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NOTAS SOBRE A RELEITURA DE FEENBERG A RESPEITO DA TEORIA CRÍTICA DA TECNOLOGIA: UMA PROPOSTA DE DEMOCRATIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO NA ESFERA DIGITAL COMO PREMISSA DE TRANSFORMAÇÕES DEMOCRÁTICAS
NOTES ON FEENBERG’S RELEASE ON THE CRITICAL THEORY OF TECHNOLOGY: A PROPOSAL FOR THE DEMOCRATIZATION OF TECHNOLOGICAL DEVELOPMENT IN THE DIGITAL SPHERE AS A PREMISE FOR DEMOCRATIC TRANSFORMATIONS
NOTAS SOBRE LA RELEITURA DE FEENBERG SOBRE LA TEORÍA CRÍTICA DE LA TECNOLOGÍA: UNA PROPUESTA DE DEMOCRATIZACIÓN DEL DESARROLLO TECNOLÓGICO EN LA ESFERA DIGITAL COMO PREMISA DE TRANSFORMACIONES DEMOCRÁTICAS
Revista Opinião Jurídica, vol. 18, núm. 28, pp. 13-42, 2020
Centro Universitário Christus

Artigos


Recepção: 06 Junho 2019

Aprovação: 12 Setembro 2019

DOI: https://doi.org/10.12662/2447-6641oj.v18i28.p13-42.2020

RESUMO: O estudo desta pesquisa compreende a tecnologia e as suas possibilidades democráticas, integrado a um debate sobre as teorias da democracia. A tecnologia, na modernidade, encontra-se posta como um instrumento com o qual o agente se comunica com o seu meio, e as teorias críticas clássicas que a abarcam partem de dois caminhos: onde a sua potencialidade é um meio de dominação, ou que a sua capacidade é neutra, baseada em uma racionalidade científica inerente. A democracia tem como propósito integrar os interesses de todos e, a partir disso, direcionar as tomadas de decisões. O fator é complexo, porém um composto é perene: a manifestação e a veiculação de um interesse é um pressuposto para que tal interesse faça parte do sistema político e jurídico da sociedade. Pretendeu-se responder ao problema expresso da seguinte forma: o desenvolvimento tecnológico se limita aos termos das correntes instrumentalista e substancialista da tecnologia, tendo em vista a pluralidade democrática contemporânea? Considerando as relações da sociedade industrial contemporânea, a tecnologia possui propulsores democráticos, uma vez pensando-a e integrando, em seu desenvolvimento, as particularidades de cada pessoa ou grupo de pessoas, como meio de potencializar o seu conteúdo e os seus efeitos na sociedade. A inclusão das pessoas com deficiência na esfera digital precisa ser arquitetada, pois encontra sérios impedimentos, análogos à esfera física. O método de abordagem empregado foi o hermenêutico, partindo de premissas que se consubstanciam no problema. O método de procedimento utilizado foi o monográfico, e a técnica de pesquisa, bibliográfica.

Palavras-chave: Democracia, Sociedade Industrial, Teoria Crítica, Tecnologia.

ABSTRACT: The study of this research comprises the technology and its democratic possibilities, integrated to a debate on theories of democracy. Technology, in modernity, is seen as an instrument with which the agent communicates with his environment, and the critical theories developed that embrace it depart from two paths: that its potentiality is a mean of domination or that is capacity is neutral, based on its inherent scientific rationality. Democracy aims to integrate the interests of all, and from that, direct decision-making. The factor is complex, however, a compound is perennial: the manifestation and conveyance of an interest is a presupposition for such interest to be part of the political and legal system of society. It was intended to respond to the problem expressed as follows: is technological development limited to the terms of the instrumentalist and substantialist currents of technology in view of contemporary democratic plurality? Considering the relations of contemporary industrial society, technology possesses democratic impulses, once thinking it and integrating in its development the particularities of each person or group of people, as a means to enhance its content and its effects on society. The inclusion of people with disabilities in the digital sphere needs to be architected, as it encounters serious impediments, analogous to the physical sphere. The method of approach used was the hermeneutic one, starting from premises that consubstantiate in the problem. The procedure method used was the monographic and the research technique, bibliographical.

Keywords: Democracy, Industrial Society, Critical Theory, Technology.

RESUMEN: El estudio de esta investigación comprende la tecnología y sus posibilidades democráticas, integrado a un debate sobre las teorías de la democracia. La tecnología, en la modernidad, se sitúa como un instrumento con el que el agente se comunica con su medio, y las teorías críticas desarrolladas que la abarcan parten de dos caminos: donde su potencialidad es un medio de dominación, o que su capacidad es neutra, basada en una racionalidad científica inherente. La democracia tiene como propósito integrar los intereses de todos y, a partir de eso, dirigir las tomas de decisiones. El factor es complejo, sin embargo, un compuesto es perenne: la manifestación y difusión de un interés es un presupuesto para que tal interés forme parte del sistema político y jurídico de la sociedad. Se pretendió responder al problema expresado de la siguiente forma: el desarrollo tecnológico se limita a los términos de las corrientes instrumentalista y sustancialista de la tecnología, teniendo en vista la pluralidad democrática contemporánea? Considerando las relaciones de la sociedad industrial contemporánea, la tecnología posee propulsores democráticos, una vez pensando y integrando, en su desarrollo, las particularidades de cada persona o grupo de personas, como medio de potenciar su contenido y sus efectos en la sociedad. La inclusión de un sistema de gestión de la comunicación en la esfera digital debe ser arquitetada, pois encontra sérios impedimentos, análogos à esfera física. El método de abordaje empleado fue el hermenéutico, partiendo de premisas que se consubstancian en el problema. El método de procedimiento utilizado fue el monográfico y la técnica de investigación, bibliográfica.

Palabras clave: Democracia, Sociedad Industrial, Teoría Crítica, Tecnología.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A sociedade industrial contemporânea tem, em seu âmbito normativo, como pilar, o desenvolvimento da tecnologia. É observado que o evolver da tecnologia dos últimos quinhentos anos ultrapassou qualquer patamar previsível, sendo indubitável que, nesse evolver, a relação das pessoas consigo mesmas e também com a sociedade foram transformadas, uma parte moldando a outra. Nesse mesmo ínterim, movimentos sociais, políticos, filosóficos, econômicos e jurídicos foram sendo concatenados, com a intenção de promover a liberdade pela igualdade, diferindo apenas na opção do trajeto a se tomar, em que regimes democráticos, igualmente, foram postos em conquistas, sendo implantados em muitos corpos políticos, implicando inéditas possibilidades para a relação entre Estado e Sociedade.

