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Imagens científicas na semiótica e fotografias de Star Wars
Natália Cipolaro Guirado
Natália Cipolaro Guirado
Imagens científicas na semiótica e fotografias de Star Wars
Scientific images in semiotics and photographs of Star Wars
Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 11, núm. 2, pp. 290-303, 2018
Universidade Federal de Minas Gerais
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Resumo: Neste trabalho faremos uma apresentação e revisão bibliográfica do percurso histórico da semiótica francesa, que possibilita abordagem da imagem científica. Ilustraremos com uma breve análise de imagens científicas apresentadas em dois filmes da franquia Star Wars: a primeira, fotografia de Star Wars Episódio I: A Ameaça Fantasma (1999), e a segunda, de Star Wars Episódio III: A Vingança dos Sith (2005), ambos dirigidos por George Lucas. Para isso, utilizaremos ferramentas do arcabouço teórico proposto pelos semioticistas Jean-François Bordron (2013), Jacques Fontanille (2007) e Maria Giulia Dondero (2010a). Procuramos analisar o universo visual dos filmes de Star Wars, já que as narrativas ocorrem em uma galáxia fictícia e diversas viagens pelo espaço sideral são constantemente apresentadas. Assim, abordaremos a vulgarização a ser feita de determinadas imagens científicas para o público-alvo, a fim de que possam ser compreendidas.

Palavras-chave:CinemaCinema,FotografiaFotografia,SemióticaSemiótica,Star WarsStar Wars.

Abstract: In this work we will present a bibliographical review and presentation of the historical of the French semiotics that allows to approach the scientific image. We will illustrate with a brief analysis of scientific images presented in two Star Wars franchise films: the first photograph of Star Wars Episode I: The Phantom Menace (1999) and the second of Star Wars Episode III: Revenge of the Sith (2005), both directed by George Lucas. To that end, we will use tools from the theoretical framework proposed by the Semioticists Jean-François Bordron (2009), Jacques Fontanille (2007) and Maria Giulia Dondero (2010a). We will try to analyze the visual universe of the Star Wars films, since the narratives occur in a fictitious galaxy and several sideways space travels are constantly presented, thus, we will approach the vulgarization to be made of certain scientific images for the target audience so that they can be understood.

Keywords: Cinema, Photography, Semiotics, Star Wars.

Carátula del artículo

Semiótica e Tecnologia

Imagens científicas na semiótica e fotografias de Star Wars

Scientific images in semiotics and photographs of Star Wars

Natália Cipolaro Guirado
Universidade de São Paulo, Brasil
Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 11, núm. 2, pp. 290-303, 2018
Universidade Federal de Minas Gerais

Recepción: 04 Mayo 2017

Aprobación: 04 Mayo 2018

1 Semiótica visual e seus princípios

Neste artigo temos a intenção de apresentar uma revisão bibliográfica do percurso histórico da semiótica francesa de estudo e análise do visual, que possibilita que se trate de imagem científica. Apresentaremos os pensamentos de alguns autores e ilustraremos nossos apontamentos analisando duas imagens de filmes da saga Star Wars.

Os estudos de semiótica visual derivados da teoria greimasiana desenvolvem metodologias de análise e descrição dos sistemas de significação visuais, tendo em vista que os objetos plásticos são considerados significantes. Nessa linha de pesquisa é dada ênfase maior aos elementos do plano da expressão e sua importância na construção dos objetos de análise. Então, há o objetivo de descrever de modo geral como se dá a geração de sentido em textos verbovisuais, pictóricos, fotográficos e audiovisuais, por exemplo, a fim de abarcar com os seus modelos operatórios a análise de objetos complexos. Essa abordagem teórica dedica-se à descrição do plano da expressão, de modo a preservar sua coerência com aquela voltada ao plano do conteúdo de seus objetos de análise. Tal estratégia é acionada pelo fato de haver mais do que apenas a colaboração parcial, mas de ser atribuída grande importância ao plano da expressão no processo de construção do sentido, e pela relevância de suas relações com o plano do conteúdo na significação. Dessa maneira, a semiótica visual considera os objetos semissimbólicos com suas especificidades por meio da junção e “homologação” de elementos do plano do conteúdo e do plano da expressão.

As semióticas visuais, como a fotografia e a pintura, são alguns dos modos de realização dos sistemas semissimbólicos, aqueles que se definem pela homologação entre as categorias do plano da expressão e do plano do conteúdo, os dois planos da linguagem presentes na construção da significação.

