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Justiça inconclusa: vícios e virtudes da política de cotas na pós-graduação da UFRGS
Unfinished justice: vices and virtues of the postgraduate racial quotas policy at UFRGS
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 10, núm. 26, pp. 41-68, 2022
Sociedade Brasileira de Sociologia

DOSSIÊ


Recepção: 31 Outubro 2022

Aprovação: 31 Dezembro 2022

DOI: https://doi.org/10.20336/rbs.905

RESUMO: As ações afirmativas podem ser vistas como formas importantes de combater injustiças sociais, tal como o racismo. Contudo, esse fenômeno é bastante complexo, não apenas em razão de sua longevidade, mas também pelo seu caráter tridimensional, que diz respeito à ideologia, prática e estrutura. Diante disso, indaga-se em que medida as ações afirmativas adotadas pelos programas de pós-graduação da UFRGS conseguem mitigar os efeitos do racismo, removendo os obstáculos que foram por ele institucionalizados. Para responder tal questão, utilizou-se como metodologia a aplicação de questionários a alunos negros da pós-graduação, optantes pelas ações afirmativas, visando captar suas percepções sobre essas medidas. Pode-se concluir que os avanços advindos da adoção da reserva de vagas convivem com manifestações concretas de racismo, produzindo desse modo uma justiça inconclusa.

Palavras-chave: Racismo, ação afirmativa, justiça social, pós-graduação.

ABSTRACT: Affirmative action can be seen as an important means to combat social injustices such as racism. However, this phenomenon is complex, not only due to its longevity, but also because of its three-dimensional feature regarding ideology, practice and structure. In view of this, we have questioned to what extent the affirmative actions adopted by the postgraduate programs at UFRGS manage to mitigate the effects of racism, removing the obstacles that were institutionalized by it. To answer this question, the application of questionnaires to black graduate students was used as a methodology, aiming to capture their perceptions about these measures. It can be concluded that the advances arising from the adoption of the reservation of vacancies coexist with concrete manifestations of racism, thus producing an unfinished justice.

Keywords: Racism, affirmative action, justice, graduate course.

Introdução

Não há dúvidas de que o ensino superior brasileiro está se tornando mais inclusivo com a adoção da política de ação afirmativa. Essas medidas resultam de uma longa luta de movimentos sociais, em particular dos movimentos negros. Se na graduação já existe, desde 2012, uma regulamentação federal relativa à reserva de vagas, o mesmo não ocorre com a pós-graduação. Ainda que as reivindicações para que essa medida fosse empregada nos dois níveis tenham surgido de modo paralelo, o acolhimento da demanda foi bastante diferenciado. Desse modo, apesar de terem surgido iniciativas pontuais desde o início dos anos 2000, somente em 11 de maio de 2016 foi editada a portaria de número 13, que dispõe sobre a indução de ações afirmativas na pós-graduação. De acordo com esse documento, as instituições tinham um prazo de 90 dias para apresentar propostas sobre a inclusão de negros (pretos e pardos), indígenas e pessoas com deficiência em seus programas de pós-graduação (mestrado, mestrado profissional e doutorado) como políticas de ação afirmativa. A partir de então, houve um incremento de programas que passaram a adotar a reserva. No levantamento de João Feres Jr. et. al. (2018), até 2018, 26% dos programas do país possuíam algum tipo de ação afirmativa na pós-graduação. É nesse contexto que a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) também começa a implementar a reserva de vagas em alguns de seus programas.

Esse avanço, no que diz respeito à maior possibilidade de alunos ingressarem na pós-graduação via política de ação afirmativa, reforça a relação que se pode estabelecer entre esse tipo de medida e a justiça social. Há várias formas de se definir as ações afirmativas, mas, inquestionavelmente, elas podem ser consideradas como um mecanismo que visa combater as injustiças sociais. O ponto é que não se produz justiça apenas viabilizando o acesso dos alunos à universidade, pois há uma série de questões que envolvem, entre outras coisas, as condições de permanência. Diante disso, este trabalho procurou investigar a percepção dos alunos negros da pós-graduação da UFRGS em relação à política de ação afirmativa adotada em diferentes programas. Parte-se do pressuposto de que o racismo constitui um obstáculo para a consecução da justiça social e, diante disso, surge a indagação de se tal política é capaz de combatê-lo. Assim, buscou-se, através da aplicação de questionário, averiguar quais são os aspectos considerados positivos e quais são os aspectos considerados negativos nessa iniciativa, para pensar os seus limites e possibilidades de atingimento da justiça.

O artigo está organizado em três etapas. Na primeira, apresenta-se uma discussão sobre a relação entre racismo, ações afirmativas e justiça social. Na segunda, expõe-se um breve quadro da política de ação afirmativa na pós-graduação da UFRGS. A terceira parte é dedicada à análise da percepção dos cotistas e à sustentação do argumento de que há uma justiça inconclusa no sistema de cotas da pós-graduação da UFRGS, pois, ao mesmo tempo que se observam avanços, a política convive com determinados obstáculos institucionalizados que resistem a ser totalmente removidos. Em grande medida, isso pode ser explicado pelo caráter tridimensional do racismo, que se apresenta como ideologia, prática e estrutura.

Racismo, ações afirmativas e justiça social

O racismo é um fenômeno complexo, e isso se deve, entre outros fatores, à sua longevidade histórica e às suas múltiplas dimensões constitutivas. Para alguns autores, só seria possível falar em racismo quando surgem as teorias da raça. Francisco Bethencourt (2018) procura romper com essa visão, destacando a importância de atentar-se para os antecedentes históricos e para as formas de classificação. Essas últimas têm a capacidade de moldar o comportamento humano em todos os níveis da sociedade e ainda têm o poder imenso de escalonar os grupos sociais. Além disso, o autor pondera que as classificações raciais podem impor limitações para determinados grupos e permitir que outros monopolizem certos recursos. É nesse sentido que, a partir de uma leitura de Aníbal Quijano (2005, 2009), pode-se pensar em desenvolvimento do racismo na América Latina a partir da colonização. Também a partir desse autor, podemos pensar nas dinâmicas que tornaram possível que o racismo se tornasse um mecanismo de poder, o que está diretamente relacionado ao seu processo de institucionalização. Nesse caso, é importante seguir a proposta de Luiz Augusto Campos (2017) e pensá-lo como um fenômeno tridimensional. Assim, o racismo diz respeito: a) a uma doutrina, ideologia ou conjunto de ideias; b) a um conjunto de atitudes, práticas e comportamentos mais ou menos irrefletidos; c) a uma propriedade de estruturas sociais, sistemas ou instituições. Por vezes, essas dimensões são vistas de forma separada ou de modo hierárquico. O autor, que parte da abordagem do realismo crítico, procura justamente destacar que sua ideia não consiste em construir um argumento de que uma dimensão possui precedência causal e teórica sobre as outras. Ao mesmo tempo, não há a intenção de afirmar que o racismo pode se expressar de forma autônoma nos três níveis ou ainda que há uma fusão das categorias que poderia originar um quarto conceito. Trata-se de integrar as três dimensões do racismo (ideológica, prática e estrutural) para investigar como elas se articulam empiricamente em contextos históricos e geográficos específicos.

