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¿Por qué Brasil, qué Brasil? Recorridos críticos: la literatura y el arte brasileños desde argentina. Roxana Patiño ; Mario Cámara, (eds.). Villa Maria: Eduvim, 2017. (Coleção Cuadernos de Investigación).
Revista Caracol, núm. 17, pp. 597-602, 2019
Universidade de São Paulo

RESENHAS


Recepción: 07 Febrero 2019

Aprobación: 18 Febrero 2019

DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2317-9651.v0i17p597-602

O excelente livro ¿Por qué Brasil, qué Brasil? Recorridos críticos: la literatura y el arte brasileños desde Argentina, editado por Roxana Patiño e Mario Cámara, foi publicado em 2017, como resultado de um colóquio realizado em agosto de 2015, na Universidad Nacional de Córdoba. É importante que o livro tenha sido publicado, pois representa uma contribuição muito relevante para os estudos de cultura brasileira. O volume expressa, através dos trabalhos reunidos, a força intelectual de seus autores. Contando com a participação de professores que atuam em universidades brasileiras, a obra apresenta um conjunto de reflexões desenvolvidas por pesquisadores argentinos. É uma demonstração do valor da cooperação acadêmica entre os países envolvidos e da interlocução entre pesquisadores.

A interrogação lançada no título serve como referência para compreender o alcance do livro. O questionamento “qué Brasil?” confronta definições estabelecidas a respeito de uma identidade nacional, contestando estereótipos e simplificações. O volume não se restringe a períodos específicos de tempo. Os editores publicaram reflexões que, em sua diversidade, expressam interesses acadêmicos por produções brasileiras de várias épocas. São estudadas obras de Carlos Drummond de Andrade, Chico Buarque, Cildo Meireles, Clarice Lispector, Ferreira Gullar, Guimarães Rosa, Ismael Nery, Mário de Andrade, Murilo Mendes, Nuno Ramos, Oswald de Andrade, Paloma Vidal, Sebastião Salgado, Sousândrade e Wilson Bueno, entre outros.

Em ¿Por qué Brasil, qué Brasil? Recorridos críticos: la literatura y el arte brasileños desde Argentina, não são defendidas visões essencialistas do Brasil ou da Argentina, e nem estabelecidos modelos fixos para a natureza ou a função do trabalho crítico. A atitude crítica predominante no livro corresponde, em larga medida, à descrição, feita por Roxana Patiño, das propostas da revista Grumo. A autora chama a atenção para uma ideia exposta no número 3 da revista: a crítica como intervenção (256). O livro está em acordo com percepções processuais da sociedade, da história e da cultura. As intervenções críticas não pretendem examinar processos culturais à distância, com lentes rígidas. Ao contrário, a inscrição das reflexões em um enquadramento interrogativo de fundo – “qué Brasil?encontra expressão coerente em argumentos atravessados por rupturas estilísticas e incertezas quanto a definições estabelecidas academicamente. Em alguns momentos, essas características ganham clareza através de recursos de indeterminação e de suspensão. Para compreender o alcance dessa proposição, dentro do volume, é importante marcar a presença de categorias como “entrelugar”, “entremeio”, “indistinção”, “antropofagia”, “mistura”, “portunhol” e “espectro”, entre outras. São expressões de uma linguagem relacional, utilizada com a convicção de que as palavras são polissêmicas e não se reduzem a si mesmas. Para interpretar o que é o “entremeio”, a “mistura”, o “espectro” ou o “portunhol”, é necessário atravessar implicações explícitas ou implícitas nos trabalhos, referentes a pressupostos, usos coloquiais e dissensos sobre como usar essas palavras. As delimitações de objetos de investigação, nesses casos, passam por tratamentos elípticos ou antitéticos. O uso de linguagem relacional, sem dúvida, é um dos triunfos do livro, assegurando aos leitores o caráter de mediação que o próprio volume assume entre a Argentina e o Brasil, entre pesquisadores dos dois países, e entre produções culturais.

As perspectivas interdisciplinares articulam artes, literatura, história, psicanálise e outras áreas. Em muitos textos do volume, a escrita se aproxima de uma concepção de crítica literária como uma forma de filosofia. Os movimentos interrogativos dos pensamentos constantemente se voltam para problemas tradicionalmente abordados pela filosofia ocidental, como, por exemplo: a noção de origem; as relações entre linguagem e realidade; a significação do termo “interpretação”; a delimitação do sentido da arte, em termos gerais; as conexões entre vida e morte; a validade de categorias de ordenação do conhecimento, entre outros. Alguns trabalhos são marcados por posições meditativas, e incluem críticas a conceitos e ponderações sobre termos utilizados. Para além do fato de que diversos filósofos estão presentes nas referências bibliográficas, o livro está marcado pelo impacto da atitude interrogativa que está diretamente exposta em seu título. Nas articulações filosóficas de argumentações, em alguns capítulos, os conceitos são tomados como se estivessem sujeitos à inquietação e à dúvida. Mais do que isso, o livro apresenta momentos em que conceitos são submetidos a revisões críticas, com observações firmes sobre suas limitações. Alguns casos de reflexões excelentes sobre conceitos estão, por exemplo, no trabalho de Eduardo Sterzi, “Brasil-sintoma. Como viver na pós-história?”.