Com a proposta de uma análise semissimbólica, coloca-se que a organização da significação não ocorre simplesmente com a disposição de unidades isoladas, mas por meio da relação estabelecida entre as categorias dos dois planos, que se caracterizam como homologáveis entre si. Portanto, são elaboradas análises do plano da expressão das manifestações visuais, de sua dimensão significante, e são exploradas as estruturas da lógica do sensível para que se possa descrever a articulação desse plano nos textos.

Em seu ensaio “Semiótica figurativa e semiótica plástica”, de Semiótica plástica, Greimas (OLIVEIRA, 2004, p. 91) apontou os formantes figurativos como indicadores de orientação do texto plástico:

Ao falar do dispositivo topológico que desencadeia como consequência o ato de enunciação plástica, fomos levados a conferir-lhe, ao lado de sua função de segmentação, o papel de orientação da leitura: com efeito, os diferentes eixos que esse ato projeta sobre a superfície enquadrada podem ser considerados como outros tantos convites a reunir as figuras aí constituídas em conjuntos significativos.

Para que seja possível compreender as condições topológicas de leitura dos objetos plásticos por meio do “fechamento do objeto” instaurado pelo artista, Greimas explica que uma obra de suporte planar terá em suas categorias topológicas o “contrato” pressuposto entre o enunciador-produtor e o enunciatário-leitor da significação do objeto plástico. Assim, a capacidade por parte do enunciatário-leitor de exercer a função de segmentação da obra no momento de sua fruição se deveria especialmente ao auxílio dado pelo dispositivo topológico com sua função de orientar a leitura do objeto artístico para sua análise e apreensão.

Há uma tendência nos estudos semióticos de ampliar a teoria por meio de um repertório analítico de corpus das artes plásticas, da fotografia, do audiovisual e até mesmo de imagens científicas, sistemas de significação semissimbólicos e sincréticos. Com isso, procura-se elaborar análises nas quais o plano da expressão está relacionado ao conteúdo de modo relevante, contribuindo de maneira singular com a construção da significação.

Um dos principais fundadores da semiótica visual, Jean-Marie Floch procurou fazer com que o conceito de “texto sincrético” se tornasse mais preciso, de modo a relacioná-lo intrinsecamente com o fenômeno do sincretismo, no qual há um todo de significação manifestado por diferentes substâncias da expressão. Abordaremos parte de seu percurso investigativo com o intento de perseguir os desenvolvimentos dados à semiótica visual e às semióticas sincréticas.

Encontramos na revista Le Bulletin um de seus primeiros textos sobre semiótica visual, “Quelques positions pour une sémiotique visuelle”, no qual Floch (1978, p. 01-16) diz que essa teoria se coloca como uma semiótica do texto a construir. Não será ela concebida como mera concatenação de enunciados, mas como globalidade primeira que se articula e se decompõe em unidades. Toda análise semiótica postularia um sistema a construir, não uma gramática particular a cada texto ou objeto visual. Floch propõe-se a pesquisar o sistema global que estrutura a significação dos objetos visuais, e, em seus trabalhos, analisa textos não-verbais no nível do enunciado.

Pode-se reparar que, desde o início, o autor rejeitava a ideia de que no sincretismo ocorreria apenas a junção de alguns enunciados, como uma união sem propósito. Afirma que, se analisado como processo global passível de se decompor em unidades menores e significantes, o sincretismo poderia ser concebido como processo significante global. Logo, as unidades visuais dos objetos de análise poderiam ser as linhas, as superfícies ou as cores, que teriam determinados “efeitos de sentido” conforme seu arranjo sincrético.

Observamos outros desenvolvimentos na revista Le Bulletin, edição coordenada por Floch (1983, p. 03-08), com o texto “Stratégies de communication syncrétique et procedures de syncrétisation”. O semioticista defende que o filme é um objeto sincrético e explica que as semióticas sincréticas se caracterizam por lançar mão de múltiplas linguagens de manifestação, constituem seu plano da expressão com elementos pertencentes a diversas semióticas heterogêneas. Nesse texto, é enfatizada a necessidade de compreender as regras de distribuição do sincretismo em diversas linguagens, suas funções e os estatutos que a elas são atribuídos. Além disso, é indicado o problema causado pela ausência de uma metalinguagem semiótica descritiva para os textos sincréticos e o consequente uso da linguagem técnica de diretores e produtores de cinema para os estudos da narrativa fílmica.

