Editorial
Apresentação
O engajamento político e institucional com a Geografia e a repercussão do vigor intelectual da professora Maria Adélia de Souza são revelados na entrevista transcrita e publicada neste vol. 8, núm 15 de PatryTer. A jovem mineira, migrante que amadureceu no estado de São Paulo e mulher que se fez cidadã do mundo não flertou ou flerta, restritamente, com o puro extenso do espaço. Ela enfrentou e enfrenta a dura realidade política experimentada nos cotidianos, para explicar a complexidade do Mundo, frontalmente, à luz de um rigoroso conhecimento geográfico que ela sempre se empenhou por consolidar, pelo espaço geográfico enquanto categoria suprema da disciplina, uma instância social que ela revisa desde a ordem prática da vida.
Esta entrevista integra o vol. 8, núm. 15 de PatryTer - Revista Latinoamericana y Caribenha de Geografia e Humanidades, o qual homenageia a Maria Adélia Aparecida de Souza, professora Titular do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) e que se dedica há mais de sessenta anos à Geografia brasileira.
A professora Maria Adélia de Souza nasceu em Espírito Santo do Pinhal, São Paulo, no colo da Serra da Mantiqueira, em 29 de outubro de 1940.
Possui graduação em Geografia pela USP (1962), especialização em Planejamento Territorial realizada nos cursos do ciclo universitário do IRFED – Institut de Recherche et Formation en vue du Dévéloppement Harmonisé, em Paris (1963-1964 ). Tem Diploma de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais da América Latina - DEES no IHEAL – Institut des Hautes Études de l’Amérique Latine da Universidade de Paris/Sorbonne, orientada por Celso Furtado (junho de 1967). Realizou o doutorado em Geografia pelo Institut de Géographie da Universidade de Paris I (junho 1975), orientada, inicialmente, por Pierre Monbeig e, posteriormente, por Michel Rochefort; ambos os títulos reconhecidos pela USP (mestrado-1971, e doutorado-1976).
A professora Maria Adélia de Souza tem experiência na área de Geografia e pesquisa os seguintes temas: Epistemologia da Geografia, Usos do Território Brasileiro em distintas escalas geográficas, Desigualdades e Perversidades Socioespaciais no Brasil, com destaque para seus estudos sobre a Fome, o Sistema de Justiça do Brasil, do SUS - Sistema Único de Saúde, o Sistema Eleitoral e a Formação Territorial Brasileira, as questões regionais, locais, urbanas e metropolitanas.
Adélia de Souza estudou o Estado de São Paulo e a cidade de São Paulo durante mais de meio século. Tem experiencia de ensino e profissional na área de Planejamento Urbano e Regional, com ênfase em Teoria do Planejamento Urbano e Regional, abordando, principalmente, Planejamento Territorial (urbano e regional), Cidadania, Lugar e Política e Urbanização. Sempre lecionou a disciplina Planejamento (graduação) e Região: Teoria e Prática (pós-graduação) no Departamento de Geografia da USP.
A professora Maria Adélia de Souza participou na elaboração da I Política Nacional de Desenvolvimento Urbano do Brasil (1974), coordenou as primeiras políticas de desenvolvimento urbano e regional e a de descentralização e desconcentração industrial do Estado de São Paulo (1973), coordenou a elaboração de Planos de Governo para a cidade de São Paulo em campanhas eleitorais (Luiza Erundina, PSB [2000] e Gabriel Chalita, PMDB [2012]) e para o Estado de São Paulo (Franco Montoro [1982] e Paulo Skaff [2010]).
Nossa homenageada é Doutora Honoris Causa de universidades brasileiras e, em 2018, foi considerada uma das mulheres pioneiras da Ciência Brasileira pelo CNPq. Recebeu o I Prêmio de Francofonia, em Urbanismo, da Academia de Paris e Fundação França e ocupou a Cátedra de Direitos Humanos da Universidade Católica de Lyon, na França. Tem vários livros e artigos publicados sobre a questão metropolitana e planejamento urbano.
Transcorrido mais de sessenta anos de seu ingresso na Geografia, a professora Maria Adélia de Souza demonstra seu vigor intelectual, político e acadêmico, ao colaborar com inúmeras universidades no Brasil e estrangeiro, a exemplo de seu último vínculo enquanto professora visitante junto à Universidade Federal de Santa Catarina (2022-2023). Além de tudo que se observa em sua larga trajetória intelectual-acadêmica, atuação em projetos, publicações, conferências, palestras, orientações (e outras tantas atividades), ela também integra o Comitê Científico e editorial de distintas revistas nacionais e internacionais, como é o caso de PatryTer, periódico latinoamericano do qual a professora Adélia de Souza é entusiasta e colabora desde sua criação (2017), junto à Universidade de Brasília, UnB.
Assim, neste vol. 8, núm. 15 de PatryTer, ao apresentar a entrevista realizada com a professora Maria Adélia de Souza, seguimos com um dos projetos ou objetivos que acompanham a nossa revista (Costa, 2018), que inclui homenagear as principais personagens da Geografia e de outras ciências sociais da e para a América Latina. Nas edições anteriores, lembramos Milton Santos (ver Almeida & Faria, 2021), Carlos Augusto Figueiredo Monteiro (ver Souza & Costa, 2022), Francisco Capuano Scarlato (ver Costa, 2022), Roberto Bustos Cara (ver Costa, Nieto & Pinassi, 2023), Delfina Trinca (ver Costa & Cadena, 2023), Estrellita García Fernández (ver Núñez, Cabrales & Costa, 2024) e a José Omar Moncada Maya (ver Costa, 2024).
Este número de PatryTer se dedica à professora Maria Adélia Aparecida de Souza, por sua exitosa biografia profissional e contribuição na consolidação nacional e internacional da Geografia brasileira. A capa deste vol. 8, núm. 15 da revista apresenta um setor da verticalização da cidade de São Paulo, vista de seu centro antigo, com destaque para o Edifício Matarazzo, atual sede da prefeitura da capital; ao fundo, aparece o espigão da Avenida Paulita, com suas torres de transmissão; são rugosidades representativas de um dos eixos centrais das preocupações intelectuais de nossa homenageada[3], cuja entrevista segue adiante.

