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A segunda navegação e dialética de Sócrates
Socrates’ second sailing and dialectic
Revista Archai, núm. 16, pp. 305-330, 2016
Universidade de Brasília

DOSSIER



Recepção: 15 Junho 2015

Aprovação: 15 Setembro 2015

Resumo: Neste artigo, examino a célebre passage do Fedon na qual Sócrates explica a metodologia de sua “segunda navegação” (99d‑102a) e busco relacionar tal metodologia com a dialética, tal como apresentada em outros diálogos. Alego que o método que Sócrates descreve tem dois momentos. O primeiro, único praticado no Fedon, consiste não meramente em propor hipóteses, mas em propor a hipótese mais segura possível, vale dizer, a hipótese das Formas, e em construir explicações consistentes com ela. O segundo momento, anunciado no Fedon, mas não realizado ali, corresponde ao que Platão denomina “dialética” na Republica, algo que corresponde ao método da síntese e da divisão, posto em movimento nos diálogos tardios, cujo objetivo não é o de provar a existência das hipóteses propostas no primeiro momento, mas esclarece‑las ou defini‑las. Assim compreendida, a passagem em questão torna possível uma visão de profunda unidade da metodologia platônica1.

Palavras-chave: Dialética, Hipótese, Metodologia, Divisão, Definição.

Abstract: In this paper, I examine the famous passage of the Phaedo where Socrates explains the methodology of his ‘second sailing’ (99d‑ 102a) and I try to relate this methodology to dialectic as it is presented in other dialogues. I suggest that the method Socrates describes has two steps. The first step, which is the only one practised in the Phaedo, consists not merely in positing hypotheses, but in positing the safest possible hypothesis, i.e. the hypothesis of Forms, and in building explanations consistent with it. The second step, which is only announced in the Phaedo without being put to use, corresponds to what Plato calls ‘dialectic’ in the Republic, which itself corresponds to the method of collection and division practised in later dialogues, and has the aim, not to prove the hypotheses posited in the first step, but to clarify or define them. Thus understood, this passage makes it possible to see a profound unity in Plato’s methodology.

Keywords: Dialectic, Hypothesis, Methodology, Division, Definition.

I

Em uma passagem central do Fedon, para responder à objeção de Cebes de que tudo provado até agora foi que a alma dura mais que o corpo, mas não que é completamente imortal e imperecível (86e‑ 88b), Sócrates anuncia que teremos de investigar minuciosamente as causas do vir‑ a‑ ser e deixar de ser (95c‑96a).Ele então inicia relatando sua decepção em face dasvárias explicações oferecidas por filósofos anteriores,antes de descrever o que chama de ‘segunda navegação’(deuteros plous, 99d) em sua procura pelas causas:um método caracterizado por sua ingenuidade, mastambém, e mais importante, por sua segurança.

As duas páginas em que Sócrates descreve esse método (99d‑ 102a) estão entre as mais controversas em Platão. Qual é o método em questão? Como é aplicado no argumento tratado? Como se relaciona com métodos desenvolvidos por Platão em outros diálogos, notoriamente o que ele chama de ‘dialética’ – de modo que esse nome se refira a um método unificado? Uma grande quantidade de respostas muito diferentes para essas questões foram fornecidas, e parece que, entre os estudiosos, não se chegou a nenhum consenso a esse respeito. Essa situação se torna ainda mais frustrante quando Equécrates escolhe esse momento para quebrar seu silêncio e maravilhar‑ se sobre quão claramente Sócrates expôs as coisas, ‘mesmo para pessoas de pouca inteligência’ (102a), o que não é muito reconfortante para nós, leitores que nos esforçamos para entender o que ele está falando.

Neste trabalho, busco demonstrar como a passagem da segunda navegação faz mais sentido quando considerada não apenas no contexto do diálogo completo em que ocorre, mas também em relação aos textos metodológicos de outros diálogos. Tendo em vista a grande quantidade de material e a natureza controversa da maioria dos textos a que me referirei, minha fala irá necessariamente manter‑ se um pouco generalizada, e não discutirei outras interpretações de cada passagem. Meu objetivo é propor um panorama coerente dos métodos filosóficos de Platão ao articular alguns dos principais textos metodológicos encontrados em seus diálogos.

II

Primeiramente, darei mais detalhes sobre o contexto da passagem da segunda navegação. Até hoje não se percebeu, suficientemente, que o método da segunda navegação de Sócrates é uma resposta, não só à objeção de Cebes, mas, de forma geral, à ameaça de misologia, contra a qual Sócrates adverte depois que as objeções de Simmias e Cebes abalaram a audiência (Phd. 88c‑91b). A misologia, ele explica, tende a se desenvolver

