Resumo: As ideias de John Rawls são importantes para a manutenção das democracias constitucionais contemporâneas, sendo utilizadas, muitas vezes, em fundamentações de decisões proferidas por Cortes Supremas e Tribunais Constitucionais. Através de uma pesquisa documental, bibliográfica e jurisprudencial, o presente trabalho tem como objetivo analisar como as ideias desenvolvidas por John Rawls são aplicadas na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) -tan-to nos acórdãos, quanto nas decisões monocráticas-, analisando cada um dos resultados da busca. A metodologia utilizada na pesquisa foi a seguintes 1) acessar o site oficial do STF; 2) selecionar a opção de buscar jurisprudências da Corte; 3) buscar pela palavra-chave "Rawls". A pesquisa realizada até o dia 05 de fevereiro de 2024 e nos apresenta o total de trinta e três decisões, das quais são vinte e quatro acórdãos e nove decisões monocráticas. Aplicando o raciocínio lógico-dedutivo, concluímos que há uma utilização dos conceitos da teoria rawlsiana por grande parte dos Ministros do STF (aposentados e em atividade), sem que possamos afirmar que há uma consagração total e irrestrita das ideias do autor.
Palavras-chave: John Rawls, Supremo Tribunal Federal (STF), jurisprudência.
Abstract: John Rawls' ideas are important for the maintenance of contemporary constitutional democracies, and are often used in the reasoning of decisions rendered by Supreme Courts and Constitutional Courts. Through a documentary, bibliographic and jurisprudential research, the present work aims to analyze how the ideas developed by John Rawls are applied in the jurisprudence of the Federal Supreme Court (STF) -both in the judgments and in the monocratic decisions- analyzing each of the results of the search. The methodology used in the research was as follows: 1) access the official website of the STF; 2) select the option to search for the Court's jurisprudence; 3) search for the keyword "Rawls". The research carried out until February 5, 2024 and presents us with a total of thirty-three decisions, of which there are twenty-four judgments and nine monocratic decisions. Applying logical-deductive reasoning, we conclude that there is a use of the concepts of the Rawlsian theory by most of the Justices of the Supreme Court (retired and active), without being able to affirm that there is a total and unrestricted consecration of the author's ideas.
Keywords: John Rawls, Brazilian Supreme Court (STF), jurisprudence.
Resumen: Las ideas de John Rawls son importantes para el mantenimiento de las democracias constitucionales contemporáneas, y se utilizan a menudo en el razonamiento de las decisiones dictadas por las cortes supremas y los tribunales constitucionales. El presente trabajo tiene como objetivo analizar, mediante una investigación documental, bibliográfica y jurisprudencial, cómo se aplican las ideas desarrolladas por John Rawls en la jurisprudencia del Supremo Tribunal Federal (STF) -tanto en las sentencias como en las decisiones monocráticas-, teniendo en cuenta cada uno de los resultados de la búsqueda. La metodología utilizada en la investigación es la siguiente: 1) acceder a la página web oficial del STF; 2) seleccionar la opción de búsqueda de la jurisprudencia de la Corte; 3) buscar la palabra clave "Rawls". La investigación se llevó a cabo hasta el 5 de febrero de 2024 y presenta un total de treinta y tres decisiones, de las cuales veinticuatro son sentencias y nueve son decisiones monocráticas. Aplicando el razonamiento lógico-deductivo, concluimos que existe un uso de los conceptos de la teoría rawlsiana por parte de la mayoría de los magistrados de la Corte Suprema (jubilados y activos), sin que se pueda afirmar que exista una consagración total e irrestricta de las ideas del autor.
Palabras clave: John Rawls, Corte Suprema (STF), jurisprudencia.
Artículos de investigación
JOHN RAWLS NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
JOHN RAWLS IN THE JURISPRUDENCE OF THE BRAZILIAN SUPREME COURT
JOHN RAWLS EN LA JURISPRUDENCIA DE LA CORTE SUPREMA BRASILEÑA
Recepción: 26 Abril 2024
Aprobación: 22 Junio 2024
Publicación: 30 Noviembre 2024
Trata-se de artigo desenvolvido para conclusão da matéria Filosofia e Sistemas do Pensamento Jurídico, ministrada pelos Professores Mauricio Mota e Daniel Pêcego, no curso de Doutorado em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Para apresentar casos concretos que permitissem um debate dos conceitos desenvolvidos na teoria de John Rawls, resolvi realizar um levantamento jurisprudencial no Supremo Tribunal Federal (STF), logrando êxito em localizar decisões que os utilizaram em suas respectivas fundamentações. Neste contexto, o presente trabalho é desenvolvido através de uma pesquisa documental, bibliográfica e jurisprudencial, com objetivo analisar como as ideias desenvolvidas por John Rawls são aplicadas na jurisprudência do STF -tanto nos acórdãos, quanto nas decisões monocráticas-, analisando cada um dos resultados da busca.
A importância das ideias desenvolvidas por John Rawls para a preservação das democracias constitucionais contemporâneas pode ser comprovada por sua utilização em julgamentos sensíveis no Brasil, tais como a análise da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, do sistema de cotas com base em critérios étnico-raciais, da alegação de mora legislativa do direito à morte, dentre outros casos. Mesmo existindo críticas às ideias rawlsiana, há um consenso da importância dessas para a retomada do interesse filosófico político sobre a Justiça, uma vez que gerou uma reflexão normativa nas democracias contemporâneas em questões como a tolerância, justiça política, justiça distributiva etc., restaurando a própria teoria política normativa.