Neste artigo, não se tem a pretensão de fazer uma reconstrução histórica do modo como as três dimensões do racismo foram se articulando na sociedade brasileira. O que se quer argumentar é que esses três componentes estiveram presentes em nosso país desde a sua constituição. Um conjunto de ideias sobre os negros precede a invasão do continente americano, sendo que a intensificação do tráfico e a escravização dos africanos, devidas às relações de dominação que estavam se formando, levaram a uma atualização desses componentes no que veio a se tornar a sociedade brasileira. Peter Wade (2000) explica que, quando portugueses e espanhóis chegaram ao Novo Mundo – devido aos textos clássicos, às fontes religiosas, aos relatos de viajantes, bem como ao contato com a África –, já conheciam bem os africanos e tinham ideias depreciativas em relação a eles. Inclusive, essas ideias serviram para justificar sua escravidão. De modo mais específico, Aníbal Quijano (2005) afirma que a constituição da América e do capitalismo colonial/moderno e eurocentrado deu origem a um novo padrão de poder mundial, que tem como um dos eixos fundamentais a classificação social da população mundial a partir da ideia de raça. Assim, os povos dominados e colonizados foram colocados numa situação natural de inferioridade, do mesmo modo que seus traços fenotípicos e suas descobertas mentais e culturais. O mais importante é que a raça se tornou um critério fundamental para a alocação da população mundial nos níveis, lugares e papeis na estrutura de poder na nova sociedade. Dessa maneira, Aníbal Quijano (2009) sublinha a importância de se levar em consideração a relação entre classificação social e uma dada distribuição nas relações de poder social, tendo em vista que é essa distribuição de poder que serve para classificar as pessoas socialmente, determinando as suas recíprocas relações e gerando as suas diferenças sociais.

Dada essa complexidade do racismo – e o fato central de que ele constitui um mecanismo de poder que tem importância crucial nas sociedades modernas –, a luta para sua superação só pode ser pensada se for levado em consideração o seu caráter tridimensional. É nesse sentido que vem se construindo a luta das entidades dos movimentos negros no Brasil, sobretudo a partir dos anos 1970. Não está entre os objetivos deste artigo analisar o desenvolvimento dessa luta, mas é importante mencionar alguns pontos principais para situar em linhas gerais a emergência das ações afirmativas em nosso país. A fundação do Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978, é um importante momento de inflexão. Em primeiro lugar, diferentemente de movimentos anteriores, havia uma forte ênfase na luta contra a discriminação racial e não apenas contra o preconceito racial. Além disso, a denúncia ao mito da democracia racial tem um lugar central. Assim, o ato de fundação do MNU “tornou-se um marco referencial na história do país, porque marcou a entrada de uma nova campanha política de cunho antirracista com projeção nacional”, como aponta Flávia Rios (2012, p. 50). Outro momento crucial foi a comemoração do tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares, que ocorreu em 1995. Nessa ocasião, foi realizada a Marcha Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida que, além de aglutinar o movimento negro, contou com a mobilização de políticos e organizações sindicais. Como resposta às reivindicações do grupo, o então presidente Fernando Henrique Cardoso anunciou a criação do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), que deu início a uma reflexão sobre ações afirmativas em nível federal. Deve-se ainda mencionar que, em 13 de maio de 1996, foi lançado o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) que, conforme Sabrina Moehlecke (2002), tinha como um de seus objetivos desenvolver ações afirmativas para o acesso de negros aos cursos profissionalizantes, às universidades e às áreas de ponta. Apesar desses avanços, será somente após a III Conferência Mundial da Organização das Nações Unidas (ONU) contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e as formas conectas de intolerância, realizada em 2001 em Durban, na África do Sul, que as ações afirmativas no ensino superior brasileiro vão se tornar realidade. É importante destacar tanto a participação das entidades do movimento negro na Conferência – que resulta de um longo trabalho de preparação para apresentar as demandas para denunciar o racismo e exigir medidas para combatê-lo –, quanto o resultado concreto que foi conquistado, materializado no Plano de Ação. Para Matilde Ribeiro (2014), a Declaração e o Programa de Ação de Durban, bem como as estruturas criadas para o seu acompanhamento estimularam os Estados signatários a adotar medidas para implementação de políticas de igualdade racial, sendo possível identificar uma resposta ativa através da criação e/ou potencialização de órgãos governamentais dedicados ao tratamento das questões raciais nos países latinos.

Em síntese, as ações afirmativas que começam a ser implementadas no início dos anos 2000 no ensino superior brasileiro são fruto dessa luta, que ganhou maior intensidade nos anos 1970, mas que já existia há longa data em nosso país.1 Há várias razões para sua implementação, as quais estão relacionadas tanto ao racismo quanto às persistentes desigualdades raciais. Petrônio Domingues (2005), por exemplo, salienta que o Brasil é o país da segregação racial não declarada, o que pode ser atestado por meio de vários indicadores sociais que demonstram a distância social entre brancos e negros em diferentes esferas sociais – saúde, trabalho, educação etc. Para o autor, tais ações servem não apenas para diminuir as desigualdades no que diz respeito às oportunidades educacionais de brancos e negros, mas também viabilizam uma maior representação da população negra. Já Valter Silvério (2002) toca em um aspecto crucial que tem a ver com a possibilidade de minimizar os custos sociais das populações que foram colonizadas. Nesse sentido, trata-se de colocar em xeque os limites das políticas universalistas e, ao mesmo tempo, enfatizar a necessidade de rever o pacto social.