Primeiro bloco de questões. Leitura da Geografia brasileira.
1 – Professora, sobre sua visão da institucionalização da Geografia no Brasil, quais foram as principais contribuições estrangeiras e os desafios enfrentados em seus primórdios?
[Temas tratados: Institucionalização da Geografia brasileira. Ditadura militar. Importância da Geografia francesa. Nomes relevantes da Geografia e suas relações com a USP, a AGB e o IBGE].
Maria Adélia de Souza – Quero, antes de tudo, agradecer a Revista PatryTer por esta homenagem e possibilidade que esta me oferece de refletir sobre a Geografia que ensinamos e produzimos no Brasil e trocar ideias com os geógrafos brasileiros e latino-americanos. Muito obrigada pelo respeito ao meu trabalho e por esta valiosa oportunidade.
Vou começar com uma frase de Heidegger (1969, p. 68 e 69), de seu “Caminho do campo”[4], quando nos ensina que “o carvalho mesmo assegura que só semelhante crescer pode fundar o que dura e frutifica; que crescer significa: abrir-se à amplidão do céu, mas também deitar raízes na obscuridade da terra; que tudo o que é verdadeiro e autêntico chega à maturidade se o homem for ambas as coisa: disponível ao apelo do mais alto céu e abrigado pela proteção da terra, que oculta e produz”. Recomendo sempre a leitura desse opúsculo metafísico aos meus alunos e aos colegas mais próximos.
Quero, ainda, citar outra frase curta que li ou ouvi e o autor não me vem a memória para citá-lo, para que meus leitores entendam os meus princípios filosóficos, políticos e pedagógicos, “a política limita, a filosofia amplia”: o intelectual, o professor, revela comprometimento político implícito nas suas escolhas, nas disciplinas que cria e ministra, na sua pesquisa, nos autores que lê exibindo sua visão de mundo e postura político-ideológica. Agora, isso não pode limitar àquilo que ele oferece a seus alunos, à sua comunidade e à sociedade. Por isso, essas frases são importantes e sempre me nortearam. E cito também aqui aquela de Jean Paul Sartre (1994, p. 33), importante também em minhas inspirações geográficas: "L'être est. L'être est en soi. L'être est ce qu'il est"; traduzindo: “O Ser é. O Ser é em si. O Ser é aquilo que ele é”. Essa frase tem muita força em minha vida, desde que a li pela primeira vez em o “Ser e o nada”. Difícil leitura e eu, imaginem os leitores, recém egressa de uma graduação em Geografia da USP, sem bolsa de estudos e sozinha chegando e estudando em Paris, na França, nos idos de 1963. Aviso importante: nada disso me impede de aceitar e elaborar sobre a sociedade de classes, a teoria do valor em Marx sem as quais fica difícil compreender através da nossa disciplina, a Geografia, as paisagens que escancaram as injustiças e desigualdades socioespaciais, como nos ensina Milton Santos.
Chegando propriamente à questão formulada: atualmente, a institucionalização da Geografia brasileira corre muito perigo, apesar de sua importância cientifica para o conhecimento deste mundo dito “globalizado” e vou esclarecer meus argumentos.
Primeiro, por conta da minha própria história, da minha formação e práticas como geógrafa nas atividades docentes, de pesquisa e profissional nestes últimos sessenta anos. Eu retornei ao Brasil com DEES – Diplôme d’Études Économiques, Politiques et Sociales, no final de 1967, pois naquela época não existia a pós-graduação entre nós. Então, antes de regressar, formulei um projeto de pesquisa e me inscrevi no doutorado no Institut de Géographie da Universidade de Paris/Sorbonne, hoje denominada Paris I, sob a orientação do Professor Pierre Monbeig. Mas, logo no início da orientação, ele foi convidado pelo General De Gaulle para participar da direção do CNRS – o CNPq francês. Foi assim que ele me apresentou e recomendou para o Professor Michel Rochefort para orientar-me. E foi um arranjo perfeito, pois naqueles tempos eu me dedicava à chamada Geografia Urbana, muito influenciada pela titular dessa disciplina no Departamento de Geografia da USP, a professora Nice Lecocq Muller, extremamente competente e de saudosa memória.
Voltei ao Brasil para realizar minhas pesquisas de campo do doutorado e, para sustentar-me, procurei trabalho tendo conseguido, inicialmente, na Assessoria Econômica da Secretaria da Fazenda (1968-1969) e, posteriormente, na Secretaria de Economia e Planejamento (1970-1972), convidada pelo arquiteto e urbanista Luiz Carlos Costa, que criava a Ação Regional no Estado de São Paulo, da qual fui coordenadora no governo de Paulo Egídio Martins (1974 – 1979), tendo como Secretário Eurico de Andrade Azevedo. Programa de trabalho que revolucionou a gestão pública do estado de São Paulo e outros estados brasileiros, descentralizando e regionalizando a administração pública paulista, definitivamente. Um grande feito de gestão pública e política para aqueles tempos difíceis da ditadura militar.
O que sei é que, desde então, sou e fui tornada invisível na Geografia brasileira e pelas nossas sociedades científicas, voltando à questão da institucionalidade da Geografia no Brasil. Conquistei minha visibilidade, mais recentemente, fazendo vídeos e criando um canal no Youtube para ensinar Geografia. Esse canal já está há alguns anos sem nenhuma atualização, apesar de uma qualificada e persistente audiência por parte de colegas e estudantes de Geografia e outras disciplinas. Foi pelo laboratório o qual fui convidada a coordenar pelo meu colega e Professor José Roberto Tarifa, o LABOPLAN – Laboratório de Geografia Política e Planejamento Territorial e Ambiental, que, em 1984, retornei ao Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo, saindo da FAU USP, onde lecionei por treze anos. Isso ocorreu, exatamente, quando Milton Santos foi aprovado em um concurso de Professor Titular, na sua segunda inscrição, pois na primeira tentativa o concurso foi cancelado, posteriormente reaberto. Ele não se inscreveu dessa vez, por razões que não devo comentar aqui, mas logo em seguida é aberto outro concurso, ele se inscreve e torna-se, até sua morte, professor Titular de Geografia Humana da USP.
Foram momentos de intensa atividade acadêmica e cientifica para nosso LABOPLAN, mas muito difíceis para esta entrevistada, com uma carreira acadêmica e profissional bem constituída como geógrafa e que passou a ouvir, nesse retorno tão desejado, frases como esta: “você é indigna de estar aqui, porque você é uma colaboracionista da ditadura militar”. Eu não respondi a essa minha colega, importante geógrafa, pois tenho até hoje grande estima e respeito por ela e sei que junto com sua família, foi uma das grandes vítimas do regime militar. E, certamente, ela não sabia nada sobre o que eu fazia, em minha atividade política que, perigosamente, vivia naqueles tempos tão sombrios. Só saberá agora, se chegar a ler esta entrevista. E sei que ela também vivia tempos muito perigosos e difíceis, naquela época.
Apesar disso, eu tive a felicidade, pelas circunstâncias que vivi durante meu processo de formação na Geografia ensinada na USP, de ter ido para a França (1963) logo depois de me graduar, convivendo com o que era e continua a ser a matriz do pensamento geográfico brasileiro, que foi a Geografia francesa fundada por Vidal de La Blache, em 1890. O pior é que ela assim permanece entre nós, dual e fragmentando-se indefinidamente, analítica descritiva, envelhecida e entrópica, sob os mesmos comandos políticos em moldes personalistas/grupistas nada institucionais, mas formando geógrafos pelo Brasil afora.
Por isso, respondendo sua pergunta, minha hipótese é que a Geografia está em franca dissolução, não atentando para um processo de institucionalização refletido no desinteresse demonstrado por esse tipo de conhecimento pelos jovens com os quais converso viajando por todo Brasil.
De nada adiantou convidarmos, Milton Santos e eu, ao David Harvey e também os outros ingleses que foram trabalhar nos Estados Unidos, escoceses ou franceses, como Neill Smith, Alan Scott, Michael Storper ou os franceses Pierre George, Michel Rochefort, Jean Labasse, Georges Benko, Jacques Levy, Hélène Lamicq e tantos outros, para vir a USP nas várias reuniões cientificas que organizamos do final dos anos 1980 até os 1990, para dialogar conosco sobre seus projetos, seus escritos e suas teorias. Nada mudou na USP, pois nossa matriz curricular foi e continua a ter muitas das mesmas disciplinas e os mesmos princípios dotados por Vidal de La Blache, de 1890. Realizar intercâmbios nacionais e internacionais é dever de um professor universitário, desde que ele tenha bons relacionamentos institucionais acadêmicos e científicos e bons projetos de interesse coletivo e contemporâneo para obter financiamento, o que não é nada fácil neste país. As lideranças locais são também aquelas que comandam os recursos nas agencias financiadoras onde a competitividade entre todas as áreas é enorme e a disputa política aguda.
Assim, vivenciei, no Instituto de Geografia da Sorbonne e outras faculdades e escolas de Paris, aquilo que acontecia naquela época, entre 1963 e 1967 presencial e periodicamente, até a defesa de meu doutorado no dia 09 de junho de 1975, nesse mesmo instituto. Estavam vivos e foram meus professores, me formaram e tenho muito orgulho em nominá-los: professor Pierre George, seus alunos, o professor Michel Rochefort meu orientador de doutorado e o jovem Yves Lacoste, Madame Beaujeu-Garnier, Jean Dresch além de Jean-Paul Sartre, Michel Foucault, François Perroux no Collège de France. E mais tarde, na nova geração, Jean Lojkine, Nikos Poulantzas, jovens filósofos franceses que encantavam o mundo nos anos 1970 liderados por Louis Althusser com sua crítica a obra marxiana, para citar aqueles que sempre persegui e que me fascinam até hoje.
Insistindo nos processos que vivi e acompanhando a institucionalidade do ensino e da pesquisa geográfica, lembro-me que, como já disse anteriormente, o professor Michel Rochefort, em sua tese de doutorado de Estado defendida em 1958, criou os conceitos de rede e hierarquia urbana, usados pelo IBGE[5] que se constituía, naqueles tempos, numa verdadeira escola de Geografia empírica do Brasil. Isso só foi superado quando do lançamento do livro “Por uma Geografia Nova. Da Crítica da Geografia a uma Geografia Crítica”, de Milton Santos, em Fortaleza, em 1978, quando também nasce um movimento que vai mudar os destinos e as dinâmicas do ensino e das práticas da Geografia brasileira na universidade. Apesar da minha pequenez acadêmica, discordei solitariamente do que houve lá e dos processos implementados desde então e me desfiliei da AGB. Esse movimento ignorou todos os grandes geógrafos de então, como Manoel Correia de Andrade, com seu magnífico “A Terra e o Homem do Nordeste”, que devorávamos para conhecer aquela paupérrima região brasileira, Lysia Bernardes, Nilo Bernardes, Pedro Geiger, Fany Davidovitch, Marília Galvão, Speridião Faissol, o jovem Roberto Lobato Côrrea e muitos outros dos importantes e produtivos colegas do IBGE, independentemente de suas ideologias.
Eu e minha geração fomos formados pelas leituras da Revista Brasileira de Geografia, do Boletim Geográfico e do Boletim Paulista de Geografia. E isso faz parte da história e das raízes da discussão sobre a institucionalização da disciplina em nosso país. Dado o sectarismo ideológico e de compadrio que foi se organizando em boa parte dos cursos e que, até hoje, ensinam aos alunos a prática do produtivismo exigido pela CAPES, os quais por falta de conhecimento ou oportunismo precoce, aceitam regras que considero imorais, resultando na infinidade de artigos produzidos, nem sempre com boa qualidade cientifica e assinados, conjuntamente, por alunos e professores.
Assim, a Geografia francesa ainda está poderosamente constituindo nossa grade curricular. Eu entrei na USP em 1959, em um departamento multifacetado. A Geografia, como disciplina a ser estudada, não interessava como até hoje não desperta interesse da juventude, para adotá-la como profissão.
Este meu percurso que diz respeito à vivencia e monitoramento do processo de ensino e pesquisa de um importante Departamento de Geografia numa grande universidade brasileira, de 1959 até 2015, quando deixei de frequentá-lo, apesar da minha aposentadoria em 1996, revela um pouco sobre os caminhos difíceis da institucionalidade da disciplina em nosso país, dadas as características e especificidades da nossa vida departamental e alternância de seus dirigentes - geógrafos ditos “físicos” ou “humanos” e colegas não geógrafos, que se constituem na base do poder acadêmico geográfico existente em todo Brasil. Tema delicado, mas que precisaria ser bem estudado por todos os apaixonados pelo ensino da Geografia no nível superior, com repercussões profundas na formação da juventude brasileira nos ensinos básico, fundamental e médio. Os vídeos disponíveis nas redes sociais se constituem em precioso material para essa reflexão.
2 – Professora, em sua visão, quais foram os principais personagens e as escolas mais destacadas na história da Geografia brasileira?
[Temas tratados: Escola francesa de Geografia. Franceses no Departamento de Geografia da USP. Locais das aulas, na USP. Trabalhos de campo com Aziz Ab’Saber, José Ribeiro de Araújo Filho e Diva Beltrão de Medeiros. Liderança de Aroldo de Azevedo na USP. O espaço palco e a negação da categoria de pensamento geográfico: o espaço geográfico enquanto forma, função, estrutura e processo].
Maria Adélia de Souza – É a Escola Francesa, até hoje, e não adianta criticá-la. Tivemos o privilégio de conhecer, mais tarde, os colegas professores ingleses que migraram para os Estados Unidos: Michael Storper, Alan Scott, David Harvey, Neil Smith, mas penso que eles, com suas contribuições, influenciaram muito pouco as grades curriculares que vão se sucedendo na USP. Naqueles idos de 1959/1960, sendo aluna, eu encontrava nos corredores do Departamento de Geografia da USP, por exemplo, Pierre Monbeig, Pierre Deffontaines. Pierre George, nos visitou mais tarde e acho que apenas uma vez.
A USP ainda se constituía e nós tínhamos aulas em três endereços distintos: na Alameda Glete, tendo aulas de Geologia em seu Departamento; na memorável Rua Maria Antônia, assistindo cursos no Departamento de Antropologia e na Cidade Universitária, ocupando todo o corredor do primeiro andar, à esquerda de quem olha para o antigo prédio da Reitoria, na Praça do Relógio.
No meu curso de graduação, na USP, tive grandes professores que nos ensinavam sobre a importância do “trabalho de campo” na formação do geógrafo e que nos levavam, literalmente, para o campo a fim de nos ensinar sobre o que era “observação no campo” e aprender a “ler” e fazer croquis e desenhos sobre as paisagens que víamos: assim foi com o jovem Aziz Ab’Saber, sem dúvida nenhuma, com suas aulas inesquecíveis, em campo, no vale do Paraíba; o segundo foi José Ribeiro de Araújo Filho, professor de Geografia do Brasil, que tudo nos ensinou sobre o cultivo e cultura do café no Estado de São Paulo; a Professora Nice Lecocq Muller, que então pesquisava os bairros rurais no Município de Piracicaba. E, destaco pela sua importância a professora Diva Beltrão de Medeiros, que nos levou para um trabalho de campo de duas semanas pelo Vale do São Francisco, para conferirmos aquilo que sua disciplina “Vale do São Francisco”, havia nos oferecido e que era ministrada antes dela, por Aroldo de Azevedo, excelente professor e líder incondicional naqueles tempos, do Departamento.
Daí meu interesse, há anos, em monitorar a constituição dos Departamentos de Geografia em algumas universidades brasileiras e constatar, com clareza, a permanência de heranças políticas muito claras, com arroubos de avanços metodológicos e disciplinares buscando exibir uma erudição, como o conhecimento de autores não geógrafos que são indicados para nossos estudantes da graduação e da pós-graduação, com enorme significância e naturalidade! No entanto, a paisagem tal como eu a entendo hoje, ou seja, a expressão material, formal, histórica, estrutural, valendo-me das quatro categorias de análise do espaço geográfico propostas por Milton Santos, qual sejam forma, função, estrutura e processo, está longe de ser assim tratada e ensinada. O espaço, sempre genericamente nominado – e não espaço geográfico - continua ser “palco” de “atores” que nele vivem desenvolvendo atividades, como se a vida fosse um teatro! E, assim, a crítica se constrói não a partir do conhecimento geográfico, mas dos ditos autores de outras disciplinas. Muito a discutir e caminhar…
3 – Professora, como a senhora considera as influências paradigmáticas e teóricas que caracterizaram a Geografia nacional em seu transcurso, que nos levam, hoje, a falar em tantas “geografias” ... do turismo, dos transportes, da população, da energia etc.?
[Temas tratados: Autocrítica ao falar, no passado, sobre existência de “geografias”. Início dos diálogos com Milton Santos, sobre sua obra, e o aprendizado iniciado com ele. Aprendizado geográfico com Maximilien Sorre, Michel Rochefort, Milton Santos e Pierre George. Michel Phlipponneau, professor em Rennes e político bretão convidado à Secretaria de Planejamento do Estado de São Paulo. Unidade da Geografia e confusões referentes as categorias geográficas. Ausência de debate nos fóruns da Geografia sobre os rumos epistemológicos da disciplina. O objeto da Geografia, o espaço geográfico e o papel de Milton Santos nessa construção. O problema das “geografias” e o exemplo da chamada “geografia do turismo. A necessidade de atualização da Geografia. A expansão do EAD e a retração do ensino presencial, questões políticas e prejuízos à Geografia].
Maria Adélia de Souza – Começo fazendo minha autocritica. Ao final da introdução do meu memorial para o concurso de Professora Titular, em 1995, há quase trinta anos atrás, eu falava em “geografias”. Apesar de conviver cotidianamente com Milton Santos na universidade e estar lendo com enorme interesse sua obra eu, não havia compreendido seu significado e conteúdo, como a vejo hoje. Apesar do privilégio de ter convivido com ele também no LABOPLAN, e eu peço perdão a ele, todos dias, pela minha ignorância. E sinto vergonha! Eu passei a compreendê-la melhor depois que ele se foi, ensinando-a até seus últimos dias de vida. Começamos a conversar mais profundamente sobre sua obra em 1996, quando eu organizei uma homenagem para celebrar seus 70 anos e lançar “A natureza do espaço”, em um evento na USP. Jamais falamos em aposentadoria compulsória, que se daria juridicamente, pois ele jamais parou de trabalhar.
Eu também falava em “geografias”, está escrito, não posso dizer o contrário. Mas, insistentemente até hoje, busco evoluir no domínio do conhecimento geográfico e essa evolução epistemológica eu devo, sobretudo, a três grandes geógrafos: a Maximilien Sorre, que li logo que cheguei em Paris, em 1963, pioneiríssimo, genial; a Michel Rochefort, pela competência em usar a Geografia para o conhecimento da realidade e, por fim, certamente o mais importante nestes últimos tempos, a Milton Santos. Pierre George me ensinou a ser planejadora, pois ele propunha a uma geografia bem objetiva, uma Geografia Ativa, fazia a crítica social e até hoje ele nos ensina a ler a sociedade para nela intervir. Pierre George exibia um compromisso ético/político bem explícito.
Também, naquela época, falava-se na Geografia Aplicada, proposta por Michel Phlipponneau, professor em Rennes e político bretão, que tive também o privilégio de conhecer e convidá-lo para vir ao Brasil e discutir com a equipe que eu dirigia na secretaria de Planejamento do Estado de São Paulo, nossas propostas de implantação de Políticas de Descentralização Industrial, Política Urbana, valendo-nos do conhecimento geográfico sem o qual fica impossível definir estratégias territoriais, sobre o uso do território: onde, como, por que e por quem industrializar e cuidar da cidade.
Eu enfrento muito a polêmica sobre a unidade da Geografia e sua excessiva e crescente fragmentação em dezenas de “geografias”, debate nunca feito com seriedade entre nós. Uma questão: porque a AGB – Associação dos Geógrafos Brasileiros ou a ANPEGE – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia nunca montaram uma mesa com geógrafos de escolas diferentes, para que se discuta o que cada um faz diante das temáticas multifacetadas propostas pelos seus eixos temáticos de discussão nos Encontros, Congressos e Seminários que organizam, frequentados por milhares de geógrafos! Reuniões ditas cientificas que viraram massivas e desvirtuam muitas discussões, como aquelas equivocadas sobre a meritocracia, por exemplo. Então, essa pluralidade revela a mim o desconhecimento do que seja a Geografia e uma confusão, uma libertinagem no que seja o processo de conhecimento geográfico, pois não sabem o que é paisagem, chegam a falar em “geografias das paisagens”!