Evoluindo suas pesquisas em seu Petites mythologies de l’oeil et de l’esprit: pour une sémiotique plastique (1985), Floch propõe um modelo semissimbólico de análise da semiótica visual. Exemplifica-o com aplicações em diversos objetos, como fotografias, pinturas, histórias em quadrinhos, construções arquitetônicas e anúncios publicitários, além de tecer considerações sobre as propostas de Roland Barthes a respeito da análise das imagens. É colocado, assim, que em um objeto visual os formantes figurativos referem-se às figuras do mundo natural, pois a partir delas podemos observar os temas subjacentes no plano do conteúdo.

De outro modo, os formantes plásticos estariam relacionados às estratégias de percepção do sensível no plano da expressão e instaurariam uma sintagmática textual da expressão; são formantes que construiriam o plano da expressão visual. As figuras do conteúdo referem-se, portanto, ao mundo natural, enquanto que as figuras de expressão são categorias que apontam correspondências com o percurso figurativo do conteúdo e homologam-se a ele; não haveria, então, um mesmo conteúdo para vários planos de expressão.

No capítulo “Un Nid Confortable, de Benjamin Rabier”, Floch (1985, p. 79-98) argumenta novamente a respeito da conformidade que se deve estabelecer entre as categorias da expressão e do conteúdo na análise semissimbólica. Consequentemente, a semiótica plástica seria um dos modos de análise da realização de sistemas semissimbólicos quando se estabelece uma relação entre a figuratividade de um texto ou de uma imagem com o conteúdo a ser manifestado. O teórico esclarece que o conceito do sincretismo diz respeito à manifestação de um objeto por muitas linguagens ao mesmo tempo e o exemplifica com a análise de histórias em quadrinhos, uma composição de textos articulados com imagens. Dessa maneira, afirma que o objetivo de seus estudos é analisar o código semissimbólico e sua importância na manipulação do leitor para os efeitos de significação.

Observamos que, segundo a evolução de suas pesquisas, o semioticista francês (FLOCH, 1985, p. 206-207) propõe que os sistemas de significação da linguagem podem ser distribuídos da seguinte maneira: (i) sistemas simbólicos, nos quais a relação entre os planos da expressão e do conteúdo ocorrem termo a termo, em que há conformidade total entre os dois planos; (ii) sistemas semióticos que se definem pela não-conformidade entre os planos do conteúdo e da expressão, e (iii) sistemas semissimbólicos, que se constroem com a conformidade entre categorias do plano do conteúdo e categorias do plano da expressão que podem ser sistematizadas.

Os objetos plásticos, aqueles dos quais podemos depreender sistemas semissimbólicos de significação, são selecionados para se analisar e se descrever com minúcia a partir da homologação ocorrida entre os planos do conteúdo e da expressão. Floch observa ainda que é possível estudar os procedimentos pelos quais os espectadores são manipulados no cinema por meio das estratégias utilizadas pelo cineasta. Poderíamos constatar a fruição proporcionada pela compreensão do filme por parte do espectador, pois o “método” de significação seria derivado de um código semissimbólico da dimensão figurativa da narrativa.

2 A imagem científica na semiótica

A semiótica da imagem científica procura investigar a relação entre a imagem e as suas técnicas de produção para abordar o estatuto da referência científica. Os pesquisadores que abordam tal tipo de imagem por meio da teoria semiótica concentram-se na Itália, no Brasil, na França e na Bélgica. Como aponta Maria Giulia Dondero (2010a), a semiótica da Escola de Paris não priorizou por muito tempo a análise da enunciação, preferindo analisar os enunciados, o que também se relaciona ao fato de que Greimas, a partir da estruturação do percurso gerativo do sentido, priorizou o estudo do plano do conteúdo, o que teria protelado o estudo do percurso gerativo da expressão. Contudo, Dondero (2010a) coloca que os trabalhos de Jean-François Bordron apresentaram propostas de análise do percurso gerativo da expressão tempos depois, como uma “fenomenologia da instância do plano da expressão”.

Os gêneros visuais artísticos e científicos utilizam-se de operações retóricas comuns, tais como o enquadramento, a adição/subtração e a divisão. Deste modo, na análise semiótica de imagens científicas investiga-se o funcionamento dessas operações retóricas nos diferentes gêneros e estatutos por meio da análise enunciativa (enunciação enunciada) e mereológica (todo/parte) de corpus de astrofísica e de biologia molecular.

O questionamento sobre o que são as imagens e o que elas podem significar são sempre pertinentes aos estudos semióticos. Sabe-se que, salvo algumas raras exceções (Harkot-de-La-Taille, Mancini, Pietroforte, Portela, Teixeira), a semiótica visual é pouco estudada no Brasil.