“quando alguém a quem falta habilidade argumentativa (aneu tēs peri tous logous tekhnēs) acredita na veracidade de um argumento, e então pouco depois acredita que o argumento possa ser falso, algumas vezes quando ele é, e algumas quando não é, em seguida a mesma coisa acontece, com um argumento após o outro ‑ Como sabes, isto é o que se verifica especialmente a aqueles os quais gastaram todo seu tempo em antinomias (hoi peri tous antilogikous logous diatripsantes) e acabaram pensando que se tornaram extremamente sábios: eles sozinhos discerniram que não há nada são e firme (ouden hugies oude bebaion), nem nas coisas nem nos argumentos; mas que todas as coisas que são, são carregadas para cima e para baixo, assim como as coisas flutuando no Euripo, e nunca permanecem em descanso por nenhum momento.” (90b6‑ c6)1

A misologia, assim, tem uma relação próxima com os argumentos contrários ou contraditórios (enantioi logoi), que parecem, ambos, confiáveis quanto à mesma coisa: quando isso acontece, podemos pensar que nenhum argumento é confiável, afastando‑nos dos logoi em geral. É exatamente essa a situação da audiência de Sócrates na prisão: primeiro, foram convencidos por seus argumentos sobre a imortalidade da alma, mas então, foram igualmente convencidos pelas objeções de Simmias e Cebes, tanto que se tornaram incertos não apenas quanto aos argumentos já colocados, mas também quanto aos pontos que ainda seriam levantados (88c). Essa reação não é legítima, diz Sócrates. Pois mesmo se houver argumentos não razoáveis, também há alguns razoáveis, em que apenas nos aparecerão ora verdadeiros ora falsos porque somos incapazes de discerni‑ los daqueles do primeiro tipo, ou seja, por causa de nossa falta de habilidade argumentativa (99c‑ d).

A solução adequada para a ameaça da misologia seria então o ensino dessa habilidade argumentativa (tekhnē peri tous logous). Acredito que isso seja exatamente o que Sócrates faz na passagem da segunda navegação. Pois qual é a maior virtude do método recomendado ali? Sua segurança (cf. asphalestaton, 100d8; asphales, e1; tou asphalous tēs hupotheseōs, 101d2; asphalē,105b7, 9). Na verdade, esse método é apresentado como um meio de proteger alguém contra o perigo das contradições (cf. enantios logos, 101a6), o que pode aparecer tanto na forma de explicações contrárias para o mesmo fenômeno, ou a mesma explicação para fenômenos contrários (cf. especialmente 101a‑ c). De fato, em sua autobiografia, Sócrates relaciona essas contradições, que levam à confusão e até mesmo à cegueira mais aos physiologoi e à confiança excessiva posta na percepção sensível (96b, c, 96e‑ 97b, 99e, 100d, 101a), do que à antilogia. Mas essas duas fontes de contradições estão intimamente relacionadas, pois, como demonstrou George Kerferd, os fenômenos sensíveis, de acordo com Platão, são eles mesmos intrinsecamente antilogikoi. Desse modo, não há inconsistência alguma se Sócrates declara, em certo ponto do diálogo, que o maior de todos os males é tomar o visível como o que é mais claro e mais verdadeiro (83c1‑ 9), e seis páginas à frente, que ninguém poderia sofrer nenhum mal pior do que a misologia (89d2‑ 3): pois, efetivamente, um amante da verdade que confia em sua percepção sensível irá inevitavelmente cair na misologia como um resultado da antilogia dos fenômenos. Logo, não é surpresa que o primeiro passo da tekhnē peri tous logous que irá nos proteger contra tal perigo será inserir Formas inteligíveis.

III

Voltemos então à segunda navegação propriamente dita. Sócrates começa caracterizando‑ a como se constituindo em ‘tomar refúgio nos logoi’ .eis tous logous kataphungonta, 99e5), que ele explica deste modo:

“[...] assim é como tomo meu impulso (hōrmēsa): hipotetizando em cada ocasião o logos que julgo mais forte (errōmenestaton), firmo (tithēmi) como verdade quaisquer coisas que me parecem de acordo (sumphōnein) com isso, ambos sobre a causa e todo o resto; e os que não, firmo como falso”. (100a3‑ 7)

Posteriormente ele esclarece seu pensamento:

“Bom, isto é o que eu quero dizer: não é nada novo, mas o que eu falei incessantemente em nossa última discussão, assim como nas outras vezes. Irei demonstrar‑ te com qual tipo de causa venho lidando; e voltarei àquelas entidades persistentemente discutidas, e começarei, a partir delas, hipotetizando que o belo em si mesmo é algo, assim como o bom e o grande e todo o resto.” (100b1‑ 7)