Ainda não aprenderam que Geografia é a nomenclatura dada a uma e somente uma disciplina do conhecimento, no singular, sobre o processo de conhecimento da sociedade existindo na superfície emersa do planeta. Por isso, nós avançamos, por isso, temos de valorizar o conhecimento sobre a obra de Vidal de La Blache; os geógrafos criticam La Blache por ser conservador, mas continuam a ser herdeiros de seu pensamento. Nós temos, aqui no Brasil, quem defenda a ideia de uma geografia cultural, uma geografia do turismo e “outras tantas quantas os geógrafos quiserem”! Enorme equívoco e desconhecimento sobre epistemologia e metodologia.
Agora, o que define uma disciplina? É o seu objeto. Que coragem de Milton Santos ter dito e escrito sobre isso! Maximilien Sorre não chegou até aí. Milton Santos, que foi, de certo modo, seu discípulo, conseguiu afirmar e fazer avançar nossa disciplina, pois buscou em Jean Tricart, seu orientador de doutorado e que, por sua vez, foi orientado por Maximilien Sorre, inspirações e conseguiu deixar escrito, taxativamente: a Geografia tem um objeto de estudo que é o espaço geográfico. E ele anunciou a teoria, ou seja, a definição do espaço geográfico para que nós possamos testá-la, construir argumentos geográficos para o conhecimento da realidade concreta, expressa pelas paisagens.
A Geografia pode estudar todos os processos de existência humana no planeta exibidos pelas paisagens, valendo-se de seu único objeto, o espaço geográfico e de dois conceitos dele derivados e fundadores do seu método: o território usado e o lugar. Não há limite para a produção do conhecimento geográfico, desde que haja uma teoria a ser testada vinculada ao seu objeto de estudo e que norteie a constituição dos métodos necessários de serem produzidos nas diferentes etapas do processo de conhecimento: análise, teste, proposição, ou seja revelação do resultado da pesquisa que, em si, diz respeito ao futuro. Toda compreensão cientifica leva ao futuro.
Estuda-se, por exemplo, “geografia do turismo”, um equívoco, pois o turismo é a atividade econômica de distintos e diversos tipos de paisagens definidas pela própria natureza (praias, montanhas, lagos, rios etc. e animada pelo sentido do belo e do prazer e, por aquelas produzidas pela cidade, em função do encantamento produzido pelo trabalho humano por equipamentos vinculados ao turismo, lazer, gastronomia, artes, comércio, indústria, moda, entre tantas! Com toda essa fragmentação, constrói-se o que denomino uma geografia “sem chão” pois para tanto é sempre necessário valer-se de métodos de outras disciplinas, ignorando a Geografia como tal. Na dita Geografia Econômica isso fica escancarado, com o uso de conceitos de autores que também não usavam o conhecimento geográfico a não ser como referência toponímica.
Desde 1995 para cá, portanto, há quase 30 anos, com orgulho, superei o que eu também denominava de “geografias”: tenho textos denominados “Geografia da desigualdade”, Geografia de São Paulo, Geografia e urbanização do Paraná e assim por diante. Mas isso foi dos anos 1960 até a metade dos 1990! Hoje, estamos já em outro século, terminando o seu primeiro quartil! Mas, geógrafos insistem em permanecer nos séculos XIX e XX. Os conteúdos e enunciados das disciplinas precisam ser atualizados. Venho estudando e colecionando as grades curriculares dos cursos de Geografia, como disse anteriormente: o caso da minha USP, que monitoro de perto, atualizando-o e que é modelo para o Brasil, é preocupante!
E não é à toa que nosso colega Fernando Mesquita (2023), que está trabalhando agora no Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina, publicou na Revista Geosul um estudo empírico “para mensurar a retração do ensino presencial (público e privado) e a expansão do ensino a distância privado em número de alunos e locais atendidos”, para comprovar sua hipótese de que “embora esteja disperso no território, o ensino a distância acaba reproduzindo uma lógica centralizadora que pouco contribui para o conhecimento da diversidade natural e social do país, ao passo que, o ensino presencial, ao se interiorizar estimula a participação de um maior número de regiões na produção do saber geográfico.” Fica claro o desinteresse dos jovens pela Geografia diante da queda do número de matrículas nos cursos. Os cursos de Geografia podem vir a fechar, por uma prática política nefasta e retrógrada do ponto de vista epistemológico e metodológico dos Departamentos e Programas de Pós-graduação, pautada na ausência e falta de coragem em buscar uma solução plural e científica rigorosas e não apenas pautar a carreira de modo oportunista, prisioneiros que são da corrida atrás do “homo lattes”, imposta pela CAPES. Para que adianta ser um professor titular em uma disciplina sempre ameaçada de extinção por governos e “torcidas departamentais organizadas”?
4 – Professora, qual a sua visão da Geografia latino-americana e sobre a postura da Geografia brasileira frente à realidade espacial do continente?
[Temas tratados: Geografia latino-americana contemporânea. Estímulo ao diálogo da Geografia latino-americana. Teor e conteúdo de produções e publicações de geógrafos em revistas científicas. A importância da revista PatryTer. A organização dos primeiros eventos com geógrafos latinoamericanos na USP. A importância do geógrafo uruguaio Germán Wettstein. A Geografia como “barriga de aluguel” de outras ciências. Uso de palavras e não de conceitos em textos geográficos. Crítica à obra “A natureza do espaço”, sobre a ideia da “produção do espaço”. Falência do velho conceito de território. Crítica ao pensamento geográfico contemporâneo].
Maria Adélia de Souza – Olha, essa pergunta é muito importante, apesar de eu não ser “especialista” e nem conhecedora profunda da Geografia que se prática na América Latina.
Pelo que consigo acompanhar, não vejo com muito otimismo o que acontece na Geografia latino-americana. Ela segue quase o mesmo itinerário da Geografia brasileira, com variações mais “norte americanas” ou inglesas, aqui ou acolá, dependendo do colega que estabelece relações com esses países: os Estados Unidos ou a Inglaterra. Mas, todavia, há sem dúvida alguma a presença da geografia francesa por todo lado com a crença, ainda, no método analítico dedutivo e no “espaço” como palco das localizações. Mas, haveria de se fazer uma pesquisa sobre isso, especialmente pelos colegas que se dedicam ao conhecimento sobre o ensino da Geografia no nível superior. Agora, o que eu vejo com otimismo, que é o outro lado da moeda, é o papel que a PatryTer começa a desempenhar no cenário nacional e do continente, ao instituir e fazer um diálogo acadêmico/científico até então inexistente, pelo menos até a minha geração, entre os geógrafos e outros cientistas sociais latino-americanos, confrontando o desconhecimento sobre a Geografia latino-americana.
Eu fiquei perplexa de ver quando fiz uma boa pesquisa bibliográfica sobre a Geografia latino-americana anos atrás a falta de relacionamentos com os colegas do continente. Milton Santos e eu já tínhamos percebido isso quando estávamos juntos na USP. Naqueles tempos, nós organizamos uma série de eventos internacionais, quando ambos fomos dirigentes da ANPUR e primeira diretoria da ANPEGE, e convidamos os geógrafos latino-americanos para aprofundar e ampliar um modesto sistema de relações da Geografia e do Planejamento Territorial uspianos com o continente, muito especialmente com a Argentina. Mal sabíamos nós, que éramos quase os únicos que tínhamos esse interesse, institucionalmente; não sei se no Departamento de Geografia da USP esses contatos foram mantidos até hoje.
Fizemos um grande esforço para nos conectarmos com Cuba, contato que ninguém tinha, na época, e quem se interessou pôde vir; foi Luisa Iñiguez Rojas, que esteve conosco e retornou algumas vezes, colega que sempre trabalhou com a área da saúde e convidamos também algumas e alguns outros colegas que, agora, não me recordo do nome, para citá-los aqui, lamentavelmente. Isso tudo foi um esforço especialmente de Milton e meu, no sentido de trazer os colegas a São Paulo, convidados a fazer uma apresentação de sua pesquisa ou uma conferência, para que nos conhecêssemos.
Conseguimos contactar o Peru, Costa Rica, Cuba, Argentina, que acabou culminando com algo que, até então, não tinha acontecido, que foi sob o comando de Milton Santos. Antes de nós o Tonico, nosso colega Antonio Carlos Robert de Moraes, tinha tomado providências análogas com a Argentina para que permanecessem conosco aluna, como Mónica Arroyo e Maria Laura Silveira, que foram orientadas em seus doutorados pelo próprio Milton Santos. Um dos uruguaios, Germán Wettstein (1978), com quem mantivemos bons contatos, o professor genial que vocês têm de ler! Ele ao que eu saiba, não voltou mais a USP. Fui informada, há muito tempo, que havia se mudado para Venezuela. Eu sou muito grata ao Germán Wettstein, pois foi ele quem também despertou em mim a necessidade sobre o conhecimento da epistemologia da Geografia. Comecei a entender que, quando você lê nas revistas especializadas dos nossos Departamentos de Geografia e nas convocações de discussão de seminários, encontros e congressos, os enunciados dos temas na maioria dos casos são nada geográfico, mas vinculados, sobretudo, à Economia, à Ciência Política, é preciso refletir! Nós não sabemos sequer dar títulos geográficos as nossas pesquisas! Apesar do alerta de Vidal de La Blache, desde 1890, continuamos a funcionar como “barriga de aluguel” para outras disciplinas praticadas ou não por geógrafos. Alerto: não se trata de corporativismo raso, mas de rigor científico e acadêmico. O que entendemos por Divisão Acadêmica e Cientifica do Trabalho? Somos todos, ainda, enciclopedistas de séculos anteriores?
Eu tenho refletido muito sobre algo que está tomando conta da minha área ou das minhas pesquisas, que é o conhecimento dos processos de urbanização e do “desenvolvimento urbano”. Muitos profissionais, geógrafos ou não, continuam a imaginar que urbano e cidade são sinônimos. Milton Santos (1992), em uma reunião da ANPUR realizada em Salvador, publicou em seus Anais um texto definitivo sobre o refinamento desses conceitos que, lamentavelmente, ainda é desconhecido. Tenho uma enorme preocupação com a construção do método e da metodologia na nossa disciplina e busco rigor no uso de conceitos e teorias. Isso não é muito usual entre os geógrafos que, valendo-se do método descritivo, usam palavras, não conceitos em seus textos.
Contribuindo com essa discussão e para celebrar os meus sessenta anos de profissão, escrevi um livro, que se intitula como já disse várias vezes em minhas aulas e conferências, “Geografia e razão prática”[6], o qual levei dez anos para escrever, refletindo sobre o meu próprio percurso, aprendizado, minhas leituras e minhas bibliografias; nele eu faço uma autocrítica e uma crítica ousada, eu sei, ao pensamento geográfico contemporâneo. Não é uma autobiografia nem um relato pessoal com louvação ao meu percurso. Trata-se de um livro sobre método e metodologia da Geografia, valendo-me do pensamento crítico tão em desuso na nossa comunidade.
Com esse livro, conciliei todos os autores da geografia francesa que foram importantes na minha formação com aquilo que fui identificando com a minha prática pessoal, ao longo do tempo. Pierre George e Yves Lacoste, este ensinando-me sobre a importância do trabalho de campo na formação do geógrafo e, também, ensinou-me a politizar a questão do território que será aprimorada mais tarde com a Geografia Nova de Milton Santos. Esses dois grandes mestres franceses acabaram por ter uma enorme influência em mim e penso que no próprio pensamento de Milton Santos. Eu só não posso deixar de dizer algo que está no meu livro e o faço sem nenhuma arrogância: eu não seria a geógrafa que sou, já disse e vou repetir, sem ter lido Maximilien Sorre, a orientação e aprendizado científico rigoroso com Michel Rochefort e, mais tarde com Milton Santos, que foi meu amigo, companheiro acadêmico e grande mestre.
Depois da partida de Milton Santos, continuando a estudar e compreender sua obra, evolui, metodologicamente. Lamento por ele não ter tido tempo de acompanhar como era lido e sua obra sendo ainda que, vagarosamente, utilizada. Logo que comecei a compreendê-lo, entendi, por exemplo, que o espaço geográfico é uma instância social, logo, é um conceito abstrato; mas, em “A Natureza do Espaço”, ele elabora sobre a “produção” do espaço. No entanto, sugiro que o espaço geográfico como instancia não se produz. O que se produz, socialmente, é o uso do território, expresso geograficamente nas paisagens hoje e historicamente produzidas aceleradamente, com a ajuda da técnica e das tecnologias, seja de fato ou como possibilidade.
Volto à minha fala do descuido que meus colegas têm na construção de textos sem prestar atenção que um cientista não é um literato; o cientista usa teorias, conceitos e definições no seu texto, valendo-se de uma escolha própria que revela tanto sua visão de mundo, quanto a opção de método adotada para seu trabalho disciplinar. Há uma pesquisa interessante, que meu colega leitor poderia pedir para um aluno seu realizar: um exame do que é que a Geografia, as denominações de nossos encontros, seminários, congressos, mesas redondas, painéis e o que as revistas de Geografia têm publicado, além da bipolaridade Geografia Física-Geografia Humana. Tenho certeza de que comprovará a tese de que nossos departamentos equivocadamente denominados “geociências” se tornaram “barriga de aluguel, assunto sobre o qual já me referi anteriormente. Quem certifica, oferece diploma as geógrafas(os), são os Departamentos de Geografia, não de geociências, pois estas têm outra dimensão e significado. Somos uma ciência humana, desde 1890, insisto. Estamos em dissolução institucional e científica: essa é a minha hipótese central.
Eu reflito também das revistas que se propõem a publicar estudos da área de Geografia, portanto, têm que dar prioridade à evolução do conhecimento geográfico, que pode ser feito por um colega de outra disciplina desde que domine nosso método de trabalho. A toponímia revelada e a descrição de uma paisagem não tornam um texto geográfico, cientificamente falando. Hoje o uso da palavra território, por exemplo, está na moda vulgarizando-se um conceito primoroso da geografia contemporânea inclusive entre os geógrafos! Como não sabem o que é, sem poder defini-lo e, pior, não têm noção da importância desse conceito o território usado – no mundo globalizado onde a política de Estado está submetida escancaradamente à política das empresas, sobretudo as estrangeiras, no caso dos países “do sul” e pobres. Daí a falência do velho conceito de território que vem da Geopolítica que também necessita, urgentemente, de uma atualização epistemológica, como disciplina do conhecimento estratégico. Ou não teria a Geografia Nova superado a velha Geopolítica com seu edifício teórico-metodológico, fazendo com que o raciocínio estratégico fosse visto como de fato é: uma dimensão que sai dos quarteis e se associa às empresas, portanto, sai do domínio militar e passa também para o poder civil? Questões a serem pesquisadas pelos civis e militares que servem ao mesmo povo e a garantia da mesma soberania nacional.
5 – Professora, como a senhora caracterizaria a Geografia brasileira, hoje, e o que pensa sobre o futuro da mesma no país?
[Temas tratados: Reflexões sobre a Geografia brasileira contemporânea. O problema epistemológico da análise ambiental na Geografia. Aula inaugural na UnB. Crítica ao corporativismo departamental. Geografia e fazer geográfico desde a universidade].
Maria Adélia de Souza – Eu não tenho boa impressão da Geografia brasileira recente, salvo honrosíssimas exceções; ela nunca conseguiu institucionalizar-se, depois do quase anulamento do Departamento de Geografia do IBGE, nos anos 1970, que garantia incontestavelmente essa questão, à época. Academicamente, a partir das universidades, alguns indivíduos projetam a Geografia para fora do nosso domínio. Somos muito entrópicos: autores que produzem livros lidos quase que totalmente apenas por geógrafos e, mais pelos estudantes de Geografia. Milton Santos é o maior exemplo de projeção “para fora” da nossa comunidade. Pasmem os leitores: houve uma assembleia para aprovar a transferência do professor Milton Santos do Departamento de Geografia para a FEA – Faculdade de Economia e Administração da USP! Mas, “esqueceram de avisar os russos”, como diz o ditado popular, e ele ficou no DG e a FEA jamais reclamou, pois, na época fui me informar e ela nunca soube dessa transferência!
Hoje, com meus 83 anos e, aos poucos, tentando me afastar da comunidade, constato que regredimos, auxiliados pela conduta diante do problema ambiental, tornado poderoso discurso geopolítico e abraçado pela comunidade cientifica, sem nenhum pudor. Tornou-se o novo paradigma de estudos em todas as áreas cientificas, sem nenhum refinamento epistemológico e metodológico! Penso que cerca de 90% dos trabalhos publicados entre nós sobre a chamada questão ambiental, valentemente chamada de “socioambiental” é de péssima qualidade cientifica, pois trata-se de discursos políticos. Eu não estou criticando o bom trabalho empírico, que considero relevante, só que cada vez mais muitos geógrafos decidiram ser “teóricos” sem saber o que é Geografia no século XXI! Aderem à questão ambiental e permanecem no método analítico dedutivo-descritivo da geografia clássica. Examinem, por favor, as grades curriculares dos cursos de Geografia no nosso país, a quantidade e qualidade de disciplinas que oferecem aos estudantes! É preciso estudar mais, fazer menos a velha política departamental praticada pelos mesmos grupos que em muitos departamentos de Geografia, há décadas, vêm hesitando com autores estranhos à disciplina geográfica, na formação de gerações e gerações de jovens. Penso que instituições contribuem para essa dissolução institucional da Geografia. Não somos convocados institucionalmente a esclarecer problemas que inquietam ou são promovidos à inquietação da sociedade, como é o caso absurdo do aquecimento global, tratado como uma questão da natureza e não social!
Onde você vai parar com essa crítica, podem me perguntar os incautos? Eu estou apresentando aqui nesta entrevista a PatryTer porque vocês me deram essa oportunidade! Sou imensamente grata a vocês, por isso! A primeira e penso que única aula inaugural da pós-graduação que ministrei oficial, institucional e formalmente, foi na Universidade de Brasília. E agora (2022-2023), eu estava como professora visitante sênior do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina, e quem convidam para dar aula inaugural, naquele ano de 2022? Aprovaram-me no concurso, mas não me convidaram para dar uma aula inaugural, foram buscar outro colega, que estava em um outro programa. Não condeno as preferencias, apenas as aponto. Eu chamei a atenção dos colegas pois considerei deselegante e antiacadêmico. No mínimo constrangedor! Mas, se eu não puder fazer a crítica eu não sou professora universitária, nem pesquisadora, nem planejadora! Sou uma burocrata oportunista.
A ignorância dos geógrafos sobre o que é academia, a vida académica, seus rituais vão colocando os estudantes em trilhas pré-definidas pelos professores sem que eles saibam! A universidade é uma instituição milenar, tem história, horrores e delicadezas que se perpetuam, mas é preciso que nos coloquemos, permanentemente, diante delas e em alerta! O viciado corporativismo departamental precisa ser criticado e denunciado! Os estudantes são usados para organizar e participar de processos para os quais não estão preparados! Ensinam-lhes o carreirismo desde cedo!
6 – Para fechar este primeiro bloco de perguntas, professora, o que a senhora diria para os jovens professores e pesquisadores, hoje, em defesa do futuro da disciplina?
