações internacionais impõem aos seus mandatários. Desse modo, magistrado que exerce tal função deve ser um indivíduo prudente e sábio, governando suas ações políticas em favor do bem público, necessitando assim, a preocupação com a educação dos futuros ocupantes de tal ofício.
Desta feita, os poderes instituídos tornam-se cúmplices, sendo o mandatário supremo os indivíduos que constituíram a sociedade política. Gough (1980, p.197) chega a afirmar que há uma harmonia entre os poderes, porém nos parece ser um exagero já que a relação entre as três instituições pressupõe a supremacia do legislativo sobre o executivo e federativo, e mais, do mesmo modo que no estado de natureza houve a transgressão da lei de natureza, com o estabelecimento do contrato social, existe também a possibilidade de violação das funções por parte dos magistrados, já que não há a garantia moral e inata de que todos os membros de uma determinada commonwealth ajam guiados pela razão. Esse risco, Locke denomina de usurpação e/ou tirania.
Assim, como a usurpação é o exercício de um poder a que o outro tem direito, a tirania é o exercício do poder além do direito, a que ninguém pode ter direito. Consiste ela em fazer uso do poder que alguém tenha nas mãos não para o bem daqueles que estiverem submetidos a esse poder, mas para sua vantagem própria, distinta e privada. (LOCKE, 2001, p.560).
Independentemente da forma de governo, o abuso de poder por parte do magistrado representa a violação moral da lei de natureza e sua extensão jurídica, com a constituição das leis positivas. Do mesmo modo, a tirania e a usurpação extrapolam os limites impostos pelo contrato celebrado pela sociedade política, ameaçando os direitos naturais de cada indivíduo que, por consentimento, transferiram a preservação de tais direitos ao corpo político institucionalizado e legítimo.
Nesse caso, os homens se veem em estado de guerra, não por violação da lei de natureza, mas sim pela infração do explícito acordo firmado entre eles. Nesse sentido, os indivíduos têm o direito de: 1) destituir de suas funções o magistrado infrator da lei civil, ou; 2) estabelecer a resistência10 civil. Tais soluções acontecem quando a transgressão do magistrado atinge poucos membros da sociedade política e/ou a quantidade de transgressores é diminuta.
Porém, quando a tirania e/ou a usurpação é promovida pela maioria dos magistrados ou atinge o direito da maior parte dos indivíduos, Locke propõe uma única solução, a saber, a dissolução11 do governo. É bom ressalvar que esta dissolução não representa a extinção da sociedade política, mas somente do corpo político e jurídico instituído para resguardar os direitos naturais de cada membro da sociedade. Por conseguinte, em que situações podem ocorrer à dissolução do poder legislativo?
Sempre que o legislativo transgrida essa regra fundamental da sociedade e, seja por ambição, seja por medo, insanidade ou corrupção12, busque tomar para si ou colocar nas mãos de qualquer outro poder absoluto sobre a vida, as liberdades e as propriedades do povo, por uma tal transgressão ao encargo confiado ele perde o direito ao poder que o povo lhe depôs em mãos para fins totalmente opostos, revertendo este ao povo, que tem o direito de resgatar sua liberdade original e, pelo estabelecimento de um novo legislativo (tal como julgar adequado), de prover à própria segurança e garantia, que é o fim pelo qual vive em sociedade. (LOCKE, 2001, p.580).
Igualmente esta dissolução significa a mudança, por completo, do legislativo, já que este é o poder que representa a supremacia política de cada ser humano. Há também outro caso em que pode ocorrer a dissolução do governo que é quando aquele que detém o poder executivo abandona seu cargo. Nessa situação, Locke compara o governo a uma anarquia, o que justifica sua dissolução.
Em qualquer uma dessas situações, tanto na dissolução do poder legislativo ou do executivo, os membros que compõem a sociedade política podem instituir novos governantes, já que detém em suas mãos, o poder supremo. No entanto, esta supremacia da sociedade política deve ser fundada no direito natural e descoberta pela razão, tendo como pressuposto o uso que cada indivíduo tem da sua liberdade para cultivar as próprias faculdades racionais. É o poder das pessoas que estabelece a nova forma de representação13 política.
No que se refere à relação entre política e religião, Locke advoga que o magistrado não deve interferir em assuntos religiosos, como também não está na responsabilidade da autoridade eclesiástica legislar sobre a vida civil, já que “quem mistura o céu e a terra, coisas tão remotas e opostas, confunde essas duas sociedades, as quais em sua origem, objetivo e substancialmente são por completo diversas.” (LOCKE, 1973, p.10).
Desse modo, a tolerância não se limita ao respeito e ao convívio das diversas formas de cultuar Deus, através das distintas Igrejas, mas como o magistrado vai agir no usufruto de seus poderes em relação à vida religiosa, já que afirmamos que sua função é legislar sobre assuntos da vida civil. O magistrado deve tomar cuidado para não se aproveitar do cargo que ocupa para impor alguma crença religiosa, limitando a liberdade individual de escolher sua própria religião, já que o esperado pela sociedade é garantir os direitos naturais de cada membro que compõe a sociedade política.