Esse método é frequentemente descrito por comentadores como um ‘método de hipótese’. Certamente é verdade que o ato de ‘hipotetizar’ desempenha um papel importante nesse processo, mas não acredito que isso seja o que há de verdadeiramente novo nele. Pois como é bem sabido, o método que consiste em partir de uma hipótese é, na verdade, um processo matemático, o qual Platão muito conscientemente toma emprestado dos geômetras da época (cf. Men. 86e‑ 87b). E, de fato, tal método já fora mencionado anteriormente no próprio Fedon, entretanto não por Sócrates, mas por Símias (cf. 92d) – que parece ser mesmo próprio de um pitagórico. Assim, o que é verdadeiramente notável na segunda navegação de Sócrates, não é que começa com uma hipótese, mas o tipo de hipótese com que começa, caracterizada por sua seguranca. Como Sócrates diz, isto é ‘o logos que julgo mais forte’ (logon hon an krinō errōmenestaton einai, 100a4); e como ele imediatamente esclarece, esse logos é um logos sobre as Formas (100b1‑ 7). É importante notar que a introdução das Formas tem como objetivo explicar a força do logos em questão, e não o caráter hipotético do método; pois é perfeitamente possível utilizar um método hipotético sem as Formas. No presente momento, formas não são nada novo no diálogo também, como Sócrates reconhece explicitamente (100b1‑ 3): elas já foram introduzidas e aceitas por Símias e Cebes em várias passagens anteriores (cf. especialmente 65 s., 74a s., 77d). O que . novo aqui é o modo como são utilizadas no contexto do método hipotético. Em outras palavras, o que é distinto na segunda navegação de Sócrates não é nem o caráter hipotético nem as Formas, mas o fato de que utiliza Formas como hipoteses.

O que isso significa? Muitos comentadores entendem a palavra grega hupothesis em referência ao que chamamos atualmente de ‘hipótese’, isto é, como uma proposição ou teoria que pode ser usada como uma premissa para uma demonstração, mas que ainda há de ser testada ou provada. Eles estão intrigados pelo conselho de Sócrates de que devam considerar como verdadeiro o que está de acordo com a hipótese escolhida e falso aquilo que não está (100a5‑ 7); pois não importa como entendemos o acordo (sumphōnein) em questão. Tal processo parece arbitrário, contanto que não nos asseguremos da verdade de nossa hipótese. Mas realmente, o contexto da passagem deve esclarecer que isso nao pode ser o que Sócrates quer dizer. Pelo contrário, o caráter distintivo do método de Sócrates é a forca da hipótese de que ele parte. Em outras palavras, se esse método é tão eficiente, é precisamente porque parte de uma hipótese cuja verdade é completamente indubitável. Esta é a razão pela qual podemos seguramente supor que tudo que está de acordo com ela é verdade em si mesmo e, rejeitar aquilo que não está de acordo com ela, sendo, para nós, portanto, falso. Tal conselho não faria sentido, caso a verdade da hipótese fosse, em si, duvidosa; mas justamente – e esta é a diferença entre a aplicação do método da hipótese e a dos matemáticos – ela não o é.

O que interessa a Platão nessa passagem não é o ‘status metafísico’ das Formas, mas o que podemos fazer com elas. No contexto presente, o objetivo de introduzir Formas é que irá tornar possível prover uma consideração da causalidade a qual evita o perigo de explicações contrárias ou contraditórias. Pois se dizemos, por exemplo, que a causa das coisas belas serem belas é a sua participação no Belo em si – a única consideração da causalidade que está de acordo com a hipótese das Formas –, então podemos estar certos de que nunca iremos conhecer uma coisa bela cuja beleza pode ser explicada por duas causas contrárias, ou algo belo e algo feio que possam ser explicados pela mesma causa. Então podemos aceitar seguramente todas as explicações que estão de acordo com essa hipótese, e rejeitar todas as que não estão – explicações sobre o Belo em termos de cor, forma, etc. – desse modo, certamente nunca entenderemos de modo errado.

Desse modo, a segunda navegação de Sócrates é um método para construir logoi seguros e para rejeitar os nao‑ seguros baseado nas Formas. É assim a tekhnē peri tous logous de que precisávamos para nos defender contra a antilogia e, consequentemente, contra a ameaça da misologia.

IV

Até agora, minha interpretação provavelmente tenha parecido superficial: tudo o que Sócrates recomendou em sua segunda navegação foi elaborar apenas explicações que estão estritamente de acordo com a hipótese das Formas. No entanto, as coisas ficam mais complicadas quando voltamos para o fim da ‘passagem metodológica’ em 101d‑ 102a. Primeiramente vamos citar essa passagem inteira:

Mas se qualquer outra pessoa se prendesse (ekhoito)à própria hipótese, tu a ignorarias, e não responderiasaté que tivesses examinado suas consequências (ta ap’ekeinēs hormēthenta), para comprovar se, em tua opinião,elas harmonizam ou são desarmoniosas entre si (allēloissumphōnei ē diaphōnei); e quando tivesses que avaliar(didonai logon) a hipótese em si, reproduzi‑las‑ia do mesmomodo, novamente hipotetizando outra hipótese, sejao que lhe pareça melhor(hētis tōn anōthen beltistē phainoito),até que chegasses a algo adequado (ti hikanon);mas não irias misturar as coisas como os vendedores decontradição (hoi antilogikoi) o fazem, ao discutir o pontoinicial e suas consequências ao mesmo tempo (peri te tēsarkhēs dialegomenos kai tōn ex ekeinēs hōrmēmenōn), se,isto é, quisesses descobrir algumas das coisas que são defato. Para eles, talvez, essa não seja uma questão de poucaconsideração ou preocupação; sua sabedoria (sophias)permite a eles misturar tudo, e ainda assim estarem satisfeitosconsigo mesmos; mas tu, se és realmente um filósofo,imagino que farias como digo. (101d3‑102a1)

Essa passagem parece descrever dois processos distintos: a examinação das consequências da hipótese e a examinação da própria hipótese. Ambos levantam problemas de difícil interpretação.