Como bem observam João Feres Jr. e Luiz Augusto Campos (2016), a definição de ação afirmativa é bastante ampla, incluindo uma variedade de políticas, de diferentes desenhos e parâmetros, que dependem de contextos institucionais e culturais de cada país em que tal política foi implementada.2 Apesar dessa diversidade, é valido ressaltar a relação entre ação afirmativa e justiça social. A ideia básica de ação afirmativa deriva precisamente do centenário conceito inglês de equidade (equity), ou da noção de administração da justiça de acordo com o que era justo numa situação particular, por oposição a uma aplicação estrita de normas legais, que pode acarretar consequências cruéis (Silvério, 2002). Retomando a perspectiva do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa Gomes, Silvério explica que, dentro das políticas afirmativas, podem existir dois tipos de ações: as reparadoras ou restauradoras (ou ainda compensatórias) e as redistributivas. As primeiras estariam vinculadas ao ressarcimento de danos causados, seja por pessoas físicas ou jurídicas, seja pelo Estado, a pessoas identificáveis como pertencentes a determinados grupos. É importante frisar que, tal como apontado por Sabrina Moehlecke (2002), a ação afirmativa não corresponde especificamente a uma política compensatória redistributiva, tendo em vista que ela exige que a carência socioeconômica dos indivíduos seja identificada como consequência da discriminação racial, étnica ou sexual. É nesse sentido que fica claro o caráter antirracista dessa dimensão. Já as segundas visam promover a igualdade proporcional na distribuição de direitos, privilégios e ônus entre membros da sociedade. Desse modo, o viés redistributivo direciona-se de modo mais direto para a dimensão estrutural do racismo. Quando se fala em distribuição de direitos e privilégios, traz-se à tona a questão de que o racismo não é uma disputa de soma zero. Carlos Hasenbalg (1979) acentua a importância do conceito de privilégio racial forjado pelas teorias coloniais, tendo em vista que essa noção permite pensar tanto a exploração econômica quanto a “mais-valia” psicológica, cultural e ideológica que o grupo dominante branco extrai do colonizado. Não se trata de um processo que tenha findado. O próprio autor afirma que a maior parte dos brancos tira vantagens do racismo e da opressão racial porque isso lhe garante uma vantagem competitiva vis-à-vis à população negra, no preenchimento das posições da estrutura de classes que comportam as recompensas materiais e simbólicas mais desejadas.

É precisamente por isso que os objetivos das ações afirmativas são diversos. Petrônio Domingues (2005, p. 166), citando Joaquim Barbosa Gomes, esclarece que, entre esses objetivos, estão:

induzir transformações de ordem cultural, pedagógica e psicológica, visando a tirar do imaginário coletivo a ideia de supremacia racial versus subordinação racial e/ou de gênero; coibir a discriminação do presente; eliminar os efeitos persistentes (psicológicos, culturais e comportamentais) da discriminação do passado, que tendem a se perpetuar e que se relevam na discriminação estrutural; implantar a diversidade e ampliar a representatividade dos grupos minoritários nos diversos setores; criar as chamadas personalidades emblemáticas, para servirem de exemplo às gerações mais jovens e mostrar a elas que podem investir em educação, porque teriam espaço.

Apesar de as ações afirmativas possuírem um enorme potencial para promover a justiça social, deve-se reconhecer que tal tarefa não é algo simples. Em grande medida, isso se explica, pois a implementação desse tipo de ação envolve o atendimento de reivindicações de caráter multidimensional. Para Nancy Fraser (2013), quando se tem demandas desse tipo, o princípio normativo que se deve adotar para a realização da justiça social é o da paridade participativa. A ideia básica é que todos possam participar como iguais da vida social, o que só pode ser viabilizado se os obstáculos institucionalizados forem removidos. A autora cita que estes podem se apresentar de três formas distintas: a) nas estruturas econômicas, provocando injustiça distributiva ou má-distribuição; b) nas hierarquias institucionalizadas de valor cultural, que provocam desigualdades em termos de status ou mau-reconhecimento; c) nas regras estabelecidas que provocam injustiça política ou má-representação. O que se quer argumentar é que é possível pensar por analogia em obstáculos que tomam corpo na política de ação afirmativa dos programas de pós-graduação das universidades brasileiras. Além disso, tendo em vista que o racismo é um obstáculo para a justiça social, a questão que se coloca é em que medida é possível que essas ações consigam combater o racismo, considerando o seu caráter tridimensional. Nas etapas seguintes, procurar-se-á responder a essa questão.

As ações afirmativas na pós-graduação da UFRGS

De acordo com levantamento do Departamento de Educação e Desenvolvimento Social – DEDS, vinculado à Pró-Reitoria de Extensão, em 2021, dos 92 programas de pós-graduação da UFRGS, apenas 18 tinham algum tipo de cota, o que representa menos de 20%. Não há uma regulamentação geral na universidade para a adoção de cotas, sendo que cada programa tem autonomia para adotar ou não essa medida e definir os seus critérios. Há uma tentativa de uniformizar o acesso, sendo que a Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PROPG) realizou um estudo que tem por objetivo viabilizar a publicação de uma resolução que abarque todos os programas. Além disso, em 2021, o Ministério Público Federal (MPF) emitiu uma recomendação para que a universidade adote uma política de ações afirmativas uniforme em todos os seus programas no prazo de seis meses. No documento publicado pelo MPF, sugere-se que as regras adotadas pelos programas contemplem critérios mínimos qualitativos – tais como reserva de vagas para pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência – e, também, quantitativos, observando proporções mínimas a serem reservadas, como apontam Karoline Costa e Fernanda da Costa (2020).

O quadro 1 apresenta a listagem dos cursos que atualmente adotam a reserva de vagas.

Quadro 1
Cursos de pós-graduação da UFRGS com ações afirmativas

Fonte: Costa & Costa (2020).

Como pode ser observado no quadro acima, há uma maior predominância de reserva de vagas nos cursos das áreas das Ciências Humanas, sejam elas aplicadas ou não. Esse mesmo resultado foi encontrado na pesquisa realizada por Anna Venturini e João Feres Jr. (2020) em seu levantamento nacional. Na área da saúde, apesar de haver reserva de vaga na Psicanálise, na Psicologia Social, na Enfermagem e na Saúde Coletiva, cursos que são bastante valorizados socialmente, tais como Medicina e Fisioterapia, ainda não adotam qualquer tipo de política. Cabe ainda ressaltar que nenhum curso das Ciências Exatas e da Terra ou das Engenharias possui formas de incentivo para a inserção de grupos minoritários na pós-graduação, demonstrando assim que as áreas duras são mais resistentes a medidas de inclusão, como também foi destacado por João Feres Jr. et al. (2018).