[Temas tratados: Necessidade de estudo e compreensão da disciplina geografia. Apreensão da filosofia para a crítica. A Geografia, uma ciência social. Importância de uma práxis política acadêmica pelo movimento estudantil. “Enterro simbólico” de professores ruins na USP. A produção acadêmica e o “homo lattes”. Os “homens pobres e lentos”. A inexistência da Geografia Histórica. Participação na coordenação da Política para o Desenvolvimento Urbano – Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) do Brasil. Compromisso ético dos professores universitários de Geografia].
Maria Adélia de Souza – Primeiro, estudar a disciplina, com gosto e com prazer, sem preconceito, só selecionar e ir aprofundando com seu professor ou orientador a compreensão do que seja a Geografia. E, sinto muito, para avançar, há que ler Milton Santos, não há outro jeito. E ler também nossos autores clássicos, eles são importantes e geniais. São pouquíssimos os colegas, e eu estou diante de um deles, que tem um entendimento do que seja a Geografia contemporânea. Há outros colegas atualizados naquilo que todas e todos precisamos saber que é sobre a epistemologia da disciplina; eu não vou começar a nomear para não esquecer, mas eu acho que não chega em dez dedos na mão, na minha leitura. Eu sou, certamente, considerada arrogante, mas, na verdade, sou muito rigorosa porque aprendi assim com os meus professores de outrora.
Nesse sentido, digo aos jovens, primeiro para estudar, ler, não ter preguiça nem preconceito para aprender. Agora, ler e estudar um pouco de Filosofia para aprender a exercer a crítica com competência, saber o que é a Filosofia, para que que ela serve, quais são as escolas filosóficas e seus métodos. A Geografia continua encaixada naquilo que já foi superado desde os anos 1990, como nos ensinam os colegas da Epistemologia, Teoria do Conhecimento, de Filosofia da Ciência quando o método dialético passou a ser usado definitivamente pelas ciências humanas e sociais. E, estudar com intensidade e profundidade Filosofia da Técnica, sem isso não conseguirá compreender sobre a produção das paisagens! Não adianta refutar, dizer que a Geografia não é uma ciência social! Permanecemos em uma postura caduca, envelhecida pela própria dinâmica do mundo!
Com todo respeito, como se diz, é vexatório ler as grades de cursos e o título de boa parte dos textos escritos da moribunda Geografia Física, por exemplo, diante dos avanços das descobertas recentes na Geologia, Biologia, Geomorfologia, Meteorologia e, desta última engoliram, lamentavelmente, a Climatologia geográfica! Na UNILA, universidade que conheço e acompanho com interesse seus passos por ser uma universidade única, temática, federal, criaram uma disciplina chamada “Clima Urbano”; com todo o respeito ao meu mestre Carlos Augusto Figueiredo Monteiro, isso é uma disciplina geográfica ou é da Climatologia, que já deveria ser considerada uma disciplina do conhecimento, criado um Departamento com seu nome, certificando climatólogos, que se diferenciam dos meteorologistas? Porque a Climatologia não avança como tal e ela tem o dever científico e ético de assim proceder, dado o discurso geopolítico contemporâneo sobre o “aquecimento global”! Afinal o que é a Climatologia? Discussões importantes para mim, que mantive durante décadas, com meu querido colega, mestre e amigo Carlos Augusto Figueiredo Monteiro, pessoalmente.
E a outra sugestão que deixo aqui nesta entrevista é que esses estudantes precisam aprender a fazer política académica, não a política da UNE[7], que virou praticamente uma instituição política partidária, diante de suas palavras de ordem. Fazer a política que fazíamos outrora, sempre voltada para a qualificação do ensino e a melhoria das condições de vida do estudante no cotidiano da universidade e da sociedade. Fui presidente do Centro de Estudos de Geografia da USP, chamado Capistrano de Abreu, está lá até hoje, não sei nem o que faz e fui vice-presidente do Grêmio da Faculdade de Filosofia, lutando sempre e prioritariamente, pela qualidade do ensino da minha universidade, do meu departamento. Professor ruim e medíocre lutávamos pela sua dispensa, fazíamos simbolicamente o seu enterro percorrendo o território da universidade e depois da cidade.
Eu sei que são os jovens, os alunos quem mudam o mundo! Vejamos agora a participação dos estudantes questionando a questão Palestina, em todo o planeta. Quem sempre mudou o mundo foram os estudantes, os jovens: vejam o maio de 1968 na França, as lutas contra a ditadura militar na América Latina e o papel dos movimentos estudantis à época, a coragem daqueles jovens! E hoje, como está o movimento estudantil? Observo que há alunos interessados e que buscam aprender, mas vejo também boa parte fazendo carreirismo, assinando textos científicos com seu professor prazerosamente, como se isso fosse algum estímulo e vice-versa! E o estudante fica todo orgulhoso porque o professor assina junto como co-autor!! Pergunto aos alunos se leem o que tem escrito com os professores? Eu leio, quase todos que recebo e dedico a isso um enorme tempo do meu lazer outorgado pela minha aposentadoria. E os comitês da CAPES ou do CNPQ quando recebem esses artigos julgam quem? O aluno ou o professor? E como fica a ética de quem ensina? Então a minha sugestão para os alunos é que estudem e que não aceitem ser manipulados por normas equivocadas da CAPES e do CNPq! Que não se tornem falsos “homo-lattes”, com todo respeito ao patrono da ciência brasileira que nomina a nossa plataforma curricular do CNPq!
No entanto, a Geografia não sairá do mundo do conhecimento, pois ela é indispensável, neste período histórico, que Milton Santos nominou, seguindo as reflexões de Maximilien Sorre, de período técnico-científico-informacional, em transição para um período comunicacional, portanto, popular da História. Porque o que restou aos pobres foi a fala e a comunicação para viver pois, como “homens pobres e lentos” não foram engolidos pela volúpia contemporânea do tempo, determinada pela pressa, pela rapidez. Começam a ter consciência de que são analfabetos, desempregados, mas não deixaram de conversar, de se expressar, por isso são poetas, cantores, letristas [...] e o geógrafo tem de estar atento a esses processos do presente. E, aprender que a Geografia é uma disciplina do conhecimento do presente histórico. Por isso pode existir uma História do Pensamento geográfico, jamais uma Geografia Histórica: esta é atribuição primeira dos historiadores, consultando textos geográficos do passado. Insisto, concordando com Milton Santos: a Geografia é uma ciência do presente. Somente assim poderá ser compreensiva e não descritiva, como sempre tem sido feita. Debates, que não fazemos, mas são importantes.
São estudantes bem-preparados que se tornam profissionais capacitados a colaborar com a política, com os governos e assumir cargos importantes e decisivos para a vida da nação, como no Ministério do Planejamento, Ministério da Fazenda, o Banco Central. Em nosso país, na maioria das vezes, eles são buscados nas universidades. São também professores universitários atualizados e não envolvidos pelo clientelismo e elitismo político da vida brasileira! Eu acho que é lícito a construção de um projeto político coletivo do conhecimento, porque se você produz conhecimento para não fazer nada com ele, não publicar, preocupando-se apenas com a pequena política e garantias dos grupos de amigos departamentais, com sua carreira endógena e ditada pela editora onde publica, isso é ser professor e pesquisador? Daí me criticam porque trabalhei em governos e, para o orgulho dos geógrafos brasileiros, participei da coordenação da primeira Política Nacional de Desenvolvimento Urbano desse país, com meu colega arquiteto e urbanista da UFRGS, o gaúcho Jorge Francisconi. Por isso, a Geografia está lá oferecendo diretrizes de uso do território para as cidades e difusão do modo de vida urbano no território brasileiro buscando mais sensibilidade e justiça nessa expansão. E trata-se de uma correta política que constitui o capítulo 9 do II PND - Plano de Desenvolvimento.
Os alunos têm a obrigação de manter a Geografia como disciplina do conhecimento teórico e aplicado, monitorando a formação de professores, cientistas e profissionais liberais, cobrando isso dos dirigentes acadêmicos e de seus professores. Curiosamente, nossas sociedades científicas – a AGB e a ANPEGE – jamais se interessaram em priorizar a discussão de políticas de uso do território ponto de partida (analítica) e de chegada (a recomendação de projetos e ações), lá onde eles são necessários. Por isso, os planos de governo “não tem chão”, têm toponímia, como costumo dizer, não são territoriais, mas sempre setoriais, refletidos na organização dos governos, em todos os níveis, federal, estadual e municipal, para atender com mais facilidade e tranquilidade aos interesses hegemônicos e despolitizar a gestão, que passa a ser apenas de cunho eleitoral e eleitoreiro e não político/estrutural. Discussões que deveríamos fazer em nossos encontros científicos enquanto geógrafos e não pseudos economistas, sociólogos ou cientistas políticos, valendo-se da interminável e frágil fragmentação da nossa disciplina, “em tantas quantas quiserem os geógrafos”, como dizem tranquilamente alguns colegas. Apontei isso aqui anteriormente! Mais uma discussão fundamental que não é feita sob a liderança das nossas envelhecidas sociedades cientificas.
Segundo bloco de questões. A biografia se encontra na Geografia.
[Temas tratados: Biografia e história de vida. Recordações d
7 – Professora, a senhora poderia nos falar sobre sua infância e adolescência até sua aproximação à Geografia? Como foi esse processo?
[Temas tratados: Biografia e história de vida. Recordações do pai e da mãe. Concurso público para professora visitante na UFMG. Influências que a levaram a Geografia. Avô, avó materna e os intelectuais neste ramo da família. O primeiro trabalho na pequena farmácia da mãe, em Andradas. O fundamental 1, o fundamental 2 e o Ensino Médio, em Espírito Santo do Pinhal e São Joao da Boa Vista. A influência do professor de Geografia do Ensino Médio, Romeu Cabral Menezes (do PCB), a quem dedicou a livre-docência feita na USP. Os primeiros professores no DG-USP. O período como docente no DG-USP. Prática política na Universidade de São Paulo. Algumas oportunidades de estudo e trabalho em Geografia, no início da carreira: a SAGMACS (Brasil), o IRFED (França)].
Maria Adélia de Souza – Eu tenho uma história de vida da qual eu tenho muito orgulho. Eu sou filha de um ferreiro de cavalos, nascido em Caracol, hoje Andradas, no Sul de Minas Gerais, e que depois evoluiu na vida: deixou de levar patada de animal e foi ser motorista de ônibus, e depois foi ser operário serralheiro nas metalúrgicas da cidade de São Paulo, tendo tentado, sem muito sucesso, ser um pequeno empresário serralheiro em São João da Boa Vista (SP), onde moramos, até o início dos anos 1960. Esse é meu pai, um homem superinteligente, alegre, divertido, um artista, desenhista e para resolver os seus problemas existenciais e financeiros ele montou uma pequena serralheria.
Eu estou falando dos anos 1950, início dos anos 1960, quando a urbanização de São Paulo começava a explodir com a industrialização e, morávamos no interior, como já mencionei. Então, meu pai começou a desenhar móveis de varanda feitos de ferro, lindos, a produzir pequenos arados e pequenas máquinas colheitadeiras de arroz, bastante rústicas, ainda.
Antes, como motorista de ônibus ele viajava demais, andava pelo mundo conhecendo as coisas e me lembro, emocionada, dos presentes singelos que trazia. O primeiro presente que ele me trouxe eu não conhecia, era um prendedor de roupas, que ele usava para fazer brincadeiras comigo: ele prendia o prendedor de roupa para a gente falar fanhoso, como se diz, pelo nariz, e aquilo era uma diversão. Até então colocávamos a roupa no varal sem prendedor e o vento levava e tínhamos de lavar sempre de novo, coisas da vida cotidiana dos pobres. O segundo presente que ele me trouxe foi uma garrafinha pequena de Coca-Cola, que começava a chegar na cidade de São Paulo e o terceiro foi uma caixa de doces árabes também vindas de São Paulo pois, no interior, ninguém conhecia. Esses três presentes me marcaram muito.
Minha mãe, era filha de um imigrante italiano da região de Potenza, sul da Itália, quase Calábria. Meu avô materno era filho de pequenos sitiantes, gente do mundo rural italiano que plantava olivas, sitiante pequenininho, que vivia do que plantava e vendia. E, claro, não sobreviveram à I Guerra e migraram, muitos deles para o Brasil. Ela estudou Farmácia na Universidade Federal de Minas Gerais, e por isso fui fazer o concurso de professor visitante sênior lá, em 2018, para homenageá-la, mas, fui reprovada; com mais de meio século de experiencia acadêmica, fiquei em segundo lugar, vencendo o concurso uma jovem uspiana que tinha, segundo me informaram, poucos anos de doutorado.
Trago esse tema para discussão, pois penso que a questão foi política, não acadêmica, embora eu tenha sido encorajada a entrar com recurso questionando o concurso, o que não fiz. Que o Departamento de Geografia da UFMG assuma seus atos, suas decisões. Mas, muitos alunos de lá e colegas geógrafos que foram informados sobre o resultado se solidarizaram comigo o que muito me alegrou. Já comentei sobre esse funcionamento dos departamentos de Geografia e seus grupos de poder, anteriormente. Preferi não legitimar as ações desse concurso, pois diante do absurdo e da desigualdade evidente e comprovada da prova de títulos, dos currículos e experiencias das histórias docente e de pesquisa das duas únicas candidatas, ficou evidente, para muitos que me relataram sobre esse evento, o comprometimento do concurso. Então, vamos lá ironizar: pode ser que eu tenha construído uma carreira acadêmica, cientifica e profissional medíocre, bem como os TGIs – Trabalho de Graduação Integrado, TCCs – Trabalho de Conclusão de Curso, mestrados e doutorados que orientei na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e no Departamento de Geografia da USP! Com a palavra, meus ex-alunos e os membros das bancas que comigo fizeram as avaliações! No Instituto de Geociências da UFMG, currículo, trabalhos profissionais, responsabilidades administrativas assumidas nas universidades e nos governos, pesquisas realizadas pela candidata e qualidade intelectual e erudição demonstrada na prova didática parecem não contar nos seus concursos.
Voltando à família de minha mãe: meu avô, seu pai, imigrante italiano, pequeno comerciante sobreviveu em uma pequena cidade no interior de São Paulo – Espírito Santo do Pinhal – criando seus dez filhos; minha avó, também italiana, de uma família altamente intelectualizada: digo aos meus colegas e alunos que eu tive um tio-avô cardeal no Vaticano! E, o que não é nada trivial na Itália ou no Brasil! Talvez isso também possa servir de argumento, além de ter trabalhado em governos paulistas, a alguns de meus colegas da Geografia da USP de que, de fato, eu seja fascista, pois é o que eles acham que eu sou, pois ouvi várias vezes essa acusação. Bem-aventurados os pobres de espírito…!!! A família da minha mãe sempre teve grandes e lutadores intelectuais: um deles, de quem tenho muito orgulho de ser sua prima em segundo grau, brilhante, que foi prisioneiro político, o Hélio Pellegrino. Por favor, leiam a obra desse psiquiatra genial, como fez Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, que o cita sempre! Como alguém que tem uma família assim poderia ser fascista? Nem mesmo se eu quisesse! Com os pais que tive, era impossível. E, minha mãe, farmacêutica, casou-se com o motorista do ônibus, no qual retornava para casa depois de diplomada na UFMG, em seu curso de Farmácia! A partir daí, uma história pessoal maravilhosa se desenvolve entre eles… E, assim, eu nasci como primogênita, para desespero de meu avô italiano que gostaria de ter tido um neto… Essa história daria uma novela! Mas, faz parte da minha biografia, sobre a qual nunca falei com ninguém.
Coisa importante a ser dita, eu não tive nenhuma influência doméstica para cursar Geografia, porque minha mãe e meu pai tinham que trabalhar, então me “autocriei”, como todas e todos aqueles que são filhos da classe trabalhadora, sem heranças para usufruir. Minha mãe me olhava de longe e eu já sabia o que ela queria dizer. Era extremamente rigorosa e sabia exercer com serenidade, olhar e calma, sua autoridade. Desde os sete anos, eu trabalhava com minha mãe na pequena e primeira farmácia que possuímos em Andradas, no Sul de Minas, certamente financiada por meu avô, seu pai. Eu vigiava a farmácia quando minha mãe saia para realizar procedimentos em seus clientes (aplicar injeções, fazer curativos) e também eu era entregadora de remédio à domicílio, pois a cidade era bem pequena e acessível.
Quando chego na idade escolar, tive a felicidade desde o curso primário (atual ensino fundamental 1), de ter duas boas professoras: a primeira que me alfabetizou, professora Lygia Trielli no Grupo Escolar “Almeida Vergueiro” em Espírito Santo do Pinhal (1948) e a segunda durante os três últimos anos a professora Rita Aguiar, Dona Ritinha como era carinhosamente chamada, por nós no Grupo Escolar “Coronel Joaquim José” em São João da Boa Vista onde fiz toda minha formação (1949-1958) até entrar na USP, em março de 1959.
No ginásio (ensino fundamental II) e no científico (ensino médio), me encontro com um excelente professor de Geografia, Romeu Cabral Menezes. Eu sempre tive curiosidade pelo conhecimento do mundo, provavelmente por ser de família de migrantes, gente que veio de longe! Eu sou de uma geração formada pela ideologia dos americanos, assistíamos filmes, desenhos animados no cinema, pois não existia a televisão e tudo aquilo que era “melhor”, pois vinha dos Estados Unidos. Poderosa máquina ideológica que perdura até hoje. Basta assistir na televisão privada o que é apresentado como filmes, desenhos, entretenimento!
Mas, o professor Romeu a quem homenageio aqui e dediquei a ele minha livre-docência feita na USP, dava aulas falando sobre o mundo de forma problematizada, criticamente. Eu estou falando de 1952-1955, logo no pós-guerra. E ele me acompanhou até o 3º ano do ensino médio (1953-1958). Eu era fascinada pelas suas aulas e nunca tive coragem de dizer isso a ele, era um homem sério, rigoroso. Mais tarde, já estudando Geografia na USP, eu comecei a pesquisar sobre a vida dele e descobri que era do Partido Comunista Brasileiro – ele nunca disse isso, nem em sala de aula, nem em lugar nenhum e nunca sugeriu para que militássemos no que quer que seja. Apenas nos motivava para estudar e ler muito. Apenas com suas preciosas aulas, ele me deu uma orientação de leitura e de conhecimento geográfico que me ajudou muito a entrar na USP, em segundo lugar e sem fazer o curso vestibular, pois minha família não tinha dinheiro para pagar o cursinho. São essas origens que me aproximaram do conhecimento geográfico, o que facilitou muito meu trabalho profissional e ensino na disciplina Planejamento, até minha aposentadoria no DG-USP.
O curso de graduação em Geografia faz parte daqueles que constituíram a USP em 1934, com a colaboração dos professores franceses, com destaque a Pierre Monbeig e Pierre Deffontaines. Meus professores faziam parte da primeira turma daqueles que, formados pela USP, começam nela a ensinar, a partir dos anos 1940. Meus professores, nem todos eram graduados em Geografia; o professor Aroldo de Azevedo, por exemplo, era advogado, depois tornou-se geografo e se dedicava a produzir livros didáticos; o professor José Ribeiro de Araújo Filho, formou-se em Geografia e passou a ensinar no Departamento a partir dos anos 1944/45 se não me falha a memória.
O professor Pasquale Petrone, personagem importante da Geografia (Humana) paulista até hoje, formou-se em Geografia no DG em 1947 e lá fez toda sua carreira, doutorando-se em 1961 orientado pelo professor Ari França, então Catedrático de Geografia Humana e termina sua carreira como Professor Emérito da USP. Trata-se do único professor que, até hoje, julho de 2024, mantém uma linhagem de geógrafos que ele formou, orientou seus doutorados e que há mais de meio século detém um poder acadêmico, político-administrativo inconteste no Departamento de Geografia da USP e na pós-graduação, mesmo considerando os rodízios de poder feitos com os colegas da Geografia Física. Enorme responsabilidade!