A metodologia utilizada para cumprir o objetivo do trabalho é a seguinte: 1) acessar o site oficial do STF; 2) selecionar a opção de buscar jurisprudências da Corte; 3) buscar pela palavra-chave "Rawls". A pesquisa foi realizada até o dia 5 de fevereiro -que não indica nenhuma limitação temporal de acesso aos acórdãos existentes até a citada data- nos apresenta o total de trinta e duas decisões, das quais são vinte e três acórdãos e nove decisões monocráticas, que serão apresentados em ordem cronológica do mais antigo para o mais recente, o que nos dará uma visão evolutiva do ponto.
No primeiro capítulo faremos uma breve análise da Teoria da Justiça de John Ralws, desatando a ideia central da teoria de justiça e alguns dos principais conceitos utilizados para a compreensão dela. Tal ponto facilitará a compreensão do terceiro capítulo, quando analisaremos as decisões que fazem referência à Rawls e utilizam conceitos como consenso sobreposto, justiça distributiva, razão pública, entre outros.
No Segundo capítulo realizamos uma busca pela introdução das ideias rawlsiana no Brasil, valendo de metodologia de busca na plataforma Periódicos da CAPES pelo nome "John Rawls", ordenando da mais antiga para a mais nova e filtrando a busca em resultados em língua portuguesa. O estudo mais antigo que localizamos foi escrito por Álvaro de Vita, com o título A tarefa prática da filosofia política em John Rawls, datando de 1992. Apresentamos os artigos que são encontrados até o ano 2000 e destacamos a importância da tradução, para o português, de diversas obras de John Rawls.
O terceiro capítulo fará uma análise da utilização das ideias de John Ralws na jurisprudência do STF, utilizando a metodologia já apresentada acima. Destacamos cada uma das decisões encontradas, com a indicação do tipo e número da ação, relator e/ou redator de acórdão, data de julgamento e publicação da decisão, com um resumo do caso concreto e indicação da citação de John Rawls em voto de algum dos Ministros, sempre tentando contextualizar a citação com o caso concreto. Isso será feito com as decisões monocráticas.
Os capítulos nos apresentarão um panorama de como é feita a abordagem das ideias de John Rawls nas decisões do STF e da importância das mesmas para a preservação das democracias constitucionais contemporânea.
Jonh Rawls foi um dos filósofos políticos contemporâneos mais influentes, reverenciado até por aqueles que criticaram algumas de suas ideias, com inquestionáveis contribuições para o Direito. Tentar analisar todas as suas ideias -desenvolvidas desde 1958, reunidas no livro Uma teoria da justiça, revisto em 1990, com ideias aperfeiçoadas em outros livros, como O Liberalismo político de 1993- fugiria do objetivo do presente trabalho, razão pela qual nos limitaremos a apresentar a ideia básica da toeira da justiça como equidade e destacar alguns conceitos que foram utilizados nas decisões do STF.
A ideia básica da teoria da justiça de John Rawls, que facilitará a compreensão dos conceitos que serão apresentados, eleva a teoria do contrato social ao mais alto nível de abstração para definir como objeto do acordo original a escolha de princípios de justiça como estrutura básica (Rawls, 2016, p. 13). Os princípios são definidos por pessoas livre e racionais, em uma situação inicial de igualdade -puramente hipotética, onde ninguém conhece sua posição na sociedade ou a sorte na distribuição de recursos, habilidades, inteligência, força etc., por trás do véu da ignorância (Rawls, 2016, pp. 22-23)- que definem as condições fundamentais para a sociedade e chegam à um consenso sobreposto, que regerá todos os acordos subsequentes, tais como a escolha de uma Constituição, definições de regras de legislatura etc. Essa maneira de encarar os princípios de justiça como um consenso na situação inicial de igualdade ou equitativa é chamada, por John Rawls, de justiça como equidade (Rawls, 2016, pp. 14-15). Nessa, os princípios de justiça são apresentados como: 1) princípio da liberdade igual; 2) princípio da diferença.
O que sustentarei é que as pessoas presentes na situação inicial escolheriam dois princípios bem diferentes: o primeiro requer igualdade na atribuição dos direitos e dos deveres fundamentais, ao passo que o segundo afirma que as desigualdades sociais e econômicas, por exemplo, as desigualdades de riqueza e autoridade, só serão justas se resultarem em vantagens recompensadoras para todos e, em especial, para os membros menos favorecidos da sociedade (Rawls, 2016, pp. 17-18).
Com isso, podemos pontuar alguns conceitos de Ralws que são utilizados nas decisões do STF: 1) sociedade bem-ordenada; 2) justiça como equidade; 3) posição original; 4) consenso sobreposto; 5) princípios da justiça; 6) sociedade plural; 7) justiça distributiva; 8) razão pública; 9) justiça intergeracional; 10) mínimo social; 11) liberdades básicas.
Sociedade bem-ordenada é aquela regulada pela concepção pública de justiça, isto é, aquela em que todos chegam a um consenso e sabem que os outros também consentem quanto aos princípios de justiça, assim como as instituições fundamentais os atendam. Logo, os indivíduos reconhecem a existência de um consenso comum que as reinvindicações -inclusive as suas- podem ser julgadas (Rawls, 2016, p. 5).
