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Por que deixamos de fazer o que sempre fizemos? Instituições, existencialismo e ação coletiva transformadora na teoria dos Campos de Ação Estratégica
Pedro Frizo; Paulo Niederle
Pedro Frizo; Paulo Niederle
Por que deixamos de fazer o que sempre fizemos? Instituições, existencialismo e ação coletiva transformadora na teoria dos Campos de Ação Estratégica
Why do we stop doing what we always did? Institutions, existentialism and transformative collective action in the theory of Strategic Action Fields
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 7, núm. 16, pp. 29-49, 2019
Sociedade Brasileira de Sociologia
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Resumo: Embora as teorias institucionalistas sejam geralmente mobilizadas para interpretar a reprodução social, elas também são úteis para compreender os episódios de mudança institucional. É com este objetivo que analisamos neste artigo a contribuição da Teoria dos Campos de Ação Estratégica, de Neil Fligstein e Doug McAdam. Inicialmente, destacando as funções existenciais das instituições, discutimos como elas potencializam processos de engajamento. Em seguida, apresentamos o papel dos empreendedores institucionais na formulação de enquadramentos interpretativos que visam a alterar as expectativas ficcionais dos atores, o que é condição essencial para que estes se engajem em ações coletivas transformadoras. Finalmente, analisamos como crises e choques em outros campos contribuem para a produção de engajamento e a mudança institucional.

Palavras-chave:Transformação SocialTransformação Social,Campos de Ação EstratégicaCampos de Ação Estratégica,Expectativas FiccionaisExpectativas Ficcionais.

Abstract: Although institutionalist theories are generally mobilized to interpret social reproduction, they are also useful to understand episodes of institutional change. With this purpose, we analyze in this paper the contribution of Neil Fligstein and Doug McAdam’s Strategic Action Fields theory. Initially, focusing on the institutions’ existential functions, we discuss how they boost up processes of engagement. After that, we present the role of the institutional entrepreneurs in formulating interpretative frames to modify social actors’ fictional expectations, which is essential to engage them in transformative collective actions. Finally, we analyze how crisis and shocks in other fields contribute to produce engagement and to institutional change.

Keywords: Social transformation, Strategic Action Fields, Fictional Expectations.

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Por que deixamos de fazer o que sempre fizemos? Instituições, existencialismo e ação coletiva transformadora na teoria dos Campos de Ação Estratégica

Why do we stop doing what we always did? Institutions, existentialism and transformative collective action in the theory of Strategic Action Fields

Pedro Frizo
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Paulo Niederle
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 7, núm. 16, pp. 29-49, 2019
Sociedade Brasileira de Sociologia

Recepção: 25 Fevereiro 2019

Aprovação: 19 Abril 2019

Introdução

Historicamente, as diferentes vertentes da teoria institucionalista privilegiaram um olhar para a reprodução de práticas, valores, hábitos e tradições. Afinal, este é o papel que geralmente se credita às instituições: evitar a ameaça da crítica, impedir ou minimizar as mudanças, manter a ordem (BOLTANSKI, 2009; NORTH; WALLIS; WEINGAST, 2009). Por conta disso, compreender como as instituições potencializam a mudança social ainda é um desafio à sociologia das instituições e, mais amplamente, às ciências sociais (TOURNAY, 2011; NEE, 2005; THÉRET, 2003).

Dentre as várias vertentes da teoria institucionalista que proliferaram a partir dos anos 1980, duas se opuseram de maneira mais evidente. De um lado, o “institucionalismo da escolha racional”, orientado pelo individualismo metodológico, produziu uma visão da mudança institucional a partir da ação de indivíduos (limitadamente) racionais orientados pelo objetivo de reduzir “custos de transação” (SHEPSLE, 2006). Nesta perspectiva, as instituições são racionalmente produzidas para solucionar “falhas de mercado”, agindo basicamente como estruturas constrangedoras da ação oportunista (WILLIAMSON, 1983). Como destaca Granovetter (1985), neste caso desconsidera-se o papel das instituições como habilitadoras da ação e potencializadoras de mudança social.

De outro lado, o “neoinstitucionalismo histórico” focalizou a reprodução e a transformação das ordens institucionais a partir de uma gestão política das forças sociais (SANDERS, 2006 [1990]). Neste caso, análises históricas comparadas destacaram o modo como determinados episódios de contestação e mobilização coletiva produzem mudanças sociais radicais (SKOCPOL, 1994; MOORE Jr., 1983). Estas mudanças geralmente estão associadas ao modo como classes e movimentos sociais reagem a processos estruturais engendrados pelo desenvolvimento capitalista. Neste caso, o problema é que a organização coletiva dos atores frequentemente é assumida como uma decorrência quase natural do posicionamento dos mesmos em hierarquias sociais pré-estabelecidas. Ou seja, estes estudos também destacam as instituições como elementos de ordem social, contra a qual se erguem as classes e os movimentos sociais.