A leitura do livro desperta questões epistemológicas. Pode uma perspectiva “desde Argentina” justificar ou definir, em si mesma, um conjunto de orientações ou categorias críticas? Existiria uma concepção de conhecimento do Brasil, especificamente circunscrita ao contexto de pesquisa na Argentina? Existiriam diferenças claras entre reflexões produzidas no Brasil e na Argentina, no que se refere aos modos de estudar obras singulares? Essas questões não estão esgotadas, dentro ou fora do livro. Este, distante de tradições hegelianas, não busca pensamentos sintéticos ou conclusivos. É importante observar a presença de categorias como “informe”, “impossibilidade”, “deformação”, “desencanto” “descontínuo”, “destruição”, “mal-estar”, “falta”, “anomalia”, “pérdida” e “o que não vemos”, entre outras. Como elementos de uma rede de articulações semânticas ao longo do livro, sua presença sinaliza que os esforços de reflexão, diante das peculiaridades dos objetos e dos desafios por eles propostos, constantemente necessitam de mediações negativas, que atuam como recursos de aproximação de impasses e de antagonismos sem solução. Em Antelo, Sterzi, Cámara e Vidal, entre outros, é possível identificar, em meio a comentários sobre antagonismos do passado, alguns elementos que podem atuar como rastros de problemas do Brasil recente. Em alguns casos, referências à violência e às guerras cumprem uma função de mediação negativa para essa aproximação. Raul Antelo se refere a Bryan de Guineau e às guerras mundiais (42); Mario Cámara, à repressão na ditadura argentina (260); Eduardo Sterzi, a Auschwitz e Hiroshima (136-137).

Chama a atenção uma reflexão sobre a alegria, no texto de Paloma Vidal. Entre todos, esse é o trabalho que mais se dedica a refletir a respeito de perspectivas positivas sobre o Brasil; e isso é feito dentro de uma perspectiva cuja ambiguidade é cristalina em sua precisão. Por um lado, é necessário lembrar dessas imagens positivas; por outro, é fundamental contextualizá-las em um quadro de interrogações atuais. O título do volume interroga “Por qué Brasil”, e Vidal escolhe um ângulo desafiador para refletir, que está muito firmado no chão de 2017: a perda do senso de origem, e com isso a ausência de uma lógica causal linear. É como se fosse necessário pensar, na atualidade, sobre olhares afetivos de estrangeiros para o Brasil, sem excluir o fascínio, e sem desconhecer a história recente. Em um livro carregado de categorias negativas e marcado por referências à violência, a escrita de Vidal, sempre precisa, expõe imagens que os capítulos anteriores não abordaram, como se fosse necessário desaguar em uma perplexidade diante do Brasil como objeto de desejo intenso e recorrente, isto é, falar sobre o quanto o país, historicamente, atrai olhares de diversas origens.

No que se refere à configuração dos textos, chama a atenção o valor que, em sua maioria, os autores atribuem a relações intertextuais e diálogos entre diferentes formas de produção cultural. Esse aspecto é benéfico para os leitores, que são instigados a procurar novas experiências de contato com múltiplas produções culturais, em razão de associações propostas pelos trabalhos. Estão presentes conexões claramente diretas, descritas como resultados de interações, e também analogias e contrastes menos esperados. Os textos de Raúl Antelo, “Brasil, verlo venir”, e Paloma Vidal, “Y el origen siempre se pierde”, particularmente, brilham pelas suas construções formais, nas quais referências e citações são articuladas de maneiras originais, em favor do reconhecimento da relevância dos temas que discutem. Em Antelo e Vidal, as formas ensaísticas lembram passagens de “Sobre alguns temas em Baudelaire”, de Walter Benjamin, em razão de que os movimentos de reflexão acolhem fontes de diferentes épocas e gêneros, equilibrando afinidades eletivas com especificidades.

Essa ótima realização dos editores Roxana Patiño e Mario Cámara merece ampla divulgação. Com textos que motivam renovações de pensamento, como nos casos dos trabalhos de Raúl Antelo e Paloma Vidal, e trabalhos com perspectivas originais que modificam o campo da recepção crítica de obras brasileiras, como nos exemplos de Florencia Garramuño, Natalia Armas e Florencia Colombetti, entre outros, o livro certamente será útil para pesquisadores dos dois países, e sua relevância deve ser reconhecida para além deles.

Notas de autor

Pesquisador do CNPq. Autor de "Crítica em tempos de violência" (EDUSP/FAPESP, 2012).


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