Todos foram meus professores, enquanto lá estive como estudante de 1959-1962, retornando por dois anos como professora de Planejamento, em 1970/1971, para, finalmente, terminar minha carreira como professora Titular de Geografia Humana da USP, nesse Departamento onde trabalhei apenas de 1984 até 1996. Quando me aposentei.
Por interesse próprio e para compreender as circunstâncias da minha formação e prática profissional como geógrafa na USP, fiz uma análise detalhada sobre os professores, seus alunos, seus temas de pesquisa e as pesquisas acadêmicas e científicas que comandam a vida do Departamento de Geografia, a partir de 1959, quando lá cheguei, até agosto de 2015, quando o deixei. De 1996, quando me aposentei, continuei a colaborar com o Programa de Pós-graduação em Geografia Humana, dando uma disciplina que lá criei – “Região Teoria e Prática” – onde, de fato, pude também ensinar metodologia da Geografia e do Planejamento Territorial e discutir com meus alunos sobre as minhas pesquisas teóricas relacionadas às dinâmicas dos lugares, para um livro que preparo com zelo e rigor, desde 1985!
Mas, retomando alguns aspectos interessantes da minha formação: quando entro no segundo ano da graduação e começo a fazer política estudantil, amadureci muito academicamente, pois, passei a conhecer os meus colegas dos outros grêmios estudantis, de outros cursos e de outras faculdades. Por gostar da escolha que havia feito para estudar, a Geografia, fui uma aluna sem problemas, sem reprovações e com apenas uma recuperação, obviamente em Geografia Física I, com o professor João Dias da Silveira! Inesquecível recuperação!
Nesse processo da militância política no meio estudantil, aprendi que conhecimento é poder – o único poder que um professor, pesquisador ou intelectual deve ter, pois não o perde jamais e você passa sempre a ser requisitada(o), sobretudo, quando sua carreira não é feita a partir da ingerência dos “amigos” e das “torcidas organizadas” que se constituem em torno de professores nas universidades, hereditariamente.
Para completar as informações sobre minha formação e isso é muito importante, preciso dizer que fui estagiária em uma sociedade de profissionais e, eu sou muito grata a eles, chamada SAGMACS[8], fundada pelo Padre Lebret, dominicano que criou um movimento internacional chamado “Economia e Humanismo”, do qual faziam parte o economista François Perroux, o demógrafo Alfred Sauvy, o geógrafo de Lyon, professor Jean Labasse. Em 1963, fui para Paris fazer um curso de Planejamento Territorial no IRFED, curso de formação de profissionais especialmente para os países do “Terceiro Mundo” como se dizia à época e, tive o privilégio de ser aluna desses grandes mestres a partir desse meu estágio na SAGMACS. Comecei a participar dessa Sociedade ainda como aluna do segundo ano de graduação e era a única “geógrafa” ingressando no grupo técnico dirigido pelo arquiteto e urbanista Francisco Whitaker Ferreira, o Chico, trabalhando com Flávio Villaça e, também, com Luiz Carlos Costa, ambos, tristemente, já se foram. Eu era um “bagrinho”, assim eram chamados os aprendizes, estagiários. O que eles me pediam para fazer? Mapas.
A Cartografia sempre foi a saída do trabalho específico do geógrafo para a maioria dos trabalhos profissionais, pois o velho método analítico descritivo das paisagens poderia perfeitamente ser feito pelos demais cientistas sociais. Tanto é que era e, ainda é mínima, a presença de geógrafos na elaboração de Planos Diretores, Planos de Governo, apesar da instituição da nossa carreira profissional ter sido feita, graças a Itamar Franco, ex-Presidente do Brasil, então senador da República. É importante que se registre como memória da história da hoje frágil geografia brasileira, devido ao atraso teórico-metodológico em que, ainda, se encontra e o descaso dos nossos cursos pela formação de profissionais, especialmente de planejadores territoriais. Apesar de ter sido uma excelente “cartógrafa”, em meus estágios, eu não sei o porquê de não ter me especializado em Cartografia. Talvez porque, como geógrafa, eu prefira me dedicar a questões teóricas e não instrumentais.
8 – Professora, durante a graduação, quais enfoques da Geografia lhe chamaram a atenção e o que lhe conduziu ao mestrado?
[Temas tratados: Principais influências da Geografia em sua formação. Conjuntura política na AGB].
Maria Adélia de Souza – Eu era associada da AGB cujas atividades eram importantíssimas na nossa formação à época, mas, eu nunca podia frequentar suas reuniões, porque não podia custear as viagens para as localidades onde aconteciam. E, naquele tempo, os professores não tinham um projeto de pesquisa que pudesse garantir a ida dos estudantes, como eu fiz tantas vezes, mais tarde quando professora, conseguindo apoio de projetos de pesquisas e bolsas de estudo para meus estudantes, incluindo aí recursos para que pudessem participar dos nossos eventos científicos. E, como meu tempo era escasso, eu ia à universidade fazer disciplinas e saía correndo para pegar o ônibus para trabalhar. Jamais pude construir vínculos com os professores e, dadas as características de ingresso na vida acadêmica, minha vida nesse sentido foi bastante dificultada. O pouco tempo que me restava, dedicava à política estudantil.
Assim, eu me formei sem frequentar os únicos eventos importantes para a formação dos geógrafos que existiam na época, que eram as reuniões da AGB. Quando eram realizadas em São Paulo, eu assistia, mas quando era em Presidente Prudente, Bahia e outros lugares, como costumeiramente acontecia, eu não tinha condições de ir; mas, lia os anais. Eu acho que sou uma autêntica uspiana e “agebeana”.
Isso não significa que essa minha formação seja algo para me acusarem, como fizeram meus colegas, especialmente a partir do fatídico III Encontro Nacional de Geógrafos (ENG), em Fortaleza, 1978, liderado por Milton Santos e outros colegas, quando decidi afastar-me da AGB e nunca mais regressei. A AGB passou a ter “donos”, cujos grupos se sucedem na Direção, salvo raras e honrosas exceções. No entanto, insisto: ela foi fundamental na minha formação geográfica, outrora. Isso é outra conversa, quem sabe para uma outra encarnação. É importante frisar que nesse momento houve uma grave e irreconciliável cisão da geografia brasileira e que permanece até hoje entre os que comandam as sociedades cientificas, departamentos, institutos e os que buscam neles conviver, elegendo-os “democraticamente”, sem nenhum poder acadêmico, científico, político ou administrativo.
9 – Poderia falar sobre como se deu o interesse de realizar o doutorado na França e como se sucedeu esse movimento rumo à Geografia francesa?
[Temas tratados: Elaboração do mapa de fluxos telefônicos de São Paulo, atuando pela SAGMACS. Oportunidades e influências desde a França e aproximação com a geografia francesa. A orientação do mestrado com Pierre Monbeig e Celso Furtado, na França. O doutorado orientado por Michel Rochefort, que elaborou o primeiro Plano de Planejamento Territorial francês (Plan d’Aménagement du Territoire)].
Maria Adélia de Souza – Ele foi sequencial, porque eu já estava na França, quando decidi fazê-lo, a convite do Prof. Pierre Monbeig que seria meu orientador. Eu o conheci pessoalmente quando era estagiária (bagrinho) da SAGMACS, quando também ele visitava o Departamento de Geografia da USP. Na SAGMACS, eu trabalhava em uma pequena mesinha na Biblioteca, onde fazia os mapas que me solicitavam. Lembro-me, perfeitamente, que estava fazendo à mão um mapa de fluxos de chamadas telefônicas entre as cidades do estado de São Paulo. Eu trabalhei quase um ano, diariamente, para produzir esse mapa usando ábaco, transferidor e compasso, para indicar os valores dos fluxos com as larguras dos traços em escalas distintas que uniam as cidades, representando a quantidade de chamadas telefônicas. Lamentavelmente, não consegui recuperá-lo para exibir nesta entrevista. Deve estar em algum lugar, pois é um troféu que guardo desses tempos de grande aprendizado. Acho que foi o primeiro mapa sobre “polos urbanos” construídos no Brasil, valendo-me da teoria da centralidade de Christaller.
Eu estava fazendo esse mapa, e nunca me esqueci dessa cena, quando entram na biblioteca um senhor vestido com uma túnica longa e branca, o Padre Lebret e um senhor baixo, com cabelos louros e brancos, que era o professor Pierre Monbeig, o qual eu já conhecia de vista andando pelo Departamento de Geografia. O Padre Lebret, que morava na França e criou o IRFED, sobre o qual já me referi aqui, o tal instituto de formação de planejadores, onde fiz minha especialização em planejamento territorial. Acho que sou a única geógrafa planejadora territorial formada em um curso como esse, lá no início dos anos 1960, precisamente a partir de outubro de 1963.
O Padre Lebret, ao entrar na biblioteca da SAGMACS, me perguntou: “Em que ano você está? Quando terminar a graduação, você vai para Paris fazer o IRFED, vou te arrumar uma bolsa de estudo”. De fato, ele me arrumou uma bolsa e eu fui para o instituto. A instituição que me ofereceu a bolsa tinha um nome muito sugestivo: Instituto Católico Contra a Fome e para o Desenvolvimento. Na verdade, matou minha fome e eu fiz IRFED. E lá eu acabei buscando o professor Pierre Monbeig, que me disse à época, “quando você terminar IRFED, você vem fazer um diploma, o DEES, para voltar ao Brasil titulada, com diploma de ensino superior”, equivalente ao mestrado norte americano. No Brasil, ainda não tínhamos a pós-graduação em Geografia.
Eu terminei o IRFED, o curso durava um ano, pois era uma especialização, e fui procurar o professor Pierre Monbeig, que me inscreveu em um “Diplôme”, nível de ensino da época correspondente ao atual mestrado – DES - Diplôme d’Etudes Superieurs - sob sua orientação. Mas, para enorme tristeza minha, o presidente da França, general Charles de Gaulle, convocou o professor Pierre Monbeig para dirigir o CNRS - Conselho Nacional de Pesquisa francês, equivalente ao CNPq brasileiro. E ele não teria mais tempo para orientar alunos e foi quando buscou uma maravilhosa solução.
Naquela época, estava chegando em Paris exilado, o professor Celso Furtado, que me acolheu no instituto da América Latina. Pierre Monbeig me disse: “eu preciso convidar o Celso Furtado para oferecer um curso no Instituto e eu queria que ele participasse também da pós-graduação e acho que você pode ser, pelo tema que você está estudando, sua aluna”. Sob sua orientação, fui estudar o processo de urbanização e de fragmentação territorial e municipal no estado do Paraná. Isso porque na SAGMACS tive a experiência de estagiar junto às equipes que fizeram o plano de Governo para o governador Ney Braga.
Foi para viver essa magnifica experiencia que fui para Paris, com 23 anos de idade, com meu dinheiro emprestado de uma amiga, viajando de navio - o Provence - que era mais barato, durante doze dias, saindo de Santos, passando pelo Rio de Janeiro, Recife, Dakar, até chegar em Marseille. Logo eu, que morro de medo de água e não aprendi jamais a nadar. Também voltei de navio nessa primeira viagem, pois as passagens eram imensamente mais baratas do que aquelas de avião, da famosa Panair do Brasil.
Em resumo, procurei meus protetores, Padre Lebret e Pierre Monbeig, que me apresentou a Celso Furtado, que me orientou nos estudos sobre a urbanização e uso e ocupação do território paranaense. O DES, com a reforma de 1968, na França, passou a ser chamado de DEA, título reconhecido na França e na USP também como mestrado. E, quando eu terminei essa primeira empreitada, o professor Pierre Monbeig me disse: “agora você vai fazer o doutorado, eu continuo no governo de Charles de Gaulle, mas eu vou te apresentar um professor que está propondo uma nova teoria formulada no seu doutorado, o professor Michel Rochefort que dá aula no Instituto de Geografia”. Fui apresentada pelo Pierre Monbeig ao professor Michel Rochefort, meu orientador de doutorado, com quem cultivei uma amizade e usufrui de sua orientação e amizade durante 50 anos, ajudando-me nas minhas lidas com o planejamento territorial. Ele tinha a experiencia de ter coordenado, no Governo de Charles de Gaulle, o primeiro Plano de Planejamento Territorial francês (Plan d’Aménagement du Territoire).
Eu tive a sorte de ter esse tipo de formação sobre a qual você, meu colega Everaldo, é o primeiro a se interessar em conhecer. E essa qualidade aqui apresentada eu devo aos meus professores; também a mim mesma, que corri atrás, segui suas orientações e lia o que me mandavam ler. Então eu tenho um diploma de Estudos Superiores em Ciências Econômicas, Políticas e Sociais, orientada por Celso Furtado (junho de 1966), reconhecido pela USP como mestrado em 1970 e um doutorado em Geografia defendido no Institut de Géographie de Paris (Sorbonne) orientado por Michel Rochefort (1975), reconhecido pela USP em 1976.
10 – Como o Brasil e a universidade pública lhe receberam, após regressar da França com o título de Doutora em Geografia?
[Temas tratados: Retorno ao Brasil. Dificuldade em conseguir o primeiro emprego, depois do mestrado e o doutorado encaminhado na França. Trabalho na Secretaria da Fazenda de São Paulo. Ingresso como docente na FAU-USP, em 1973. Os mais de 60 anos na Geografia, 1962-2022). Dificuldade de acesso a trabalho na USP. Ingresso no DG-USP em 1984, 11 anos depois do ingresso na FAU-USP. Atuação no Governo do estado e em outros centros de ensino superior, também no Rio de Janeiro, quando conhece o jovem Roberto Lobato Correo, na década de 1970. Atualização de categorias e conceitos propostos por Milton Santos. A necessidade da leitura da geografia brasileira, desfocando, por exemplo, de David Harvey e Henri Lefebvre. O primeiro encontro com Milton Santos, numa livraria de Paris, em 1966, e ambos com Celso Furtado].
Maria Adélia de Souza – Everaldo, como disse anteriormente, eu terminei meu DES em Paris, em 1967, e logo me inscrevi no doutorado, lá mesmo, na Universidade de Paris, no Instituto de Geografia. Naquela época, não tínhamos a pós-graduação instituída no Brasil, o sistema era outro. Prosseguia titulando-se aqueles que já estavam fazendo carreira acadêmica e o catedrático indicava e apoiava. Os concursos chegaram bem mais tarde, inclusive com a luta dos estudantes no combate à cátedra e instituição de concursos públicos, da qual tive o privilégio de fazer parte, com discussões perigosas com professores que, à época, estavam confortavelmente sob a guarda de seus catedráticos, geralmente conservadores, politicamente falando.
Evidente que, com a minha história de militância estudantil no Departamento de Geografia da USP, eu não fui recebida na universidade quando retornei da França, mesmo com o equivalente ao mestrado e com o doutorado já encaminhado, e fiquei procurando trabalho. Foram anos para arrumar meu primeiro emprego, apesar das minhas especializações e diplomas, cheia de orgulho de ter sido aluna do professor Pierre George e tantos outros grandes mestres da geografia francesa como já apontei anteriormente. Eu procurei meus colegas desde os tempos de política universitária, para recompor minhas relações acadêmicas, mas, com o Golpe militar e a ditadura instituída, muitos tinham sido presos, outros mortos, e a universidade estava esfacelada. Eu fui arrumar meu primeiro trabalho como geógrafa, em 1969, com um cargo técnico na Secretaria da Fazenda, indicada por um membro daquele movimento de economia e humanismo, ao qual já me referi, o diretor geral da SAGMACS, Frei Benevenuto de Santacruz, que teve a generosidade de me apresentar ao então secretário Dr. Luiz Arroba Martins. Assim fui ser geógrafa na Assessoria Econômica do Secretário, cujo chefe era o economista João Manuel Cardoso de Melo. Lá fiquei, dirigi uma pequena equipe de estudantes estagiários, realizando estudos geográficos que, posteriormente, foram publicados em uma revista intitulada Economia Paulista (1969), indicados na bibliografia destacada desta entrevistada ao final deste texto.
Trabalhei na Assessoria Econômica durante dois anos, articulando-me, sobretudo, com jovens economistas talentosos, como Clovis Panzarini, Antonio Carlos Amaral, Júlio Bushel, Nelson Suzini, Helio Nogueira da Cruz, Sebastião Salgado, hoje considerado um dos maiores fotógrafos do mundo. Tempos memoráveis. Certamente, o chefe da assessoria econômica não deve mais se lembrar do pequeno grupo de geógrafos, fazedores de mapas, como éramos considerados. A natureza da Assessoria Econômica era outra: os chefes prestavam assessoria econômica direta ao secretário. Com os estudantes de Geografia, estagiários coordenados por mim, decidimos fazer umas cartografias sobre a arrecadação do ICM – Imposto sobre Circulação de Mercadorias, hoje ICMS - Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, do estado de São Paulo, tendo como base cartográfica a divisão municipal e, claro, identificamos os sonegadores! Isso felizmente, interessou à Coordenadoria de Administração Financeira, dirigida por Jorge Hori com quem cultivei uma amizade longeva, iniciada naqueles tempos! Assim, pudemos também contribuir tanto para a fiscalização aprimorada dos sonegadores em diferentes munícipios paulistas, como também pelo importante reforma tributária que foi realizada naquela época.
Como voltei da França três anos depois do golpe militar, a universidade estava destroçada, professores e colegas perseguidos, mortos. E, aqueles que lá estavam, lembro-me, tinham dois professores que tinham sido meus colegas de turma, um deles vinculado a cátedra de Geografia do Brasil e outro, de Cartografia. O primeiro era simpatizante do Partido Comunista do Brasil e o segundo, da direita conservadora e que fora meu vice-presidente no Centro de Estudos Capistrano de Abreu, quando estudante. Estive no Departamento de Geografia da USP, anunciando minha volta; posteriormente, fui convidada a ministrar a disciplina de Planejamento (1969-1970) como instrutora voluntária, nomenclatura da época, o que fiz sem receber salário algum. Somente em maio de 1973 fui aprovada em concurso público na FAU USP. Tempos difíceis, até então, de empregos sem nenhuma estabilidade e que se perdia com enorme facilidade, seja com as mudanças de governos, no caso dos trabalhos em secretarias, seja por delação e prisão, algo bastante comum naqueles tempos.
Sempre obtive muito respeito pelo meu trabalho como geógrafa, que resultou em convites de colegas de diferentes profissões, que conheci ao longo da construção de minha carreira profissional, desde quando entrei na Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. De lá, como já afirmei acima, eu fui para a Secretaria de Economia e Planejamento trabalhar com Luiz Carlos Costa, para definir e implantar a primeira regionalização administrativa do estado de São Paulo. Eu aprendi muito com ele, jovem inexperiente que ainda era. Sou devedora dessa experiência de regionalização, que agora trago para o meu livro, longa reflexão e escrita para celebrar meus sessenta anos de carreira (1962-2022), a ser publicado pela EDUSP, brevemente.
Estou resgatando o conceito de região, caminhando a partir da Geografia Nova de Milton Santos, e aprimorando seu debate. Por exemplo: Milton Santos propôs que o espaço geográfico é “um indissociável sistema de objetos e sistema de ações” que é sinônimo de território usado. Aprimoro essa sua afirmação concordando que o espaço geográfico é uma instância social, no sentido kantiano da palavra, porém, o território usado é uma categoria social de análise, portanto, uma categoria histórica de análise. O território usado é o espaço geográfico historicizado.
Por que é preciso ter o espaço geográfico como objeto de estudo? Porque ele é um objeto do conhecimento, uma instância que se impõe a tudo e a todos, é uma categoria filosófica do estudo social que torna a Geografia uma disciplina cientifica, com teorias e métodos próprios situando-se, confortavelmente, na divisão acadêmica e cientifica do trabalho, com seu edifício próprio de natureza teórico-metodológico-conceitual, proposto pela obra de Milton Santos.
Foram tempos de muito trabalho e que tive sempre a companhia de um ilustre geógrafo, cartógrafo, meu colega de turma, já professor do Departamento de Geografia da USP que, lamentavelmente, dele se demitiu, precocemente, indo com enorme coragem trabalhar no Paraná, meu grande amigo Vincenzo Raffaello Bochicchio, grande figura humana, enorme caráter. Juntos produzimos o pioneiríssimo mapa da Grande São Paulo, publicado pela Editora e Livraria Duas Cidades (1970) (Figura 2).