Amparados pelas críticas ao funcionalismo construídas por Selznick (1957), Wrong (1961) e Michels (1978), inúmeros sociólogos começaram a se interessar pelo tema das instituições e da mudança institucional. Os principais debates estiveram associados à sociologia das organizações (MEYER; ROWAN, 1977; DiMAGGIO; POWELL, 1983), na qual, assim como em praticamente todas as demais áreas, a questão central era encontrar um lugar para as instituições que superasse o dualismo ator-estrutura (THÉRET, 2003). Desde então, o neoinstitucionalismo sociológico tem buscado uma visão mais refinada não apenas das lógicas da ação social (individuais e coletivas) que produzem a mudança institucional, mas também das próprias instituições, que, como afirma Boltanski (2008), não podem simplesmente ser equiparadas a tudo aquilo que, em meio ao fluxo contínuo de mudanças sociais, permanece como relativamente duro ou estável, incorruptível pelo tempo, à diferença de indivíduos falíveis à mercê de uma força que lhes é exterior.

Dentre as formulações mais disseminadas na sociologia contemporânea das instituições, a teoria dos Campos de Ação Estratégica (CAE) de Neil Fligstein e Doug McAdam (2012) tem ocupado um lugar central no debate sobre a construção social das mudanças institucionais. Esta teoria foi desenvolvida a partir de um encontro entre a análise institucionalista dos mercados de Neil Fligstein e as pesquisas sobre movimentos sociais de Doug McAdam. O primeiro encontro se deu nos anos 1980, quando ambos ainda eram professores assistentes na Universidade do Arizona. Naquele momento, enquanto Fligstein estava engajado em uma análise sobre o papel do governo para regular a ação de grandes corporações (FLIGSTEIN, 1996), McAdam concluía seu estudo sobre o movimento de direitos civis nos Estados Unidos (McADAM, 1999). Deste encontro, nasceu um profícuo diálogo que, ao longo das duas últimas décadas, produziu uma abordagem cujo foco volta-se à construção de engajamento coletivo com vistas à produção de mudança institucional.

O objetivo deste artigo é estabelecer um diálogo crítico com esta teoria no que tange especificamente ao tema da influência dos choques exógenos na distribuição dos recursos à disposição dos “atores sociais hábeis” para a produção de engajamentos e construção de mudanças institucionais. O protagonismo concedido pelos autores às dinâmicas dos campos externos na formação de ações coletivas nos impele a focar o artigo nesta direção. Assim, nossa intenção é entender sob quais condições o conjunto de escolhas disponíveis (institucionalizadas) em um campo é afetado por mudanças em campos correlatos.

Complementarmente, o artigo propõe um quadro analítico para analisar sob quais condições os choques externos (ou seja, nos demais campos) modificam a probabilidade de escolhas pró-mobilizações coletivas e transformadoras. Neste sentido, o argumento aqui traçado passa, em um primeiro momento, por uma revisão conceitual sobre o papel dos “enquadramentos” (GOFFMAN, 2012) na produção de ações coletivas e, posteriormente, por uma proposição de um quadro analítico para o estudo de como crises e choques afetam as estruturas de expectativas dos atores e os enquadramentos possíveis, contribuindo ou não para o engajamento crítico e reinstitucionalizante.

As possibilidades da ação coletiva na teoria institucional

O tema da ação coletiva foi central ao desenvolvimento do institucionalismo da escolha racional (SHEPSLE, 2006). Tendo como referência ontológica o indivíduo autointeressado, cujas escolhas racionais se fazem estritamente balizadas em um cálculo intuitivo de perdas e ganhos, esta vertente argumenta que mobilizações coletivas somente se efetivam a partir de uma disposição de “benefícios seletivos” àqueles que participam. Caso contrário, a inexistência de retornos específicos e discriminados consolidaria um cenário onde a participação é desencorajada, pois qualquer indivíduo poderia usufruir dos benefícios erguidos por uma determinada mobilização coletiva, mesmo não tendo deliberadamente escolhido integrá-la – o conhecido “problema do carona” (NICHOLSON; SNYDER, 2010).

Para Olson (1965), as escolhas em um determinado jogo social podem ser induzidas mediante a existência de diferentes payoffs (resultados). Ou seja, em um cenário de transparência informacional sobre os resultados atrelados às escolhas, os indivíduos tenderão a optar por aquelas que maximizam a sua utilidade final. Neste sentido, estimular o engajamento, mesmo mediante a irrevogável perpetração do problema do “carona” em situações de escolha social, passa pela consolidação de ganhos expressivos à escolha “engajar-se em uma proposta coletiva”. No entanto, esta compreensão foi refutada até mesmo por autores alinhados à mesma vertente institucionalista, tais como Douglas North (1983), para quem as mobilizações coletivas configuram episódios caracterizados por um alto grau de incerteza quanto à dinâmica de ganhos e perdas individuais, o que afasta a possibilidade de um cálculo utilitário entre “engajar-se” e “não se engajar” – assumindo que as escolhas se apresentam de modo binário.