Portanto, considerando esse cenário, a pesquisa se orienta pelo problema formulado da seguinte forma: o desenvolvimento tecnológico se limita aos termos das correntes instrumentalista e substancialista da tecnologia, tendo em vista a pluralidade democrática contemporânea? Na primeira parte do trabalho, discute-se, em termos gerais, a separação conceitual de “técnica” e “tecnologia”, mediante uma abordagem teórica entre e de autores existencialistas-fenomenológicos, introduzindo-se as ideias contemporâneas inéditas de Feenberg, em conjunto com as de Heidegger e de Marcuse, as quais possuem raízes na concepção grega-aristotélica sobre o tema. Fala-se, após, sobre a dicotomia moderna das correntes teóricas sobre a tecnologia: i) instrumentalista e ii) substancialista. Na segunda parte do trabalho, passam a ser o objeto da pesquisa determinados aportes de teorias da democracia, tais como a Liberal/Tradicional, Participativa/Republicana e a Deliberativa, harmonizando-as com a proposta da Teoria Crítica da Tecnologia, revisitada com o olhar de Feenberg, nos termos de se incluir os interesses e os valores múltiplos nos desenvolvimentos tecnológicos, em particular, nos instrumentos tecnológicos “computadores e internet” para pessoas com deficiência, proposta que organiza uma fuga da mera arbitrariedade e subjetividade, delimitadas pelo mercado com os princípios clássicos da i) eficiência e do ii) lucro.

Para a realização da pesquisa, emprega-se o método de abordagem hermenêutico, partindo-se de premissas que se consubstanciam no problema. O método de procedimento utilizado é o monográfico, e a técnica de pesquisa, a bibliográfica.

2 TÉCNICA E A TECNOLOGIA MODERNA

De forma a iniciar o texto, algumas ponderações precisam ser expostas. A proposta do trabalho é a de explorar as potencialidades da tecnologia moderna como fator (fomentador) democrático. Para isso, serão discutidas ideias filosóficas sobre o tema, sem abordá-las profundamente, até porque isso fugiria do aspecto espacial e temporal do trabalho. Contudo, as “generalidades” inventivas adotadas, vinculadas à matéria, parecem satisfatórias, podendo ser dadas como justificativas para o proposto, levando em consideração a dimensão principal do debate a ser realizado, voltado mais ao setor da teoria da democracia e da ciência/filosofia política em si, do que o filosófico-epistemológico.

Nesta parte do trabalho, será traçado o caminho baseando-se nas ideias existencialistas-fenomenológicas de Heidegger, Marcuse e Feenberg. Reitera-se que não serão delineadas as diretivas teóricas profundamente, mas, sim, buscar-se-á, com os pressupostos epistemológicos em mãos, fundamentar que a técnica, a ciência e a tecnologia são sociais e, portanto, de alguma forma, condicionadas. A questão global apresentada, assim, é: a tecnologia e o meio social podem ser fontes de condução mútuas? Quais são as implicações da política, da sociedade industrial contemporânea e do mercado, quando isso é ponderado? Qual seria o tamanho e importância da democracia nesse setor normativo, especialmente colocando, em relevo, a relação Sociedade e Estado contemporâneo?

2.1 O ARRANJO DA TÉCNICA E A TEORIA CRÍTICA DA TECNOLOGIA EM FEENBERG

Os instrumentos, quando manejados pelos indivíduos, são parte de suas existências - há uma relação formativa, recíproca. As formas dos instrumentos são compartilhadas com a formatação existencial possuída subjetivamente. O indivíduo, técnico, assim, tende a articular os seus instrumentos de acordo e em uma relação de reciprocidade, quando no pensar em si e no pensar o objeto. Esta é uma vertente que impulsiona intensos debates dentro do campo da Science and Technology Studies (STS).

Primeiramente, importa esclarecer, ainda que sucintamente, duas questões conceituais e etimológicas que darão melhor compreensão e coerência para o trabalho: i) o que é técnica; ii) e o que é tecnologia. Recorrer-se-á à concepção grega, especialmente, a de Aristóteles, para, assim, diferenciá-las. A técnica se refere a uma habilidade, a um conhecimento específico prévio para que determinada atividade seja desempenhada. Inclusive, encontra-se, no grego, téchne, o sentido de ser uma arte. A tecnologia, por sua vez, representa uma série de processos responsáveis pelo desenvolvimento de diversos produtos ou subprodutos, e na pesquisa científica (e seus critérios) ambiente de tal processo de criação. A tecnologia, dessa forma, pode ser considerada a explanação da técnica, a forma como ela é pensada, organizada e sistematizada (KUSSLER, 2015).

Ressalta-se que, para Aristóteles, a técnica não seria interligada a uma concepção moderna, paralela à elaboração tecnológica extremamente desenvolvida. A técnica, pois, era considerada uma relação com o mundo, sendo exposta na criação, em uma “astúcia criativa” de “artes” humanas neste mundo. Não havia, para o Estagirita, uma imprescindível artificialidade; afigura-se, por exemplo, a arte de governar e a arte da oratória (ANGIER, 2008). Angier (2008), em sua leitura sobre Aristóteles, entende que este desenvolve, em seu discurso, a representação de que a técnica seria uma espécie de conhecimento programado para obter o “bem”1 da realidade, do mundo-objeto.

Aristóteles (2005), ao ponto de expor sobre a técnica, confronta a sabedoria produtiva com o mundo. O que é a arte de produzir, se não a produção de si próprio na esteira de uma consistência objetificada? Diz assim o filósofo, quando toma a técnica ou a arte em plano da ocupação inventiva do homem, em produzir - com as suas maneiras - alguma coisa, cuja origem está no produtor, e não no produzido. Dessa forma, a técnica se projeta como o modelo de revelação para os gregos, ou seja, a forma grega de experienciar o mundo. A kinesis fundamental é a percepção da verdadeira essência das coisas na existência terrena.

Avançando aos modernos, ao passo de existir interpretações dessa categoria sobre a temática, por meio de seus produtos compatibilizados como fatos objetivos, Heidegger (1995), no que lhe concerne, demonstra que estão fundadas na análise aristotélica sobre a prática técnica do artesão, a qual permite que o potencial de determinado artefato entre no mundo por intermédio de ações apropriadas. Heidegger aprova o foco dos gregos na produção, porém afirma que eles, e especialmente seus sucessores, compreenderam-no de modo inautêntico, como algo de forma autônoma, um objeto no mundo, e não como a divulgação original de um mundo. No seu posto de modelo ontológico, a técnica não deve ser tratada de forma objetiva, mas descrita fenomenologicamente dentro de seus próprios termos (FEENBERG, 2005).

A observação de Silva (2007) acrescenta que, se a técnica, com os aspectos matriciais da experiência grega, traduz o modo de desvelar o ser e habitar o mundo, seria correto, igualmente, pensar que é inevitável que haja uma espécie de estrutura técnica inescapável do mundo. No entanto, essa mesma afirmação corrobora para outra possibilidade, a qual define que essa questão pode ser enfrentada com uma liberdade possível, não ignorando o seu condicionamento histórico.