Há outras questões que discuti com Milton Santos e faço revisão atualmente, como conceito de lugar, que estou trabalhando há anos para um próximo livro. Tive o privilégio de conversar muito com ele sobre isso, organizamos eventos para discutir esse tema precioso para a Geografia, que é o conceito de Lugar. Em um dos nossos eventos internacionais organizados pelo LABOPLAN, no DG USP, amplamente divulgado pelos meios de comunicação no início dos anos 1990, organizamos uma mesa redonda intitulada “A Guerra dos Lugares”, que seria o título do meu livro. Lamentavelmente, esse título já foi usado, recentemente. Mas já encontrei outro, talvez não tão charmoso, mas bem interessante.
Atualmente, faço a crítica do conceito de rede urbana. Como geograficamente constituir rede quando lugar/mundo se sobrepõem espaço/temporalmente? Nós adquirimos nesta contemporaneidade quase o direito da ubiquidade que, informacionalmente, já existe! Conversamos exibindo nossas imagens em tempo real, ou seja, estamos temporalmente juntos, em lugares (tempos) distintos! Isso é a “ubiquidade virtual”. Por enquanto, ainda não conseguimos estar fisicamente em dois lugares, simultaneamente.
Veja: eu retornei com meu mestrado e inscrição no doutorado na Universidade de Paris, em 1967, e só consegui trabalhar no Departamento de Geografia da USP em 1984, tendo me efetivado na universidade em concurso prestado na FAU USP, em 1973. Quantos anos depois?
Serei eternamente grata ao professor Nestor Goulart Reis Filhos, eleito diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, que foi me buscar no Rio de Janeiro, em 1970, para colaborar na montagem do curso de pós-graduação intitulado “Ciências Ambientais Urbanas”, quando eu ainda trabalhava no SERFHAU – Serviço Federal de Habitação e Urbanismo, vinculado ao Ministério do Interior e que, posteriormente, seria absorvido pelo BNH – Banco Nacional de Habitação.
Em São Paulo, fiquei trabalhando no Governo estadual durante anos, pois eu não conseguia ingressar na universidade! E, com a ditadura, foram diminuindo os concursos, por isso fui trabalhar no Rio de Janeiro, no Serviço Federal de Habitação e Urbanismo, quando usei muito os trabalhos dos geógrafos do IBGE e conheci um jovem muito talentoso chamado Roberto Lobato Corrêa, que me indicou o livro que lia naquela ocasião, que trago muito bem guardado até hoje: “Explanation in Geography”, de David Harvey, edição de 1970, reimpressão da primeira de 1969! Informação preciosa para aqueles tempos. Roberto Lobato, tempos depois, indicou-me para redigir o verbete sobre Milton Santos para a Internacional Encyclopedia of Human Geography. Milton Santos and the New Brazilian School of Geography (MS number 639). Sou muito grata a esse importante geógrafo brasileiro por todas as deferências que sempre teve comigo.
Meus colegas têm de ler e compreender os autores que adotamos, para conhecer as circunstâncias de suas reflexões e até que ponto elas se aplicam às características das formações socioespaciais específicas. Trabalhar insistentemente, por exemplo, com David Harvey e Henry Lefebvre, autores muito usados na Geografia e no Urbanismo, que estudam e refletem suas visões disciplinares, circunstâncias e respectivas realidades, como podem contribuir, efetivamente, com o desenvolvimento da nossa disciplina, com o conhecimento geográfico brasileiro e solução dos desafios impostos pela nossa história do presente? Não se trata de xenofobia, mas de método! Mas, para muitos colegas mais jovens e estudantes que tenho encontrado pelo país, apenas eles são lidos e estudados, viraram quase uma cartilha de norte a Sul do Brasil! David Harvey é um colega respeitável, li quase toda sua obra, mas sua abordagem diante de nossas concepções sobre a Geografia e visão de mundo são tão diversas das nossas. Importante leitura como atualização bibliográfica, sem dúvida nenhuma! Mas, e os autores brasileiros, por que não são tão intensamente trabalhados com os estudantes?
De Henry Lefebvre eu fui uma assídua aluna de alguns cursos, acompanhei com grande interesse sua obra, e ele foi muito importante para a minha formação, até os anos 1970. Só que o filósofo Henry Lefebvre tinha um conceito próprio de espaço, inspirado no urbanismo, daí escrever sobre a “produção do espaço”. Milton Santos ainda não tinha sua obra difundida, embora fossem contemporâneos, inovando o conceito de espaço geográfico proposto como instancia social. E o mundo do norte nunca se interessou pelos intelectuais do Sul, sejamos honestos!
Felizmente, acabei conhecendo pessoalmente Milton Santos, em Paris, se não me falha a memória, em 1966, saindo da livraria da PUF - Presses Universitaires de France, dirigindo-me para uma orientação com o professor Celso Furtado, que recebia nos recebia em um café, na Place de la Sorbonne.
Para espanto meu, naquele momento, Milton Santos, vendo Celso Furtado através dos vidros do Café, decidiu acompanhar-me. Eu fui convidada a permanecer nesse encontro e pude viver e ter o privilégio de assistir, naquele dia, a conversa primorosa e muito especial entre dois importantes e discretos exilados políticos brasileiros. Desde então, pude ler quase toda sua obra tanto pelo interesse quanto pelo gosto de estudar e de aprender.
A PatryTer me resgata! Vocês não têm ideia da minha alegria! Eu que frequento com muito orgulho e com meu currículo, meu trabalho e entusiasmo, “as gerais” da Geografia brasileira!
11 – Professora, como sabemos, é reconhecido amplamente o seu aporte à Geografia brasileira. Mas, o que a senhora mesma entende como sua maior contribuição à consolidação da Geografia no país? Quais outros professores também tiveram relevância neste processo?
[Temas tratados: Dois momentos na carreira. Etapas de mudança de pensamento e autocrítica. Principais influências em sua trajetória acadêmica e profissional. O retorno de Milton Santos ao Brasil e o apoio prestado a ele, em São Paulo, quando desempregado no próprio país. Docente na FAU USP e primeira Prefeita da USP. Esforço e concurso para se transferir da FAU USP ao Departamento de Geografia da USP. Os concursos públicos nas universidades brasileiras. Aposentadoria, em 1996, e o convite de George Benko para trabalhar na Paris XII. Crítica ao lugar destinado a Geografia em departamentos. Atuação e contribuição na consolidação de curso de Geografia na Unicamp. O problema do curso de Geografia em Institutos de Geociências e os Cursos de Geografia enquanto “cartelas de disciplinas” de outros profissionais. Problemas epistemológicos nas grades dos cursos de Geografia. Homenagem a Pedro Geiger.].
Maria Adélia de Souza – Antes de tudo, obrigada pela generosidade da sua afirmação reconhecendo meu esforço na produção e difusão da importância do conhecimento geográfico, ainda tão banalizado cientificamente. Veja-se a lentidão do interesse pelos estudos e uso da Geografia Nova, excetuando-se os estudantes e os geógrafos mais novos!
Sou desde menina apaixonada pela Geografia e a prático sem jamais abandonar o pensamento crítico e acompanhado de minha permanente autocritica em relação ao que faço e penso, para poder avançar e contribuir para com esse conhecimento indispensável para as pessoas e para a sociedade como um todo. Não faço parte da elite da Geografia brasileira e tenho consciência disso. Meu caminho não foi publicar livros, mas pesquisar, ensinar e formar meus alunos da melhor maneira possível. Mas, sobre isso, somente eles poderão atestar.
Eu diria que tenho dois momentos na carreira: o primeiro que vai de 1968 até 1995, quando ainda praticava uma Geografia da velha guarda, ensinada pelos grandes mestres que tive aqui no Brasil e na França, como revelei anteriormente. Eu acreditava que a abordagem “urbana” se constituía em uma Geografia, que a “população”, a “indústria”, a “energia”, o “comércio”, entre outras nomenclaturas, se constituíam em “geografias”, como até hoje afirmam alguns colegas! Eu tinha aprendido assim, essa Geografia empírica, fundamentada nos idos de 1890, descritiva, sem nenhuma teoria que a respaldasse.
Penso que representei bem a Geografia nesta primeira etapa, quando eu consegui realizar muitos trabalhos para o Governo no campo do planejamento territorial, fazendo coisas importantes para o meu estado de São Paulo e para o meu país. Isso está documentado também pelo trabalho das equipes que constituí e que me ajudaram muito, especialmente, meus ex-alunos de pós-graduação.
E um segundo momento, que é a minha fase atual, eu devo integralmente ao companheirismo de Milton Santos, a convivência com ele no Departamento de Geografia da USP, e à sua coragem em se manter naquele Departamento, projetando-o internacionalmente. E, sobretudo, ao meu interesse no aprofundamento dos estudos sobre Epistemologia, Metodologia, Teoria do Conhecimento, Filosofia da Ciência, que passei a acompanhar de perto. Não tem sido fácil, pois trata-se de uma luta respaldada por muito trabalho e determinação de alguns de nós. Mas, essa é uma outra longa história ... Tempos bem difíceis, mas profícuos, dos quais sinto imensa saudade do nosso coletivo lá no LABOPLAN, do qual fui coordenadora por um bom tempo, onde vivíamos uma autêntica vida acadêmica entre colegas e nossos alunos, efetivamente e, como se diz hoje, “compartilhando saberes”: Armen Mamigonian, Maria Adélia de Souza, Maria Regina de Toledo Sader, Milton Santos e Rosa Ester Rossini e nossos alunos orientandos de mestrado e doutorado.
Como entendi as perguntas aqui formuladas como possibilidade de fazer uma rápida autobiografia com destaque a minha atividade acadêmica e profissional, tenho feito algumas revelações. E aqui vai outro momento da minha insistente busca para ser professora universitária e que deve ser entendido como um parêntese.
Para trabalhar no nosso Departamento de Geografia eu fiz um concurso, embora já fosse professora efetiva na USP, em concurso público prestado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo onde fui aprovada em primeiro lugar e lá trabalhei durante 14 (quatorze) anos. Mas, eu sempre quis dar aulas no departamento onde estudei e me formei. Outra motivação para mim é que eu soubera, através de uma colega francesa, que o professor Milton Santos já estava de volta ao Brasil fazia dois anos e estava sem trabalho, pois havia sido expulso da Universidade Federal da Bahia durante o regime militar e ela não o reintegrou quando do seu retorno ao Brasil. Eu soube, então, que meu ilustre colega estava pretendendo voltar para Paris! Imaginei que seria uma pena ele não ficar no Brasil e foi quando eu o convidei para vir para São Paulo, apresentando-lhe duas propostas: 1. ministrar comigo um curso no programa de pós-graduação da FAU USP, com a preciosa chancela do inesquecível professor Carlos Lemos e, 2. ofereci um contrato de assessoria técnica à Coordenadoria de Ação Regional da Secretaria do Planejamento que eu dirigia, para participar da elaboração conosco das Políticas de Descentralização e Desconcentração Industrial e da Primeira Política Urbana do Estado de São Paulo. Os dirigentes e colegas do Departamento de Geografia da USP à época, falo de 1973/1974, não se interessaram pelo grande geógrafo brasileiro do século XX. Mas, esta é outra história que precisará um dia ser escrita por mim, se houver tempo!
Pense como a vida nos prega peças! Imaginem que, institucionalmente, eu era chefe de Milton Santos, responsável por monitorar seu contrato de trabalho! Demos muitas risadas sobre isso! Com muita satisfação, uma das tarefas específicas que ele propôs foi aquela de realizar uma pesquisa bibliográfica para nos ensinar como é que a Geografia vinha estudando esses curiosos setores econômicos, o terciário e o “quaternário”, sobre o qual ele começava a falar nas suas palestras. E não sabíamos na nossa disciplina como tratar disso, a não ser, como sempre, de modo analítico-descritivo, como aprendíamos na graduação. Além disso, o professor ministrava algumas conferências para a formação dos técnicos da Coordenadoria de Ação Regional, para os quais eu havia definido uma política de capacitação profissional permanente, durante os quatro anos em que lá estive. Milton Santos fez parte como agente importante desse processo de capacitação até hoje inesquecível para aqueles que puderam assisti-lo.
Retomando o meu segundo momento, interrompido pelos parênteses feito acima, o Departamento de Geografia da USP abriu um concurso nos anos 1980, onde me inscrevi, apesar de já ser professora efetivada por concurso quase uma década antes. Única maneira que encontrei para ser professora no departamento onde estudei. Mesmo assim, a secretaria do Departamento não queria aceitar a minha inscrição, quando anunciei que entraria com um mandado de segurança; mas nem foi preciso, pois minha inscrição foi aceita; o Chefe de Departamento então era o professor José Pereira de Queiroz, engenheiro agrônomo que lá criou um Laboratório de Pedologia, onde muitos geógrafos foram formados.
À época eu, era como já disse, professora da FAU USP, junto ao AUH - Departamento de História da Urbanização e Estética do Projeto, e primeira Prefeita da USP, encarregada de organizar a prefeitura no reitorado do professor Hélio Guerra. Eu poderia ter solicitado a transferência de faculdade, formalmente, ao Reitor; e eu tinha respeitabilidade para pleitear a saída da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, onde era, política e academicamente, muito estimada pelos colegas e ir para a FFLCH – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Mas, as coisas não eram simples!
No primeiro dia do concurso, todos os candidatos na sala, quando sou chamada para fazer o sorteio do ponto para a prova didática - éramos uns 20 candidatos para uma vaga e, se não me falha a memória, lá estavam também concorrendo os colegas Ruy Moreira, Carlos Walter, colegas bem mais novos que eu, e os concursos eram uma raridade! Claro que era estranho eu estar lá, sendo já doutora e docente! Mas, eu tinha informações de que o Departamento não aceitaria a minha transferência, nem mesmo recebendo uma vaga de professor assistente doutor que eu levava comigo e se agregaria àquelas que o departamento já possuía! Isso está justificado na dificuldade para a aceitação da minha inscrição por Dona Julieta, chefe da Secretaria do DG a época e pessoa muito poderosa. E como o concurso exigia o título de mestre e eu era doutora, se classificada em primeiro lugar, eu além de oferecer ao departamento uma vaga de professor assistente doutor não ocuparia a vaga concursada e o segundo colocado tomaria posse comigo! A FAU USP sim, perderia uma vaga, mas meus colegas arquitetos compreenderam e apoiaram, depois de muitas reuniões, meu projeto de carreira docente, que eu desejava no Departamento de Geografia. Liberaram-me sabendo, contudo, que deveriam pleitear na reitoria uma nova vaga de professor assistente doutor! Mas, a administração do Departamento de Geografia desconhecia essas regras da nossa universidade.
No momento do sorteio da prova didática, houve manifestações de estranheza feita por alguns candidatos contra a minha presença e pediram para eu me retirar da sala. Uma ex-aluna da graduação, com um nome muito peculiar, que não consigo me lembrar, foi porta voz altiva e contundente para que eu me retirasse do concurso.
Eu vou dizer uma coisa muito delicada e meu colega não merece e ele sabe disso, e sempre foi muito prestigiado por mim: este concurso no qual eu me inscrevi tinha enorme chance de o professor Francisco Scarlato ser aprovado. O resultado do concurso levou tempos para ser revelado. E eu lutei para que isso acontecesse. Logo em seguida a ele, fui convidada a ser Chefe de Gabinete do Reitor Flávio Fava de Moraes e, como tal, fui verificar o que acontecia e, seguindo as normas do Conselho Universitário, garantir a validade daquele concurso. Foi assim que conseguimos minha transferência da FAU USP para o Departamento de Geografia e a efetivação do contrato do Chico, como chamamos o professor Scarlato carinhosamente, ambos legitimamente aprovados por uma banca examinadora.
Esse segundo momento (etapa) da minha vida na USP foi intenso. Fui uma dedicada geógrafa clássica, dignifiquei o nome da Geografia de São Paulo no Brasil inteiro e pelos países onde andei trabalhando, mundo afora. Eu não sou conhecida apenas como planejadora territorial: eu sou reconhecida como geógrafa, entre arquitetos, urbanistas e economistas.
Milton Santos e eu estávamos lá, na luta cotidiana, trabalhando no Departamento de Geografia da USP, de 1984 até sua partida em 2001. Tristemente, ainda, na vida universitária, as manobras nos concursos de ingresso acontecem e, hoje em dia, são publicizados pela grande imprensa, envergonhando-nos administrativa e eticamente. Indignidades que ferem os objetivos essenciais da pesquisa e da vida acadêmica nas instituições de ensino superior. Lamentavelmente isso também não é uma novidade na nossa milenar instituição! Não há interesse aqui de fazer outros parênteses e revelar a epopeia que foi a abertura de concurso de professor titular nos quais Milton Santos se inscreveu e, foram dois: o primeiro, cancelado logo após sua inscrição e, no segundo, sem que ninguém se dispusesse a concorrer com ele, foi aprovado.
Tentaram também nos invisibilizar, quando Prefeita da USP, quando pretendíamos construir uma sala para o Departamento de Geografia: busquei restaurar um espaço abandonado, atrás da livraria da EDUSP existente no térreo do Prédio da Geografia e História e oferece seu uso para o professor Milton Santos, pois ele já estava doente e imaginávamos o quão cansativo era subir aquelas rampas do edifício. E, nós dois, acabáramos de assumir a primeira diretoria da ANPEGE, ele presidente e eu secretaria executiva. Restaurei a sala que lá está sendo usada até hoje. Milton Santos ocupou essa sala até o final de seus dias entre nós.
Em 1996, eu fui aconselhada por colegas da Faculdade de Direito da USP a me aposentar devido à aprovação da reforma da previdência proposta pelo governo Fernando Henrique Cardoso, caso contrário eu perderia metade do meu salário. Eu tinha acabado de constituir uma pequena família, com dois filhos pequenos, e tinha novos compromissos assumidos na minha vida pessoal. Com enorme tristeza, aposentei-me em 1996 e Milton Santos prosseguiu no Departamento até sua morte, em 2001.
Depois da aposentadoria, eu aceitei um segundo convite no Instituto de Urbanismo de Paris, da Universidade de Paris XII (hoje Universidade Paris Est Créteil), como Professora Associada, pela iniciativa de Hélène Lamicq, e no Instituto de Ciências Políticas - o Sciences Po- convidada pelo saudoso amigo e ilustre colega Georges Benko.
Em Paris, recebo um telefonema de meu colega Octavio Ianni, do Departamento de Ciências Sociais da Unicamp, convidando-me para participar da criação de um curso de Geografia que ainda não existia nessa universidade, na companhia dos colegas professores Arlete Moysés, minha ex-aluna de Planejamento na USP, nos idos dos anos 1970, Regina Célia Bega dos Santos, Maria Tereza Duarte Paes e Archimedes Peres Filho.
Esse curso, segundo eu soube, vinha sendo concebido no Departamento de Ciências Sociais do IFCH – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP. Nesse tempo, foi criado um Instituto de Geociências e nele criaram um curso de graduação denominado Ciências da Terra, para formar geólogos e geógrafos, ambos nesse mesmo curso! Um equívoco institucional e epistemológico.
Como por questões pessoais, depois de minha aposentadoria, me mudei para Campinas, decidi aceitar o convite de Octavio Ianni e colaborar com o tal curso de Ciências da Terra. O maior equívoco que cometi na minha vida acadêmica já tão agitada, como tenho exibido nesta entrevista. De qualquer modo, permaneci colaborando com o Instituto de Geociências até a diplomação da primeira “turma”, da qual fui paraninfa, constituída por dois inesquecíveis geógrafos que cito aqui nominalmente – Heloisa Molina e Fabio Tozi, que fazem parte da história da Geografia da UNICAMP.
Outro parêntese: na UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina, onde permaneci vinculada como professora visitante sênior, durante dois anos (2022/2023), após ser aprovada em concurso público, vinculada ao que ainda lá ainda se chama Departamento de Geociências, certifica apenas o diploma de geógrafo. Aberração conceitual que perdura, pois a Geografia, desde 1890, é considerada uma ciência humana, social.
Sei que novamente vou aborrecer meus colegas, contudo, não se trata de uma questão pessoal, diz respeito ao meu dever de oficio: afirmo que permanecendo com a inadmissível dicotomia Geografia Humana/Geografia Física, honestamente falando e sem nenhum espírito corporativo leviano, mas rigorosamente científico, tenho dito que nossos departamentos de Geografia se transformaram em “barriga de aluguel” para profissionais das chamadas geociências, cujos departamentos existem nas universidades, com cursos de qualidade, dos quais precisamos e lá devemos buscá-los. Curso de Geografia não pode se transformar numa cartela de disciplinas, em pleno século XXI, contratando profissionais para ensinar Geologia, Astronomia, Cálculo, Biologia, Engenharia Agronômica, Economia entre tantas que tenho visto em minhas pesquisas sobre o ensino de Geografia, examinando as grades curriculares. Muito preocupante! E isso tudo envolve recursos humanos, financeiros e técnicos, impedindo o desenvolvimento epistemológico/metodológico da nossa disciplina.
Não me refiro às pessoas, mas as condições intelectuais e teóricas requeridas para orientar e representar, intelectualmente, o avanço do conhecimento geográfico em nossos departamentos. É disso que se trata: colegas não geógrafos que, insistentemente, chefiam nossos departamentos sem nenhuma formação acadêmico-cientifica e profissional específica ou geográfica, representando ora a alternância de mando entre os professores da “Geografia Humana” e da “Geografia Física” , ora as manobras daqueles professores geógrafos que se negam a assumir funções administrativo/burocráticas, que engordam tranquilamente seus currículos, escrevem muitos livros e favorecem a minha tese de dissolução institucional da nossa disciplina em termos de qualificação e atualidade da pesquisa geográfica contemporânea.
Isso que estou afirmando está expresso nas grades curriculares, sempre modificadas não com o objetivo de aprimoramento e atualização do conhecimento geográfico, exigência maior do mundo globalizado, mas, com aquele dos ajustes políticos miúdos da vida departamental, que conhecemos sobejamente. O interesse individual está acima dos interesses institucionais, científicos e acadêmicos. E, considerar também a discriminação severa que fazem de alguns professores, especialmente daqueles autônomos, que não se filiam a nenhuma das “torcidas organizadas” que existem nos departamentos de Geografia e, pelo que sei, em muitos outros departamentos na universidade. E isso tudo pode ser constatado tanto nos títulos pouco geográficos das nossas reuniões cientificas nacionais quanto na qualidade e varejo temático cientificamente falando de muitos trabalhos que são apresentados e, insisto, retomo e exemplifico com disciplinas que constam das grades curriculares insistentemente reformuladas e nada inovadas: Cálculo I e II, Geologia I e II e as vezes até III, Astronomia I e II e, por ai vai. O debate está mais uma vez aqui lançado: sair do século XIX e entrar no século XXI, este é o dever dos professores de Geografia do ensino superior brasileiro. Preparar-me bem para esse debate, penso, é uma das contribuições que deixo para a Geografia: até aqui em salas de aula, conferências e no meu trabalho profissional. Nos eventos, tive muitas das minhas sugestões de organização de mesas redondas recusadas, o que contraria a sua afirmação, Everaldo, da minha importância na Geografia brasileira. Sou lúcida e corajosa: institucionalmente, sempre fui recusada pelos geógrafos brasileiros, não pela Geografia.
Conheço muito bem esses caminhos pelas funções que tive de assumir no passado, na USP e, recentemente, colaborando efetivamente na construção da UNILA – Universidade da Integração Latino-americana, em Foz do Iguaçu, no estado do Paraná, da qual fui a primeira pró-reitora de graduação.
Para essas funções que fui convidada a assumir, tive de estudar muito sobre o que é uma universidade, como constitui-la e o que significa uma estrutura de gestão e formação acadêmico-cientifica-profissional. O que significa dentro da universidade uma Escola, uma Faculdade, um Instituto, um Centro, como se usa tanto hoje em dia. Não fomos estimulados por nossos professores e conhecer sobre a instituição que trabalhamos, sua história, sua importância, seu papel social, suas nomenclaturas.
Tristemente, os geógrafos, até hoje, desconhecem por ignorância, desinteresse ou por conveniência na construção de pactos políticos internos – eles são fundamentos da vida cotidiana na universidade -, não sabem ainda o que é e qual a importância e função do departamento, unidade acadêmica de base da vida acadêmica, que tem o poder de formar e certificar sobre o conhecimento que lhe dá o nome. É o departamento quem deve certificar, diplomar com a garantia do seu nome, o profissional que capacita e forma na instituição universitária, no nosso caso, o geógrafo.
São nessas circunstâncias que se consolidam os Institutos e Departamentos de Geociências, num dado momento da história da universidade brasileira, às custas da certificação de uma disciplina milenar como a Geografia, sem que haja neles, um departamento com esse nome! O que é a Geociência? Quando ela nasce? Onde foi criada, por quem e para quê? Todas as ciências são “geo”, ou os seres vivos e as coisas levitam? Nem valorizar a nossa disciplina nossas associações e instituições acadêmicas e cientificas têm conseguido realizar, porque de fato não sabem o que é a Geografia hoje e, por isso, dizem que podem existir tantas quantas geografias quiserem!!! Nada sabem sobre epistemologia, filosofia, o que seja uma instância social, como nos propôs Milton Santos ao garantir que a nossa disciplina é uma ciência pois tem um e somente um objeto, como deve ser.
Neste momento, está sendo realizado na USP um congresso de geógrafos brasileiros, para celebrar os 90 anos da AGB e do nosso Departamento de Geografia. Não sei se examinaram a programação! Sugiro que o façam! Vai muito mal a Geografia brasileira, afirmo com tristeza e sem nenhum constrangimento! Voltamos à fase alemã, antes de 1890, com a revolução proposta por Emmanuel De Martone. Fica bem evidente que a liderança política da nossa disciplina agora está com a Geografia Física. E... la nave va!
Eu tenho um respeito muito grande pelos colegas que são empiristas, que não são miltonianos, mas que fizeram e fazem uma Geografia analítico-dedutiva competente, genuína e ainda importante, com descrições e explicações refinadas sobre as paisagens. Aqui, preciso homenagear meu amigo e mestre Pedro Geiger que está com 100 anos, ainda entre nós, e acaba de lançar um livro no Rio de Janeiro. O que seria dos geógrafos brasileiros se não fosse o seu livro pioneiro “Evolução da Rede Urbana Brasileira”? O que seria da gente se não fossem os estudos da Geografia agrícola, agrária de Maria do Carmo Galvão? Os trabalhos regionais e urbanos de Fany Davidovitch, Lysia e Nilo Bernardes? Eu estou falando de geógrafos do meu tempo, dos quais me aproximei, li seus textos e que me formaram.
Depois de 1996, quando me aposentei, continuei trabalhando por mais 11 (onze) anos no Programa de Pós-graduação de Geografia Humana da USP. Mas, a vida acadêmica foi ficando muito difícil; para mim, era muito complicado ter de buscar recursos para pesquisa e tudo o mais e, ainda, enfrentar a estreiteza da vida departamental., com meus projetos de pesquisa que conseguia formar meus orientandos sobre a Geografia da Fome, o sistema de Justiça do Brasil, o SUS – Sistema Único de Saúde, essa maravilha de programa para enfrentamento da saúde pública em nosso país, estudar as relações entre território usado, lugar e poder no Brasil.
Felizmente também para mim, foi quando apareceram várias oportunidades importantes, por indicação e recomendação de Milton Santos, para substitui-lo dando aulas e fazendo conferencias pelo Brasil afora e em Buenos Aires e Bahía Blanca, na Argentina, com Roberto Bustos Cara e aqueles maravilhosos colegas argentinos!
Assim, fui oferecendo o que de melhor eu tinha como docente, pesquisadora e planejadora à Geografia Brasileira.
Encerramento.
12 – Professora, em sua leitura, qual o lugar da Geografia na explicação das crises do mundo do presente, que ainda enfrenta o empobrecimento, as desigualdades, as guerras e as migrações, por exemplo?