Observando-se os editais de seleção de 14 programas, foi possível constatar que o público-alvo das cotas na pós-graduação tende a ser mais amplo que aquele focalizado no nível imediatamente anterior. Assim, na pós-graduação, a política é mais abrangente, como pode ser observado no gráfico 1.


Gráfico 1
Público-alvo das ações afirmativas na pós-graduação da UFRGS
Fonte: Dados da pesquisa - Editais de programa de pós-graduação – UFRGS.

Entre os quatorze programas de pós-graduação que tiveram seus editais analisados nesta pesquisa, onze têm como beneficiários os negros e os indígenas. Logo em seguida, aparecem as pessoas com deficiência, transexuais e travestis como alvo prioritário. Também são abrangidos pelas cotas os refugiados e portadores de visto humanitário, quilombolas e beneficiários do Programa Universidade para Todos (Prouni) ou outros programas equivalentes. Ainda que haja uma diversificação do público-alvo, deve-se ressaltar que o foco principal das cotas na pós-graduação costuma ser os estudantes negros – pretos e pardos – tendo em vista que, dentro da reserva de vagas, a maior parte delas é destinada a esse grupo. As cotas são variáveis entre os programas, mas, de um modo geral, costumam ficar entre 20% e 30% das vagas, sendo que, dentro desse percentual, pelo menos 50% são destinadas a candidatos pretos e pardos. No levantamento nacional realizado por João Feres Jr. et al. (2018), também aparecem os pretos e pardos como principais beneficiários das ações afirmativas na pós-graduação.

Na pós-graduação, há, em certa medida, a passagem do paradigma classista para o paradigma da diversidade, diferentemente do que ocorre na graduação. João Feres Jr. e Luiz Augusto Campos (2016) mencionam que, antes da Lei Federal n. 12.711/2012, a maior parte das universidades brasileiras adotava ações afirmativas de corte socioeconômico e não racial. Ainda segundo os autores, essa ascendência de critérios socioeconômicos sobre critérios étnico-raciais foi reforçada pela Lei de Cotas. Já na nossa investigação, identificamos somente um programa que coloca a exigência de os candidatos à reserva de vagas terem cursado o ensino médio em escola pública, que é o de História. Todos os demais não introduziram qualquer critério socioeconômico. Desse modo, abre-se perspectiva para que outras diferenças sejam consideradas como produtoras de desigualdade e há o reconhecimento de que existem injustiças sociais relacionadas a valores institucionalizados que impedem a participação paritária, tal como propõe Nancy Fraser (2013).

Quanto ao processo seletivo propriamente dito, assim como ocorre nos cursos de graduação, há algumas diferenças entre os optantes pelas cotas e os candidatos do acesso universal. Em todos os programas, há uma preocupação de que os optantes por ações afirmativas participem de todas as etapas do processo seletivo. Na maioria das vezes, a primeira etapa, que costuma ser uma prova escrita, tem caráter meramente classificatório e não eliminatório, como é para os demais candidatos. Outra diferença está na nota final para aprovação: entre os quatorze programas analisados, sete estabelecem uma nota de corte menor para os optantes. Assim, o programa de pós-graduação em educação, por exemplo, define como nota mínima para aprovação de candidatos pelo acesso universal 7,0; enquanto, para os optantes, a nota de corte é 6,0. Os programas de pós-graduação em História, Antropologia, Psicologia Social, Artes Cênicas e Psicanálise estabelecem nota de corte 7,0 para o acesso universal e 5,0 para os optantes. Esse dado revela que o princípio do mérito também está sendo colocado em xeque por meio da reserva de vagas.

Por fim, alguns programas, tais como o de História, Psicologia, Psicanálise, Administração e Educação, possuem comissões para o acompanhamento da política. Os três primeiros adotam ainda outras medidas para facilitar a inclusão, entre elas: a) candidatos optantes têm prioridade na atribuição de bolsas de estudo; b) acompanhamento contínuo da atividade dos cotistas; c) possibilidade de os alunos participarem de curso instrumental de língua estrangeira, sendo que os créditos obtidos são considerados pelo programa; d) atribuição de coorientador para estudantes indígenas; e) ampliação da representação discente do Programa com mais de uma vaga reservada aos estudantes autodeclarados. Cumpre ainda destacar que, em todos os programas que adotam reserva de vagas para transexuais e travestis, é autorizado o uso do nome social desde o processo seletivo. Em conjunto, essas medidas também sugerem que há um esforço para romper com os obstáculos institucionalizados no sistema educacional. Vejamos agora a percepção de beneficiários negros das ações afirmativas.

Justiça inconclusa: a percepção dos beneficiários negros das ações afirmativas

Nesta etapa do trabalho apresentaremos o resultado de um levantamento que foi realizado com estudantes aprovados e que, no momento da inscrição para a pós-graduação, optaram pela reserva de vaga na modalidade racial. Assim como ocorre na graduação, também na pós já existe, na universidade, a criação de redes de apoio que permitem a esses alunos manterem contato entre si, independentemente do curso que frequentam. Isso viabilizou a realização desta pesquisa. Foi elaborado um questionário com perguntas abertas e fechadas no Google Forms, e solicitou-se que uma aluna da pós-graduação fizesse o compartilhamento no grupo de Whatsapp organizado por esses alunos. Esse questionário opera por uma lógica qualitativa, pois não só faltam dados sobre o número total de alunos que se inscreveram pelas cotas e foram aprovados nos diferentes programas, mas também não há informações precisas sobre o percentual de alunos que aderiram ao grupo de Whatsapp. Desse modo, não se tem a pretensão de ter alcançado, neste levantamento, uma amostra representativa desses estudantes.

Além de buscar traçar o perfil dos alunos optantes pelas ações afirmativas na modalidade racial, o objetivo do questionário foi identificar aspectos considerados positivos e aspectos considerados negativos na política de ação afirmativa da pós-graduação. Simultaneamente, deve-se salientar que a elaboração de questões também tem relação com as vivências pessoais desta pesquisadora enquanto docente de um dos programas que adota a reserva de vagas. Assim, vislumbrou-se a possibilidade de verificar em que medida as questões levantadas por alunos, em sala de aula ou conversas informais, e também por orientandos, afetavam os estudantes negros de um modo geral. De forma específica, inquiriu-se sobre se os respondentes consideravam a universidade um ambiente hostil e por quê. Essa retórica da hostilidade é um tema recorrente entre alguns alunos negros com quem tenho contato mais direto e também aparece em momentos de discussão sobre o sistema de cotas da universidade.