Com essa diferença como premissa, pode-se delimitar o plano dos debates críticos à tecnologia moderna da sociedade industrial capitalista, realizados pelos pensadores anteriormente citados, verificando-se as suas bases na confusão da tecnologia com a técnica, em que aquela acaba por dominar esta e forjar, a partir disso, a situação na qual o indivíduo deixa de se relacionar com o mundo “libertamente”, em que a tecnologia seria tão somente uma assistente nesse processo, para ser controlado por ela e, assim, tentar controlar o mundo. As críticas desses autores podem ser assim descritas: a sociedade moderna/contemporânea é tecnocrática, com uma cultura colonizada pela racionalidade técnica. Não apenas a cultura tecnológica, mas a própria tecnologia empregada é adaptada e adequada por um controle tecnocrático exercido por uma camada hegemônica da sociedade.2

Marcuse (1973), por exemplo, constata, na instrumentalidade da tecnologia, derivada do âmbito político dominante, a construção de uma racionalidade falseada pelo aprimoramento da “qualidade de vida” proporcionada para parte dos povos, os quais, a partir da industrialização, passaram a possuir pelos produtos tecnológicos uma vinculação de interdependência (inclusive estética). A obtenção de tais produtos proporcionaria um suposto bem-estar e um estilo de vida agradável, entretanto mascarados por uma “racionalidade da irracionalidade”, uma nova forma de controle, a unidimensalidade dos pensamentos e comportamentos dentro de um sistema legitimado racionalmente (falso) e predisposto.3

Tem-se, deste (outro) modo, uma tecnologia moderna que desconsidera as “essências” objetivas inscritas na natureza do universo, diferentemente de como a técnica o faz. A tecnologia exsurge apenas de forma instrumental, livre de valores. Isso quer dizer que não há uma reciprocidade entre e de propósitos inerentes, tornando-se somente um meio útil a finalidades subjetivas. Para o senso comum moderno, os meios e os fins são independentes uns dos outros. A tecnologia é “neutra” no sentido de não ter preferência entre os vários usos possíveis para os quais ela pode ser destinada. Esta é a filosofia instrumentalista “formal” da tecnologia, transparecendo ser a tecnologia um produto espontâneo da civilização contemporânea, assumida de forma irrefletida pela maioria das pessoas. A tecnologia, nesses parâmetros, encontra a natureza como matéria-prima, não como um mundo que emerge de si mesmo, uma física, mas, afirmativamente, uma coisa que espera ser transformada em tudo, de acordo com os desejos. Esse mundo é compreendido mecanicamente, e não teleologicamente. Está lá para ser usado sem qualquer propósito (FEENBERG, 2005; MARCUSE, 1973).

O ocidente, por certo, realizou enormes avanços tecnológicos com base em tal compreensão. Não existem impedimentos para a exploração do mundo, porém, para quais fins? Os objetivos da sociedade contemporânea não podem ser identificados como algum tipo de técnica, como o era para os gregos. Eles permanecem em um setor de escolhas meramente subjetivas e arbitrárias, e nenhuma “essência nos guia”. A razão agora concerne aos meios, e não aos fins. Isso leva a uma crise social e de civilização a partir da qual não se encontra saída: “sabemos como chegar, mas não sabemos por que estamos indo ou mesmo para onde” (FEENBERG, 2005).

Com esta breve exposição, sem adentrar nos meandros teóricos de tais críticas à tecnologia (que se diferenciam, apesar de possuírem uma ligação intelectual e pessoal, entre os autores), pode-se dividir duas correntes: i) instrumental, em que a tecnologia é atestada caracteristicamente neutra, apolítica e amoral, sem conteúdo de valor próprio, voltada à eficiência, independentemente de qualquer circunstância; e ii) substancialista: na qual a tecnologia se constitui em um novo sistema cultural, reestruturando a sociedade em um objeto de controle, programado pela camada social dominante.4

Wynne (2010) expressa, sucintamente, a pauta que a Teoria Crítica da Tecnologia busca debater e defender: o capitalismo moderno e global faz de sua normatividade uma infiltração nos campos da ciência, da racionalidade e da inovação. Essa infiltração comporta dois vieses mutuamente relacionais: o da ciência e da política em “dar e proporcionar”, porém, silenciosamente escolher as trajetórias da inovação tecnológica - e, assim, em ter uma redução correspondente em e sobre a regulação de tais processos, por claro -, tudo em e com um desiderato falacioso em foco: o famigerado “em nome da ciência”.

Para o olhar feenberguiano, as duas correntes anteriormente citadas encontram-se enclausuradas em si mesmas - quando no debate sobre a ‘solução’. A instrumental põe em termos uma tecnologia avalorativa e de mera instrumentalidade designada para uma aplicação eficiente, independente, por isso, de um debate político sobre os seus processos de idealização e de seus efeitos. A substancialista incorpora a tese de que a tecnologia moderna é um veículo normativo de dominação sociocultural e estipula, no mundo pragmático, duas opções para a sociedade: i) aceitar o autoritarismo tecnológico ou ii) regressar a um estilo de vida primitivo/natural, proposta que vem encontrando guarida com naturalistas, ambientalistas e determinados movimentos ecológicos, representada em direções de restringir e impor limites à tecnologia, em detrimento de uma possível transformação (FEENBERG, 2002).5

Dupuy (2007) observa, de modo acurado, a assertiva a qual a tecnologia moderna ostenta a face do “discurso (logos) de e sobre a técnica, encaixando-se em um sistema com outras técnicas, ou know-how, com representações simbólicas ou imaginárias, com concepções de mundo, mas, também, com instituições, regras e normas”.

Em vista disso, Feenberg (2002) expõe alternativas sobre os problemas encontrados nas teorias críticas tradicionais sobre a tecnologia, contando o processo e a aplicação desta, relatando que os déficits não estão em seus interiores, na crítica à tecnologia em si, e sim em uma problemática sobre o “setor” de desenvolvimento tecnológico. Em um dos pontos a ser evidenciado, há a implicação, mediante um observar empírico, de panoramas relacionados a transformações totais ou parciais nos meios de produção, em quando movimentos sociopolíticos ambientais e ecológicos, por exemplo, atingem determinado espaço e infligem ideias e parâmetros diversos dos tradicionais. Em vezes, o que ocorre, para atingir outros objetivos - como éticos, ecológicos ou de inclusão, há um preço a ser pago, no “produto tecnológico” final, que seria a redução de sua eficiência.6

Com isso em mente, quais as propostas para alterar esse cenário, ambientado por Estados contemporâneos, os quais reúnem as dimensões, objetiva e subjetiva de direitos fundamentais, aliadas à jurisdição constitucional “atuante”?

Primeiramente, deve-se descartar a abordagem amplamente aceita e influente, talvez até dominante, denominada de “ambientalista”, originada para lidar com desafios ambientais contemporâneos urgentes, pois se tem, em geral, que essa linha de visão acaba por adotar um mesmo ponto coerencial que as demais correntes deterministas sobre a tecnologia. Esse desiderato restringe as possibilidades democráticas da tecnologia, em uma reversão em vez de inovação tecnológica democraticamente imaginativa e distributiva, contra a concentração e a exclusão - de conhecimento, de processo e de construção tecnológica e não tecnológica - que o cenário global capitalista promove (e demanda) (WYNNE, 2010).

Um dos pontos relevantes que a STS considera e, com isso, fundamenta-se, é o denominado “instituto” de intervenção democrática ou atividade pública nos processos sociopolíticos da produção tecnológica.7Feenberg (2017a) expõe sobre tal atividade, mostrando as suas duas grandes motivações e regras de operacionalidade: de um lado, o público intervém para sublinhar e resolver problemas, como a discriminação e a poluição. De outro, as intervenções procuram realizar potenciais interesses (ou direitos) não suportados por projetos existentes, como no caso do uso da internet, com conotação (ativamente) social.