Comecemos pelo primeiro. Em contraste com o que foi dito anteriormente, Sócrates não diz que devemos firmar como verdade o que está de acordo com a hipótese e como falso o que não está, mas devemos examinar se as consequências concordam ou discordam entre si. Isso realmente parece bem diferente, e também problemático; pois como consequências de apenas uma hipótese poderiam discordar entre si? Isso parece pressupor que a hipótese em questão é intrinsecamente contraditória, e que o processo aqui descrito é um meio de testar hipóteses com objetivo de rejeitar aquelas que parecem ser realmente incorretas. No entanto, tal interpretação entra em conflito com o que foi visto sobre a segurança da hipótese. Além disso, Sócrates não sugere, em nenhum lugar do texto citado, que, caso detectemos desacordo entre as consequências, devamos descartar a hipótese. Ao contrário: há razão para pensar que tal situação seria a pior para as próprias consequências. O que isso quer dizer? No contexto da segunda navegação, as consequências da hipótese são os diferentes logoi que alguém pode formular de acordo com as Formas para responder a um problema específico – no caso presente, um problema sobre causalidade. Agora, se dissermos que x, y, e . são belos porque participam do Belo em si, isso implica que x, y, e . compartilham algo – que estão de acordo entre si, precisamente porque estão de acordo com a mesma hipótese. Mas e se não estiverem? Nesse caso, deve‑ se supor que ou . ou . ou . (ou dois deles, ou todos) não participa do Belo enquanto tal – o que não significa que há coisas belas que não participam do Belo, mas que essa coisa nao e, de fato, bela, mesmo se for chamada assim.

Se interpretarmos essa passagem desse modo, ela não está mais em desacordo com a primeira descrição que Sócrates faz do método, podendo ser até mesmo uma consequência direta disso: após hipotetizar as Formas, devemos formular apenas explicações que estão de acordo com isso, por exemplo, sobre causalidade; então devemos examinar se todos os casos tratados por uma dessas explicações (por exemplo, que coisas belas são belas por tomarem parte no Belo) estão de acordo entre si, e se não, encontrar quais devem ser descartadas (por exemplo, coisas que não são realmente belas). Esse método não apenas é intrinsecamente consistente, mas também corresponde estritamente à maneira que Sócrates normalmente procede, tanto no Fedon quando em outros diálogos. Não ha realmente nada novo aqui, exceto – e isto é muito – uma formulação reflexiva sobre o método já praticado há bastante tempo.

V

Mas e quanto ao segundo processo descrito no texto citado acima? Não fica claro que esse processo deva, pelo menos, testar a hipótese em si. Não creio que seja assim. Contudo, uma vez que esse segundo processo não é praticado em nenhum lugar no Fedon – como confirmado pelo fato de que, no fim de sua demonstração completa, Sócrates recomenda à sua audiência que examine mais claramente a hipótese inicial utilizada (107b), o que sugere fortemente que não se tenha chegado muito longe na investigação ainda em andamento –, devemos buscar encontrar pistas sobre em que isso poderia consistir num outro lugar.

Um primeiro lugar em que podemos investigar é no diálogo Parmenides. Em sua primeira parte, a hipótese de Sócrates, isto é, a hipótese das Formas não é posta à prova? Esse processo não iria corresponder ao ‘agarrar‑se’ à hipótese em si? Penso que há algo a ser dito para essa interpretação, proposta notavelmente por David Gallop e Christopher Rowe. Mas o que é impressionante é a reação de Parmênides a essas objeções, já aludidas anteriormente: ele não tenta responde‑ las, mas simplesmente as ignora, e encoraja o jovem Sócrates a não se importar com elas, mas sim, treinar‑ se para estar mais bem preparado para lidar com as Formas e com os logoi em geral (Prm. 134e‑ 135d). Isso parece muito com o que o velho Sócrates diz no Fedon: se alguém se agarra à própria hipótese, ignore‑ o e não responda até que examine extensivamente as consequências da hipótese. Cada coisa em seu tempo: primeiro tente lidar corretamente com as Formas e usa‑ las para construir argumentos razoáveis, e apenas depois você estará pronto para examinar as próprias Formas mais minuciosamente. Se for assim, não se deve esperar que o método utilizado na primeira parte do Parmenides corresponda ao segundo estágio do método descrito no Fedon; e realmente, em nenhum lugar desse texto a hipótese das Formas é examinada do ponto de vista de uma hipótese superior: pelo contrário, ele foca apenas nas consequências da hipótese, tentando mostrar que são absurdas.