O questionário foi disponibilizado entre julho e dezembro de 2019, tendo sido respondido por vinte pessoas pertencentes aos cursos de Artes Cênicas, Educação, Antropologia, Psicologia, História, Comunicação e Sociologia. A primeira parte do questionário buscou identificar, sobretudo, o perfil socioeconômico dos respondentes. Nesse universo, dez ingressaram pela cota racial; seis pela cota racial e social e quatro fizeram a opção pelas cotas no momento da inscrição, mas foram aprovados pelo sistema universal. Entre os respondentes, 15 eram mulheres e cinco eram homens; 15 pessoas se identificaram como pretas e cinco como pardas; 12 eram alunos do mestrado e oito do doutorado. De um modo geral, pode-se afirmar que os respondentes são provenientes de classes sociais baixas. A escolaridade dos pais desses alunos é variada, mas, em geral, são pessoas que obtêm baixos rendimentos: 11 informaram que o rendimento dos pais fica entre um e três salários-mínimos; sete disseram que a renda varia entre três e seis salários-mínimos e apenas dois assinalaram uma renda familiar bruta entre seis e nove salários-mínimos. Outro indicador que sugere um pertencimento a classes menos abastadas é que, entre os respondentes, 19 afirmaram que trabalhavam antes de ingressar na pós-graduação, sendo que dez ainda trabalham. Soma-se a isso que 14 informantes começaram a trabalhar entre os 14 e 16 anos. A análise desses dados permite levantar a hipótese de que, tal como ocorreu na graduação, além da diversidade racial, com o sistema de cotas tem-se uma mudança de perfil socioeconômico dos alunos da pós-graduação. Isso traz um desafio para a universidade, pois não apenas ela é um espaço majoritariamente branco, mas também de elite. Como veremos mais adiante, surgirão críticas a esses elementos.

Os alunos reconhecem vários aspectos positivos no programa de ações afirmativas. Em um primeiro momento, foram realizadas duas perguntas fechadas, em que os alunos deveriam responder como avaliam a política no que se refere ao ingresso e à permanência. As opções de resposta eram: plenamente satisfatória, satisfatória, insatisfatória e muito insatisfatória. No que diz respeito às normas de ingresso, por exemplo, 17 participantes da pesquisa as consideraram plenamente satisfatória ou satisfatória. Esse dado é importante, mas precisa ser visto com a ressalva de que a questão foi respondida por aqueles que obtiveram sucesso na seleção. Em pesquisas futuras, seria preciso inquirir aqueles que não foram aprovados e, também, verificar qual a taxa de sucesso dos optantes no processo seletivo. Em um segundo momento, pedia-se aos respondentes que citassem os principais pontos positivos e os principais pontos negativos da política. É a partir daí que surgem os pontos mais importantes que serão destacados nesta seção do artigo. No quadro 2, procura-se apresentar uma listagem de outros aspectos positivos que foram destacados pelos alunos em suas respostas abertas.

Quadro 2
Aspectos positivos das ações afirmativas na pós-graduação da UFRGS

Fonte: Dados da pesquisa.

Argumentos relacionados à diversidade e à reparação foram os mais citados. O primeiro elemento apresenta um sentido amplo, tendo sido destacadas tanto a diversificação do perfil discente quanto a diversidade epistemológica. De acordo com balanço de 2019 realizado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), na pós-graduação, 29% dos alunos eram pretos ou pardos (Sander, 2021). Ainda que esse número revele que as desigualdades raciais ainda são gritantes, é importante assinalar que tem aumentado a participação da população negra nesse nível de ensino. De acordo com Amélia Artes (2018), entre 2000 e 2010, o percentual de negros no contingente de pós-graduados passou de 13,3% para 24,9%.3 Por outro lado, a autora informa que as disparidades se tornam maiores à medida que se avança no nível de escolarização: no ano de 2010, havia 36 negros para cada 100 brancos no mestrado, já no doutorado o número era de 29 negros para cada 100 brancos.

Quanto à diversidade epistemológica, ela foi apontada como um fator importante. A possibilidade de os alunos apresentarem suas ideias e experiências é um elemento crucial para a permanência. No entanto, como veremos a seguir, esse é o tema que também concentra grande parte das queixas dos alunos. O que se pode concluir é que, quando há abertura e valorização de diferentes saberes, bem como mudanças didáticas e metodológicas, os alunos investigados se sentem mais acolhidos pelo ambiente universitário.

Outro ponto apontado como positivo nas respostas abertas é a relação entre a política de ação afirmativa da pós-graduação e a ideia de reparação. Pode-se interpretar que essa estaria sendo construída em três níveis, de acordo com a percepção dos alunos: a) equiparação social; b) combate ao racismo; e c) correção contra injustiças históricas sofridas pela população negra. Mesmo que todos esses elementos tenham sido citados, as respostas dadas enfatizam a importância da possibilidade de acesso. Há falas destacando que, se não fossem as cotas, não teriam essa oportunidade, por exemplo. Também dentro dessa discussão, foi mencionada a importância de ocupar espaços que são nossos por direito. É possível afirmar que há uma clara reivindicação por parte dos respondentes por igualdade de oportunidades, o que coloca em xeque uma das lógicas do racismo, que consiste precisamente em criar um monopólio das oportunidades sociais para os indivíduos brancos.

Por outro lado, os alunos também identificaram pontos negativos da política nas respostas descritivas, o que nos permite argumentar que há uma justiça inconclusa no sistema de cotas da pós-graduação da UFRGS. Ao mesmo tempo que houve importantes avanços (que restam demonstrados pelos aspectos positivos salientados pelos alunos), a política convive com determinados obstáculos institucionalizados que resistem a ser totalmente removidos. Em grande medida, isso pode ser explicado pelo caráter tridimensional do racismo. Como poderá ser visto a partir dos elementos listados no quadro 3, há uma certa contradição nas respostas – o que, em parte, pode ser explicado pela localização dos estudantes em diferentes programas. Além disso, as respostas tendem a refletir as experiências individuais de cada um. Os elementos apresentados no quadro 3 referem-se às respostas literalmente dadas a uma pergunta aberta do questionário que solicitava aos alunos citarem os principais elementos negativos da política.

Quadro 3
Aspectos negativos da política de ação afirmativa na UFRGS

Fonte: Dados da pesquisa.