O praticar desses novos modos de ser, também chamados de sociotécnica, acaba possuindo diversas e novas formas. É possível exibir os três principais tipos de intervenções: i) controvérsias, incluindo protestos, boicotes, litígios, peticionamento on-line e, assim, por diante; ii) apropriações criativas sobre e da tecnologia, como o hackeamento (modificação) da finalidade prima e reutilização para fins diferentes dos destinados por seus criadores e/ou proprietários e; iii) diálogos entrelaçados e participativos entre atores, leigos e especialistas.

Essas intervenções democráticas, bem ou mal, ampliam a esfera pública, verificando-se que, até meados da década de 1960, o debate sobre isso era praticamente inexistente, permanecendo tão somente os interesses de uma parcela de pessoas, propriamente antidemocráticos (FEENBERG, 2017a). Mesmo com esses avanços, parece ainda que esse debate continua sendo ignorado, em detrimento de ideias nostálgicas sobre a natureza, parecendo ser isso um remédio ao desespero líquido dos pós-modernos, em que a (única) razão instrumental é insuperável. Porém, não se olvida que, nas democracias contemporâneas, as Sociedades, para serem consideradas boas, devem ampliar a liberdade pessoal de seus membros, enquanto permite que estes participem, efetivamente, em atividades públicas determinantes para a sua vida. Se as atividades públicas significam “o que é ser humano”, atualmente, essas atividades são ordenadas, primordialmente, por decisões técnicas. O design da tecnologia se mostra, portanto, como decisão ontológica, repleta de consequências políticas. A exclusão das pessoas em geral, nos processos de tomada dessas decisões é, por consequência, uma prática disseminada e intensamente antidemocrática.

Estudiosos do campo da STS vêm demonstrando que a tecnologia e a sua relação com a sociedade se transformou promissoramente, comparando com o percebido até a década de 1960. Pode ser avaliada a existência de novos atores e novos modos de ação dentro dos fatos da “vida técnica”, especialmente sobre o posto de grupos sociais muitas vezes relegados e colonizados. Chega à vista de que as novas camadas de funcionalidade, dadas a tecnologia, decorrem de intervenções democráticas “vindas de baixo”, inclusive por meio de fóruns híbridos de cidadãos, especialistas e Estado - formando a denominada coprodução da ciência e da sociedade -, representando, igualmente, a confirmação da alegação de que a ciência e a tecnologia não são recursos neutros, mas reconhecidos como uma instituição social influenciada por debates públicos (LATOUR; WEIBEL, 2005; JASANOFF, 2004; WYNNE, 2011; CHILVERS; KEARNES, 2016; CALLON et al., 2011 apud FEENBERG, 2017a, p. 5).

Com um escopo diverso sobre o tema, por intermédio de uma linguagem sociojurídica, Moura e Conrado (2017) visualizam a efetivação da inclusão digital de pessoas com deficiência como condição para a constituição de uma cidadania ativa na atual democracia eletrônica, quando observam circunstâncias sociopolíticas de segregação voluntária e involuntária, sendo certo que a “eliminação” dos obstáculos tecnológicos é identificada como pressuposto para isso - em termos que, indiretamente, garantir e promover direitos humanos e fundamentais, no caso, das pessoas com deficiência, o é democratizar o desenvolvimento e a aplicação da tecnologia (assistiva), via criação de políticas com tal escopo. Stahlöfer e Custódio (2014), em outra via, registram a importância de se estabelecer uma política pública que viabilize a difusão de construções com coberturas verdes, como forma de recuperar e preservar o meio ambiente das cidades que apresentam déficits nesse setor. A tecnologia, derivada dos processos estratégicos de implantação de tal propósito, deve reunir valores e especialidades entrecruzadas, em todas as fases de elaboração, execução e avaliação dos resultados e dos meios empregados.

Mesmo com tais considerações, é árdua a tarefa de formulação e defesa de uma proposta de intervenção democrática para os processos tecnológicos, saindo da premissa de que a racionalidade e a eficiência são constantemente invocadas para a manutenção do sistema tradicional existente. Essa reivindicação, a propósito, não pode ser descartada como apenas uma questão ideológica, verificando-se, nas disciplinas técnicas, conteúdos e processos que geralmente validam a rejeição de demandas democráticas. Assim, a teoria crítica da tecnologia marcuseana não estava errada em enfatizar a relevância do que se chama (va-se) de “racionalidade tecnológica”. O elemento singular, não obstante, da teoria crítica de Feenberg, está na constatação de que a racionalidade se tornou uma forma cultural, porém com uma inovação: a sociedade industrial do início do século XXI se confronta com diversas racionalidades em vez de apenas uma racionalidade tecnocrática (FEENBERG, 2017a).

Quais seriam as implicações dessa constatação? Como transportar essa abordagem para um processo real e material? Há um desvelamento, com as ditas intervenções democráticas, de uma dinâmica simbólica em forma de cooperação direcionada pelos ‘interesses dos participantes’, os quais podem ser representados e vistos contabilizados com a teoria actor-network. As networks são entrecruzamentos de assembleias de pessoas e coisas, unidas por laços causais e simbólicos. As pessoas obtêm uma perspectiva de cooperação sobre as condições e os laços em que estão integradas, e os ‘interesses dos participantes’ refletem novas necessidades, problemáticas e soluções, advindas de sua participação (FEENBERG, 2017a). Pode-se ver isso, a saber, quando determinado grupo de pessoas utiliza veículos como instrumento de trabalho e vivência (caminhoneiros etc.) e adquirem o interesse em boas estradas, ao passo que, os possuidores de entrecruzamento com a poluição, derivada dos veículos a combustão, adquirem interesse em melhores controles de poluição ou na sua total extinção. Tal via é considerada também aos casos e aos processos de tecnologia assistiva, e suas enormes inovações e adequações consoante os interesses de cada pessoa com deficiência, no propósito de inclusão e emancipação.

O aspecto de tal debate é de suprema relevância societal, enquadrando-se por fatores normatizantes, os quais, em regra, promovem desigualdades em todas as esferas relacionais e acabam depauperando as instituições democráticas ao causar a segregação de muitas pessoas e camadas da Sociedade. Na próxima seção, serão discutidas algumas considerações em relação às teorias de democracia e, depois, será realizado um engate e retorno à discussão sobre a tecnologia e suas potencialidades, de modo a consolidar e melhor estremar a proposta do trabalho.

3 A DEMOCRACIA E SUA AMPLITUDE SOCIOPOLÍTICA: A PLURALIDADE, O DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E A INCLUSÃO DIGITAL

A democracia se coloca como uma metodologia sociopolítica complexa e multifacetária, ao abarcar direitos e interesses em decisões diretivas, as quais possuem força normativa, vinculando determinada comunidade política. Assim, essa parte do trabalho se configura em uma concisa exposição sobre a democracia, dando importância a três teorias eminentes dentro desse campo: i) a Liberal ou Clássica; ii) a Republicana ou Participativa; e a iii) Deliberativa, cujos propósitos procuram desvendar as possibilidades de como se atingir e ou aperfeiçoar tal processo decisório, tão relevante nos Estados contemporâneos de sociedades plurais. Depois, será feito um retorno aos assuntos colocados na primeira parte do trabalho, de modo a demonstrar a relevância de tal discussão e a sua recíproca problematização de e entre tecnologia, direitos fundamentais, poder político, desigualdades e teorias da democracia.