Para North (1983), são valores, símbolos culturais, crenças, rotinas e hábitos que definem os parâmetros de escolha. Não obstante, dentre estes fatores, o autor analisa principalmente como a “questão ideológica” opera como catalisador das escolhas que “desobedecem” a racionalidade utilitária. North define ideologia como “um dispositivo econômico para que o processo de tomada de decisão seja simplificado”, ou ainda, como um conjunto de complexas teorias sobre a “realidade social” que ensejam julgamentos de valor moral (1983, p. 49). Por se tratarem de um conjunto institucionalizado na razão humana, julgamentos individuais formam-se e implementam-se rapidamente, cristalizando um processo rotineiro de tomada de decisão guiado pelo hábito e, portanto, desvencilhando o indivíduo de complexos fluxos de raciocínio sobre os fatos sociais.

Ao entender a ideologia como um hábito/rotina de pensamento arraigado na infraconsciência humana, North (1983) caminha ao encontro da noção de Berger e Luckmann (2003, p. 79) sobre o papel do hábito nas decisões individuais, tal como os autores colocam: “o hábito implica, além disso, que a ação em questão pode ser novamente executada no futuro da mesma maneira e com o mesmo esforço econômico”. Assim, “embora em teoria haja uma centena de maneiras de realizar um projeto, o hábito reduz essas maneiras a uma”. Ao trazer as colaborações teóricas do construcionismo sociológico, North (1983) argumenta que o hábito funciona como estratégia que “economiza” o número de posicionamentos individuais possíveis frente a uma situação de escolhas múltiplas.

No entanto, qual seria a gênese das ideologias? Como estas se propagam por diferentes contextos sociais? A estas perguntas, North (1983) responde com o conceito de “empreendedores ideológicos” – líderes sociais, religiosos, intelectuais ou políticos responsáveis pela construção ideológica. A capacidade de reprodução e expansão das ideologias é determinada pela sua correspondência e congruência com a realidade empírica. Ou seja, tal como Berger e Luckmann (2003), o autor entende a “legitimação pragmática” como fator atrelado ao êxito das ideologias, cuja persistência consiste em sua capacidade de adaptação às dinâmicas transformativas da realidade social, sendo este trabalho de adaptação e legitimação central na ação dos empreendedores ideológicos. Por sua vez, os “custos de legitimação” estão associados aos investimentos privados feitos por determinado empreendedor ideológico para a divulgação de uma ideologia, para a sua adaptação segundo os últimos desenvolvimentos da “realidade” em que se situa, bem como para a sua efetiva interiorização entre os indivíduos por meio dos mais variados mecanismos de incorporação.

Este arcabouço teórico não demonstra um caminho facilmente operacionalizável. De certo modo, a perspectiva de North sofre de limitações similares àquelas que ele contestou, uma vez que ela não apresenta conceitos que demonstrem a produção do engajamento. Ou seja, não captura os processos relacionais envolvidos na construção das ações coletivas (EMIRBAYER, 1997), fazendo, dessa maneira, da cooperação um objeto caricaturado, como se esta se resumisse a uma simples identificação do indivíduo com uma ideologia. Esta limitação é tratada de modo mais consistente por autores afiliados ao neoinstitucionalismo sociológico, para os quais a ação individual é continuamente orientada por instituições herdadas culturalmente. Nesta perspectiva, Zhao (2010) refere-se a processos de “culturalização”, isto é, de incorporação das instituições sociais de tal modo que as lógicas e procedimentos organizacionais, para além de rotinas burocráticas, se tornam permeados e determinados por um conjunto de normas, regras e valores que constituem as estruturas mais elementares da existência em sociedade. Por sua vez, Hall e Taylor (2003, p. 208) sugerem que as práticas são incorporadas pelas organizações não porque aumentam a sua eficácia abstrata, “mas em consequência do mesmo tipo de processo de transmissão que dá origem às práticas culturais em geral. Desse modo, mesmo a prática aparentemente mais burocrática deveria ser explicada nesses termos culturalistas”.

A partir da ideia de que as organizações são pautadas por processos de culturalização, abre-se caminho para uma abordagem situacionista, a qual pretende considerar as dimensões institucionais constitutivas dos “espaços de ação” – arenas, campos, fóruns, ordens etc. Neste âmbito, as proposições conceituais de Pierre Bourdieu se disseminaram rapidamente na sociologia das organizações, sobretudo devido à utilidade de seu conceito de “campo” para pensar os arranjos institucionais. Para Bourdieu (1989; 2008), os campos são definidos através de um processo de estruturação ordenada das posições sociais, cujos atributos são marcados por intrínsecas desigualdades em termos de possibilidades de escolhas e de ação. Com efeito, as escolhas e a ação (“posicionamento”) individual em um campo são delimitadas pela relação ocupacional que o indivíduo mantém com o conjunto de posições estruturadas.