Um segundo lugar em que podemos investigar é no diálogo Republica. Como é bem sabido, a dialética é descrita no final do Livro VI desse diálogo (510b‑ 511e) em contraste com o método do geômetra como um exemplo do ‘estado da alma’ (pathēma en tē(i) psukhē(i), 511d7), chamado dianoia, ao passo que a dialética corresponde ao estado da alma ali chamado nous . noēsis, e posteriormente (no Livro VII) identificado com a única verdadeira epistēmē (533c‑ 534a). Ambos os métodos ocupam‑ se do inteligível, em contraste com a doxa, que diz respeito ao visível (aqui representando o sensível em geral). Mas enquanto a dianoia parte de uma hipótese e examina suas consequências com a ajuda das coisas sensíveis tomadas como imagens (eikona) do que eles estudam, a dialética (hē tou dialegesthai dunamis, 511b3), Sócrates diz, usa hipóteses não como princípios, mas realmente como hipóteses, ou seja, como passos e impulsos (epibaseis te kau hormas, 511b5) com o objetivo de atingir o nao‑ hipotético para encontrar o princípio do todo (hina mekhri tou anupothetou epi tēn tou pantos arkhēn iōn, 511b5‑ 6); e tendo apreendido isso (hapsamenos autēs), agarra‑ se novamente àquilo que depende disso, procedendo, então, em direção ao fim, sem fazer uso de nada sensível, mas apenas das Formas em si, avançando por Formas, para Formas e terminando com Formas (eidesin autois di’ autōn eis auta, kai teleuta(i) eis eidē, 511c2).

A tentativa de relacionar essa descrição de dialética com o segundo passo do método descrito no Fedon não é de forma alguma nova. No entanto, creio que a maioria das tentativas anteriores falhou, porque pressupõe uma representação errada do método descrito nessa passagem da Republica. A visão predominante é mais ou menos a seguinte: o propósito desse método é testar se as hipóteses são verdadeiras ou falsas. Para faze‑ lo, temos que procurar por algo absolutamente não hipotético, isto é, cuja veracidade seja indubitável. Esse processo é uma ascensão progressiva que leva tempo, mas pode finalmente alcançar seu fim na Forma do bem. A Forma do bem é o único princípio verdadeiro não hipotético. Uma vez alcançado, podemos provar ou refutar as hipóteses de que partimos, por meio de um processo dedutivo. Visto que nenhuma aplicação de tal método é encontrada nos diálogos, resta acreditar que isso se manteve um projeto inacabado ou que foi empreendido nas doutrinas não escritas de Platão. Acredito que quase toda essa interpretação esteja errada.

Em primeiro lugar, é simplesmente errado dizer que o método descrito na Republica tem o objetivo de testar hipóteses. Como exemplos de hipóteses, Sócrates cita o estranho, o igual, as figuras, os três tipos de ângulos e ‘outras coisas semelhantes a essas’ (510c3‑ 5). O que significaria provar que esses são verdadeiros ou falsos? Em primeiro lugar, deve‑ se então supor que o que Sócrates realmente quer dizer é que as hipóteses dos matemáticos são na verdade proposicoes da forma ‘o estranho existe’, e assim por diante – o que não é o afirmado. Mas mesmo se admitirmos isso, realmente não acredito que a veracidade de tais proposições esteja em questão aqui. O problema das hipóteses não é que podem ser falsas, mas desconhecidas, embora sejam consideradas claras para todos, conforme os geômetras – que é a razão pela qual eles não se importam em ‘expor o logos’ de suas hipóteses, uma tarefa que não conseguiriam, de qualquer forma, realizar (cf. VI 510c‑ d; VII 533c). Dessa maneira, expor o logos de uma hipótese não significa prova‑ la, mas esclarece‑la, quer dizer, torna‑ la completamente inteligivel (cf. VI 511d2), ao passo que antes de ser esclarecida, ela apenas corresponde à sombra de uma Forma, como explica o mito da caverna. E isso acontece quando alguém pergunta ‘ti esti?’ (cf. VII 533b) e alcança o logos da ousia de cada coisa (VII534b). Dificilmente se pode expressar mais claramente que o logos fornecido pela dialética não é uma prova, mas uma definicao da coisa em questão. Por isso, quando Sócrates diz que dialética ‘elimina as hipóteses’ (tas hupotheseis anairousa, VII, 533c9), ele não quer dizer que isso prova que são falsas, mas sim que isso remove seu caráter hipotético, isto é, sua falta de clareza.

Notemos que tal interpretação está perfeitamente em sincronia com as recomendações de Sócrates para seus amigos no final da última prova do Fedon. Ele diz que as hipóteses iniciais devem ser examinadas mais claramente (episkepteai saphesteron, 107b6), e que, se eles as analisassem adequadamente, seguiriam o argumento até o limite em que um homem pode chegar e não procurariam nada a mais (107b). A questão toda é sobre esclarecimento, não provas. Então por que não interpretar a expressão didonai logon utilizada em 101d6 para descrever o propósito do segundo passo do método como ‘esclarecer’ ou ‘dar uma definição’, como na Republica?