3.1 APORTES TEÓRICOS DA DEMOCRACIA: CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS

Com a formação e a consolidação da modernidade, iniciada no Renascimento e propulsionada no Iluminismo, a relação entre Sociedade e Estado transmutou-se, extirpando os estamentos feudais e criando novas esferas relacionais. A filosofia da consciência fundamentou novos modos de gerenciamento racionais da sociedade: Estado Moderno, constituições, codificações, burocracias, industrialismo, capitalismo, socialismo, ciência e tecnologia. As revoluções margeadas por ideais contratualistas retiraram dos absolutismos o poder e, a partir de então, colocou-o na mão do povo. Os governos, também, reinventaram-se, tendo em seu plano, primeiramente, direitos fundamentais individuais (liberais) (livre iniciativa, expressão, políticos, de reunião etc.) e, depois, notando-se as calamidades que a defesa apenas destes proporcionou, direitos fundamentais sociais. Assim, em curta síntese, os regimes democráticos foram sendo adotados, proporcionados e, infelizmente, desvirtuados.

A democracia é uma proposta de conciliar interesses e direitos, individuais e coletivos, inseridos em uma comunidade política histórica, modernamente, margeada por estados modernos e todos os seus mecanismos. Held (1987) expõe que o propósito da democracia é a concretização do princípio da autonomia (PA), o qual pode ser compreendido em dois pontos vinculantes: liberdade e igualdade. Os vieses e caminhos imbuídos em seu interior, tanto para a direita (ou nova direita) como para a esquerda (ou nova esquerda) se diferem, embora ambos pretendendo chegar ao mesmo destino: o PA. Aponta o autor (HELD, 1987) que os equívocos da direita estão na crença de que o mercado, em suas estruturas de funcionamento, é livre de poder político diretivo e, assim, nega a existente “distorção em relação à democracia”. De outro lado, a falha da esquerda está em considerar que o poder político emana e se constitui apenas em poder econômico. A restrição do campo “político”, em ambas as direções, é criticável por acabar limitando a abrangência da perspectiva para se constituir o PA.

Por exemplo, na democracia clássica/liberal, percebe-se essa preocupação compartilhada, especialmente, com Mill (1986), separando os atores ‘indivíduo e sociedade’, possuindo cada qual a sua própria soberania, e o papel de compreender a extensão de ambas fazendo parte de uma delimitação para o estabelecimento de critérios para a definição de conteúdos que possam convergir adequadamente, ora para uma, ora para a outra dimensão soberana, importando em uma dicotomia de interesses privados (individuais), ou coletivos. Esse entendimento é voltado à ponderação dos espaços que o Estado pode ou não se infiltrar, com raízes benthanianas profundas (já que o autor teve uma ligação pessoal e intelectual com Bentham), podendo ser assim sumarizadas: “It is in vain to talk of the interest of the community, without understanding what is the interest of the individual.” (BENTHAM, 1789, p. 33).8 Nesse ângulo, se entende que o coletivo não pode porque não consegue influir no individual, e Mill (1986) discorre sobre o poder e seus limites de exercício, medido na legitimidade originada do indivíduo livre.9

Nessa mesma corrente, todavia, de linha contemporânea, Schumpeter (1961) idealiza a democracia tal qual um “método político” meramente processual, cujas estruturas básicas se limitam a duas: i) por quem e ii) como são as decisões tomadas. O autor critica a visão romântica do utilitarismo democrático do século XVII e XVIII, de bem comum e vontade geral, considerando-se a asserção de que essa visão encarava a realidade com um olhar ofuscado por uma estável circunstância socioeconômica burguesa, a qual não atingia qualquer prospecção sobre e do surgimento das comunidades diversificadas, formadas a partir do século XX, com o avanço do capitalismo, em termos que aqueles amplos conceitos se inutilizaram, devido a sua fácil deturpação.10 O autor defende, ademais, uma disputa pelo poder entre as elites (de profissionais), estatuindo a democracia restritamente, forjada somente por um processo de regras na busca pelos votos (meramente representativa e ambientada pela lógica do mercado) e, inclusive, com o parlamentar eleito livre de accountability, pois o povo é julgado irresponsável e desarticulado.11

A concepção de democracia liberal deixa de apreciar o ambiente em que ela se desenvolve: em um sistema econômico possuidor como característica inata a liberdade entre desiguais para o seu funcionamento (HELD, 1987) e que, na divisão teórica e pragmática, de democracia política (e Estado) e democracia jurídica (e Estado), os resultados podem ser incongruentes e perigosos - a balança do poder12 destoa, invariavelmente, do caminho da igualdade - lembrando-se da tarefa de concretizar e equilibrar os direitos fundamentais sociais e individuais, pauta das constituições e dos Estados contemporâneos. Dessa forma, pois, surgem as reflexões e as ponderações da democracia direta em direção à democracia simplesmente representativa: o quê e quem é representado? (ALVES; SANTOS, 2017).13

Devido à confusão de interesses e, essencialmente, à primazia dada aos interesses de camadas sociais privilegiadas, representando isso um processo antidemocrático nas democracias, teóricos da democracia realizaram e discorreram em busca de alternativas, aportes inclusivos e alternativos, para “devolver” ao povo o poder, de fazer valer a sua vontade e infligir em seus representantes o sentido de estarem onde estão para buscar o ‘bem comum’, não o bem individual. A saber, Pateman (1992) disserta sobre a democracia participativa, cujo sentido é criar aberturas para o engajamento das pessoas na definição de uma diretiva vinculante. A democracia participativa, assim, dá vazão a um entendimento motivador da existência de mecanismos abertos e democráticos, os quais, para proporcionar o desenvolvimento da experiência política-democrática-cidadã de decidir, de participar das votações sobre circunstâncias que englobam mais que apenas o ‘eu’, mas o público, de certa forma e grau.