As mudanças sociais estão, por sua vez, associadas à capacidade dos atores de alterar as posições e hierarquias do campo. Isto implica, nas palavras do autor, alterar as “classes de condicionamento da existência” (BOURDIEU, 2010, p. 163). Contudo, o potencial condicionante de um determinado tipo de capital é variável conforme o campo em questão (cultural, social, econômico e político), tendo em vista que cada campo apresenta a sua própria “economia”, isto é, suas lógicas idiossincráticas de divisão desigual dos “objetos valiosos” (PUETZ, 2017). Com efeito, encontramos dentro de um campo uma miríade de posições estruturadas (Pe) e, a partir delas, múltiplas condições de existência e de esquemas de percepção da realidade (“formas de posicionamento social” (P) que delas se sucedem). Assim, se:

Ou seja, a variedade de condições existenciais dentro de um campo é positivamente proporcional ao número de posições estruturadas. A esta observação se faz implícita a ideia de que um campo exibirá uma ampla gama de atores distribuídos hierarquicamente e com prioridades e interesses particulares segundo a sua composição de capital próprio e sua trajetória sócio-histórica particular. Considerando a diversidade de posições existentes em um campo e dos interesses associados a cada uma delas, podemos nos questionar como é possível conciliar condições de existência distintas e, por vezes, conflitivas, com vistas a impulsionar a cooperação social. Ou seja, como a ação coletiva é orquestrada, as aspirações induzidas e os conflitos mitigados para a concepção de um projeto comum e coletivo de transformação social? Bourdieu teceu poucas considerações a este respeito, haja vista inclusive que a ação coletiva não foi um tema central para o autor. No entanto, em diálogo com seu trabalho, respostas podem ser encontradas na teoria dos Campos de Ação Estratégica (CAE).

A sacralização da existência como instrumento de produção de ação coletiva

Entender a dinâmica dos CAE exige diferenciá-los dos campos de Bourdieu. Para Fligstein e McAdam (2012), mais do que um espaço de lutas pelo controle de capitais e de sujeição individual às estruturas institucionais do campo, um CAE se constitui como espaço existencialmente interessante aos seus participantes, concedendo respostas prontas e institucionalizadas às perguntas mais subjetivas e elementares acerca da existência humana (FLIGSTEIN; McADAM, 2012). Dado que os jogos sociais dos campos são constituídos de procedimentos, práticas rotineiras e símbolos, isto é, instituições, o indivíduo encontra caminhos de significação de sua existência com a reprodução das instituições. O romance de John Fante, “1933 foi um ano ruim”, pode nos ajudar a ilustrar esta ideia dos campos como espaços de funções existenciais. Na obra, o narrador, um jovem de 17 anos que almeja transformar-se em um importante arremessador de beisebol nos Estados Unidos, se vê mergulhado em uma série de questões existenciais:

Se Deus é só bondade, por que tanto mal, e, se ele sabe tudo, por que criou as pessoas e mandou-as para o inferno? Haverá muito tempo para isso. Entre nas ligas inferiores, passe para as grandes, arremesse na World Series, chegue à Galeria da Fama. Então acomode-se e faça perguntas, pergunte qual é a aparência de Deus, por que nascem bebês aleijados e quem fez a fome e a morte.

A ausência de respostas às questões traçadas gera incômodo e desespero no narrador, o qual encontra no “campo” do beisebol norte-americano as rotinas, os hábitos, as práticas e os símbolos que o alienam destes questionamentos, concedendo-lhe significado à sua existência mesmo diante de tantas incongruências, envolvendo a existência ou não de Deus bem como a difusão de intermináveis dores e sofrimentos ao redor do mundo. As rotinas, os hábitos, as práticas e os símbolos do beisebol – sintetizados nos diferentes caminhos a serem percorridos pelo narrador em várias ligas até atingir a Galeria da Fama – apresentam-se como o verdadeiro encantamento do narrador com a illusio (BOURDIEU, 1989), que emerge nas regras e nos procedimentos do campo, que povoarão a sua consciência e o seu interesse existencial de participar deste espaço.

A transformação do campo, observada a partir desta perspectiva existencial-institucionalista, pode, por consequência, ser compreendida a partir de um novo viés epistemológico: campos estáveis não se constituem exclusivamente como espaços onde as posições estruturadas são imutáveis e, com elas, o ordenamento subjacente à distribuição de ganhos materiais e de poder em sua economia própria. Ao contrário, eles também se configuram como espaços onde as instituições – e os jogos sociais que elas operam – possuem sua validade existencial conservada e reproduzida ao longo do tempo. Em contrapartida, nos campos em transformação, as instituições são postas em xeque enquanto instrumentos de significado existencial, desencadeando a partir daí um processo de reinstitucionalização do campo.

Portanto, os campos não são somente espaços envolvidos em forças de sujeição individual, mas também são constituídos por dimensões institucionais apropriadas pelos indivíduos, os quais buscam nelas uma rotina de significação da existência. Em virtude disso, para Fligstein e McAdam (2012), as instituições não são apenas dimensões coercitivas e externas aos atores, pois estes edificam o próprio significado de sua existência por meio das instituições que orientam o funcionamento dos grupos e organizações. Com isso, os CAEs representam espaços de produção coletiva de símbolos, práticas e rotinas; ou seja, de “produção colaborativa de significado” (FLIGSTEIN; McADAM, 2012, p. 49). Esta produção permite aos indivíduos escapar dos questionamentos trazidos pelas verdades inconvenientes acerca das suas existências. Conforme definem os autores: “são as palavras significativas que nós construímos em articulação com outros que nos salvam da ‘outer perspective’ e confirmam a nossa própria significância” (FLIGSTEIN; McADAM, 2012, p. 42)[1].