Em segundo lugar, não acredito que o caminho para o princípio não hipotético deva ser interpretado como uma subida longa e progressiva. Reconhecidamente, a base textual para isso é escassa, mas não mais que a opinião contrária. Apontarei simplesmente que o vocabulário do ‘impulso’ (hormas, VI 511b5) é reminiscente do vocabulário utilizado no Fedon para descrever o ‘impulso’ de Sócrates ‘em direção aos logoi’ (Phd. 100a3). Esse impulso foi certamente precedido por um longo período de preparação, mas uma vez que tenha aparecido, ele produz resultados quase instantâneos: uma vez que tenha embarcado em sua ‘segunda navegação’, Sócrates pode colocar Formas como hipóteses sempre que confrontado com um problema, sem precisar repetir todos os passos que o levaram para essa segunda navegação em primeiro lugar. Ora, se o segundo passo do método do Fedon, que consiste em hipotetizar uma hipótese superior para dar o logos da primeira, realmente procede ‘do mesmo modo’ que a primeira como Sócrates diz (see hōsautōs, 101d7), e se esse processo corresponde ao chamado ‘dialética’ na Republica, esse impulso em direção a algo superior pode levar tão pouco tempo quanto o primeiro. Isso irá se tornar mais claro brevemente.

Em terceiro lugar, e mais controversamente, não creio que o ‘princípio nao‑ hipotético’ seja a Forma do bem. Sócrates, naturalmente, nunca diz isso; a única razão de por que as pessoas identificam esse principio com a Forma do bem é que ele acabou de falar sobre essa Forma na passagem anterior (VI 505a‑ 509c). Mas acredito que essa identificação não possa ser colocada num patamar superior ao do programa educacional proposto no Livro VII, que implica que é perfeitamente possível praticar a dialética – portanto saber as Formas em si, em vez de conhecer suas sombras, quer dizer, esclarece‑ las por meio de um princípio (cf. VI 511d2) – bem antes de conhecer a Forma do bem em si – isto é, entre a idade de trinta e trinta e cinco anos, enquanto devemos apenas investigar a Forma do bem com a idade de cinquenta anos (cf. VII 537d‑ 540b). Uma exigência dessa natureza encontra‑ se também no mito da caverna, de acordo com o qual, o sol, correspondendo à Forma do bem, pode ser apreendido apenas depois de termos acostumado nossos olhos à luz do mundo exterior por olharmos não apenas para as sombras e reflexos, mas também para as coisas em si (VII 516a‑ b) – ou seja, ao praticar não só a matemática, mas também a dialética. Assim, o fazer dialético não pressupõe que já tenhamos conhecido a Forma do bem; e uma vez que a dialética parte da apreensão de um princípio nao‑ hipotético, esse princípio não pode ser idêntico à Forma do bem. E na verdade, nada no texto nos leva a pensar que há apenas um princípio nao‑ hipotético.

Mas se o princípio não hipotético não é a Forma do bem, e se pode haver mais do que um de tais princípios, qual é ou quais são eles? Vamos primeiro observar que tudo o que é necessário para que tais princípios sejam chamados ‘nao‑ hipotéticos’ é que eles não sejam hipotéticos. Assim sendo, como vimos, no contexto da Republica, ser hipotético não significa ser incerto, mas ser nao‑ claro e desconhecido. Isso implica que, para ser nao‑ hipotético, é necessário, simplesmente, ser claro e verdadeiramente conhecido. Isso não significa necessariamente ser claro em si mesmo ou ser conhecido por todos. Pelo contrário, assim como a hipótese nao‑clara continua desconhecida para o geometra, mesmo que seja clara quando é esclarecida pelo dialético, algo pode ser nao‑ hipotético para alguem, no sentido em que é realmente claro e sabido por ele. E, na verdade, até a hipótese da qual partimos torna‑ se nao‑ hipotética nesse sentido no fim do processo: ela perde seu status hipotético e se torna completamente inteligível para nós. A diferença entre essa hipótese que se torna nao‑hipotetica e o princípio nao‑hipotetico é que este é um principio daquele, ou seja, que ele é algo a partir daquilo, porque ela é em si mesmo clara (para nós), o primeiro pode ser esclarecido.

Assim interpretado, o princípio nao‑ hipotético da Republica pode muito bem corresponder ao ‘algo adequado’ que pode ser encontrado entre as ‘mais altas hipóteses’ do Fedon (101d7‑ 8). De fato, pode parecer estranho que o que é chamado em um diálogo de hipótese fosse caracterizado como nao‑ hipotético em outro. Mas o que é uma hipótese? De tudo que vimos até agora, podemos definir como algo que é posto como o ponto inicial de um raciocínio sem ser em si examinado por esse raciocínio. Essa definição pode funcionar tanto para o Fedon quanto para a Republica – e para o Menon também (cf. Men. 86d‑ 87b). O que é diferente nos diálogos é uma questão de ênfase: o Fedon enfatiza o lado positivo da hipótese, isto é, seu papel como o ponto inicial, enquanto a Republica insiste em seu lado negativo, a saber, o fato de que ela permaneça não examinada. Consequentemente, quando Sócrates quer descrever o modo em que a hipótese em si pode ser examinada, ele não tem problema em dizer, no Fedon, que temos que iniciar por postular uma hipótese superior, enquanto na Republica ele enfatiza no fato de que o que devemos postular de começo não pode sofrer da mesma condição que a hipótese de que partimos, ou seja, falta de clareza. No entanto, o processo é exatamente o mesmo, e tem exatamente o mesmo propósito, ou seja, fornecer o logos da hipótese em questão, isto é, esclarece‑ la.