Há pouco mais de dez anos, pesquisadores dedicam-se a estudar a relação entre enunciação no discurso verbal e enunciação no discurso visual (BASSO FOSSALI & DONDERO, 2011; DONDERO & FONTANILLE 2012; BADIR & DONDERO, 2016). Tais autores analisam imagens extraídas da literatura da astrofísica (especialmente da cosmologia), assim como das ciências biológicas (especialmente sobre o sistema imunológico) com o intuito de tratar dos diferentes gêneros discursivos de vulgarização, como as revistas de vulgarização generalista, as obras de vulgarização especialista e os manuais geralmente destinados a estudantes universitários.

A semiótica visual tem tradicionalmente analisado obras de arte e imagens publicitárias; assim, pesquisadores belgas, franceses, italianos e brasileiros, por meio de vários projetos de pesquisa internacionais (ANR, WBI-CAPES, Tournesol, ARC Common), deram início ao estudo das imagens no âmbito do discurso científico e têm publicado um número de obras coletivas e individuais (ver bibliografia).

Os primeiros semioticistas que dedicaram seus trabalhos à teorização e à análise da linguagem visual nos anos 1980 e 1990 não abordaram profundamente a particularidade da enunciação — limitando-se à análise do semissimbolismo das imagens —, enquanto os semioticistas contemporâneos têm enfrentado o problema e desenvolvido tal conceito, já que sua legitimidade pode ser justificada num âmbito extraverbal.

Assim, é possível notar que, na semiótica greimasiana, foi dada preferência para a análise de imagens artísticas, como podemos observar na seguinte afirmação:

l’image artistique, qui a servi de modèle à la théorisation des textes visuels, a toujours été considérée comme une image séparée de la vie quotidienne et ainsi sacralisée: si dans le cas de l’image scientifique les paramètres et les procédures de sa production doivent toujours être affichés et répondent à la demande de justesse et justifiabilité de l’image, dans le cas de l’image artistique le corps producteur de l’artiste est sacralisé, la technique est souvent considérée par la doxa comme mystérieuse ou secrète, quelque fois même comme un produit du hasard (DONDERO, 2010a, p. 114).

A análise de textos visuais por meio da teoria semiótica utilizou amplamente – como ainda ocorre nos dias atuais – as imagens artísticas tomadas como exemplos de “sacralização” do alto nível do âmbito imagético. Em seus estudos da fotografia, investigando a sintaxe do visual, Fontanille (2007) abordou as imagens a partir de suas formas da expressão (não apenas a partir da substância da expressão) e investigou a relação entre o suporte e a técnica.

O semioticista francês afirma que a imagem artística tem um modus operandi “transparente” devido à homogeneidade substancial entre os esquemas visuais associados à gestualidade e aos formantes plásticos. Já nas imagens científicas, os esquemas visuais não têm “transparência”, pois é necessário que se saia da imanência textual. Portanto, a imagem científica em suas análises exige certa manipulação.

Fontanille aborda a relação entre a imagem e o referente a partir das técnicas que devem tomar um referente como inapreensível pelos sentidos devido à pequenez do fenômeno, da distância ou do tempo. De outra maneira, Jean-François Bordron questiona os referenciais que permitem identificar a formação das imagens como se fosse um “teatro de aparição” que tem como objetivo criar a “image horizon”, que faz existir de fato o objeto da investigação científica. Por fim, Anne Beyaert-Geslin (2009) considera que o referente “já está lá”, constituído em uma totalidade, mas precisa ser estudado, experimentado: tem que se fazer útil em suas várias visualizações (desenhos, fotos espaciais, mapas geográficos etc.).

Para Bordron (2009, p. 115), há a abordagem cognitiva da imagem científica, como uma “enquête au cours de laquelle, sur la base d’indices, se manifeste peu à peu la présence d’une chose ou d’un phénomène”. O que foi apresentado na imagem faria referência a um objeto existente na realidade concreta; com isso, tal imagem é uma ferramenta que permite ao fenômeno ser objetivado.

A obra de Jacques Fontanille, Les Espaces subjectifs. Introduction à la sémiotique de l’observateur (discours, peinture, cinéma) (1989), lançou o desafio da transposição do conceito de enunciação ao âmbito visual e audiovisual. Houve, assim, o estudo do papel da análise enunciativa no seio de uma teoria de gêneros à luz de uma teoria dos estatutos sociais das imagens (imagem artística versus imagem científica).