A fim de interpretar como ocorre a produção de engajamento para a mudança institucional dos campos, isto é, do conjunto de procedimentos institucionalizados que organizam as significações de cunho existencial, Fligstein e McAdam (2012) destacam o papel dos “empreendedores institucionais”. Estes atores hábeis manejam reflexivamente as instituições – que, portanto, são potencializadoras da ação – com vistas a promover novos arranjos institucionais. Voltando ao excerto literário acima, as reflexões do autor em torno das incongruências da realidade nos ilustram o fluxo de pensamento crítico e reflexivo dos atores sociais nos CAEs, os quais não simplesmente adotam tacitamente as rotinas, hábitos e procedimentos dos campos em que estão, mas principalmente dispõem de potencial crítico para denunciar as incongruências e contradições produzidas pelo arranjo institucional vigente.

A ação dos empreendedores institucionais não se dá em oposição às instituições, como se estas apenas constrangessem seus projetos. Ela ocorre por intermédio das instituições, aproveitando-se das suas incompletudes e contradições. As próprias instituições são remanejadas com vistas a gerar crises no interior do campo, a tal ponto que seja necessária a reconfiguração do mesmo para re-estabilizar uma nova hierarquia de posições sociais entre os atores dominantes e desafiantes. Para gerar esta crise, a produção de laços de cooperação para a construção e legitimação da crítica envolve o manejo dos entendimentos e das significações compartilhadas no campo, assim como a veiculação de “enquadramentos” sustentados por novos valores, estimulando o reconhecimento e a identificação dos indivíduos com novos projetos. Para compreender este processo, é importante voltarmos ao conceito de “enquadramento” proposto por Erving Goffman e mobilizado na teoria dos CAEs.

Goffman (2012) analisa as interações sociais como momentos de construção de identidades a partir da orientação prática que o indivíduo constrói acerca da sua situação no cenário social. As formas de interação são construídas a partir das heranças simbólicas e culturais que orientam a movimentação dos atores de acordo com aquilo que eles acreditam ser o seu papel no mundo (e não em virtude de uma disposição racional). Assim, os enquadramentos organizam as múltiplas experiências que os indivíduos podem ter a partir do convívio social em experimentações e entendimentos específicos da realidade. Esta visão, conforme afirmam Kunrath, Cotanda e Pereira. (2017), foi revolucionária ao estudo das mobilizações coletivas, na medida em que os enquadramentos interpretativos passaram a ser entendidos como categorias para compreender como processos coletivos organizam um entendimento sistêmico da realidade em um conjunto específico de símbolos, ícones, imagens e racionalizações. Tal conjunto cria entre os indivíduos um entendimento a respeito da realidade, constituindo, assim, um importante mecanismo de engajamento e empatia com a mobilização coletiva que veicula este determinado conjunto de enquadramentos.

Algumas teorias sobre movimentos sociais, tais como aquela seguida por McAdam (1999), sugerem que a formação de quadros interpretativos (semantic frames) é essencial à produção de engajamentos. Com efeito, Fligstein e McAdam (2012) mobilizam o conceito de enquadramentos interpretativos como fundamento sociológico para entender a ação coordenada nos campos e os processos interativos que envolvem a formação de grupos. Para os autores, a mobilização de enquadramentos interpretativos demonstra a estratégia dos empreendedores institucionais de construção de “estórias apelativas”, que visam sensibilizar os indivíduos para que eles se engajem em um determinado projeto coletivo. Em termos processuais, a construção e a veiculação de enquadramentos operam, simultaneamente, como um processo inclusivo e excludente de diferentes estórias, ou seja, de agregação e supressão planejada de certos aspectos por parte daqueles que as veiculam, ou seja, os empreendedores institucionais.

Os empreendedores institucionais buscam induzir os demais atores a uma escolha. Neste sentido, subjaz, à ideia de enquadramento, o axioma de que mesmo a opção objetivamente mais atrativa – isto é, a de maior payoff – não será escolhida se o enquadramento que a envolve não a tornar atrativa de facto. A capacidade de produzir enquadramentos válidos depende da habilidade dos empreendedores institucionais em interpretar a dinâmica do campo, e, para tanto, eles necessitam compreender os projetos e os significados existenciais que os indivíduos atribuem às suas vidas. A partir disso, os enquadramentos e seus respectivos conteúdos evoluem, na visão de Fligstein e McAdam (2012), conforme percebe-se sua validade pragmática para ler os interesses em jogo e, por consequência, engajar indivíduos e grupos sociais. Este processo adaptativo aponta, por um lado, para a capacidade reflexiva dos empreendedores institucionais em reorganizar suas estórias e estratégias de engajamento em face dos interesses em jogo, e, por outro, para a capacidade de agência dos demais atores para decidir engajar-se ou não na proposta que lhes é apresentada.