Como percebemos, entre a teoria política lockeana e a prática há a possibilidade de ocorrer diversas situações, todas elas, no entanto, condicionadas ao correto uso ou não do poder concedido pelos indivíduos ao magistrado. Nesse sentido, Polin (1984, p.80) identifica que embora o homem real seja inteligente, é ao mesmo tempo imperfeito e limitado, e que esta passagem da teoria política para a realidade política é bem mais complexa. Este comentador percebe também que a agitação corruptora das paixões deforma o gosto dos homens, refletindo na moral dos indivíduos. E o mais agravante, a grande parte da humanidade, não tem tempo, nem educação, o que a torna incapaz de se elevarem a uma moral verdadeiramente completa, embora o filósofo inglês admita que a formação do gentleman não represente em uma educação para todos, mas sim, àqueles filhos14 da ascendente e revolucionária burguesia inglesa.
Ora, feitas estas considerações, observamos que o magistrado é um ser que precisa ter uma educação que proporcione a ele as habilidades necessárias para exercer imparcialmente suas atribuições, até porque é ele quem vai governar os interesses compactuados no contrato social, institucionalizado no Estado. Portanto:
A teoria da representação tem que estabelecer os representantes da representação. Quais pessoas estão qualificadas para agir como representantes? De que maneira uma pessoa pode efetivamente representar outras? Locke não oferece algo específico e estendeu esta discussão a outras. Alguém pode somente tentar juntar as peças e chegar a uma conclusão. (PARRI, 1992, p.408, tradução nossa).
Desta feira, analisar a formação do magistrado torna-se condição sine qua non para o desenvolvimento das pesquisas que vislumbra a compreensão da teoria política e filosófica de Locke, e imbuído deste desafio é que refletiremos a seguir sobre qual a relevância da educação da criança e como educá-la, particularmente aquela que será preparada para gerir, futuramente, funções governamentais.
Com a publicação do livro Alguns pensamentos sobre educação, Locke descreve detalhado projeto de formação para as crianças, denominada por ele de gentleman.15 O filósofo enfatiza que o caráter de uma pessoa se molda a partir do cultivo de bons hábitos, desde a infância. É bom remetermos esta perspectiva ao conceito de “tabula rasa”, expressa nos Ensaios sobre o entendimento humano, ou seja, se uma criança desde cedo é habituada a aprender bons hábitos, a sua mente só será “preenchida” com bons hábitos. Assim, a diferença existente entre os homens está condicionada a educação que recebem. A proposta educacional lockeana considerará mais o aspecto espiritual que o corporal, pois dessa forma, ele compreende que formará homens capazes de exercer a liberdade e suspender os desejos, deliberando em função do correto uso da razão.
O que todo o cavalheiro que cuida da educação de seu filho deseja para ele, além da riqueza que venha a deixar, reduz-se a estas quatro questões: a virtude, a prudência, as boas maneiras e a instrução. Pouco me importa que algumas destas palavras sejam utilizadas para expressar a mesma coisa, porém o que cada uma delas significa tem realmente características distintas. (LOCKE, 1996, p.102. tradução nossa).
Deste modo, a virtude é o primeiro e o mais importante de todos os valores, sendo o principal tópico em sua obra educacional, porque ela é a qualidade humana mais necessária para a formação do caráter moral na criança, conduzindo-a para uma instrução que a guie para a vida virtuosa, tão necessária para garantir-lhe a estima e o afeto dos demais homens. Porém, Locke descarta que a virtude seja inata, já que uma ação virtuosa esta condicionada pela aprovação dos demais integrantes de uma determinada sociedade política.
Além da virtude existe a necessidade de transmitir para a criança outras qualidades relacionadas a ela, como a prudência, as boas maneiras e a instrução. A prudência é indispensável para orientar o homem nos assuntos que não há uma certeza, somente probabilidades. O filósofo inglês compreende que a condução das questões políticas, com habilidade e previsão, torna um governante respeitado internamente e externamente. Esse respeito fortalece a manutenção da paz, propiciando uma relação pacífica e respeitosa entre os homens. Para isso, acostumar à criança a ser franca e sincera, submetendo-a a agir pela razão e a refletir sobre suas próprias ações, ensinando-a, através do hábito é o caminho mais seguro para torná-la prudente.
Outra habilidade que a educação deve ensinar para a criança são as boas maneiras. O filósofo inglês percebe que as boas maneiras são fundamentais para a conduta do gentleman, embora seja de difícil materialização, porque a sociedade não é composta majoritariamente por pessoas bem educadas. Para solucionar este problema, Locke sugere uma educação domiciliar, restringindo assim o contanto da criança com a sociedade, entretanto, isso não significa seu isolamento. Ele propõe a realização de contatos esporádicos do infante com outras pessoas e/ou que o preceptor procure na sociedade, homens que tenham bons modos.
Mas é com a instrução do gentleman que se estimula o desenvolvimento da razão e da liberdade. O currículo educacional deve ter uma utilidade prática e cada estudo deve encontrar justificativa na contribuição que é dada para a vida. Esta instrução preocupar-se-á com o conhecimento moral e político e, desse modo, deve compreender o alcance das qualidades que lhes sejam úteis na vida, não preenchendo a mente da criança com uma quantidade de coisas desnecessárias, a exemplo do trivium.