[Temas tratados: A Geografia no mundo contemporâneo. Percepções sobre a prática geográfica nas universidades e disciplinas. Homenagem e debate com Antônio Carlos Robert de Moraes. Confusão entre Mundo e Planeta Terra].
Maria Adélia de Souza – Primordial essa questão. Hoje, eu recebi de um colega e ex-aluno que foi para Lisboa celebrar a Revolução dos Cravos, o Ewerton Machado, um artigo da Tribuna, que é um jornal português, citando Milton Santos, o livro “Por uma outra globalização”. É um jornal importante, de circulação europeia, tratando da grande contribuição do geógrafo brasileiro para a compreensão do que seja o mundo globalizado, do que é a crise. Crise é momento de ruptura não é um enterramento de fatos. É necessário entender os momentos de ruptura. Eu acho que hoje e por culpa nossa, das universidades no mundo inteiro e a partir da Geografia, não soubemos aproveitar os momentos de paz e de crescimento, coisa que Milton Santos o fez e sua obra demonstra isso para nos dizer, afinal, como é que nós saímos do método analítico-descritivo e explicativo e entramos no método dialético, compreensivo.
Ninguém pensou isso; é só analisar as grades dos cursos e verificar o que vem sendo ensinado. Insisto neste aspecto! Recordo um colega da USP, o Antônio Carlos Robert Moraes, nosso querido Tonico, que nos deixou tão cedo e que homenageio aqui; eu fui recuperar um seu artigo de 2002, publicado na Revista Geografares. Tonico, professor inteligente, com quem debatíamos epistemologicamente, foi uma das muralhas dentro do Departamento de Geografia da USP e não era uma atitude deliberada – mas ele tinha, com o professor Wanderley Messias da Costa, muito poder, ambos orientados pelo saudoso colega Armando Correia da Silva, sociólogo de origem e que fez sua carreira na Geografia. Para mim, meu colega e amigo Wanderley era um pouco mais dócil, mas o Tonico, não tanto.
Veja o leitor, especialmente o geógrafo, o que Tonico escreveu em um trabalho intitulado “História do pensamento geográfico do Brasil: indicações”, com a importância que sua obra teve na formação dos geógrafos brasileiros: “trabalho com a ideia de que, em qualquer sociedade, em qualquer época, há algum tipo de Geografia”, ou seja, tantas quantas geografias quisermos! Trata-se daquilo que ainda hoje muitos colegas desatualizados também escrevem ou dizem. Para mim, é uma aberração epistemológica! Não se trata de “algum tipo de Geografia”, mas, algum tipo de paisagem, este é o conceito a ser utilizado.
Eu que sou bem mais velha, avancei cientificamente, em 1995, o Tonico não mudou! E eu cobro isso de sua obra, ainda muito citada hoje em dia, como cobrei em vida. Tonico era uma pessoa adorável, e sabíamos separar a rigorosa e necessária discussão de ideias, do bom convívio acadêmico. Do ponto de vista da epistemologia da Geografia, nós tínhamos divergências teóricas e políticas, bem como eu tinha com o Wanderley Messias da Costa, que também é meu amigo até hoje, competente que é, e me chamou para integrar a sua banca examinadora de doutorado! Fui implacável na arguição e ele brilhante nas respostas. O mundo hoje, que está sempre exigindo o novo e, graças às novas tecnologias, permitem que espaço e tempo se sobreponham instantaneamente, fazendo com que lugar e mundo se interajam em tempo real, significando, no presente, quase a mesma coisa! O mundo está no lugar – esse espaço do acontecer solidário – e o lugar, esse espaço do acontecer solidário, está no mundo, este compreendido sempre como um conjunto de possibilidades, uma totalidade em movimento. Assim é também o espaço geográfico.
Insisto com meus colegas: é inadmissível confundir MUNDO com o PLANETA TERRA, a geosfera! Coisa que ainda se revela com enorme frequência nos textos geográficos.
13 – A senhora gostaria de dizer algo que não foi perguntado nesta entrevista?
[Temas tratados: Papel dos geógrafos no trato epistemológico e metódico com a disciplina. Necessidade de erudição e respeito aos rituais acadêmicos. Desconsideração pela presença de Milton Santos e as recusas de sua atuação em universidades no Brasil. Falta de entendimento sobre formatos de encontros em eventos e discussões. A responsabilidade docente na organização de eventos acadêmicos, com apoio e aprendizado discente. Sobre o cuidado na constituição dos temas gerais, em eventos da Geografia. Colóquios internos no LABLOPAN – USP. O conhecimento geográfico no contexto da esquizofrenia do mundo do presente. ].
Quero antes de tudo manifestar minha gratidão por esta oportunidade da entrevista, momento marcante para mim, já ao final da vida, do alto dos meus quase 85 anos de idade.
Aproveitando da possibilidade que esta derradeira pergunta da entrevista me oferece eu gostaria de continuar a conversar com a minha comunidade acadêmica, cientifica e profissional.
Em primeiro lugar, os geógrafos precisam cuidar para manter a nossa disciplina viva e conosco, produzindo um conhecimento geográfico atualizado e cientificamente rigoroso. E para isso, precisam compreender melhor o que é ser professor universitário e quais são os princípios e critérios para tanto. Para manter a disciplina viva, é preciso atualizar sempre a sua epistemologia, sua metodologia e seu métodos, conceito que sempre precisa ser usado no plural, pois os métodos nas ciências humanas e sociais, como é o caso da Geografia, no percurso do processo de sua definição (do método), ele pode variar, como fazemos sempre entre nós, valendo-nos dos métodos analítico, hermenêutico e dialético.
O processo de conhecimento precisa responder às demandas das mudanças do mundo; para nós geógrafos, escancarados pelas paisagens! É inaceitável, em pleno século XXI, continuarmos a produzir uma Geografia metodologicamente praticada como no final do século XIX, aquela mesma de Vidal de La Blache, de Albert Demangeon, fundadores da geografia contemporânea! Foi assim que eu me formei geógrafa, estudando a obra de Albert Demangeon, Pierre Deffontaines e Pierre Monbeig, como já disse, anteriormente. Felizmente, para manter meu nível intelectual, para poder exercer minhas funções de professora no ensino superior brasileiro e para praticar o planejamento territorial, eu precisei evoluir bastante. Não dá para ignorar as mudanças do mundo, nesses tempos acelerados.
Em segundo lugar, eu preciso dizer aos geógrafos que é necessário que nos esforcemos para ter um mínimo de erudição, exibirmos um mínimo de luz intelectual para iluminar o conhecimento geográfico que produzimos e exibimos, verbalmente ou por escrito, de maneira tão simplória. Saber sobre a teoria da linguagem, estudar a escola analítica de Filosofia, que tem nos orientado há séculos - nós somos ainda analítico-dedutivos. E usar a dialética para fazer a análise e compreender as contradições dos processos ditados pela história estão expressos pelas paisagens. É necessário ler História, Filosofia, Economia, estudar os trabalhos de ponta dos colegas das outras disciplinas e não permanecer enclausurados no nosso terrível e equivocado processo de fragmentação disciplinar. Isso é um enorme equívoco, além de escancarar uma enorme pobreza na nossa formação intelectual.
Uma outra questão sobre a qual volto a insistir é aquela da ritualidade. Os geógrafos adoram organizar eventos de péssima qualidade e vejo isso ao ler as temáticas dos nossos encontros, a explicitação ainda enciclopedista dos eixos temáticos, a denominação das mesas redondas, os títulos dos trabalhos apresentados, desqualificando completamente o que vem a ser o saber e o conhecimento geográfico e a organização de um evento acadêmico e científico.
Não sabemos o que é e qual a dinâmica de uma mesa redonda, de um painel, de uma conferência, de uma palestra? É sempre apresentado tudo do mesmo modo, com nomes diferentes. O sujeito não sabe diferenciar o “conferir” do “palestrar”. Eu nunca tive a honra de fazer uma conferência nas nossas sociedades cientificas e o sentido disso é que, segundo meu entendimento, na Geografia brasileira eu não tenho nada o que conferir! E, quem me chama para palestrar são os arquitetos, porque eles de fato palestram, requerimento de sua própria formação profissional; eles têm que aprender a “vender” o projeto arquitetônico ou urbanístico que produzem para clientes individuais ou instituições públicas ou privadas!
Essa ignorância sobre direitos autorais e de ideias entre os geógrafos é tamanha, que me atrevo a citar um exemplo recente. Eu criei uma disciplina no programa de pós-graduação de Geografia Humana da USP, em tempos idos (por volta de 1985) e que foi avaliada recentemente, sem a minha presença, sendo eu a maior interessada nessa avaliação! E lembro o leitor que na pós-graduação não há grades que se repetem, mas ensinamentos que são ministrados por professores sob forma de disciplina em função de seus estudos, pesquisas e práticas! Logo, as disciplinas na pós-graduação têm autoria, responsabilidades a serem assumidas! Uma disciplina em uma Faculdade de Ciências tem o mesmo valor de um projeto concreto em uma Escola de Engenharia ou de Arquitetura! Tem autoria! Os geógrafos não sabem disso ou de fato tem outros hábitos acadêmicos e científicos bastante peculiares!
Foram convidados colegas competentes para essa avaliação, como foi o caso do meu colega da universidade Federal Fluminense, Rogério Haesbaert, que fez uma conferência sobre uma disciplina que criei e nela formei centenas de alunos! Eles estão aí vivos para comprovar! Não acredito em má fé, mas em desconhecimento sobre ritualidades da vida universitária e acadêmica! Há rituais, normas e éticas a serem respeitadas nessa instituição quase milenar que é a universidade! A primeira delas que se tem notícias foi a Universidade de Bolonha, na Itália, fundada em 1088! Muito se cria e renova, como ritos, normas, regras, estatutos para que essa instituição perdure! Mas, entre nós, parece prevalecer o vale tudo individualista, oportunista revelado pela pontuação curricular controlada pelo CNPq! Eu gostaria muito de conhecer a avaliação feita sobre a disciplina REGIÃO TEÓRIA E PRÁTICA, que criei e ministrei durante anos (1986-1995) na Pós-Graduação em Geografia da USP, em São Paulo! Trata-se de um dever ético de meus colegas!
Esse desconhecimento dos procedimentos acadêmicos, para quem os conhece, pode criar constrangimentos enormes. Por exemplo: o que é uma mesa redonda e para que é organizada? Ela é o lugar de debate de pares de idêntico nível acadêmico. Quando se organiza uma mesa com alunos e professores, não há debate profundo, na maioria das vezes, pois corre-se o risco de o professor não debater com o aluno! Este, está sempre disposto e ele quase sempre apresenta, ainda, ideias frágeis, incoerente, inconsistentes! E o que fazemos os professores se formos corajosos e bem-preparados? Transformamos a mesa redonda em uma espécie de aula ou exame oral? Corrigimos o aluno em púbico ou pior, ignoramos tudo e deixamos de cumprir o nosso papel de professor-debatedor em uma mesa redonda?
Apenas uma vez participei de uma mesa redonda com mais um professor da área do Direito e alunos de Arquitetura! Meu colega foi bastante condescendente, mas, eu precisei alertar os estudantes que dela participavam sobre a fragilidade do que diziam. Extremamente constrangedor, apesar da explicação que dei naquela ocasião, a mesma que acabo de colocar aqui! Há que ensiná-lo! O problema é do professor! Mas, pasmem! Hoje em dia, professores colocam alunos para organizar eventos, mesmo da pós-graduação! Uma coisa é fazer com que participem das atividades de organização como aprendizado, mas sob a supervisão e comando do professor! Organizar eventos acadêmicos não é função de aluno! E não é sua tarefa! Meus alunos sempre me ajudaram em tarefas de recepção de convidados para conhecê-los, aprender a dialogar cientificamente com eles e aproveitar a oportunidade para aprender nessas reuniões científicas a elegância no recebimento dos colegas que nos visitam, sobre o atendimento às demandas operacionais das mesas redondas, sobre o oferecimento de informações corretas sobre o evento que ajuda a operacionalizar, especialmente nas portas das salas onde as atividades se realizavam, ajudar na eficiência das coisas práticas, enfim, que também tornam um evento cientifico prazeroso.
Está aí um outro tema para debate, sobre a constituição de mesas redondas importantes, entre pares de mesmo nível e que a ANPEGE poderia organizar, liderar e apresentar aos jovens geógrafos em formação na pós-graduação.
É preciso que se saiba a honraria e privilégio do convite para um professor participar da abertura do ano letivo ou do semestre, de um seminário, um encontro ou um congresso científico proferindo a conferência de abertura! Quem organiza e quem a faz precisa saber sobre o poder e o privilégio que isso revela e representa, tanto para quem convida, quanto para o convidado! Há ofensa, também, quando deveria um professor, pelos rituais acadêmicos, suas competências, dadas as circunstâncias, ser convidado, por exemplo, a dar a Aula Inaugural do Programa de Pós-graduação onde atua temporariamente!
Recentemente, como professora sênior aprovada em um concurso em uma universidade federal, participei desse tipo de humilhação! Para que fui aprovada como sênior, sendo a única convidada com esse nível atuando no programa, e não me honraram com o convite de abrir com uma conferência o curso naquele semestre, convidando um colega de outro programa? Apontei esse deslize aos meus colegas e sei que “causei espécie”! Mas, era meu dever fazê-lo! E expliquei ao meu colega que aceitou o convite, a mesma coisa! Para ele, conforme me disse, não havia reparado, pois entendeu o seu convite como uma questão de preferência dos colegas daquela instituição pela sua fala. Aí, também compreendi porque em meus sessenta anos de carreira proferi apenas oito conferências de abertura em cursos e seminários e, diga-se de passagem, a maioria deles na UFBA – Universidade Federal da Bahia e em algumas universidades do Nordeste, especialmente no Rio Grande do Norte e em Alagoas, dependendo, tristemente, das conjunções políticas dos departamentos ou cursos. E, eu não pertenço e nunca pertenci a nenhuma torcida organizada da Geografia brasileira, preservando a independência que a prática do método crítico exige para o trabalho acadêmico e científico.
É preciso que os jovens estudantes da graduação ou da pós-graduação tenham clareza sobre como se ensina Geografia. E, como ensiná-la quando não se sabe o que ela é? É preciso indagar se a Geografia que se ensina está atualizada. Não dá para reconhecer isso? Basta estar atento às dinâmicas do mundo que nos são reveladas, cotidiana e instantaneamente, pelo celular, pelos meios de comunicação de toda natureza! Por que, por exemplo os geógrafos não são chamados a intervir, publicamente, para a compreensão sobre a guerra da Ucrânia? E a “Geografia Política” não consegue contribuir em questões da tamanha atualidade, envolvendo conquista de territórios, com o cientista político? É com nossa competência e visibilidade que garantimos também nossa institucionalidade acadêmica e cientifica.
Estes são temas que me preocupam e que aproveito esta entrevista para sugerir como debates urgentes e necessários. E levo adiante minhas provocações: convidemos nossos colegas do exterior para debater conosco em nossos congressos, mas, apenas, se ele tiver algo extremamente inovador resultante de sua pesquisa deve fazer conferência de abertura! Nós devemos assumir a liderança dos nossos processos acadêmicos e científicos e submetê-los a crítica dos pares, através dos formatos de discussão acadêmica disponíveis: conferências, palestras, mesas redondas, painéis etc. Façamos as conferências de abertura e tenhamos a coragem de exibir o que produzimos de melhor, dadas as nossas circunstâncias, porém sem fazê-lo a priori, com viés de companheirismos, ideologismos. E, façamos as conferências de encerramento demonstrando aos nossos convidados estrangeiros, encerrando os congressos, seminários e encontros, demonstrando onde estamos com nossa produção cientifica exibindo também nossas leituras de autores estrangeiros, como os usamos ou refutamos, coisas que eles não costumam fazer conosco, pois não nos leem.
E é preciso criar fóruns específicos e permanentes de discussão conceitual em cada departamento ou programa de pós-graduação e não deixar acumular essa discussão preciosa nos grandes eventos de massa, que constituem hoje as reuniões da AGB e da ANPEGE, onde se tem de dez a quinze minutos para apresentar um trabalho de pesquisa que levamos, por vezes, anos a fio para realizá-lo! Assiste-se, em um Congresso Nacional, mesas redondas de conteúdos tão específico e simplórios que poderiam ter sido discutidos em eventos locais ou mesmo regionais, para acerto dos ponteiros teóricos/empíricos. Não se trata de uma seletividade leviana, mas de aproveitamento melhor do nosso tempo e das circunstâncias que precisamos criar para propor e discutir os grandes e atuais temas acadêmicos e científicos e os grandes desafios que a Geografia tem de enfrentar nessa contemporaneidade. É importante que a assistência esteja em massa nos congressos, seminários e encontros de caráter nacional; mas, as apresentações precisam ser mais bem selecionadas. Nós precisamos aprender a lidar com qualidade e não mais com quantidade como, lamentavelmente, ainda é exigido pelas nossas instituições e agencias de monitoramento, fomento e avaliação da ciência brasileira!
Por que os programas de pós-graduação não realizam atividades e debates intramuros anuais ou semestrais? Não sabemos distinguir as questões pessoais das questões institucionais, acadêmicas e cientificas?
Preciso, para encerrar, relatar a experiencia vivida no LABOPLAN, já referido anteriormente, onde Milton Santos e eu realizávamos colóquios de pesquisa, em conjunto, com todas e todos nossos orientandos. E convidávamos colegas de outras disciplinas para nos ajudar a refletir sobre temas e disciplinas que não dominamos, mas de cujos conhecimentos precisamos, o que é bastante normal na Geografia, área de conhecimento de enorme interesse multidisciplinar!
Eu sou uma geógrafa professora, pesquisadora e planejadora territorial brasileira. Estou aposentada há 38 anos e continuo a fazer o que sei, como sei e sempre criticamente, porque não há mais possibilidade de produzir conhecimento geográfico valendo-se do método analítico-dedutivo-descritivo, como se ensina até hoje! O que temos, os geógrafos brasileiros, a dizer sobre o mundo de amanhã? O que temos estudado sobre o mundo do presente?
Lamentavelmente, ainda não nos preparamos para estudar o mundo, essa totalidade em movimento, que corresponde também ao que entendemos hoje sobre o que seja o espaço geográfico, nosso objeto de estudo. Nós não estudamos o mundo acelerado de hoje e isso está refletido nessa miudeza exibida em nossas grades curriculares, com dezenas de disciplinas desnecessárias à nossa formação neste século XXI e que meus colegas continuam propondo, ensinando, como sempre!
Temos sociedades cientificas importantes: a AGB e a ANPEGE, cuja ação nos últimos tempos eu tenho criticado muito. A AGB tem uma história acadêmica e política longa e respeitabilíssima no país. O que acontece com a AGB, hoje? Convido-os a ler e examinar com atenção e cuidado o enorme programa, com dezenas de páginas do congresso que se realizou nesta segunda semana de julho de 2024. Sugiro essa leitura e debate nos departamentos? O que entendem meus colegas sobre o que seja a Geografia no século XXI, nesse mundo globalizado onde o espaço geográfico é a essência da sua possibilidade de existência e compreensão! Tenho dito isso para os alunos que tem me privilegiado com suas presenças em meus cursos, palestras e conferências pelo Brasil afora, especialmente, no Nordeste.
Há uma esquizofrenia que toma conta do mundo, hoje. E o processo de produção do conhecimento geográfico não ficou fora disso. A esquizofrenia nos é imposta de fora, do mundo, mas não temos reagido a ela. Exemplificando, mais uma vez: essa esquizofrenia, em São Paulo, tem sido natural, começa na universidade e vai para a sociedade.
Como podemos “importar”, trazer uma pessoa de fora, que não tem nenhum conhecimento sobre o Estado de São Paulo, sobre nossos municípios, e elegê-lo para governá-lo? Quem governa? Que cidadãos as escolas têm formado? Para que serve o ensino de Geografia na formação dos indivíduos, desde o ensino básico, não fora também para o amadurecimento da concepção de cidadania! Há algo de mundo podre no reino da Babilônia!
Exemplifico com minha profissão. Não se trata de xenofobia, mas de preparo para o desempenho de funções que na universidade precisam ser requeridas. O professor que não sabe Geografia, não se capacitou, pode ser chefe, líder de um Departamento de Geografia e sustentar discussões teóricas e científicas que se fazem urgentes para a nossa disciplina cumprir seu papel na divisão acadêmica e cientifica do trabalho? Caso contrário, por que não entregamos a gestão a funcionários graduados e preparados para a gestão universitária?
Qualquer semelhança com o governo de São Paulo é igual. Eu sinto muito, mas é igual.
Como dizem muitos jovens hoje em dia, quando desabafam: “pronto, falei”!
Viva a vida, viva Jean Paul Sartre, que meteu nesta minha cabeça o conceito de totalidade e de totalização.
Viva a potencialidade dos jovens geógrafos brasileiros!
Viva a Geografia Brasileira que tem escolas competentes, de ontem e de hoje para exibir ao mundo, como sempre o fez!
Muito obrigada!
Notas finais.
Esta homenagem da PatryTer à professora Maria Adélia Aparecida de Souza reconhece sua longa e exitosa trajetória e contribuição intelectual à Geografia, não somente a brasileira. Queremos distinguir mais do que seu conteúdo disciplinar aprendido, consolidado, ensinado e revisado, nas duas grandes etapas de sua carreira, como ela mesma explica nesta entrevista: de 1968 a 1995 (construída com quem ela própria descreve como seus “grandes mestres” no Brasil e na França) e de 1996 ao presente, etapa de seu mais fecundo diálogo intelectual com Milton Santos, que culmina, hoje, no seu esforço de rever o pensamento deste que é, indubitavelmente, um expoente da Geografia.
Em seu percurso intelectual de mais de seis décadas, Maria Adélia de Souza adquiriu, transmitiu e segue a compartilhar uma experiência única na Geografia e em diálogo com o Planejamento Territorial, partindo da Geografia Nova de Milton Santos. Podemos dizer que nenhum outro geógrafo ou geógrafa brasileira teve ou tem a oportunidade de atuar em tantas e diferentes esferas do Governo ou mesmo da universidade, o que confabula no seu olhar crítico diferenciado para a Geografia, a conformação do Estado e a complexidade do mundo. De Prefeita do campus universitário e Chefe de Gabinete de Reitor da USP, à coordenação e elaboração de Planos de Governo para a metrópole paulista e, também, para o estado de São Paulo, em variados momentos e circunstâncias das últimas cinco décadas, a professora Maria Adélia de Souza também coordenou a Política para o Desenvolvimento Urbano do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) do Brasil, dentre tantas outras oportunidades que teve para atuar e representar nossa disciplina no âmbito das instituiçoes do Estado e em Governos. Exemplo mais recente de seu prestígio acadêmico de geógrafa e planejadora, foi o convite para atuar na criação da UNILA – Universidade Federal da Integração Latinoamericana, na tríplice fronteira Brasil-Argentina-Paraguai, em Foz do Iguaçu.
Com mais de uma centena de alunos de mestrado e de doutorado formados por Adélia de Souza, uma parte considerável destes ocupam, hoje, cargos públicos, políticos ou são docentes em Instituições de Ensino Superior, nas cinco regiões do Brasil e, inclusive, no exterior. Mais além da qualidade de sua orientação acadêmica ou da notoriedade de sua produção intelectual comprovada em palestras, conferências e publicações difundidas, é mister reconhecer o lugar especial que a professora Maria Adélia de Souza ocupou e ocupa na docência, na sala de aula, na graduação e pós-graduação, notadamente, para seus alunos e alunas. Acima de tudo, é crucial reconher o papel que Adélia de Souza teve e tem na vida prática dos cidadãos paulistas e brasileiros, ao participar de importantes políticas públicas afeitas ao planejamento territorial, em diferentes escalas.
Particularmente, tive vários encontros com a professora Maria Adélia de Souza, como estudante e, depois, como docente da Universidade de Brasília. Três deles foram salutares para me aproximar ou conhecer mais de perto nossa homenageada.
O primeiro encontro, como seu aluno na disciplina de doutorado “Regiao: Teoria e Prática”, no PPGH-USP, em 2009, um dos últimos cursos ofertados por ela naquela instituição. Além de seu vigor intelectual e rigor no trato epistemológico e metódico da Geografia, muito chamava nossa atenção a sua força vital, a energia recebida do mundo e devolvida a ele em forma de profundos conhecimentos geográficos e filosóficos, e éticos ensinamentos sobre a necessidade de correção das atitudes individuais e coletivas, no âmbito universitário e da esfera política. Recordo-me muito bem da capacidade didática e da generosidade da professora Maria Adélia de Souza para com aquela turma de estudantes de mestrado e doutorado. Do debate sobre a Geografia Nova, sempre atravessado pela Filosofia, à sua disponibilidade permanente em atender aos alunos, pessoalmente ou via e-mail. Ao final de uma aula, em uma conversa com ela sobre as principais referência no debate sobre as cidades, o urbano e o planejamento territorial, recordo-me, generosamente ela me disponibilizou um arquivo com centenas de referências bibliográficas juntadas por ela ao longo dos anos, que constituem mais de 70 páginas de word, o qual ainda guardo e uso.
O segundo encontro mais acercado à professora Adélia de Souza ocorreu na Universidade de Brasília, já como professor universitário. Convidada por mim, naquele momento, enquanto coordenador de graduação do Departamento de Geografia da UnB, ela proferiu a Aula Magna do primeiro semestre [31 de março de 20015], cujo tema foi “A pesquisa geográfica: dilemas, problemas e o avanço do conhecimento”. Fiz questao de buscá-la, pessoalmente, no aeroporto de Brasília e, ao entrar em meu automóvel, disse-me “você é um rapaz de coragem, convidar-me para uma Aula Magna em seu Departamento, com o tema proposto, pois fui obrigada a analisar a grade curricular do seu curso e da sua pós-graduação na UnB”, minha resposta também foi assertiva, eu disse a ela que sua presença era salutar para aquele momento histórico do curso, justo por reconhecer de perto seu vigor e rigor acadêmico. Tivemos o auditório da Reitoria da UnB repleto de estudantes e docentes da UnB, especialmente de nosso Instituto de Ciências Humanas e da Geografia.
O terceiro encontro mais próximo com a professora Maria Adélia de Souza ocorreu na UNESP-Rio Claro, no ano de 2019, por ocasião do II Congresso Brasileiro de Organização do Espaço. Naquele evento, tive o privilégio de dividir com ela a mesa, cujo tema versou sobre “Cidades, utopismos patrimoniais e a integração latino-americana”. Como a proposta dos “Utopismos patrimoniais” relacionados aos usos do território na América Latina corresponde ao projeto que dirijo na UnB, há cerca de uma década (do qual deriva, também, esta revista), bem como a temática da “Integraçao Latinoamericana” é uma das muitas preocupaçoes intelectuais que acompanham a professora Maria Adélia, convidaram-nos para compor a mencionada mesa, coordenada pela professora Bernadete Castro, da própria UNESP. Somada a responsabilidade assumida ao dividir com ela a mesa, ouvi dela própria, quando nos dirigíamos ao palco do auditório: “li seus últimos artigos e temos muito o que conversar”. A força e a generosidade de suas críticas e direcionamento do pensamento para a Geografia Nova, em diálogo franco com Milton Santos e a Filosofia, além da crítica aos inúmeros problemas enfrentados na universidade pública, deram o tom da discussão.
O engajamento político e institucional com a Geografia e a repercussão do vigor intelectual da professora Maria Adélia de Souza são revelados na entrevista transcrita e publicada neste vol. 8, núm 15 de PatryTer. A jovem mineira, migrante que amadureceu no estado de São Paulo e mulher que se fez cidadã do mundo não flertou ou flerta, restritamente, com o puro extenso do espaço. Ela enfrentou e enfrenta a dura realidade política experimentada nos cotidianos, para explicar a complexidade do Mundo, frontalmente, à luz de um rigoroso conhecimento geográfico que ela sempre se empenhou por consolidar, pelo espaço geográfico enquanto categoria suprema da disciplina, uma instância social que ela revisa desde a ordem prática da vida.