Maria Giulia Dondero aborda em seus trabalhos os conceitos de sistema autográfico e de sistema alográfico (GOODMAN, 1990), a fim de distinguir as imagens de vulgarização das imagens científicas experimentais, bem como o caso das “criações artísticas” empregadas especialmente em astrofísica.

3 As imagens espaciais de Star Wars

Neste trabalho, analisaremos duas fotografias de cenas de dois filmes diferentes: a primeira, de Star Wars Episódio I: A Ameaça Fantasma1 (1999), e a segunda, de Star Wars Episódio III: A Vingança dos Sith2 (2005), ambos dirigidos por George Lucas. Os filmes dessa “franquia” (assim nomeados por serem produções cinematográficas que obtiveram grande sucesso de bilheteria e que se tornam franquias com brinquedos, livros, jogos etc.) são categorizados como pertencentes ao gênero da ficção científica, além de serem blockbusters3. A franquia Star Wars conta com sete filmes, entretanto analisaremos apenas imagens de duas obras a título de exemplo a respeito das imagens científicas que foram criadas nessas narrativas fílmicas.

Em maio de 19774 chegava aos cinemas dos EUA Star Wars, primeiro filme de uma franquia bilionária que rendeu ao seu criador, George Lucas, enorme prestígio. Mais que uma visão criativa de um universo conciso e povoado por estranhos e fascinantes seres, o cineasta prezou por uma abordagem diferente da comercialização do filme – obtendo os direitos sobre merchandising de sua obra, o que o tornou um dos homens mais poderosos da indústria do entretenimento –, modificando a história de Hollywood e seu formato vigente de negócios. O filme de 1977 mudou a indústria do cinema como um todo, desde o marketing até os efeitos especiais.

George Lucas frequentou a University of Southern California, onde ficou amigo de Francis Ford Coppola, e começou a ganhar pequenos prêmios com seus curtas. Depois, iniciou o trajeto para buscar a realização de seu grande projeto inspirado nos seriados cinematográficos de Flash Gordon e Buck Rogers, Star Wars. O roteiro era imenso, inspirado pelas aulas do historiador Joseph Campbell, e Lucas optou por cortá-lo em três pedaços e realizar apenas o primeiro ato.

Até Star Wars estrear, o cinema de ficção científica dos anos 1970 abordava o conflito do homem com vários elementos, como o Estado (THX-1138, do próprio George Lucas), a tecnologia (Westworld – Onde Ninguém Tem Alma) e a ecologia (Corrida Silenciosa). Esses filmes utilizavam efeitos especiais, mas a maioria dos estúdios estava deixando de lado o gênero e fechando seus departamentos especializados. Só a Fox, que fazia a série Planeta dos Macacos (homem contra evolução), ainda mantinha um departamento de efeitos especiais, que foi fechado ainda na pré-produção do primeiro Star Wars.

Os blockbusters de férias fazem parte do gênero ficção científica, e sem Star Wars e a cultura que a saga criou na indústria esse cenário seria muito diferente.

Na literatura de ficção científica, Star Wars teve uma influência menor. Sua importância se deve mais aos livros que levam seu nome (a Trilogia Thrawn de Timothy Zahn, por exemplo) do que ao caminho que abriu para outras obras. A saga é um produto audiovisual por excelência, e seu impacto aconteceu principalmente no cinema.

Muitos dos eventos descritos no universo dos filmes de Star Wars ocorrem em uma galáxia fictícia, portanto há algumas espécies de criaturas alienígenas e droides robóticos construídos para servir a seus donos, assim como viagens constantes pelo espaço sideral entre os planetas integrantes da República Galáctica, posteriormente reorganizada como Império Galáctico.

Procuraremos analisar as fotografias selecionadas considerando a abordagem semiótica das imagens científicas. Sobre esse tema, há ainda a questão da relação entre as imagens produzidas e a literatura que as seleciona e as destina a diferentes estilos de público-alvo. Considerando que as imagens produzidas por designers e cientistas têm função importante na vulgarização do conteúdo a ser apresentado para que haja acesso e compreensão por parte de um público maior, o mesmo fenômeno ocorre com as imagens elaboradas para a utilização nos filmes na representação do espaço sideral.

A partir da vulgarização a ser feita de determinada imagem científica, muda-se o público-alvo, pois o leitor/espectador deve compreender tais imagens. Sobre esse aspecto, as duas imagens abaixo foram selecionadas para nossa análise de modo a representar o conjunto dos filmes Star Wars, objetos sincréticos que serão aqui simbolizados por fotografias de cenas.