Em rápida síntese, Pateman (1992) apresenta evidência de apoio à sua tese, sendo a democracia participativa aquela que consegue construir estruturas em postos de autoridade governamentais, porém, primordialmente, em não governamentais, com o propósito de alimentar o desenvolvimento de qualidades psicológicas (o sentimento de eficiência política) cívicas, pressupostos para uma participação mais ampla, de caráter nacional. Dentre as camadas possíveis, a autora defende o privilégio da indústria nessa proposta, notando-se nesse ambiente a possibilidade prima de se realizar a participação democrática, pois é classificada como a esfera mais relevante na vida das pessoas. Isso acaba fornecendo, também, uma evidência empírica de que os baixos graus de engajamento (senso de eficiência) são vistos, em grande escala, entre as classes de trabalhadores de baixa condição socioeconômica.14 Nessa seara, a participação local faz parte de um preparo, uma capacitação do cidadão, alçando a relevância do âmbito local que permite a participação e, assim, “podem estimular um senso de competência que então se projeta em nível nacional.” (ALMOND; VERBA, 1965 apud PATEMAN, 1992, p. 67). Esse senso de competência, de acordo com a autora, desenvolve-se no tempo e na experiência de decidir, em um “efeito cumulativo” de experiências geradoras de uma vontade de continuar tendo-as.15

Alerta-se para as possíveis disfunções e as desarmonias do mundo pragmático, quando em uma implantação de estruturas de participação democrática, na finalidade de legitimar decisões previamente tomadas. Denomina-se essa condição de pseudo-participação, em que os participantes são de certo modo enganados, usados para ratificar certo parâmetro decisional estabelecido previamente. Para isso não ocorrer, prescreve-se que os atingidos por uma futura definição sejam convidados a participar, ter informações sobre o tema e delimitar o que deve mudar e como a mudança deve ser realizada. Outrossim, mesmo quando isto não acontecer, tem-se que a pseudo-participação/agir estratégico/participação irreal, influi no senso de eficiência política proporcionada pela participação, porque há, ainda que inautêntica, uma escolha, um senso de participação (PATEMAN, 1992).

Apesar do avanço, a teoria da democracia participativa possui as suas incongruências e limitações. Considera natural a divisão de influência e poder decisório, que se diferem no plano das estruturas de participação e decisão. Em vezes, verifica-se, na possibilidade de participar, na verdade, uma situação equivalente à possibilidade de influenciar uma decisão, não, assim, de (ter o poder de) decidir, propriamente dito. Não que isso não seja fundamental, ou, melhor, o mínimo a se ter, nas repúblicas democráticas do pós-Segunda Guerra, porque, otimisticamente, conforme Bresser-Pereira (2005), a introdução de novos atores no âmbito político-decisional abre um debate para a democracia e para a constituição de contornos gramaticais e institucionais mais inclusivos e sociais, onde a esfera pública e política se ampliam, sendo formadas e concretizadas de e entre os abrangidos por elas.

A teoria da democracia deliberativa origina-se, nessa parte do trabalho, como uma terceira vertente teórica da democracia, expondo o seu ideário em termos gerais. Ela tem como pressuposto a Teoria da Ação Comunicativa, de Habermas, constituindo-se com uma normatização condicional e dialógica, estabelecida em uma comunicação vinculada à intersubjetividade16 e a/de entendimentos, baseados na fala e na comunicação entre e de interlocutores situados em condições ‘ideais de fala’. Essas condições são a pedra angular da democracia deliberativa, pois, a partir disso, as pessoas poderiam deliberar demonstrando as suas representações,os pensamentos e as suas próprias justificativas e intenções de forma transparente, proporcionando um cenário de descobertas de estruturas de racionalidade, possibilitando existir, assim, a razão comunicativa, diversa da instrumental-estratégica (HABERMAS, 2007). Nessa proposta, há a pretensão de se recuperar uma razão que não seja instrumental, em que a deliberação esclareça e seja utilizada, como dizem Leal e Friedrich (2015, p. 157), como “condições de possibilidades de participação política efetiva da sociedade na cogestão dos seus próprios interesses como comunidade (e as formas de fazê-lo)”.

A teoria da democracia deliberativa, como explicita Leal (2011 p. 27), “é posta não como uma teoria em busca de práticas, mas uma teoria que pretende elucidar aspectos da lógica das práticas democráticas existentes”, constituindo-se na história, avaliando-a em suas minúcias e em suas possibilidades espaciais e temporais. O viés (ético) procedimental dessa teoria possui os seus requisitos interrelacionados, podendo-os ser assim expostos, com Benhabib (2011 apud LEAL, 2011, p. 67-68): i) a participação na deliberação é regulada por normas de igualdade e simetria; ii) todos têm o direito de introduzir argumentos sobre as regras do procedimento discursivo; e iii) todos têm o direito de questionar os tópicos fixados no diálogo, tudo isso, com o objetivo de se atingir um (real) consenso entre as pessoas envolvidas na deliberação, atingindo-se uma decisão final democrática e legítima, tendo em conta o procedimento inclusivo dos destinatários na formação e na tomada final de decisão e fiscalização posterior.

As três teorias de democracia discutidas apresentam um regime democrático para entrelaçar o poder político e os interesses e os direitos dos que constituem o dito poder, submetendo-se a sua autoridade na finalidade de se atingir o bem comum. A leitura devida é a qual coordena uma complementação entre as correntes, de proporcionar ambientes de reivindicação, planejamento, ação e fiscalização, em que cidadãos ativos e Estado sejam parceiros, não rivais em setores individualizados e separados.17

A sociedade industrial capitalista inflige amplas disfunções na relação entre Estado e Sociedade. Retornando ao pressuposto de que a tecnologia é criada por humanos e se manifesta em formas que estes têm de si mesmos, igualmente, respeitando normatizações ocultas e técnicas, como fazê-la associar interesses diversos e, assim, democratizá-la, quando se percebe que, em regra, as pessoas não participam das condições que proporcionam os desenvolvimentos tecnológicos transformadores de suas vidas? A teoria crítica da tecnologia pretende conciliar estudos para, ao menos, questionar essa situação, na tentativa de criar mecanismos de solução - ou fundamentar a idealização destes.

3.2 TEORIA CRÍTICA DA TECNOLOGIA DE FEENBERG E A AMPLIAÇÃO DA DEMOCRACIA NO ESPAÇO DIGITAL

O observar sociológico de Aron (1984) determina a pretensão de discutir que a civilização se encontra em um modus de sociedade industrial progressiva, a qual, sem incontroversas, conserva a sua estrutura atual comportada pelo capitalismo. Diante disso, extrai-se a conclusão de que sociedade capitalista é uma entre as tantas espécies possíveis de sociedades modernas em geral, contando com uma natureza estrutural de economia e mercado constituída por características estabelecidas na competitividade e na expansividade, em que o desenvolvimento e a inovação tecnológica devem ser nivelados por uma continuidade irrepreensível. Essa irrepreensibilidade perpetua-se por um fator fulcral: o isolamento entre a esfera estatal e do mercado com a da Sociedade. Contudo, como a experiência mostra, o mercado, de seu altar independente e estranho ao poder estatal-político, influi, por trás das cortinas, por canais comunicativos fora da visão periférica “oficial do setor político”, as suas condições, em vezes, preponderantes, em detrimento dos objetivos sociais propostos a atingir, no firmamento entre Sociedade e Estado contemporâneo. A tecnologia moderna, assim, para Marcuse, é enviesada com essas condições, em que ela mesma proporciona uma dominação legitimada, em que a “razão técnica de um sistema social de ação racional dirigida a fins não abandona o seu conteúdo político.” (HABERMAS, 1987, p. 46), e, dessa forma, ao mesmo tempo, deixa de fora de sua margem a própria discussão política sobre si própria (a qual é direcionada do princípio para fins delimitados pelo mercado: em desenvolvimento, eficiência, lucro, etc.). Contudo, como anteriormente delimitado, a tecnologia e a sociedade industrial contemporânea transformaram-se; as suas possibilidades se ampliaram inesperadamente, e isso é defendido e promovido por Feenberg (2002).