Em quarto lugar, não acredito que a descida a partir do principio nao‑ hipotético seja dedutiva. Tudo o que Sócrates diz é que ele ‘passa de Formas a Formas e termina com Formas’. Isso não é muito, e ele expressamente se recusa a dar maiores detalhes nesse ponto posteriormente na Republica (cf. VII 532e‑ 533a). Entretanto, em vez de especular o que nos poderíamos desejar desse método, ou sobre o que Platão pode ter feito em seus ensinamentos orais – cujos relatos são completamente desprovidos de quaisquer testemunhos sobre os métodos utilizados ‑ , por que não olhar para o que o próprio Platão chama de ‘dialética’ em outros diálogos, especialmente naqueles quase unanimemente considerados mais tardios que a Republica, já que esse diálogo parece, de vários modos, programático?

VI

Agora, como é bem sabido, do Fedro em diante, o método que Platão normalmente chama de ‘dialética’ é um método de coleção e divisão (cf. especialmente Phdr. 266b, Sph. 253d‑ e, Plt. 285a‑ b et 286d‑ e, Phlb. 16c‑ 17a). Esse método é em si controverso, e suas aplicações são diferentes no Fedro, no Sofista, no Politico e no Filebo. Vamos focar no modo em que ele é apresentado no Sofista. Nesse diálogo, o Estrangeiro explica a Teeteto que, mesmo que ambos usem a palavra ‘sofista’, eles não podem ter estar certos quanto a quererem dizer o mesmo com essa palavra. Assim, eles devem esclarecer o que pensam perguntando o que é (ti pot’ esti), com o objetivo de substituir o nome (onoma) por um logos da coisa (pragma) em si (Sph. 218b‑ c). Para faze‑ lo, começam postulando um gênero (a saber, tekhnē) e o dividem em espécies (eidē) por meio de differentiae. No final do processo, eles obtêm um logos – ou melhor, vários logoi, mas podemos deixar essa peculiaridade do Sofista de lado – consistindo no entrelaçamento do gênero e todas as differentiae utilizadas para distinguir o sofista dos outros membros do gênero de que partimos.

Ao contrário do que geralmente se supõe, esse método parece adequar‑ se perfeitamente à descrição da dialética encontrada no final da Republica VI, con tanto que o interpretemos como propus. A dialética começa por reconhecer o caráter hipotético de uma hipótese – isto é, admitindo a falta de clareza do significado de um nome comum. Ela então questiona “ti esti?” com o objetivo de fornecer o seu logos. Para faze‑ lo, ela vai até um principio nao‑ hipotético – o gênero, que é superior (ou seja, mais genérico) ao que estamos examinando e mais claro para nos, pelo menos no contexto presente. Esse gênero é o principio do todo considerado, ou seja, de todos os seus membros, dos quais devemos distinguir o objeto de nossa pesquisa. Ele também é uma Forma, assim como todas as differentiae utilizadas no curso da divisão, e todas as espécies correspondentes a suas interligações com elas. Assim, o processo se move apenas através das Formas e termina com as Formas – ou seja, as espécies correspondentes à hipótese de que partimos. E a hipótese foi ‘destruída’ no processo, o que quer dizer, esclarecida e tornada inteligível, porque seu mero nome foi substituído por um logos.

Interpretado desse modo, esse método pode muito bem corresponder ao segundo passo do método descrito no Fedon também. Examinar nossa hipótese inicial do ponto de vista de uma hipótese superior e mais adequada significa: postular um gênero que devemos então dividir para fornecer o seu logos e, assim, esclarece‑ lo. Esse movimento é análogo ao primeiro passo do método da segunda navegação, resguardadas algumas diferenças: enquanto o primeiro consistia em postular uma Forma para explicar o fenômeno sensível, o segundo consiste em postular uma Forma superior para esclarecer outra. E ambos os movimentos têm o propósito de extinguir os antilogikoi. Quanto ao método de divisão, uma passagem da Republica V (454a ss.) explica o motivo: porque se as coisas não são divididas de acordo com as espécies, talvez se possa pensar que o fato de que duas coisas são tanto similares quanto diferentes é contraditório; enquanto, se forem divididas, será possível observar que o âmbito em que elas são similares não é o mesmo em que se distinguem, de forma que a contradição aparente desaparece. Por essa razão, a solução de tais contradições é novamente análoga à solução das contradições de coisas sensíveis, exceto por não requerer a postulação de algo superior às Formas em si, mas tão simplesmente requerer as Formas superiores, ou seja, gêneros. Agora podemos entender por que Sócrates insiste, no Fedon, em não discutir o ponto de partida (isto é, o gênero) e suas consequências (isto é, suas espécies) ao mesmo tempo, assim como o fazem os antilogokoi .Phd. 101e) Observemos que Sócrates repete exatamente o mesmo conselho no Filebo, mas dessa vez explicitamente em relação ao método da divisão: o problema com os sophoi modernos é que eles negligenciam os intermediários e vão diretamente de um ponto para o apeiron, ou vice‑ versa, algo que ocorre por eles procederem mais eristica do que dialeticamente (Phlb. 16e‑ 17a). Por que isso ocorre? Porque os sofismas dos controversistas apenas funcionam na medida em que alguém não distingue os diferentes âmbitos nos quais algo pode ser dito ser o que é ou não ser o que não é, como é mais claro no Eutidemo (cf. e.g. Euthd. 295b‑ c). Assim sendo, uma vez que o objetivo da divisão é precisamente distinguir os diferentes âmbitos, segundo os quais as coisas compartilham ou não uma propriedade, e consequentemente são similares (isto é, pertencem ao mesmo gênero) ou diferentes (isto é, pertencem a espécies opostas), esse é o melhor modo de bloquear raciocínios falaciosos. E é então uma parte importante do tekhnē peri tous logous que precisamos a fim de nos defendermos contra a antilogia, e, portanto, contra o perigo da misologia.