Figura 1
Foto de cena de Star Wars Episódio I: A Ameaça Fantasma (1999)
Fonte: IMDb.


Figura 2
Foto de cena de Star Wars Episódio III: A Vingança dos Sith (2005).
Fonte: IMDb.

Considerando que as imagens científicas são manipuladas para que possamos apreendê-las, estas têm relação com o referente buscado pelo leitor, de alguma maneira. Portanto, no caso das imagens analisadas, há relação direta com as imagens científicas também obtidas por meio dos estudos dos corpos celestes elaborados pela ciência natural da astronomia.

Na primeira imagem, temos algumas “naves espaciais” a partir das quais personagens dos filmes fazem viagens intergalácticas e, ao fundo, há o contorno de uma parte do que representa um planeta, com o fundo negro de estrelas e corpos celestes. Na segunda fotografia, podemos observar, em primeiro plano, as naves espaciais e, no segundo plano, um planeta visto do espaço sideral, com suas cores escuras e as partes claras que simulam uma espécie de atmosfera que o rodeia.

Nas imagens que podem ser observadas a partir da montagem elaborada no filme, aquelas nas quais os personagens transitam pelo espaço sideral, as naves espaciais são amplamente mostradas, já que são parte importante das narrativas. Com isso, é possível notar que as estrelas e planetas apresentados, bem como diversos elementos geralmente divulgados pelos estudos astronômicos, são reproduzidos de forma bastante semelhante visualmente em relação ao que observamos nas publicações científicas encontradas na área da astronomia. Mostramos abaixo exemplos de imagens comuns de serem encontradas na divulgação dos estudos e avanços da astronomia5:


Figura 3
Grande nuvem de Magalhães
Fonte: Foto de Carlos Fairbairn/Royal Museum Greenwich/Reprodução.


Figura 4
M94: Deep Space Halo, Nicolas Outters.
Fonte: Royal Museum Greenwich/Reprodução.

Assim, há uma dimensão das imagens científicas que precisa ser orientada por meio de medidas alcançadas pelo ser humano para que sua vulgarização e divulgação sejam eficazes. O mesmo efeito ocorre com a representação do espaço sideral colocada nos filmes analisados: as imagens foram elaboradas em Star Wars de forma similar às imagens científicas que são corriqueiramente observadas pelo público geral por intermédio dos meios de comunicação, como a televisão, o jornal, as revistas etc.

Esse tipo de imagem é construído, portanto, a partir da perspectiva humana, considerando o que pode ser racionalizado e organizado discursivamente, pois há uma diferença de frequência e de pertinência para a elaboração dos esquemas científicos, já que a figuratividade existe também nesse tipo de imagem.

Podemos compreender as imagens como a estabilização precária das relações entre peças que constituem o fluxo da investigação experimental, como pontua Dondero (2010a), em um processo descrito por Bordron pela seguinte sintaxe:

“Flux => Infexion => Parties saillantes => Identification et diférentiation => Conjonction et disjonction => Composition et décomposition de parties => Emergence et disparition des genres => Formation et déformation de séries”.

Essa sintaxe possui a intenção de refletir o caminho, a partir do processo dos fenômenos físicos, no qual a ciência pode “parar” em alguns estados para representá-los e analisá-los.

Nessas imagens analisadas, as naves espaciais são representadas sempre de forma a simular um alto grau de desenvolvimento tecnológico que teria sido obtido pelos seres que os utilizam. Tal desenvolvimento tecnológico alcançado com sucesso e apresentado em Star Wars está de acordo com o que parte do imaginário humano culturalmente constrói a esse respeito e é veiculado amplamente por meio de filmes (como exemplo, o filme 2001 – Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick), desenhos animados (como The Jetsons, série animada de televisão exibida originalmente na década de 60), descrições obtidas em obras literárias do gênero da ficção científica (O guia do mochileiro das galáxias, de Douglas Adams) etc.

Com isso, compreendemos que as imagens escolhidas para análise são uma recriação do espaço sideral de acordo com os aparatos técnicos que a humanidade possui atualmente na área da astrofísica6, pois estes permitem acessar os objetos observados, suas cores, formatos e dimensões.