Justiça como equidade é a maneira como se chega aos princípios de justiça, partindo de pessoas livres e racionais, que em uma posição originária de igualdade ou equidade -puramente hipotética, onde ninguém conhece sua posição na sociedade ou a sorte na distribuição de recursos, habilidades, inteligência, força etc., por trás do véu da ignorância- chegam ao consenso de condições fundamentais para uma sociedade (Rawls, 2016, pp. 13-14).
Posição original é o ponto de partida apropriado para garantir um consenso equitativo entre os indivíduos, ou seja, posição puramente hipotética, onde ninguém conhece sua posição na sociedade ou a sorte na distribuição de recursos, habilidades, inteligência, força etc., por trás do véu da ignorância (Rawls, 2016, pp. 21 e 23).
Princípios de justiça são aqueles definidos a partir de uma posição original e alcançado através de um consenso sobreposto, que admitem a compreensão da justiça como equidade, originariamente defendidos por Ralws como princípio da liberdade igual e princípio da diferença (Rawls, 2016, pp. 14-19).
Consenso sobreposto é a aceitação dos mesmos princípios de justiça, por todos os indivíduos que estavam na posição original, mantendo-se em todos os acordos subsequentes, tais como a escolha de uma Constituição, definições de regras de legislatura etc. (Rawls, 2016, pp. 482).
Justiça distributiva é tratada no princípio da diferença, regulando a distribuição das vantagens sociais e da riqueza, em uma derivação da ideia de justiça como equidade, principalmente quanto aos bens primários (Rawls, 2016, p. 74).
Justiça intergeracional ou entre gerações guarda relação com a definição de um mínimo social para saber qual seria o princípio justo de poupança, do ponto de vista da posição original, sem nenhuma interferência do que se passou ou do que irá se passar. Trata-se de uma obrigação da geração presente para com as reivindicações das gerações futuras, respeitando a posição original (Rawls, 2016, p. 359).
Mínimo social é a definição daquilo que satisfaça as necessidades básicas de um indivíduo, que deve ser definido com base na posição original (Rawls, 2016, pp. 355-356).
Liberdades básicas é um conceito que deriva do primeiro princípio de justiça de Rawls, assegurando que todos os indivíduos tenham iguais liberdades fundamentais (Rawls, 2016, p. 74).
Razão pública é a característica de uma sociedade democrática em que os indivíduos devem agir respeitando o dever de civilidade e de reciprocidade, viabilizando o debate e a decisão em uma sociedade plural, ou seja, justifica-se o poder político quando esse é exercido de acordo com os elementos essenciais são razoavelmente aceitos por todos os indivíduos (Rawls, 2000, pp. 261-262).
Sociedade plural, ligado ao conceito de pluralismo razoável, apresenta-nos diferentes crenças e convicções que se organizam por meio de doutrinas abrangestes como a filosófica, religiosa, moral, que deverão encontrar uma base de justificação pública para resolução de questões políticas fundamentais, sem interferência das doutrinas abrangentes (Rawls, 2000, p. 27).
Após a sua obra Uma Teoria da Justiça, os estudos produzidos por John Rawls difundiram-se na academia, o que pode ser notado por diversos trabalhos acadêmicos que foram desenvolvidos por outros autores -seja para elogiar, seja para criticar- desde a década de 1970. Neste viés, tentamos localizar os primeiros trabalhos que tenham introduzido as ideias de Rawls no Brasil, utilizando a seguinte metodologia: 1) realizamos buscas do nome de "John Rawls" para localizar artigos científicos nas plataformas Periódicos da CAPES; 2) ordenamos a busca da data mais antiga para a mais recente.
O resultado nos apresentou 5 109 trabalhos, sendo 462 em português. O mais antigo que foi localizado na busca é do ano de 1992 e foi escrito por Álvaro de Vita, com o título "A tarefa prática da filosofia política em John Rawls" (de Vita, 1992, pp. 5-24). No artigo, o autor desenvolveu as ideias de Rawls, que enfrentava as questões políticas do mundo contemporâneo como passíveis de resposta razoáveis, desde que adotada a Teoria da Justiça por ele desenvolvida. No mesmo periódico que publicou o trabalho citado anteriormente, a busca localizou o artigo de John Rawls com o título "Justiça como Eqüidade: uma concepção política, não metafísica", traduzida por Regis de Castro Andrade (Ralws, 1992, pp. 25-59) cujo original é de 1985 com o título "Justice as fairness: political not metaphysical" (Ralws, 1985). Até o ano de 2000 a pesquisa localizou outros 4 (quatro) trabalhos acadêmicos brasileiros que citam John Rawls, quais sejam: 1) Pablo da Silveira, com o título "Pode um liberal apoiar a subvenção à arte?" (da Silveira, 1995, pp. 159-180); 2) Sônia T. Felipe, com o título "A concepção pública de Justiça em John Rawls" (Felipe, 1996, pp. 129-136); 3) Álvaro de Vita, com os títulos "Justiça distributiva: a crítica de Sem a Rawls" (de Vita, 1999a, pp. 471-496) e "Uma concepção liberal-igualitária de justiça distributiva" (de Vita, 1999b, pp. 41-59).
Com base na metodologia proposta, pode-se afirmar que a introdução das ideias rawlsiana no Brasil remonta ao início da década de 1990, com traduções de textos originais de John Rawls e artigos científicos que apresentavam suas ideias. A introdução se consolida com a tradução dos livros de Rawls para o português, dos quais se destacam: 1) o livro Uma teoria da justiça; 2) o livro O liberalismo político; 3) o livro Justiça como eqüidade: Uma reformulação.