É certo, pois, que as propostas que serão debatidas de forma sucinta nesta parte do trabalho se correlacionam a um projeto de vida compartilhado, o qual, de premissas, se constrói no tempo, ao meio de conflitos culturais, sociais, políticos, filosóficos, jurídicos e econômicos. O núcleo da crítica de Feenberg se realiza dentro do dilema do desenvolvimento das contradições percebidas nas teorias políticas e da democracia, em que a redefinição da era moderna e dos Estados modernos se dirige por e em uma dicotomia de i) igualitarismo e ii) eficiência na performance das funções estatais, de justificação do poder coercitivo do mesmo, derivado, a partir de então, de debates públicos e eleições. Igualdade e eficiência, nos estados democráticos, são pautas de projetos de reconciliação entre as duas dimensões, apuradas na possibilidade de governo (direcionamento) de policies voltadas e baseadas na participação democrática no/do poder. Entretanto , em regra, a divisão desigual do poder vai de encontro a tal proposição, e a democracia acaba sendo desvirtuada e, consequentemente, o (as possibilidades do) desenvolvimento tecnológico.

A teoria crítica da tecnologia de Feenberg (2002) expõe o argumento, o qual a tecnologia não determina qualquer tipo de sociedade. A tecnologia é, na verdade, um produto cultural e, portanto, qualquer ordem tecnológica dada é um ponto de partida promissor para desenvolvimentos tecnológicos diversos, dependendo do ambiente cultural que o molda. Embora a circunstância da sociedade industrial capitalista tenha criado constrangimentos culturais e econômicos, a tecnologia desta era pode ser, em princípio, encorajada a novos contornos de transição e posterior transformação. A partir disso e como resultado, vê-se que uma pluralidade de valores culturais poderia ser empregada na construção de esquemas de desenvolvimento, diferentes dos quais presidiam a sua prima forma. Desse modo, do ponto de vista econômico, a interligação dependente da tecnologia na cultura significaria um aporte amplo de racionalizações alternativas possíveis, cada uma igualmente “eficiente” em termos de alcançar seus próprios fins, entretanto, empregando distintas configurações de meios para alcançá-los.

Ao contorno da tecnologia, como essas “racionalizações alternativas”, imbuídas em culturas complexas se constituiriam? No desenvolvimento tecnológico, encontra-se o instituto denominado de Código Técnico. Um Código Técnico é a realização de um interesse em uma solução tecnicamente coerente para um tipo geral de problemática tecnológica. Dita solução serve de paradigma de todo um domínio de exercício tecnológico. Por isso, atenta-se à existência de um esquema de escolhas necessárias dentro de um esquema de opções, como um metaranking. Na corrente determinista e instrumentalista (formal/neutra), a eficiência aparece como o único princípio/escolha inserido nesse metaranking. Todavia, estudos contemporâneos contestam essa posição e propõem que muitos outros fatores (culturais), além e diversos da eficiência, normatizam na eleição de uma opção para o desenvolvimento tecnológico (FEEN-BERG, 2002).

Essa abordagem tem implicações políticas enormes, dispondo, em ilações, reflexões sobre os limites éticos dos códigos técnicos modernos. Na medida em que a ordem hegemônica possui uma autonomia operacional de sua própria administração, este é blindado contra o reconhecimento de uma miríade de interesses. Essa blindagem aparece nas escolhas dos processos de desenvolvimento tecnológico que, invariavelmente, destrói, prejudica, polui e, de diversas formas, atinge aqueles excluídos de uma participação no poder “técnico”. O mesmo processo histórico no qual os capitalistas e os tecnocratas guardaram uma liberdade irrestrita para tomar decisões técnicas, independente das necessidades dos trabalhadores e das demais comunidades políticas, também gerou uma riqueza de novos valores, exigências éticas forçadas a buscar espaço discursivamente, e realizações em novos arranjos tecnológicos. Fundamentalmente, a democratização da tecnologia se concretiza com a ideia sobre privilegiar os valores excluídos e os grupos sociais de movimentos que os articulam (FEENBERG, 2002). Esta, por acaso, é a ampliação democrática recíproca que pode ser proporcionada com esse viés, em inclusão de interesses e pessoas nos processos de desenvolvimento tecnológico que, por sua vez, passaria a potencializar a própria questão do agir cívico-político nas intervenções realizadas nos fóruns, assembleias, etc. sobre todas as possibilidades18, compartilhando-se, aí, um projeto de vida.

As democracias contemporâneas das sociedades industriais capitalistas tendem a ir de encontro a essa disposição, por isso, três diretivas interconectadas são idealizadas por Feenberg (2002), as quais consistem em um processo de transição a uma tecnologia mais democrática: i) socialização das formas de produção tecnológica; ii) democratização da sociedade em si, na criação de condições adjacentes, objetivas e subjetivas; e iii) inovação tecnológica, assim, delimitando outras razões instrumentais aos códigos técnicos, cujos resultados passariam a adaptar a tecnologia, na relação mútua de adequação entre o desenvolvimento tecnológico em resposta às condições nas quais se encontra, e também as influenciadas por ele.19

Essas “outras razões” se inserem na ideia de instrumentalização secundária (societária, fora do âmbito do código técnico preconcebido, a “instrumentalização primária”, que retira qualquer função ou valor não “adequado”) capaz de expor, publicamente, mediada por uma “crítica projetiva recontextualizante”, as alternativas técnicas existentes, embora “esquecidas”.20 Seria com esse processo, portanto, que a esfera pública encontraria um espaço amplificador de seu alcance tanto para esfera técnica quanto na esfera técnica, e a democracia incutiria filtros de racionalização para projetar novos objetos abertos e democráticos vinculados mais à pluralidade sociocultural do que a um fim meramente predeterminado pelo lucro e pela “eficiência primária”, podendo proporcionar uma dinâmica democratizante sobre a própria democracia, de participações, deliberações e representações mais abertas e transparentes, diminuindo o denominado hiato entre o parlamento e os cidadãos, como também entre a Sociedade, o Estado e o Mercado, no entanto, preponderantemente, entre a Sociedade e a tecnologia.21 Isto, em esfera filosófica, denota uma aceitação de verdades/ realidades diferentes e compostas por coordenações coletivas formatadas por pessoas que arriscam abrir ou contestar o a priori determinista alegórico da jaula de aço weberiana.

O Código Técnico, como exposto, forja-se como uma estrutura condicionadora das seleções tendencialmente viáveis: o código técnico limita e, paradoxalmente, com essa matriz feenberguiana, pode traduzir outras razões e decisões técnicas que representam um mundo que se sustenta mediante e para determinado modo de vida de um ou vários grupos sociais influenciadores dessas “realidades”, cujos valores, exatamente nesse sentido conflituoso ou consensual, demonstram certa “batalha” entre os valores dos atores dominantes que possuem a possibilidade de incutir os seus termos nessas searas - ou, dependendo da observação, dos que não possuem essa potestade, ou seja, os atores dominados/excluídos. A matriz de racionalidade “interna” do Código Técnico, de acordo com Feenberg (2017b), transmite, no desenvolvimento tecnológico, essa função estruturante que acarreta um endosso hegemônico de determinados aspectos. A essa noção se encontra a terminologia representativa de Caixa Preta, cujo conceito, ademais àqueles efeitos, funciona como um fechamento do próprio processo de desenvolvimento tecnológico para outros dispositivos/soluções - sucedendo ser uma modalidade padronizada de conhecer e produzir dispositivos, que se materializam por uma condição de fundo “naturalizada”, “impermeável” a outras perspectivas (as razões instrumentais primárias e estrutura administrativa bloqueadora do mundo da vida).