Delineados estas questões, Locke expõe o método que ele julga eficaz para a materialização de sua proposta educacional. Considerando a sua teoria do conhecimento, o processo educativo deve ser iniciado desde cedo, na criança, com o objetivo de disciplinar o corpo e o espírito para o autocontrole, pois o caráter se molda segundo Locke, pelo cultivo de bons hábitos desde a infância. Porém, o filósofo adverte que “basta poucas regras para uma criança com pouca idade, mas à medida que ela cresça e quando o hábito tenha estabelecido solidamente uma lei, podereis agregar outras regras”. (LOCKE, 1996, p.40. tradução nossa).
A formação de bons hábitos na criança, através da prática constante é o procedimento mais apropriado para ensinar ao gentleman, empregando para isso, o exercício de exemplos das coisas que o preceptor queira instruir ou evitar. Com esse propósito, Locke afirma que:
Este método de ensinar as crianças mediante a prática constante, e a repetição do mesmo exercício, sob a conduta do preceptor, irá constituir o hábito para fazer o bem, e não mediante regras presumidas na memória [...]. Por este método comprovaremos se o que exige da criança está ao seu alcance e está adaptada a sua característica natural, porque o preceptor deve ter isto bem nítido para educá-la corretamente. (LOCKE, 1996, p.40, tradução nossa).
A importância e a finalidade do método educacional proposto pelo filósofo inglês fica mais nítido, necessitando que o preceptor considere também o perfil da criança para, a partir daí, empregar o melhor caminho para a sua instrução, consequentemente, o preceptor deve perceber a particularidade de cada infante para, a partir daí, aplica o melhor método de ensino.
A prática de bons hábitos na criança tem o poder de fazer um ato que foi adquirido pela repetição, em algo freqüente na ação do gentleman. Para formar o caráter moral, particularmente no que diz respeito ao autocontrole, o aspecto disciplinar torna-se imprescindível para a concretização dos hábitos na criança. Esta disciplina é concebida nos cuidados que se deve ter com a saúde física do infante.
Depois de tomar as devidas precauções para conservar o corpo forte e vigoroso, para que possa obedecer e executar as ordens do espírito, a próxima tarefa é a de manter honrado o espírito para que esteja sempre disposto a não consentir nada que não se adéqüe com a dignidade e excelência de uma criatura racional. (LOKCE, 1996, p.25, tradução nossa).
O princípio ou fundamento de toda pessoa, reside em recusar a satisfação de seus desejos pessoais, agindo somente com base na sua razão. Desse modo, o que é contraído pelo hábito quando é criança, será obtido, quando adulto, pela própria razão. Para Locke, o princípio de toda virtude e de toda excelência moral consiste no poder de recusar a satisfação de nossos próprios desejos, quando a razão não autorize.
Por isso, a formação de bons hábitos na criança deve estimular o desenvolvimento da razão e da liberdade, explorando a potencialidade que o gentleman tem para a racionalidade e liberdade, tarefa cujo êxito é condicionado pela formação de hábitos que torne mecânica a prática das boas ações. Além disso, a disciplina torna-se fundamental na educação, conduzindo-o ao emprego correto da razão. Para Locke, a razão é a chave para a verdade e o conhecimento, como também o guia para a ação.
Com a razão formatada pela disciplina educacional, o gentleman se constituirá num indivíduo que irá agir para o usufruto de suas propriedades naturais, a saber, a vida, a liberdade e os bens materiais, e que com o consentimento dos homens ao constituírem a sociedade política, está mesma razão será o balizador da prática política de cada pessoa, tornando-se decisiva para a vida em sociedade, não prejudicando os demais membros no gozo de seus direitos naturais.
Diante do exposto, entendemos que para a materialização do pensamento político de John Locke, faz-se necessário que o magistrado seja um indivíduo que aja e constitua leis imparcialmente. Dessa forma, a educação que ele recebera quando criança deve instituí-lo nesse sentido, ou seja, o currículo, o método e os valores apreendidos devem contribuir para a formação desse magistrado.
É através desta relação que a educação das futuras gerações se associa ao projeto político defendido pelo filósofo inglês, possibilitando a seleção de conteúdos, por parte do preceptor, para tal fim. O fundamento epistemológico desta relação é a teoria lockeana da “tabula rasa” exposta pelo filósofo nos Ensaios sobre o entendimento humano, quando afirma que o conhecimento é oriundo inicialmente da experiência e num segundo momento, através do uso do entendimento, quando este associa duas ideias simples, constituindo uma nova.
Por fim, ao formar o gentleman, Locke procura estabelecer bases sólidas para seu projeto político, já que uma nova geração de magistrados estão sendo formados para exercer funções públicas, com base nos ideais defendidos pela burguesia inglesa na Revolução Gloriosa, a saber: a tolerância religiosa, a preservação da propriedade, a manutenção da vida e a garantia da liberdade e da paz entre os indivíduos.