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Formas híbridas Rafael Gutiérrez. Rio de Janeiro: Editora Circuito, 2017, 109 p.
Caracol, núm. 16, pp. 340-345, 2018
Universidade de São Paulo

Resenhas

Gutiérrez Rafael. Formas híbridas. 2017. Rio de Janeiro. Editora Circuito. 109 p.pp.

Recepção: 24 Novembro 2017

Aprovação: 09 Setembro 2018

Formas híbridas é um ensaio de Rafael Gutiérrez que se aproxima de um conjunto de narrativas contemporâneas que chamam a atençãopor sua hibridez: La literatura nazi en América de Roberto Bolaño, El desbarrancadero de Fernando Vallejo, Ómnibus de Elvio Gandolfo, Ó de Nuno Ramos, El arte de la fuga de Sergio Pitol, Bartleby y compañía de Enrique Vila-Matas, O movimento pendular de Alberto Mussa e Traiciones de la memoria de Héctor Abad Faciolince são alguns dos títulos abordados.O ensaio não se exime da primeira pessoa, o que lhe empresta a sensação de que o autor conversa conosco, num tom agradável e ilustrado. O livro, na realidade, é o resultado final do pós-doutorado de Gutiérrez, realizado durante três anos na Universidade de São Paulo com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Dividido em seis partes, Formas híbridas apresenta e discute o efeito de realidade que algumas ficções contemporâneas buscam criar através do recurso à hibridação discursiva. É verdade que esse tipo de elaboração, capaz de conjugar diferentes gênerose produzir certa indistinção entre vida e literatura, começou com o surgimento do romance. Nas últimas décadas, entretanto, e tal como demonstra o corpus escolhido pelo autor, as “formas híbridas”, além de recorrerem a certas características da autobiografia, do ensaio, da carta, do diário, da crônica e de outros gêneros, também questionam aficção. Percebe-se, assim, e segundo as palavras de Ana Cecilia Olmos que prefaciam o livro, um estremecimento das “bases institucionais da literatura” (p.8). De fato, já na “Introdução”, o autor explica que sua análise concentra-se nas maneiras específicas empregadas por cada uma das obras para “desestabilizar o estatuto do ficcional” (p.16).

Na primeira parte do ensaio, intitulada “Formas híbridas I”, Gutiérrez observa a possibilidade de as formas híbridas advirem menos de inovações formais do que de protocolos de leitura novos, requeridos, pouco a pouco, pela crítica dos últimos anos, seja acadêmica, jornalística, editorial ou dos escritores que se colocaram na posição de leitores (críticos) de sua própria obra ou da de seus pares. É também nesse sentido que o autor delimita o campo das formas híbridas que interessam a seu estudo. Seu foco de interesse concentra-se naquelas que misturam gêneros ou, pelo menos, registros de escrita diversificados, de difícil classificação. Gutiérrez faz-nos notar, assim, que seu recorte deixa de lado o cruzamento ou a tradução de culturas, que na América Latina compreende nomes como os de Fernando Ortiz, Gilberto Freire, Ángel Rama, Oswald de Andrade e García Canclini. De modo semelhante, também não contempla a hibrides que combina línguas diferentes, como é o caso da literatura chicana. Apesar de buscarem se situar às margens da compreensão de gênero, potencializando uma reelaboração do que significa o propriamente ficcional e tensionando, desta forma, os parâmetros do literário, as formas híbridas privilegiadas pelo estudo de Gutiérrez puderam ser divididas do ponto de vista de sua elaboração interna. O autor as separa em três grandes grupos. No primeiro, haveria um tratamento da linguagem, chamado de “espessura” em Luiz Costa Lima e de “densidade formal” em Beatriz Sarlo, que conduziria a uma ambiguidade genérica. Entre os casos paradigmáticos e fundadores, citamse o Facundo de Sarmiento e Os Sertões de Euclides da Cunha. No segundo grupo, encontraríamos obras que se servem de gêneros menores, rebaixados, massivos ou pop como forma de efetuar rupturas com o cânone. Gutiérrez recorda o caso de Roberto Bolaño na sua relação com o gênero policial, assim como o de Manuel Puig, por seu trânsito com expressões que até então eram consideradas inapropriadas para o campo literário. As obras que misturariam os recursos de vários registros discursivos, embora mantendo um contrato de leitura principal, participariam do terceiro e último grupo identificado pelo autor.