As imagens selecionadas representam a forma como o espaço sideral costuma ser apresentado ao grande público: de forma simples, sem grande detalhamento dos tipos de corpos celestes e mesmo do tempo e da distância percorrida no espaço para se deslocar de um planeta a outro, como se dá constantemente nos filmes. O público de Star Wars, por ser muito variado (desde gênero, idade, até classe social), pode assim compreender facilmente a construção do sentido que ocorre a respeito do espaço cósmico e de suas propriedades, de acordo com os objetivos, nessas narrativas, de utilizar tais recursos. Por fim, as imagens do espaço sideral criadas por meio da linguagem da forma códica sincrética7 podem ser reproduzidas infinitamente, já que não se trata de uma imagem artística propriamente dita.

4 Conclusão

A arte do cinema possui especificidades materiais e formais em sua construção enquanto linguagem, tendo em vista que constitui um sistema de significação com maneiras específicas de funcionamento, o que o torna diferente das linguagens verbal, sonora, visual e de outras formas de expressão.

Compreendemos que o objeto final da linguagem cinematográfica seria composto por uma multiplicidade de linguagens que funcionam em um sistema. Cada uma delas a seu modo pode ser articulada e manipulada para construir, juntamente às outras, a significação homogênea. A complexidade final da linguagem sincrética possui características de todas as linguagens concorrentes que se colocam a serviço umas das outras, complementando-se, enriquecendo-se e proporcionando ao espectador uma ampla experiência sensorial de apreciação das diversas linguagens ao mesmo tempo.

Observamos que um dos parâmetros possíveis para discernir as imagens científicas das artísticas é principalmente que as imagens científicas podem ser reproduzidas de forma infinita e indefinida, o que não ocorre com as imagens artísticas. Portanto, a imagem científica, ao contrário do estatuto que possui a imagem artística, não pode ser considerada como isolada dos outros tipos de imagem ou como um “mundo fechado em si mesmo”, o que poderia ocorrer se fosse considerada por meio de um ponto de vista que tivesse como objetivo final a contemplação estética. A imagem artística abarca a contemplação e a reflexão como possibilidades; já no filme esse não é o objetivo que o diretor George Lucas procura alcançar.

Considerando que nomear um objeto e abordar suas características faz com que ele possa ser analisado, as imagens científicas apresentadas nos filmes selecionados de Star Wars mostram que o principal objetivo da mímese efetuada em relação às imagens da astrofísica é ancorar o espectador em relação ao espaço no qual a narrativa fílmica se desenrola, sem o intuito de complexificar a abordagem dos astros celestes quanto à sua disposição no espaço sideral e mesmo em relação à medida de tempo entre eles.