Os fatos nos permitem compreender o tempo em que as ideias são apresentadas no Brasil, sua maturação na academia e a sua utilização como referência em decisões proferidas pelo Poder Judiciário, em especial no STF.
A pesquisa de jurisprudência analisou as decisões do STF -sejam elas colegiadas ou monocráticas- que citam, expressamente e diretamente, John Rawls como referência bibliográfica. Os processos foram localizados após a utilização da seguinte metodologia: 1) acessar o site oficial do STF; 2) selecionar a opção de buscar jurisprudências da Corte; 3) buscar pela palavra-chave "Rawls". A pesquisa realizada até o dia 5 de fevereiro -que não indica nenhuma limitação temporal de acesso aos acórdãos existentes- nos apresenta o total de trinta e duas decisões, das quais são vinte e três acórdãos e nove decisões monocráticas. Conforme já destacamos, optamos por apresentar cada um dos casos em ordem cronológica, partindo da mais antiga decisão para a mais recente, o que é possível através de organização do resultado no próprio site do STF. Dividimos a análise em decisões colegiadas e decisões monocráticas.
A decisão colegiada mais antiga que foi a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.° 4078, cujo Relator foi o Min. Luiz Fux e teve como redatora do acórdão a Min. Cármem Lúcia, julgado em 10/11/2011 e publicado em 13/04/2012. No caso discutia-se a inconstitucionalidade do inciso I do art. 1.° da Lei n.° 7.746/1989 -que prevê 1/3 (um terço) da composição de membros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) oriundos da magistratura-, objetivando uma interpretação sistemática da Constituição para impedir a inclusão de membros da magistratura que fossem oriundos do "quinto constitucional". O relator Min. Luiz Fux, ao analisar o mérito, defendeu que o dispositivo violaria o art. 104 da Constituição Federal de 1988 (CF/88), especialmente o espírito plúrimo da composição do STJ entre membros da magistratura, Ministério Público e advogados. Rawls é citado -especificamente no livro Justiça e democracia- para justificar o papel de uma conclusão intuitiva no Direito, que prevê em uma sociedade democrática ideias fundamentais intuitivas implícitas, formulando uma concepção política de justiça. Destacou que o parágrafo único do art. 104 da CF/88 nos faz intuir que estamos nos referindo à magistrados de carreira ou que já sejam juízes por um tempo razoável (STF, 2012a).
O segundo caso encontrado é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.° 54, de relatoria do Min. Marco Aurélio, julgada em 12/04/2012 e publicada em 30/04/2013. O caso analisou a possibilidade de interrupção da gravidez de feto anencéfalo e reconheceu a inconstitucionalidade da interpretação de que a interrupção da referida gravidez seria tipificada como crime de aborto. As citações feitas à Rawls são encontradas nos votos da Min. Rosa Weber, da Min Cármem Lúcia e do Min. Gilmar Mendes. A primeira citação -referente ao livro O liberalismo político- é feita na análise da ponderação entre os direitos da gestante e a vida do feto anencéfalo, invocando a existência de uma sociedade plural e a impossibilidade de admitir valores absolutos em uma democracia contemporânea. A segunda citação -do livro Uma teoria da justiça- inicia o voto partindo da ideia de sociedade bem-ordenada, isto é, estruturada para promoção do bem de seus membros através de uma concepção comum de justiça. Destaca que, do ponto de vista rawlsiano da justiça como equidade, a consciência individual não deve ser respeitada de forma absoluta e não há uma liberdade absoluta de convicções morais, razão pela qual devemos decidir como agir diante de uma consciência equivocada, nos fazendo regredir a ideia da posição original para definir os princípios que cada um de nós consentiria, o que deve ser assegurado através de ação das instituições. Na conclusão do segundo voto, novamente utiliza os ensinamentos de Rawls para reforçar a ideia de uma justiça como equidade. O terceiro voto cita Rawls ao transcrever trecho do livro Proteção do Direito à Vida: a questão do aborto, de Paulo Gustavo Gonet Branco, ou seja, não há uma citação direta (STF, 2012b).
No julgamento da ADPF n.° 186, de relatoria do Min. Ricardo Lewan-dowski, julgado em 26/04/2012 e publicado em 20/10/2014, foi analisada a constitucionalidade do sistema de reserva de vagas com base em critérios étnico-racial (cotas) na seleção de candidatos para ingresso em instituições públicas de ensino superior. A citação de Rawls é encontrada no voto do relator -referindo-se ao livro Uma teoria da justiça- quando trata da ideia de justiça distributiva, isto é, transformação do direito à isonomia ou igualdade em igualdade de possibilidades, especialmente na participação equitativa debens sociais. Afirma-se que somente por meio de uma justiça distributiva, que se materializa através de uma intervenção estatal, superam-se as desigualdades que ocorrem em uma realidade fática, destacando que o modelo constitucional brasileiro incorporou mecanismos institucionais que corrijam as distorções e assegurem uma justiça distributiva (STF, 2012C).