Na segunda parte do ensaio, intitulada “Formas híbridas II”, algumas obras publicadas durante as décadas de 1990 e 2000 justificam a reflexão do autor quanto a seu caráter híbrido. Elas são distribuídas entre os três grupos principais, descritos no ensaio anterior. Trata-se de La literatura nazi en América de Roberto Bolaño, El arte de la fuga e El mago de Viena de Sergio Pitol, La ciudad interior de Fredy Téllez, Traiciones de la memoria de Héctor Abad Facionlince, Ómnibus de Elvio Gandolfo e Ó de Nuno Ramos. Esta segunda parte do ensaio conclui com algumas reflexões de Jacques Derrida a respeito das leis do gênero discursivoa partir das quais Gutiérrez situa uma hipótese fundamental: a de que textos, quando são ficcionais, não têm gênero ou têm muitos.

Admitindo esta última proposição, a terceira parte do ensaio, intitulada “A questão da ficção”, expõe a capacidade, bastante variável em suas possibilidades, de a ficção relacionar-se com os limites do que seria o real, o verdadeiro ou o mentiroso. Nesse sentido, Gutiérrez aprofunda eexploraas indeterminaçõesda hibridez ficcional com o auxílio de teóricos, críticos e professores como Catherine Gallagher, Jacques Rancière, Luiz Costa Lima, Cedomil Goic, Reinaldo Laddaga, Josefina Ludmer, Diana Klinger, Alberto Giordano, Luz Horne e Florencia Garramuño.

As duas partes subsequentes do ensaio especificam certas estratégias alcançadas pelas formas híbridas para transmitirem ao leitor a sensação de sair de seus próprios limites, recorrendo a efeitos de realidade no interior da própria ficção. Em “Fernando Vallejo e a questão autobiográfica”, Gutiérrez apresenta a obra deste escritor que, com exceção do primeiro livro, Logoi: una gramática de llenguaje literario, giraria em torno dos mesmos temas, como a infância, a família,os amantes do escritor, suas viagens, trabalhos e obsessões, sem, no entanto, ser completamente autobiográfica. São, justamente, as objeções ao autobiográfico, ao autoficcional e ao biográfico – mas que guardam, ainda assim, e paradoxalmente, certa pretensão de realidade ou de verdade – que interessam a Gutiérrez e são por ele descritas. “Alberto Mussa e o romance-ensaio”, quinta parte de Formas Híbridas, detém-se sobretudo no texto O movimento pendular, descrito como um romance no qual o autor brasileiro transita por gêneros que possuiriam certa “pretensão de verdade” como o ensaio e o tratado, especialmente o tratado matemático. Gutiérrez não deixa de assinalar que o diálogo com a autobiografia, no caso de Vallejo, assim como com o ensaio e o tratado, no de Mussa, abrem uma reflexão sobre o esgotamento formal do romance e as possibilidades de sua renovação. Um questionamento que também permearia a obra do escritor espanhol Vila-Matas, apresentado na sexta parte do ensaio, chamada “Enrique Vila-Matas e a crítica literária como ficção”. Nela, abordam-se os modos de apropriação ficcional de registros que seriam típicos da história, da crítica e da teoria literária a partir de Bartleby y compañía que, como outros textos deste escritor, manifestariam uma indiferença em relação aos limites genéricos e, apesar disso, seriam construídos com base nessa mesma indeterminação.

Nas considerações finais, Gutiérrez conclui que do ponto de vista do passado, as formas híbridas são herdeiras de uma tradição autorreflexiva e metaliterária. Do ponto de vista do presente, podem denunciar uma desestabilização dos pactos de leitura romanesca e indicar um retorno da figura do autor, que embora não seja inteiramente autobiográfica, superaria a crença de que as experiências autênticas do “eu” não podem ser abarcadas pela ficção. Por fim, Gutiérrez sugere que as formas híbridas possam sempre ter estado presentes entre nós, mas que o seu lugar destacado ou mesmo supervalorizado diz respeito a um anseio, colocado em cena pela crítica, que teria encontrado nesses tipos de narração uma maneira de veicular a busca por um “núcleo duro do real”, num mundo governando pelos simulacros e a superabundância de imagens.

A pertinência das questões levantadas por Gutiérrez a respeito da contemporaneidade, de um estado atual da literatura e de seus debates mais prementes, a agudeza de um tratamento que enfrenta com leveza a dificuldade de registros relativamente indefinidos e ambíguos, além da forma com que cada uma das obras selecionadas pelo estudo aparece particularizada, fazem de Formas híbridas um belo ensaio de intervenção crítica no panorama atual da literatura latino-americana. Sua leitura é, nesse sentido, altamente recomendável.

Autor notes

Contato: liviagrotto@gmail.com



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