Há uma forte crítica sobre a existência de um descompasso entre a política de ingresso e a política de permanência. Entre os alunos que responderam ao questionário, 15 consideraram a política insatisfatória no que diz respeito a esse quesito e um a considerou muito insatisfatória. As razões de descontentamento são amplas, passando desde questões relacionadas a bolsas até elementos que dizem respeito ao modo de funcionamento dos programas. Sobre as bolsas, as reclamações envolvem a dificuldade de acesso – ainda que alguns programas adotem medidas para privilegiar os cotistas na sua distribuição – e problemas enfrentados em razão de seu baixo valor. Como se sabe, há nove anos, as bolsas de mestrado e doutorado não têm qualquer tipo de reajuste e, devido à defasagem do seu valor, muitos alunos se veem obrigados a continuar trabalhando ou procurar trabalho. Já mencionamos que esses alunos são, em geral, oriundos de classes baixas, o que dificulta a suas famílias fornecer apoio financeiro para a permanência no curso. Também é preciso destacar que o trabalho se apresenta como um empecilho para a dedicação aos estudos e coloca os alunos em uma concorrência desleal. Eles mencionam a dificuldade em se matricular em disciplinas que são obrigatórias e acompanhar a carga de leitura que é exigida, por exemplo. Nas atividades de orientação, pude perceber de perto as dificuldades em resolver esse dilema. Uma de minhas orientadas, Dinamara Prates, fez o seguinte desabafo na seção de agradecimentos de sua dissertação:

Obrigada a Capes pelos meses de bolsa, gostaria de salientar que esse é um meio importante, mas algo precisa ser dito: entre o que esperam de nós pessoas pretas e as ferramentas que nos são entregues tem um grande buraco de diferença e nós estamos diariamente criando mecanismos para não afundar nesse grande buraco

(Prates, 2021, p. 6).

As questões levantadas em relação à permanência demonstram as facetas do racismo institucional que se manifesta no processo de implementação da política. Se, por um lado, as condições de acesso parecem fortalecer a ideia de que as ações afirmativas possuem um grande potencial para combater o racismo e as desigualdades raciais, por outro, quando olhamos para o tema da permanência, surgem inquietações. O que as queixas dos alunos revelam é que os programas, seja por ação direta, seja por mecanismos que fogem ao seu controle (acesso a bolsas, por exemplo), adotam uma dinâmica de funcionamento que acaba por conferir, ainda que indiretamente, desvantagens para uns e privilégios para outros. É esse elemento que remete à ideia de racismo institucional. Como explica Laura López (2012, p. 127), esse racismo “atua de forma difusa no funcionamento cotidiano de instituições e organizações, que operam de forma diferenciada na distribuição de serviços, benefícios e oportunidades aos diferentes segmentos da população do ponto de vista racial”.

Outro gargalo diz respeito aos professores e à temática racial no ambiente acadêmico. Um primeiro ponto salientado é a persistência de um elitismo no ambiente acadêmico, que se manifesta através da desconsideração das diferenças socioeconômicas existentes entre os alunos. Surgiram reclamações genéricas e outras mais pontuais como, por exemplo, a exigência de leitura em outros idiomas ou a obrigatoriedade de acesso a certos materiais didáticos. A baixa proporção de docentes negros também veio à tona. Essa é uma realidade não apenas da UFRGS. Dados oficiais do Censo da Educação Superior realizado pelo INEP-MEC revelam que, considerando todas as instituições de ensino superior, apenas 23,6% dos docentes são pretos ou pardos. Na região Sul do país, precisamente onde se localiza a UFRGS, a participação é ainda menor, ficando em 6% (Righetti & Gamba, 2021). Essa baixa participação é um dos motivos para que os alunos não se sintam representados, mas, além disso, é possível sustentar a hipótese de que ela também tem como impacto a falta de atenção dispensada à temática racial em alguns programas. Ora as pesquisas apresentadas pelos discentes que versam sobre essa temática não são consideradas relevantes, ora esses alunos são considerados excessivamente militantes, como será discutido mais adiante. Ainda sobre os docentes, reclama-se do pouco interesse em promover espaços plurais de participação e discussão, valorizando a diversidade de saberes e de experiências na sala de aula. Assim, diante de um novo perfil de aluno, ainda permanecem posturas teóricas, metodológicas e epistemológicas conservadoras. Não se trata necessariamente de defender uma ruptura completa com as formas de produção de conhecimento e os saberes tidos como canônicos, mas reconhecer que, muitas vezes, eles provocam o silenciamento de outras vozes. Nas ciências sociais e humanas, sobretudo nas últimas décadas, tem surgido uma variedade de perspectivas críticas em relação ao paradigma moderno eurocentrado de ciência. Diversos autores – Aníbal Quijano (2005), Ramón Grosfoguel (2016, Maldonado-Torres (2018) – denunciam os mecanismos que invisibilizam e marginalizam as produções e ideias de corpos e mentes racializados, colocando-os fora dos eixos centrais de poder e saber dentro da geopolítica do conhecimento. Na mesma linha, os respondentes reclamam de um descrédito em relação à sua forma de produzir; tema que também possui relação direta com o paradigma moderno eurocentrado de ciência. Ramón Grosfoguel (2016) chama a atenção para a proximidade entre esse paradigma e o racismo epistêmico. A ciência ocidental carrega uma pretensão de universalidade que, além de reservar para si própria o monopólio de produção do “verdadeiro conhecimento”, baseia-se num corpo-mente específico, que é aquele do homem branco europeu e norte-americano. Ainda segundo o autor, nasce assim um privilégio epistêmico, que se assenta na inferiorização de outras formas de saber e de produzir conhecimento.

O tópico da estigmatização recupera elementos que já apareciam no debate sobre as cotas na graduação como, por exemplo, o medo da queda de qualidade. Um dos participantes do levantamento afirma que algumas linhas de pesquisa do seu programa não ofertam vagas para as ações afirmativas, mesmo havendo disponibilidade. Ainda segundo outro informante, há uma tendência de correlacionar a entrada pelas ações afirmativas como sinônimo de fraqueza e incompetência, o que faz com que, algumas vezes, os alunos que ingressam por esse meio se sintam humilhados por aqueles que ingressaram pelo acesso universal. Nunca é demais lembrar que as pseudoteorias raciais que ganharam notoriedade no século XIX procuraram construir a falsa ideia de inferioridade intelectual dos negros. Esses estereótipos foram reforçados pela elite brasileira a tal ponto que se chegou a questionar a viabilidade da construção da nação brasileira, tendo em vista o perfil racial de nossa população. Diferentemente dos brancos e europeus que eram considerados civilizados, a população negra e mestiça representava o atraso. Não se pode dizer que essas ideias desapareceram, pois, de modo recorrente, ainda encontramos manifestações de discriminação que fazem menção a essa suposta inferioridade intelectual, quando os negros são chamados de burros e imbecis.4 Essa permanência demonstra a dificuldade em combater a dimensão do racismo que está relacionada com as ideias sobre a raça. Por fim, também sobre esse tópico da estigmatização, os informantes relatam que há dificuldades em enraizar no imaginário da comunidade acadêmica que a política de cota é uma forma de reparação e não um privilégio. Muitos consideram que, uma vez tendo cotas na graduação, já não há razões para adotá-las no nível seguinte.