Se essa interpretação estiver correta, quando Sócrates recomenda a seus amigos que examinem mais claramente a hipótese inicial (Phd. 107b), ele os encoraja a praticar o método de divisão para esclarecer as diferentes noções utilizadas no curso do argumento. Tal recomendação é muito relevante no contexto do Fedon. Pois o que é impressionante nesse diálogo é que suas noções essenciais recebem ou nenhuma definição ou mais de uma. Por exemplo, a alma nunca é definida. Ela será, no Fedro, o que irá, incidentalmente, levar a uma nova prova de sua imortalidade (245c‑ 246a). Quanto à morte, ela recebe, como Denis O’Brien mostrou, pelo menos duas definições bem diferentes: a separação da alma do corpo (64c) e a destruição da alma (91d). A vida não é definida em si mesma, mas é possível abstrair duas concepções diferentes disso a partir daquelas duas definições da morte – propriamente a união da alma e do corpo de um lado, e a persistência da alma de outro. Desse modo, essas ambiguidades e faltas de clareza são, certamente, uma das principais razões por que os interlocutores de Sócrates, assim como os intérpretes modernos, continuam insatisfeitos com seus argumentos. Por essa última recomendação, colocada na boca de Sócrates, Platão mostra que ele está consciente disso, mas espera que isso nos leve a praticar a dialética a fim de aprofundar o assunto.

VII

Tentei mostrar que o método descrito por Sócrates como sua ‘segunda navegação’ se adapta perfeitamente bem à sequência geral de métodos desenvolvidos nos diálogos de Platão. É possível resumir essa sequência do seguinte modo: no Menon, Sócrates introduz pela primeira vez na filosofia o método hipotético, emprestado dos geômetras. No Fedon, esse método é praticado tanto por seus amigos pitagóricos, quanto por ele mesmo; mas ele faz uma adição muito importante, a saber, que, para se resguardar de contradições, e assim contra o perigo da misologia, a hipótese da qual devemos partir deve ser a hipótese das Formas. No entanto, nesse diálogo, Sócrates também anuncia que há um segundo passo nesse método, sem dar muitos detalhes, nem o praticando, exceto ao dizer que seu objetivo é fornecer o logos das hipóteses em si, isto é, as Formas. Esse segundo passo consiste em examinar cada Forma para seu próprio bem com objetivo de esclarece‑ la, ou seja, defini‑ la. Esse é o propósito da dialética, descrita primeiramente na Republica, onde é contrastada com matemática (especialmente geometria), e então no Fedro, no Sofista, no Politico, e no Filebo, onde é aplicada. Desse modo, não é de admirar que o primeiro passo do método do Fedon, o qual Sócrates foca nesse diálogo, não é chamado ‘dialética’; pois na verdade ainda não é dialética, que corresponde ao segundo passo. Além disso, as várias descrições da dialética encontradas nos diálogos posteriores à Republica são convergentes: todos buscam as mesmas coisas, propriamente fornecer o logos, isto é, a definição, do que eles examinam, ao fazerem a pergunta “ti esti?”.

Referencias

Dixsaut, M. (1991). Platon: Phedon. Traduction, introduction et notes. Paris, GF‑ Flammarion.

Gallop, D. (1975). Plato: Phaedo. Translation with Notes. Oxford, Clarendon Press.

Kerferd, G.B. (1981). The Sophistic Movement. Cambridge, CUP.

O’Brien, D. (1967‑ 1968). The last argument of Plato’s Phaedo I. CQ 17, p. 198‑ 231; II, CQ 18, p. 95‑106.

Rowe, C. (1993). Explanation in Phaedo 99c6‑102a8. Oxford Studies in Ancient Philosophy 11, p. 49‑69.

Rowe, C. (1993). Plato: Phaedo. Introduction, translation and notes. Cambridge, CUP.

Notas

1 Agradecemos a Gabriel Schoenmaker, aluno do curso de filosofia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), pela tradução deste artigo para língua portuguesa.


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