O quarto caso encontrado é o Recurso Extraordinário (RE) n.° 567.985, tema 27 de Repercussão Geral (RG), de relatoria do Min. Marco Aurélio, tendo como redator de acórdão o Min. Gilmar Mendes, em julgamento realizado em 18/04/2013 e publicado em 03/10/2013. O julgamento declarou a inconstitucionalidade de critério legal obrigatório, para obtenção de benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente, fixado em menos de V do salário mínimo como renda familiar mensal. Rawls é citado no voto do relator Min. Marco Aurélio -através do livro O liberalismo político- quando afirma que uma sociedade verdadeiramente democrática deve eliminar a forma aguda de pobreza, destacando que se há algum consenso no âmbito da filosofia moral, este seria o dever estatal de entregar prestações básicas e necessárias à sobrevivência dos indivíduos (STF, 2013a).
O julgamento da ADI n.° 5540, de relatoria do Min. Edson Fachin, julgado em 03/05/2017 e publicado em 28/03/2019, declarou a inconstitucionalidade de norma de Constituição Estadual que exigia a autorização da Assembleia Legislativa para o processamento de Governador de Estado por crimes comuns (STF, 2017a) No mesmo sentido encontramos a ADI n.° 4764, de relatoria do Min. Celso de Mello, tendo como redator do acórdão o Min. Roberto Barroso, julgado em 04/05/2017 e publicado em 15/08/2017. Em todos os casos não há citação direita à Rawls. A sua localização se deu em razão da citação de um livro de Roberto Gargarella, cujo título é As Teorias da Justiça depois de Rawls: um breve Manual de Filosofia Política, em votos proferidos pelo Min. Edson Fachin (STF, 2017b).
Sétimo julgado localizado na pesquisa é a ADI n.° 4439, de relatoria do Min. Roberto Barroso, tendo como redator do acórdão o Min. Alexandre de Moraes, julgado em 27/09/2017 e publicado em 21/06/2018. Declarou a constitucionalidade do ensino religioso facultativo nas escolas públicas, desde que fosse assegurado o acesso e o tratamento de todas as confissões religiosas. As citações feitas à Rawls -referindo-se ao livro O liberalismo político- são encontradas nos votos do Min. Roberto Barroso, do Min. Edson Fachin, Min. Luiz Fux. No primeiro encontramos ao apresentar uma sociedade moderna, plural e secular sem esquecer a importância do papel da religião, destacando a necessidade de uma convivência respeitosa entre as distintas crenças, destacando a necessidade de prevalecer a razão pública em um espaço público. O exercício de um poder político só é adequado se for exercido conforme a Constituição, cujos elementos essenciais foram eleitos pelos indivíduos de forma livre e igual, tudo com base em uma razão comum. Apontando que a escola deve espelhar o pluralismo da sociedade brasileira, destaca que ela deve contar com a participação de todas as religiões e daqueles que optaram por não ter religiões. No segundo também se invoca o conceito de razão pública, que destaca a necessidade de o exercício do poder político adequado ser exercido de acordo com uma Constituição, que traga os elementos essenciais eleitos por todos os cidadãos. No terceiro também apresenta a ideia de razão pública, em um contexto semelhante ao já narrado no primeiro (STF, 2017C).
Na ADI n.° 2566, de relatoria do Min. Alexandre de Moraes, tendo como redator do acórdão o Min. Edson Fachin, julgado em 16/05/2018 e publicado em 23/010/2018, foi declarada a inconstitucionalidade de lei que proibia o proselitismo religioso em rádio comunitária. A citação feita à Rawls é encontrada no voto do Min. Luiz Fux -mencionando o livro O liberalismo político- quando trata da ideia de razão pública. Aponta que a rádio seria um serviço público que repercute nas liberdades básicas do cidadão, isto é, elemento constitucional essencial e justiça básica, que reclamam o uso da razão pública. Essa conduz a discussão em valores que podem ser esperado dos outros. Sendo um serviço público com exclusividade, para difundir informações e gerar inclusão social, a razão pública inspira uma programação que se aproxime de uma neutralidade ideológica sempre que possível (STF, 2018).
Há localização do Mandado de Injunção (MI) n.° 6825-AgR, de relatoria do Min. Edson Fachin, julgado em 11/04/2019 e publicado em 27/05/2019. O MI alegava uma mora legislativa em relação ao direito à morte digna, sendo reconhecida a inadequação da via eleita para o caso. No voto do relator há citação à Rawls -mencionando o artigo "A ideia de um consenso sobreposto"- ao afirmar que a dignidade humana pode ser considerada como o grande consenso sobreposto em um constitucionalismo global, isto é, em uma sociedade plural e bem-ordenada devemos partir de uma posição originária, sob o véu da ignorância, para fixação de um consenso mínimo da concepção pública de justiça. Neste viés, há um consenso global de que todos entendem que a dignidade da pessoa humana deve ser um bem básico e protegido. Destaca sua previsão em inúmeras Constituições, em documentos internacionais e decisões de Cortes Constitucionais e internacionais (STF, 2019a).
O décimo julgamento é a ADI 5624-MC-Ref, de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, julgada em 06/06/2019 e publicada em 29/11/2019. A ação analisou a constitucionalidade de dispositivo da lei das estatais que permitiam a alienação de controle acionário de empresas públicas, sociedades de economia mista ou de suas subsidiárias. A citação de Rawls é encontrada no voto do Min. Luiz Fux -especificamente citando o livro O liberalismo político- quando analisou a existência de diferentes visões ou interpretações conferidas ao art. 173 da CF/88, destacando a ideia de consenso sobreposto e da razão pública para indicar que se a Constituição não aponta de forma categórica a condução da intervenção do Estado na economia, só fixando balizas, o Judiciário deve ter uma deferência ao entendimento do Legislativo ou do Executivo (STF, 2019b).