A questão da estigmatização e do racismo é um ponto bastante debatido no ambiente acadêmico pelos estudantes negros. Foi perguntado aos estudantes se eles já haviam sido discriminados no ambiente acadêmico. Entre os respondentes da pesquisa, dez disseram que já foram discriminados pelos colegas e pelos professores e um diz ter sido discriminado pelos professores. Também se perguntou aos participantes da pesquisa se a universidade é um ambiente hostil. A opção de resposta inicialmente era sim ou não (e ainda a possibilidade não responder). Entre os informantes, 15 concordaram com essa percepção e suas respostas reforçam os aspectos considerados negativos no sistema de ação afirmativa da universidade. Aqueles que responderam sim eram convidados a explicar – por meio de pergunta aberta – as razões de sua resposta. Desse modo, foi retomado que a universidade não está preparada para receber alunos negros na pós e nem está apta para considerar suas demandas; que ela não é um ambiente acolhedor, não apenas por causa da postura dos docentes, mas também pela ausência de lugares de apoio; que ela tem um padrão branco e elitista bastante perverso para o estudante negro e cotista, entre outros elementos.

Vale destacar, ainda, algumas respostas mais detalhadas que foram registradas no questionário.5 Esse item tem por base ainda as respostas formuladas sobre a hostilidade no ambiente universitário e a última questão do questionário: “utilize esse espaço para fazer algum comentário ou consideração que achar pertinente”. Em primeiro lugar, apresentam-se menções à falta de lugares de apoio e à solidão:

Para nós, que muitas das vezes somos os primeiros da família a estar neste lugar, ela se parece hostil no primeiro momento, por não termos ou reconhecermos lugares de apoio.

Sinto-me na solidão da mulher negra na pós. A sensação é que riem para mim por educação, mas que não sou realmente bem-vinda.

Em segundo lugar, cumpre enfatizar um sentimento de hostilidade que está diretamente relacionado ao pertencimento racial e aos efeitos do racismo que pesam sobre os alunos negros, provocando desigualdades.

É uma sensação de hostilidade, poucas pessoas negras, poucas leituras e professores negros e, em geral, os alunos e professores brancos me parecem negligenciar a existência de seus privilégios, o que faz do campo da faculdade um local de afirmação constante e luta para que nossos temas de pesquisa e interesse estejam lá. Nesse sentido de batalha constante e cansaço de ter que afirmar nossos saberes é que vejo uma hostilidade.

O relato a seguir é ainda mais enfático:

Trata-se de um ambiente hostil pelo racismo epistêmico e relacional num espaço majoritariamente branco, pela assimetria nas relações entre os gêneros, pela exigência de competências adquiridas previamente à experiência universitária, como o caso de línguas estrangeiras. Isso naturaliza e reproduz o privilégio de sujeitos oriundos das classes altas e médias, em sua maioria brancos. Pela disputa constante por reconhecimento, a insensibilidade com as condições de produção distinta, como é o caso dos estudantes cotistas que, em geral, são trabalhadores e não acompanham o ritmo daqueles que podem se dedicar exclusivamente aos estudos. As grades de horários de disciplinas obrigatórias que impossibilitam ou dificultam a permanência dos estudantes. E também pela exotização dos pensamentos que não são legitimados por figuras consagradas do campo, tomados enquanto não científicos ou como apêndices menos importantes, o que, ao invés de estimular e valorizar modos criativos de pensar o fazer científico, apenas resguarda os sujeitos que possuem mais capital institucional, ou melhor, que dialogam com os grupos estabelecidos no campo.

Novamente, tem-se aqui a questão do racismo epistêmico conjugada com elementos próprios ao funcionamento dos programas. Em conjunto, esses fatores permitem retomar a ideia de Grada Kilomba (2019) de que a academia, estruturada como centro de poder, é violenta. Há, segundo a autora, um centro de poder, do qual a população negra está excluída, que classifica, domina e determina quem pode e quem não pode construir categorias de interpretação da realidade social. A noção de violência é crucial, pois ela escancara que as relações raciais só são pacíficas no ideário daqueles que defendem a democracia racial.

Ainda sobre o peso do racismo:

Pesquisadores negros que tematizam questões raciais ainda são muito estigmatizados, tido como militantes, inclusive pelas leituras que fazem e autores que citam, os quais são constantemente desvalorizados. Por outro lado, alunos pardos e pretos que não tematizam a questão racial em seus trabalhados costumam ser cobrados por essa ausência, ou então supõe-se automaticamente que eles vão encaminhar suas pesquisas nesse sentido. Também por sermos poucos alunos negros, costumamos ser o ponto de consulta dos docentes, uma confusão com o lugar de fala, como se nós sempre tivéssemos que responder pela coletividade negra.

O trecho acima sugere que a presença de estudantes negros na pós-graduação se move entre o mau-reconhecimento e o reconhecimento ambíguo. Como explica Nancy Fraser (2013), o primeiro elemento tem a ver com desigualdades quanto ao status. Aqui, fica claro o quanto a condição racial é um fator determinante para o modo de participação dos indivíduos na sociedade. Mesmo sendo estudantes de pós-graduação, os alunos negros nem sempre são vistos como tal, havendo estratégias de deslegitimação e rebaixamento de status como, por exemplo, atribuindo-se a eles a pecha de militantes. Outra tática que entra nesse jogo é a tentativa de aprisionar os alunos negros em temáticas raciais, como se eles não tivessem competência ou mesmo direito de abordar outras questões.