Esta transposição de situações e de modos de vida é parte integrante da habilidade social dos empreendedores institucionais, a qual emerge como um mecanismo de sacralização dos significados existenciais do outro. Relembrando Durkheim (2003 [1912]) em As Formas Elementares..., Fligstein e McAdam (2012) argumentam que, nos processos coletivos, os interesses existenciais dos atores são reiterados e ressaltados como relevantes e, principalmente, como fatores basilares à existência do próprio grupo. Em outras palavras, a razão de ser de uma determinada agremiação coletiva encontra-se nas imanentes demandas que seus membros trazem consigo, apresentadas pelos empreendedores institucionais como também essenciais à existência do grupo em si. Por sua vez, estes “atores sociais hábeis” não agem exclusivamente motivados por um cálculo racional em torno dos benefícios esperados com a ação transformadora, mas também estimulados por interesses existenciais, moralidades, afetos e outras dimensões socioculturais.

Choques exógenos e a transformação estrutural dos campos

A partir do exposto, podemos definir empreendedores institucionais como atores hábeis em empreender projetos coletivos, utilizando das instituições mais apelativas e constitutivas da realidade daqueles que irão compor a mobilização transformadora. A fim de mitigar posicionamentos conflitivos, estes empreendedores pensam como múltiplos interesses podem ser identificados como interesses legítimos e comuns. Assim, a produção de ação coletiva está atrelada às habilidades estratégicas desses atores em construir uma sensação de reconhecimento e identidade entre os indivíduos engajados com a proposta coletiva, suplantando significados e interesses existenciais por vezes incomensuráveis. A construção de compromissos demonstra ser, portanto, um processo que ultrapassa as barreiras comunicativas:

Um dos principais problemas para os atores hábeis é encontrar uma forma de conectar atores ou grupos com preferências amplamente diversas e auxiliar na reordenação destas preferências. Este processo agregador, uma vez iniciado, pode tornar-se autônomo. Uma vez que um número de atores começa a participar, outros provavelmente os irão seguir. O mecanismo-chave é ter o suficiente para pôr em marcha o efeito ‘caravana’. Isto é comumente atingido a partir da construção de uma identidade coletiva razoável. Esta identidade permite aos grupos atrelar os seus interesses distintos em um projeto comum. (FLIGSTEIN; McADAM, 2012, p. 52).

A construção de grupos é um processo laborioso e depende de uma série de recursos para a veiculação de enquadramentos e para a construção de engajamento. Da mesma forma que os rituais religiosos incorporam uma série de vestimentas e adornos (DURKHEIM, 2003 [1912]), a consolidação de grupos depende, na perspectiva dos CAEs, da existência de uma série de recursos materiais e imateriais (cognitivos, discursivos, normativos, regulatórios). Neste sentido, Fligstein e McAdam (2012) posicionam os ambientes extra-campo como fontes dos recursos e de oportunidades utilizadas pelos atores hábeis para a reprodução ou transformação de um determinado campo. Por isso, as dinâmicas externas, como as crises em campos correlatos – incluindo o próprio Estado como um campo particularmente importante na produção de normas –, são importantes variáveis explicativas para a produção de ação coletiva.

Os procedimentos institucionais de um campo representam uma barreira cognitiva e coercitiva tanto para os atores desafiantes como para os incumbentes. No entanto, crises externas podem favorecer o enfraquecimento do arranjo institucional existente e, com isso, propiciar um cenário profícuo a novas estratégias de engajamento. Com efeito, é justamente com relação a esta dimensão extra-campo, e o seu papel determinante à produção de engajamento, que doravante apresentamos nossa contribuição à abordagem dos CAEs. Ela parte do reconhecimento de que, embora Fligstein e McAdam (2012) demonstrem o modo como eventos externos afetam os recursos à disposição dos empreendedores institucionais, os autores concedem menor importância à estrutura de escolhas possíveis em um campo, ou seja, ao modo como choques exógenos alteram a estrutura de “expectativas ficcionais” dos atores (BECKERT, 2016). A fim de sustentarmos esta crítica, precisamos discorrer brevemente sobre como entendemos a formação e reprodução das estruturas de expectativas compartilhadas em um determinado campo.

As sociedades modernas são organizadas por múltiplas ocupações e, acima de tudo, laços e vínculos sociais e simbólicos entre os indivíduos. Isto faz com que existam inúmeros posicionamentos nos jogos sociais e, portanto, diversas maneiras de efetivação de um sentido à existência humana. Neste sentido, no momento de atrelar a proposta coletiva e transformadora ao conjunto institucional da realidade social dos atores, o empreendedor institucional depara-se com uma enorme diversidade de enquadramentos possíveis. Esta dinâmica resume-se na linha tracejada da Figura 1, na qual os posicionamentos sociais tendem logaritmicamente ao infinito em sociedades que revelam uma crescente heterogeneidade organizacional.