Na ADI n.° 5346, de relatoria do Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/10/2019 e publicado em 06/11/2019, declarou-se a inconstitucionalidade de lei estadual que concedia à ex-governadores, em caráter vitalício, o direito de serviços de segurança e motoristas custeados pela Administração Pública estadual. Semelhante aos já mencionados julgamentos da ADI n.° 5540 e da ADI n.° 4764 não há uma citação direta à Rawls. A sua localização se deu em razão da citação de um livro de Roberto Gargarella, cujo título é As Teorias da Justiça depois de Rawls: um breve Manual de Filosofia Política, em voto proferido pelo Min. Edson Fachin.
As ADPF n.° 457, de relatoria do Min. Alexandre de Moraes, julgada em 27/04/2020 e publicada em 03/06/2020 (STF, 2020a), assim como a ADPF 526, de relatoria da Min. Cárme Lúcia, julgado em 11/05/2020 e publicado em 03/06/2020 (STF, 2020b), a ADPF 467, de relatoria da Min. Gilmar Mendes, julgado em 29/05/2020 e publicado em 07/07/2020 (STF, 2020C) e a ADPF 460, de relatoria da Min. Luiz Fux, julgado em 29/06/2020 e publicado em 13/08/2020 (STF, 2020d), declararam as inconstitucionalidades formal e material de normas municipais que proibiam a divulgação de material com informações de ideologia de gênero em escolas municipais. Em todos os casos Rawls é citado no voto do Min. Gilmar Mendes -com referências ao livro O liberalismo político- quando afirma que a proibição à diversidade de gênero apresenta uma visão tradicional de gênero e sexualidade que ignora o pluralismo da sociedade moderna, e essas diferentes visões não podem ser consideradas na apresentação de um conceito político de justiça. As doutrinas abrangentes -filosóficas, morais, religiosas- fazem parte da cultua social, que não integrando a noção política de sociedade.
O décimo sexto julgado é a ADPF n.° 722-MC, de relatoria da Min. Cármem Lúcia, julgado em 20/08/2020 e publicado em 22/10/2020. O caso analisou a constitucionalidade de atos de inteligência do Ministério da Justiça e Segurança Pública na produção e disseminação de dossiê com informações de servidores públicos estaduais e federais, que seriam integrantes de movimentos antifascismo e professores universitários. Rawls é citado no voto do Min. Gilmar Mendes -com referências ao livro O liberalismo político- quando destaca a necessidade de proteção ao pluralismo político como garantia da própria democracia, ou seja, em uma sociedade plural todos devem conviver e participar das deliberações estatais já que essas diferentes visões não podem ser consideradas na apresentação de um conceito político de justiça. As doutrinas abrangentes -filosóficas, morais, religiosas- fazem parte da cultua social, que não integrando a noção política de sociedade (STF, 2020e).
Na ADI n.° 6362, de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 02/09/2020 e publicado em 09/12/2020, declarou-se a constitucionalidade de norma que dispunha sobre medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública em virtude da pandemia da covid-19. O voto da Min. Rosa Weber cita Rawls -no livro Uma teoria da justiça- quando trata da faceta objetiva da requisição administrativa e afirma que um dos fundamentos constitucionais da mesma é encontrado na função social da propriedade. A partir disso, relembra a ideia de justiça intergeracional na construção rawl-siana de uma sociedade justa, isto é, a existência de um sistema econômico como instrumento que satisfaça as necessidades atuais e futuras, preservando ganhos culturais e civilizatórios em um processo de acumulação de benefícios para as gerações subsequentes. Extrai a existência de uma intersecção entre vínculos econômicos, políticos e sociais que possuem a aptidão de apresentar uma identidade de interesses da atual geração, desenhando um sistema cooperativo que propicie uma existência digna e sadia aos indivíduos. Conclui que as excepcionalidades apresentadas pela pandemia geram uma imprescindibilidade de motivação fática e técnica idônea e a proporcionalidade para enfrentamento da pandemia (STF, 2020f).
O décimo oitavo julgado é a Reclamação (RCL) n.° 38782, da segunda turma e de relatoria do Min. Gilmar Mendes, julgada em 03/11/2020 e publicada em 24/02/2021. O caso reconheceu a ofensa aos julgados da ADPF n.° 130 e da ADI n.° 2404 em razão de decisões judiciais estarem restringindo o conteúdo de sátiras religiosas ao Cristianismo. A citação de Rawls -referenciando o artigo "The priority of right and ideas of good"- é encontrada no voto do Min. Edson Fachin ao relembrar a distinção imortalizada pelo autor de que na liberdade de expressão analisa-se o que é justo ou correto e não o que tem relação com o bem ou com a vida boa, ou seja, o juízo de ponderação não deve recair sobre a dimensão de uma eticidade dominante ou cultura religiosa majoritária, mas sim sobre a dimensão normativa de princípios jurídicos, que em uma concepção política de justiça não sofre interferência das doutrinas abrangentes filosóficas, morais, religiosas (STF, 2020g).