Material suplementario
Referências
BEYAERT-GESLIN, A. L’image préoccupée. Paris, Hermès-Lavoisier, coll. Forme et sens, 2009.
BADIR, S.; DONDERO, M. G. (Orgs.). L’image peut-elle nier?, Liège, PULg, 2016.
BASSO FOSSALI, P.; DONDERO, M. G. Sémiotique de la photographie. Prefácio de Jacques Fontanille, Limoges, Pulim, 2011, 407 p. Prefácio e apresentação. Disponível em: https://www.academia.edu/19604577/Sémiotique_de_la_photographie. Acesso em: jun. 2016.
DONDERO; M. G. Sémiotique de l’image scientifique. Signata – Annales des sémiotiques/Annals of Semiotics, n° 1, Liège, Presses Universitaires de Liège (PULg), 2010a, p. 111-176. Acesso em: https://www.academia.edu/23149281/Sémiotique_de_limage_scientifique. Acesso em: jun. 2016.
DONDERO; M. G. Rhétorique des figures visuelles et argumentation par images dans le discours scientifique. Protée vol. 31, n°1, « Le Groupe µ entre rhétorique et sémiotique. Archéologie et perspectives » (Badir & Dondero dirs), 2010b, p. 41-53. Disponível em: https://www.academia.edu/10974421/Rhétorique_des_figures_visuelles_et_argumentation_par_images_dans_le_discours_scientifique. Acesso em: jun. 2016.
DONDERO; M. G. & Fontanille, J. Des images à problèmes. Le sens du visuel à l’épreuve de l’image scientifique.Limoges: Pulim, 2012.
FONTANILLE, J. Semiótica do discurso. São Paulo: Contexto. Tradução de Jean Cristtus Portela, 2007.
FONTANILLE, J. Les Espaces subjectifs. Introduction à la sémiotique de l’observateur (discours, peinture, cinéma), Paris, Hachette, 1989.
FLOCH, J.-M. Quelques positions pour une sémiotique visuelle. Le Bulletin n. 4-5. Paris: GRSL, p.1-16 , 1978.
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FLOCH, J.-M. Petites mythologies de l’oeil et de l’esprit: pour une sémiotique plastique. Paris: Hadès-Benjamins, 1985.
GOODMAN, N. Langages de l’art. Une approche de la théorie des symboles, Paris, Hachette, 1990.
GUIRADO, N. C. Um sistema semiótico sincrético: a linguagem cinematográfica. 2013. Dissertação (Mestrado em Letras). 105p. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.
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OLIVEIRA, A. C. de. Semiótica Plástica. São Paulo: Hacker Editores, 2004.
Notas
Notas
1 Sinopse do filme: “A malvada Federação do Comércio, dirigida por Nute Gunray (Silas Carson) planeia assumir o pacífico mundo de Naboo. O Jedi Qui-Gon Jinn (Liam Neeson) e Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor) são enviados para confrontar os líderes. Mas nem tudo vai conforme o plano. Os dois Jedis escapam, e em conjunto com o seu novo amigo Gungan, Jar Jar Binks (Ahmed Best) avançam para Naboo para advertir a Rainha Amidala (Natalie Portman), mas droids já começaram a capturar Naboo e a Rainha não está segura aí. Eventualmente aterram em Tatooine, onde se tornam amigos dum jovem rapaz conhecido como Anakin Skywalker (Jake Lloyd). Qui-Gon está curioso sobre o rapaz, e antevê um brilhante futuro para ele. Agora o grupo deve encontrar uma maneira de chegar a Coruscant e finalmente resolver esta disputa de comércio, mas há outra pessoa escondendo-se nas sombras”. Disponível em: https://omelete.uol.com.br/filmes/star-wars-episodio-i-a-ameaca-fantasma/. Acesso em: jan. 2017.
2 Sinopse do filme: “Começando no exato ponto em que a telessérie animada Clone Wars(superior em narrativa e emoção à primeira metade de Sith) parou, o filme abre com uma gigantesca batalha espacial que serve de pano de fundo para a missão de resgate de Anakin Skywalker (Hayden Christensen) e seu mestre, Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor), ao chanceler Palpatine (Ian McDiarmid). O político foi sequestrado pelo General Grievous, discípulo meio-alienígena meio-robô do Conde Dookan (Christopher Lee). A seqüência coloca em andamento eventos que, de fato, servem apenas para afastar Obi-Wan de Coruscant e deixar Anakin mais perto das tentadoras ofertas de poder oferecidas por Palpatine”. Disponível em: https://omelete.uol.com.br/filmes/criticas/star-wars-episodio-iii-a-vinganca-dos-sith/?key=23620. Acesso em: jan. 2017.
3 Assim são denominados os filmes que alcançam alta abrangência popular e grandes lucros para a indústria cinematográfica.
4 No dia 25 de maio de 1977 Star Wars (ainda sem o subtítulo Uma Nova Esperança) entrou em cartaz em apenas 32 cinemas nos Estados Unidos. O sucesso foi estrondoso, as salas tiveram recordes de público, apesar de não ter havido grandes investimentos em publicidade para o filme.
5 Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2016/09/veja-fotos-de-astronomia-mais-incriveis-de-2016.html. Acesso em: jan. 2017.
6 É importante pontuar que a astrofísica é o ramo da astronomia que estuda o universo, incluindo as propriedades físicas (luminosidade, densidade, temperatura, composição química) de objetos astronômicos como estrelas, galáxias e meio interestelar, assim como suas interações. Na prática, pesquisas astronômicas modernas envolvem bastante de Física teórica e de experimentos práticos. A astrofísica determina as constantes universais, pois é o ramo da Física que demonstra a natureza dos corpos celestes através de instrumentação científica.
7 A manifestação da linguagem do cinema foi assim nomeada (GUIRADO, 2013) em nossa dissertação de mestrado para que se diferenciasse da designação de “forma códica” greimasiana, que corresponde particularmente a cada linguagem que participa da sincretização, decorrência da função semiótica.

Figura 1
Foto de cena de Star Wars Episódio I: A Ameaça Fantasma (1999)
Fonte: IMDb.

Figura 2
Foto de cena de Star Wars Episódio III: A Vingança dos Sith (2005).
Fonte: IMDb.

Figura 3
Grande nuvem de Magalhães
Fonte: Foto de Carlos Fairbairn/Royal Museum Greenwich/Reprodução.

Figura 4
M94: Deep Space Halo, Nicolas Outters.
Fonte: Royal Museum Greenwich/Reprodução.
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