O problema é que as formas de posicionamento e de escolha individual são limitadas pelas estruturas objetivas do campo, pelos seus processos formativos e pelos seus procedimentos institucionalizados, os quais determinam as formas legítimas de agir (cf. Equação 1, acima). Neste sentido, por mais que os empreendedores institucionais se deparem com um conjunto cada vez mais amplo de enquadramentos possíveis, os resultados das escolhas e dos posicionamentos individuais são limitados pelo conjunto de procedimentos institucionalizados que existem dentro de um campo. As próprias habilidades sociais dos empreendedores institucionais para inventar novos modelos de enquadramento institucional e gestão de expectativas ficcionais também são limitadas estruturalmente (BECKERT, 2013).


Figura 1
Dinâmica variacional entre enquadramentos e resultados possíveis de escolhaposicionamento social nos campos
Elaborado pelos autores

Com isso, se um campo estável se resume em um conjunto definido de escolhas “existencialmente interessantes”, as quais se efetivam na adoção de procedimentos institucionalizados, a transformação social se materializa na alteração do grau de limitação imposto por este conjunto de procedimentos. A partir desta inferência, os choques extra-campo não devem ser entendidos somente com relação ao nível de recursos disponíveis aos empreendedores institucionais para a produção de engajamentos, mas como episódios que transformam a estrutura de procedimentos institucionalizados preenchidos de significado existencial. Sendo assim, momentos de estabilidade representam conjunturas de relativa invariância na estrutura dos payoffs existenciais dos procedimentos institucionalizados, ao passo que momentos de transformação ilustram cenários de variação positiva ou negativa nesta estrutura.

Seguindo o modelo, pode-se depreender que, ou os atores adotam uma posição deliberada de reproduzir o conjunto de práticas, rotinas e hábitos institucionalizados de significação existencial, ou criticam-no a partir do engajamento em uma proposta coletiva transformadora. Neste sentido, as ações coletivas são possíveis não apenas apesar de, mas também porque o leque de escolhas possíveis é limitado pelos choques exógenos. A limitação canaliza as escolhas individuais para um conjunto mais restrito de possibilidades de escolhas, aumentando a probabilidade de o indivíduo escolher fazer do investimento próprio um projeto coletivo. Em suma:

Em t = 0

Cp = pc + p1 + p2 + ... + pn (2)

Onde,

CP: conjunto probabilístico das escolhas possíveis (sendo Cp = 1);

pc: probabilidade da escolha crítica/transformadora

p1: probabilidade de escolha 1, não crítica

p2: probabilidade de escolha 2, não crítica

pn: probabilidade de escolha n, não crítica

Após um choque exógeno favorável ao engajamento (t=1), teremos o seguinte:

Cp = pc + p1 + p2 + ... + pm (3)

Onde, 0<m <n.

Portanto, um choque exógeno será favorável à mobilização coletiva se:

Conforme a equação (4), choques exógenos favoráveis ao engajamento crítico e transformador serão aqueles que reduzirem o grau de concorrência de payoffs existenciais com a proposta crítica e reinstitucionalizante, aumentando a probabilidade de os atores escolherem o engajamento a uma proposta coletiva crítica. Esta dinâmica pode ser ilustrada na figura abaixo. Em um contexto de choques exógenos favoráveis à produção da crítica social, questiona-se a capacidade de os procedimentos institucionalizados auferirem futuramente os interesses existenciais dos atores. Assim, reduz-se a atratividade desta escolha (reprodução do campo) e aumenta a propensão a agir criticamente e coletivamente. Em contrapartida, choques exógenos desfavoráveis ao engajamento em uma nova proposta coletiva e transformadora ratificam os procedimentos institucionalizados, ampliando suas validades existenciais. Por fim, choques neutros não alteram os payoffs existenciais em jogo, reproduzindo uma igualdade de termos, no médio e longo prazo, da equação (4).


Figura 2
Dinâmica variacional entre tipos de choques exógenos e seus respectivos impactos na aderência aos procedimentos institucionalizados em jogo
Elaborado pelos autores

No campo econômico, uma vez que os choques externos – oriundos do campo político, por exemplo – alteram as estruturas de ganhos e perdas esperadas, eles podem contribuir decisivamente para modificar o regime de acumulação. No entanto, a transmissão dos efeitos dos choques políticos para a esfera da produção de bens não ocorre mecanicamente. Este processo depende do nível de abalo que a crise externa cria no arranjo de procedimentos institucionalizados. A crise pode favorecer a deslegitimação do regime de acumulação econômica, incrementando as incertezas futuras acerca da capacidade do campo (do mercado) para responder às expectativas ficcionais dos atores. Abre-se, assim, a janela de oportunidades para a emergência de novas rotinas, práticas e hábitos. Contudo, novas instituições somente serão incorporadas como elementos centrais à reestabilização do campo se elas conseguirem responder de maneira adequada às novas expectativas ficcionais (BECKERT, 2013).