Cabe, por fim, ressaltar que não ser minoria é fundamental em espaços de poder. A fala seguinte é bastante elucidativa:

Na verdade, tanto hostil quanto receptivo. Isso vai depender do quanto de pessoas negras ocupam o mesmo ambiente (sala de aula, eventos etc.) ou não. Por exemplo, já tive aula em que a maioria da turma era branca e foi uma experiência hostil. Assim como já tive aula (uma vez na vida) com uma turma de maioria negra. O diálogo era outro, o acolhimento outro. Já participei de turmas mistas também e, nesse caso, a condução do docente faz a diferença.

O que esse relato evidencia é que o privilégio racial do branco fica mais fácil de ser exercido quando ele é maioria também do ponto de vista quantitativo. Nos espaços de poder, geralmente é essa configuração que se apresenta. Daí a dificuldade dos indivíduos negros.

Considerações finais

Claro está que combater o racismo é uma condição sine qua non para a justiça social. Em tese, as ações afirmativas têm potencial para atingir esse objetivo; no entanto, o que se pode constatar, após a realização deste trabalho, é que há um processo ainda em curso. A percepção dos estudantes negros revela aspectos positivos na política, destacando-se a promoção da igualdade de oportunidades no que se refere ao acesso à pós-graduação. É possível inferir, a partir da resposta dos estudantes, que a reparação está sendo construída em três níveis: a) equiparação social; b) combate ao racismo; c) correção contra injustiças históricas sofridas pela população negra. Isso indica que há uma tendência, a exemplo do que vem ocorrendo na graduação, de as cotas restringirem o que Nancy Fraser (2013) denomina de injustiças distributivas ou má-distribuição (tendo por referência, no nosso caso, o sistema educacional). É também a partir da ideia de igualdade de oportunidades que aparece a identificação das ações afirmativas como forma de reparação.

Todavia, restou evidenciado que os aspectos positivos convivem com os negativos. Um dos pontos de maior destaque é a concordância com a ideia de que a universidade é um ambiente hostil. Isso está relacionado, entre outras coisas, ao fato de esses alunos perceberem-se como minorias no ambiente acadêmico. Além disso, os alunos fizeram menção às dificuldades de permanência, a problemas relacionados com os professores, à estigmatização e, de modo mais direto, ao racismo. Esse último, considerado em suas múltiplas dimensões. Nesse caso, é tanto o mau reconhecimento que se torna explícito quanto a má representação. As hierarquias de valor cultural institucionalizadas têm um peso forte no sistema educacional e, ao mesmo tempo, as regras estabelecidas jogam contra as possibilidades de participação plena. Diante disso, pode-se afirmar que as ações afirmativas encontram limites, pois o racismo se materializa no universo acadêmico, seja nas ideias de professores e alunos, seja nas práticas cotidianas, seja na estrutura mesmo dos programas de pós-graduação.

Não se tem por intenção desconsiderar a importância das ações afirmativas. Além de maior inclusão, há pelo menos dois argumentos que exaltam o seu valor para a nossa sociedade. Como defendeu Amauri Pereira (2003) quando as cotas na graduação ainda estavam em debate, a simples proposição desse sistema desafiou a inquebrantável harmonia/acomodação da democracia racial no país e fez tremer um dos suportes da identidade nacional brasileira. Ainda segundo o autor, a defesa dessas medidas cumpre o duplo papel de tensionar a sociedade em direção ao enfrentamento das desigualdades e de expor a fragilidade do pensamento social brasileiro que não quis e/ou não foi capaz de enfrentar os preconceitos e a discriminação racial que o rodeava. Além disso, como avalia Roberto Cardoso de Oliveira (2004), as cotas têm um potencial transformador no plano simbólico, como forma de combate ao racismo. O objetivo primordial dessa medida seria provocar uma mudança nas atitudes dos atores, fazendo com que se tornem mais críticos à discriminação e ao filtro da consideração que existe em nosso país e opera distinções entre as pessoas. Isso estimularia uma maior preocupação com o respeito aos direitos de cidadania dos negros, ampliando de modo indireto, todavia efetivo, as oportunidades de participação desse grupo na renda e na vida púbica do país.

A ideia de justiça inconclusa guarda relação com o caráter não revolucionário das ações afirmativas. Como demonstrado neste artigo, o ingresso de alunos negros e de classes sociais desfavorecidas é um fato que provoca mudanças, mas, ao mesmo tempo, quando esses mesmos alunos elencam os pontos negativos da política, fica-nos claro que a estrutura da universidade se mantém, em grande medida, inalterada. Para Petrônio Domingues (2005), ainda que sejam democratizantes, as ações afirmativas têm um caráter reformista. Por fim, concordamos com o autor quando este afirma que nem por isso elas deixam de educar e mobilizar os negros e, ao mesmo tempo, servem para colocar em xeque a secular opressão racial existente em nosso país.

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Notas

1 Em ocasião anterior (Santos & Mello, 2016), procuramos resgatar o histórico das reivindicações por ação afirmativa, incluindo a discussão na pós-graduação, e seus marcos legais.
2 Para uma discussão mais detalhada sobre a origem e definição das ações afirmativas em diferentes contextos, ver Gomes (2001), Guimarães (2009), Moehlecke (2002) e Feres Jr. et al. (2018). Esses dois últimos trabalhos apresentam um breve histórico sobre a construção das ações afirmativas no Brasil.
3 A autora destaca que, em comparação com o ano 2000, em 2010 há um número maior de pessoas que se autodeclaram negras, passando de 44,7% para 50,9%. Segundo Artes, a diminuição da distância entre negros e brancos pode ser consequência da alteração na autodeclaração de cor/raça das pessoas ou resultar da mudança na configuração racial nos cursos de graduação devido à implementação das ações afirmativas.
4 Sobre os insultos que são proferidos contra a população negra em casos de discriminação racial, pode-se consultar o trabalho de Antônio Sérgio Guimarães (2000) que analisou as queixas de racismo registradas em delegacias. Baseando-se nesse trabalho, em ocasião anterior (Mello, 2015), também investiguei as queixas e insultos que foram proferidos na esfera do trabalho. O resultado, que corrobora as conclusões de Guimarães, releva precisamente a utilização de palavras que buscam animalizar o indivíduo negro.
5 Para manter o anonimato dos respondentes, optou-se por não fornecer qualquer tipo de dado que permita sua identificação como, por exemplo, o curso de pós-graduação. Isso também se justifica, pois a ideia do levantamento foi a de realizar uma avaliação da política de um modo geral e não especificamente de cada programa.

Autor notes

Professora adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pela Université de Nice Sophia-Antipolis.

lucianag.demello@gmail.com



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