No julgamento do RE n.° 611874, tema 386 de Repercussão Geral (RG), de relatoria do Min. Dias Toffoli, tendo como redator de acórdão o Min. Edson Fachin, em julgamento realizado em 26/11/2020 e publicado em 12/04/2021, discutia-se a possibilidade de realização de etapa de concurso público em horário diverso do determinado pela comissão do concurso, por força de crença religiosa. Foi fixada a tese de que é possível a realização em horário diverso se existir razoabilidade na alteração, for mantida a igualdade entre os candidatos e não gerar ônus desproporcional para a Administração, o que deve ser objeto de decisão fundamentada. Ralws é citado -especificamente no livro O liberalismo político- no voto do Min. Edson Fachin quando examina a compatibilização à liberdade de crença com o direito à igualdade, especificamente no ponto que analisa eventual risco efetivo para o direito de terceiros. Destaca que qualquer solução deve se adequar a fundamentação democrática do estado constitucional, não focando só na dignidade da pessoa humana, mas no valor igual de cada ser humano em dignidade, invocando, aqui, o conceito de razão pública rawlsiano. A adequação do exercício de um poder político existe se ele é exercido com base em uma Constituição, cujos elementos essenciais são aceitos por todos. Logo, o Estado deve proteger a diversidade, incluindo-se a liberdade religiosa e o direito de culto, não privando, em regra, nenhum cidadão em razão de sua crença religiosa (STF, 2020h).
No julgamento do ARE n.° 1099099, tema 1021 de Repercussão Geral (RG), de relatoria do Min. Edson Fachin, julgado em 26/11/2020 e publicado em 12/04/2021, fixou-se a tese de que a Administração pode estabelecer critérios alternativos para o exercício de direitos funcionais, inclusive em estágio probatório, para os servidores que invocarem escusa de consciência por motivos de crença religiosa, desde que haja razoabilidade na alteração, mantenha a igualdade entre os candidatos e não gere ônus desproporcional para a Administração, o que deve ser objeto de decisão fundamentada. O tema se assemelha muito ao anterior. A citação de Rawls é feita pelo Min. Edson Fachin, em contexto idêntico ao expresso acima (STF, 2020i).
O vigésimo primeiro jugado é o Mandado de Segurança (MS) n.° 37760 MC-Ref, de relatoria do Min. Roberto Barroso, julgado em 14/04/2021 e publicado em 09/08/2021. O caso questionava a não instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito, em violação ao direito das minorias, cujo objeto era analisar os atos do Governo Federal no enfrentamento da pandemia da covid-19. Ralws é citado no voto do relator Min. Roberto Barroso, especificamente o livro O liberalismo político, quando trata de democracia, legitimidade dos Tribunais e a proteção das minorias, destacando que a suprema corte ou o tribunal constitucional é um fórum de princípio e de razão pública, onde os argumentos utilizados devem ser aceitos por todos os envolvidos no debate (STF, 2021a).
O vigésimo segundo julgado localizado foi a ADI n.° 5766, de relato-ria do Min. Roberto Barroso com redator de acórdão o Min. Alexandre de Moraes, jugado em 20/10/2021 e publicado em 03/05/2022. Analisava-se a constitucionalidade da reforma trabalhista, especificamente as regras sobre gratuidade de justiça e o pagamento de ônus sucumbenciais em alguns casos, declarando a inconstitucionalidade de norma que presumia a perda da hipossuficiência pela simples existência de crédito trabalhista decorrente da relação processual que o originou. Rawls é citado -novamente no livro O liberalismo político- no voto do Min. Roberto Barroso, quando destaca a necessidade de a cobrança de ônus sucumbenciais preservarem o mínimo existencial dos trabalhadores, que também é designado por Rawls como mínimo social. Em síntese, destaca-se que o direito deve assegurar um básico, um mínimo que assegure as necessidades de uma vida digna, sem o qual não há como exercer os demais direitos fundamentais (STF, 2021b).
O penúltimo julgado é a ADI n.° 6579, de relatoria da Min. Rosa Weber, julgado em 04/11/2021 e publicado em 17/11/2021. Analisou a constitucionalidade de norma estadual que previa a disponibilização de segurança e apoio a ex-governadores. Não se trata de um acórdão que analisa diretamente as ideias de Rawls. Sua localização decorre da citação do livro de Roberto Gargarella, cujo título inclui o nome de Rawls, especificamente no voto do Min. Edson Fachin (STF, 2021C).
O último julgado é o RE n.° 912888, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, tendo como redator do acórdão o ministro Luiz Fux, julgado em 01/12/2021 e publicado em 18/05/2023. Trata-se de ação que reconheceu a constitucionalidade na tributação por Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços na assinatura básica de serviço de comunicação pelas empresas de telefonia. John Rawls é citado -especificamente o livro Theory of justice- no voto do redator do acórdão, na análise de um recurso oposto em face da decisão colegiada, citando expressamente a ideia de "véu da ignorância" para justificar a previsão constitucional de eleições periódicas e universais previamente idealizada à alocação dos papeis sociais (STF, 2023a).
Mantendo a metodologia já apresentada, a decisão monocrática mais antiga que foi encontrada no resultado da busca é a RCL n.° 15887, de relato-ria do Min. Luiz Fux, julgada em 19/06/2013 e publicada em 24/06/2013. A ação destacou a suposta violação da ADI n.° 1969-4, já que a decisão questionada determinou a abstenção de realização de manifestações em vias e logradouros púbicos em qualquer parte do Estado de Minas Gerais. Rawls é citado -especificamente o livro O liberalismo político- ao afirmar que a liberdade de reunião se apresenta como uma das liberdades básicas de um indivíduo, ou seja, deve ser reconhecido e protegido sem restrições de juízos morais contingentes ou majoritários em uma comunidade. Não é reconhecê-la como absoluta, mas sim conferir um peso especial para a liberdade de reunião (STF, 2013b).