Este processo é revelado nos estudos de Dubuisson-Quellier (2013) e Frizo (2019). Dubuisson-Quellier (2013) demonstra como movimentos sociais ambientalistas operam com vistas a enquadrar a ação dos grandes produtores europeus de alimentos, mobilizando valores ecológicos associados ao consumo sustentável. A partir de uma narrativa construída sobre mudanças externas, estas ONGs constroem um conjunto de expectativas ficcionais que aponta para novas oportunidades de ganhos econômicos com a adoção de processos produtivos sustentáveis. Por sua vez, Frizo (2019) demonstra como crises sistêmicas no órgão estatal de assistência técnica do estado do Amazonas, somadas a constantes choques de produtividade de técnicas agropecuárias de uso extensivo da natureza, operaram como oportunidades exógenas para ONGs produzirem novos enquadramentos para seus projetos de pecuária sustentável. A partir da oportunidade aberta pelas mudanças em outros campos, as ONGs construíram e engajaram os atores rurais locais por meio de narrativas que posicionam as rotinas de apropriação econômica dos recursos florestais que “conservam a floresta em pé” como modelo possível de subsistência, apoiando-se, para tanto, nos modelos de produção agroflorestais e silvipastoris.

Conclusões

A partir de um diálogo crítico com a teoria dos Campos de Ação Estratégica de Fligstein e McAdam (2012), este artigo discutiu as bases conceituais para analisar a mudança institucional a partir da produção de enquadramentos interpretativos e engajamentos coletivos. O primeiro argumento defendido sustenta que a produção de engajamento por parte de empreendedores institucionais demanda um processo de culturalização de suas propostas às regras institucionalizadas do campo. Como destacam Hall e Taylor (2003, p. 208), “as organizações adotam formas e práticas institucionais particulares porque elas têm um valor largamente reconhecido num ambiente cultural mais amplo”. Com efeito, a “impregnação” da crítica pela própria realidade que está sendo criticada revela o aspecto adaptativo da ação coletiva – ou seja, antes de jogar é necessário aceitar as regras do jogo. Esta espécie de tração institucional, em que primeiramente adapta-se o arcabouço de símbolos, imagens, procedimentos, rotinas e hábitos para depois mudá-lo, também sugere que as mudanças institucionais são processos gradativos associados à exaustão do sentido existencial das práticas e rotinas institucionalizadas (HALL; THELEN, 2009; MAHONEY; THELEN, 2009).

Outro argumento central está associado à compreensão do papel dos choques exógenos na promoção de mudanças institucionais. Mais do que alterar a estrutura de distribuição dos recursos à disposição dos atores, as transformações em outros campos também afetam as expectativas ficcionais que fundamentam a adesão dos atores às regras do campo. Elas alteram os significados atribuídos pelos atores sociais à sua própria existência no mundo (interpretative frame), o que implica em questionar práticas, discursos, valores e imagens naturalizados. A reinstitucionalização do campo depende, portanto, da capacidade dos empreendedores institucionais em utilizar os recursos disponíveis para produzir engajamento e, a partir disso, aproveitar as janelas de oportunidades abertas pelos choques externos. Obviamente isto implica reconhecer que a circulação destes atores não está restrita ao campo em questão. Agregar à análise as dinâmicas extra-campo é essencial para não recair no fieldcentric bias, ou seja, na visão distorcida que postula a dinâmica de um campo como unicamente dependente da movimentação de seus agentes internos (FLIGSTEIN; McADAM, 2012).

Finalmente, a pergunta que este artigo se colocou e que constitui nossa principal contribuição original a este debate diz respeito às condições para que um choque externo efetivamente produza processos de reinstitucionalização. Neste sentido, argumentamos que isto depende do grau de concorrência da proposta crítica e reinstitucionalizante com relação a outros payoffs existenciais. Isso significa que, uma vez efetivados os choques, enquadrados como significativos e associados à estrutura de interesses e expectativas em jogo, a segunda parte do “processo” situa-se no âmbito individual, isto é, na tomada de decisão por reproduzir as rotinas, as práticas e os hábitos vigentes, ou, de outro modo, por engajar-se em um processo coletivo de construção de novas instituições. Esta escolha frequentemente está associada à capacidade dos empreendedores institucionais em construir projetos que não apenas respondam a interesses utilitários, mas que façam sentido às expectativas valorativas dos atores sociais.

Material suplementar
Referências
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Notas
Notas
[1] Em certa medida, a visão dos autores sobre os rituais sociais como produtores de significado e de intensificação dos laços sociais assemelha-se à visão de Durkheim (2003 [1912]), em As Formas Elementares da Vida Religiosa, sobre as religiões totêmicas australianas. O autor credita à religião o aspecto de uma prática social que congrega indivíduos que compartilham de uma mesma crença em símbolos e imagens, os quais intensificam os laços sociais selados entre si a partir dos rituais de exaltação e divinização destes mesmos símbolos e imagens.

Figura 1
Dinâmica variacional entre enquadramentos e resultados possíveis de escolhaposicionamento social nos campos
Elaborado pelos autores

Figura 2
Dinâmica variacional entre tipos de choques exógenos e seus respectivos impactos na aderência aos procedimentos institucionalizados em jogo
Elaborado pelos autores
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