A [I Encontro Nacional da ANPEGE: “Território brasileiro e globalização”, realizado em Aracajú: 5 a 09/09/1995. Jantar de confraternização, em pé e à esquerda: Pedro Pinchas Geiger, Maria Adélia Aparecida de Souza e, na extrema direita, o professor Milton Santos, acompanhados de seus orientandos; atrás, de cabelos brancos, o saudoso professor Eduardo Yázigi];
Acervo da entrevistada.

B [Abertura do Encontro “O mundo do cidadão, um cidadão do mundo”, 14 a 16/10/1996, no Auditório da Geografia, na USP, celebrando os 70 anos de Milton Santos, quando ele lança “A natureza do espaço”, com Milton Santos, em pé, Maria Adélia de Souza (sentada à mesa) e Maria Auxiliadora da Silva (UFBA) em pé, à direita];
Acervo da entrevistada.

C [Visita a Holambra-SP, com Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro (USP) e Maria Auxiliadora da Silva (UFBA), em 03/10/2013];
Acervo da entrevistada.

D [Recebendo da CAPES o prêmio de melhor tese de doutorado em Geografia, do orientando James Humberto Zomighani Jr, 2014];
Acervo da entrevistada.

E [I Encontro Internacional da Extensão e da Pesquisa da PUC Campinas. “A Metrópole e o Futuro: Dinâmicas do Lugar e Metropolização”, em homenagem a celebração dos 80 anos de Milton Santos (in memoriam), abertura do evento, em 10/09/2006];
Acervo da entrevistada.

F [Abertura do Seminário “Cidade Possível”, na Universidade Federal do Mato Grosso, Cuiabá, 03/04/2016];
Acervo da entrevistada.

G [Encerramento da disciplina de pós-graduação “Metodologia, métodos e método: aprendizagem sobre epistemologia, teoria do conhecimento e ética na formação do pesquisador”, na UFSC, 2023];
Acervo da entrevistada.

H [Semana de Educação da FAED/UDESC, cujo tema foi “A educação e a cidade”, conferência de abertura com colegas e participantes do evento. Florianópolis, 21/10/2022];
Acervo da entrevistada.

I [Seminário coletivo de orientação de dissertação e tese, Maria Adélia de Souza com seus orientandos de pós-graduação na USP, São Paulo, 2013];

J [Recebendo Ana Clara Torres Ribeiro da UFRJ e ex-companheira de Diretoria da ANPUR, na UNICAMP/Campinas, para participar do “I Encontro com o pensamento de Milton Santos”, em 2002];
Acervo da entrevistada.

K [Encontro Internacional “Lugar, formaçao socioespacial, mundo”. Anfiteatro do Departamento de Geografia da USP. Em pé, na frente, a partir da esquerda, Maria Adélia de Souza e Milton Santos, acompanhados de seus orientandos e, à direita, Amália Inés Geraiges de Lemos e Francisco Capuano Scarlato, sentado na extrema direita da mesa. São Paulo, 1992];
Acervo da entrevistada

L [II Congresso Brasileiro de Organizaçao do Espaço, UNESP, Rio Claro, Maria Adélia de Souza, Everaldo Costa e Bernadete Castro, 2019];
Acervo da entrevistada.

M [A jovem professora Maria Adélia de Souza e seus alunos em final de aula na FAU USP, São Paulo, 1971];
Acervo da entrevistada.

N [Outorga do título de Cidadã Sobralense, iniciativa do Vereador Francisco Hermenegildo Sousa Neto, na foto com Maria Adélia de Souza, Sobral-Ceará, 16 de junho de 2014.];
Acervo da entrevistada.

O [José Pereira de Queiroz, Aldo Paviani, Dirce Suertegaray, Maria Adélia de Souza e, atrás, Nídia Nacib Pontuschka, XII Enanpege. Porto Alegre, 12 a 15/10/ 2017, homenageando o Prof. Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro].
Acervo da entrevistada.Referencias
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Notas