O segundo julgado -que também aparece como um terceiro resultado de busca- é a ADI n.° 4790, de relatoria do Min. Edson Fachin, jugada em 05/05/2017 e publicada em 01/08/2017, analisava a constitucionalidade de Constituição Estadual que determinada a autorização da Assembleia Legislativa para processar e julgar Governador nos crimes de responsabilidade e crimes comuns. Rawls não é citado diretamente. Novamente há citação do livro de Roberto Gargarella, cujo título contém o nome de Rawls (STF, 2017d). No mesmo sentido -mudando apenas o Estado-, encontramos na busca a ADI n.° 4781, também de relatoria do Min. Edson Fachin, julgada em 08/05/2017 e publicada em 15/05/2017, que também aparece como o quinto resultado da busca (STF, 2017e) O ponto se repete na ADI n.° 4771 -novamente, mudando o Estado-, também de relatoria do Min. Edson Fachin, julgada em 09/06/2017 e publicada em 16/06/2017 (STF, 2017f).
O sétimo julgado é a ADPF n.° 738 MC, de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, julgada em 09/09/2020 e publicada em 11/09/2020. A ação pretendia a imediata aplicação de efeitos à consulta pública realizada junto ao Tribunal Superior Eleitoral, que tratou: 1) sobre os recursos públicos do Fundo Partidário e do FEFC e o tempo de rádio e TV destinados às candidaturas femininas; 2) reservas de candidaturas para pessoas negas em 30 %; 3) sobre os recursos públicos do Fundo Partidário e do FEFC e o tempo de rádio e TV destinados às candidaturas de homens negos serem proporcionais as candidaturas apresentadas pelas agremiações. Rawls foi citado no voto do relator na ADPF 186 -julgado destacado acima, na análise das decisões colegiadas-, quando tratou a justiça social como distinção, reconhecimento e incorporação de valores culturais diversificados, muitas vezes ditos como inferior aos ditos como dominantes, para defender a transformação do direito à isonomia em igualdades de possibilidades, especialmente na participação equitativa nos bens sociais através da justiça distributiva (STF, 2020j).
Penúltima decisão é o MS n.° 37760-MC, de relatoria do Min. Roberto Barroso, julgada em 08/04/2021 e publicada em 12/04/1988. Foi o vigésimo primeiro destacado nas decisões colegiadas. Conforme já destacado, o caso questionava a não instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito, em violação ao direito das minorias, cujo objeto eram atos do Governo Federal no enfrentamento da pandemia da covid-19. Ralws é citado, especificamente o livro O liberalismo político, quando trata de democracia, legitimidade dos Tribunais e a proteção das minorias, destacando que a suprema corte ou o tribunal constitucional é um fórum de princípio e de razão pública, onde os argumentos utilizados devem ser aceitos por todos os envolvidos no debate (STF, 2021d).
Última decisão monocrática encontrada foi a Petição (PET) n.° 8777, de relatoria do Min. Nunes marques, julgada em 19/06/2023 e publicada em 20/06/2023. Trata-se de queixa-crime movida por atual Ministro de Estado contra um Senador da República pelo Estado do Maranhão, imputando-lhe a prática de crime contra a honra. A citação de Ralws foi feita em parecer do Ministério Público Federal ao reconhecer que os fatos estariam acobertados pela imunidade parlamentar, citado pelo relator me seu voto. Aqui, não há uma citação direita das ideias de Rawls (STF, 2023b).
A pesquisa nos permitiu constatar que os conceitos que fundamentam a teoria rawlsiana são reconhecidos -por grande parte dos Ministros do STF, sejam aposentados ou em atividade- como relevantes para fundamentar decisões de casos sensíveis à democracia brasileira contemporânea. Foram localizados votos, com referência expressa e direta, dos Ministros já aposentados Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, assim como aos atuais membros da Corte Gilmar Mendes, Cármem Lúcia, Luiz Fux, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin. O trabalho de John Rawls mais citado, por treze vezes, foi o livro "O Liberalismo político", seguido por quatro citações de Uma teoria da Justiça, e com citação única de Justiça e democracia, "A ideia de um consenso sobreposto" e "The priority of right and ideas of Good".
As citações de conceitos desenvolvidos por John Rawls não são sinônimo de acolhimento, total e irrestrito, da visão de Justiça por ele proposta, que além de sofrer limitações em alguns aspectos, são apresentados, algumas vezes, juntamente à conceitos propostos por outros filósofos políticos que possuem visões próprias de Justiça. De qualquer forma, nos parece inegável que a utilização da teoria rawlsiana e os seus conceitos fortalecem a manutenção da nossa democracia constitucional.
A consolidação de uma sociedade cada vez mais plural e a polarização de discussões onde se formam blocos majoritários que tentam fazer prevalecer conclusões que sofrem influências de doutrinas abrangentes - como a religiosa, moral e filosóficas- apontam, sem uma exclusividade, para a manutenção e ampliação da aplicação das ideias de John Rawls, principalmente pelas Cortes Supremas e Tribunais Constitucional, o que já vem sendo realizado pelo STF.