Neste cenário, Feenberg (2017b) vislumbra outra situação e formula o conceito de Código de Projeto, que se vincula aos modos de normatização generalizados de padronização de sistemas racionais. Esses códigos de projeto se mostram duráveis, embora possam ser revisitados devido a demandas especiais de determinado grupo, ou como obediência à modificação legal sobre o tema, ou, ainda, mediante uma referência a uma “simples” condição econômica temporal, às reivindicações públicas e aos gostos. É justamente com essa observação sobre os códigos de projeto e a plausível comparação à criação das leis e das políticas públicas, por exemplo, que se molda a assertiva diagnosticadora de que essa racionalidade padronizada e padronizante, fechada na “caixa-preta”, impede uma democratização das instituições quanto às decisões de design e, portanto, no tocante ao desenvolvimento tecnológico mesmo, manifestando-se enquanto símbolo, na verdade, de uma crítica às próprias instituições existentes e as suas inadequações para o ofício de uma intervenção/controle humano sobre a tecnologia.

De modo a acrescentar ao argumento, utiliza-se de exemplos comuns no sistema do Direito. Veja-se, em uma lei (e, com ressalvas, em policies) posta em um Estado Democrático, há duas clássicas etapas que se encontram no texto legislativo e em seu teor normativo (texto e norma não se confundem). Uma anterior e outra que se desenvolve no tempo, a partir das doutrinas, dos casos e dos apontamentos presentes/futuros. A primeira (anterior) ocorre no processo de abstração de formulação de prescrições universais, retiradas, de um modo sintético, do mundo da vida e de razões especializadas (jurídicas). Depois, durante a vigência da legislação, surgem anotações e particularidades complementares às previsões legais “originárias” (em que, em um sentido geral positivista, ascendem da impossibilidade de se prever todas as circunstâncias “valorizadas” pelo mundo jurídico), advindas das relações sociais e mundo da vida. As regulações jurídicas da vida social, construídas a partir de identificações extraídas do mundo da vida, são significados e funções fortalecidos pelos indícios prescricionais de/ para seu uso potencial futuro (antever as situações “concretas” e buscar por coerência etc.), e isso aparece explicitamente quando, no julgamento de um caso, com o Poder Judiciário (fase de aplicação). Os conflitos exsurgem na situação de “aplicação” do Direito e no processo de abstração (legislativo), sendo exatamente nessa esfera o local de ocorrência de tensões derivadas de déficits abstrativos relativamente à vida social, sendo este o caminho democrático transformativo para concatenarem-se mudanças derivadas de movimentos políticos, fazendo-se o “ciclo” democrático prevalecer.

Os Códigos de Projeto funcionam, de modo análogo, à abstração no Direito, porque aqueles, em vezes, são alocados em regulamentos repletos de particularidades. Contudo, como já posto, esses mesmos códigos são vistos explicitamente ou implicitamente na cultura, no ensino e no projeto e, desse modo, precisam ser “auferidos” por uma perspectiva sociológica. Com efeito, isso acontece no seguinte sentido: i) um pesquisador formula um código supostamente ideal e universal, o qual, normativamente, deve “governar/conduzir” o projeto; ii) todavia, esse mesmo projeto é ou pode ser reformulado por duas esferas distintas à essa “norma ideal”; iii) nessas duas esferas, estão as comunicações dos especialistas e as comunicações de leigos e vítimas (em geral, reclamações, reivindicações para readaptação “funcional” do projeto). Em um viés panorâmico democrático, a comunicação dos especialistas com os leigos, ou, em outros termos, o discurso técnico precisa integrar os outros discursos, sociais, culturais e políticos. Esse processo apenas se consolida com a tradução dos símbolos e dos funcionamentos, encorajado pelo diálogo entre as “partes” e, por consequência, enriquecido por ele (interesses, direitos e valores plurais). Mesmo que a tecnologia não possua um “nível” de sociabilidade tão aberto quanto o Direito, a administração e o mercado, por exemplo, ela é socialmente condicionada e influenciada por projetos de mudanças com caráter democrático e progressivo, cujos mandamentos simbolizam e são imprescindíveis para se manter uma fenda de acessibilidade do mundo social racionalizado. A constatação de Marcuse sobre a dominação técnica e as críticas de Habermas sobre a impossibilidade de acontecerem mudanças, devido ao fato de que transformar esse cenário seria transformar a humanidade mesma, carece de apontamentos minuciosos sobre a significação e o funcionamento, na opinião de Feenberg. Mas, de fato, a identificação da racionalidade social é muito complexa e dificultosa, devido, rigorosamente, à antecipação histórica colocada como um a priori legítimo do processo tecnocrático da modernidade. Feenberg defende que a ideologia das primeiras versões do livre mercado até a presente legitimação das sociedades tecnocráticas avançadas obstaculizam e fomentam a dificuldade de um desenvolvimento crítico da tecnologia. Nas palavras do autor (FEENBERG, 2017b, p. 316), “é muito mais difícil identificar e criticar o enviesamento formal dos artefatos e instituições socialmente racionais do que legitimações míticas e tradicionais herdadas.”

Somam-se a essas assertivas, à guisa de exemplos, dois casos atuais que reclamam uma abordagem sociotécnica plural, com os postulados desenvolvidos por Feenberg: o caso da Internet e o das tecnologias assistivas, em especial, das tecnologias assistivas relacionadas aos computadores e à Internet, integradas ao mundo físico, trazendo-se o debate público sobre as regulações de seus funcionamentos e símbolos - isso apontando, realmente, o caráter social da tecnologia. No caso da Internet, pode-se atentar para “três etapas histórico-sociais”. O i) surgimento da tecnologia, ii) as inovações e as reformulações introduzidas pelo público leigo e a posterior colonização dessas funcionalidades pelos especialistas e iii) a atual, em que ocorre uma verdadeira disputa sobre a sua regulação (o tema da neutralidade, por exemplo), em quais moldes e locais, por interligações entre Estados, mercado e leigos. A tecnologia “Internet”, aliás, é um paradigma-objeto de como a tecnologia deve ser democraticamente desenvolvida e como seu caráter social, em seu período histórico i) e ii) estruturaram um sistema dual-misto-complexo, enfatizando-se essa particularidade.

Antes da Internet, inclusive, visualiza-se o histórico das “funções” dos computadores, em que estes não se armavam, na racionalidade primária, como instrumentos comunicativos voltados à sociabilidade: eles eram ferramentas comunicativas, no entanto restringidas para determinados fins, como o papel de decifrar códigos e cálculos em velocidade recorde. Nesse período primitivo da computação, existe, a propósito, com Heidegger (1995, p. 41), o anúncio do fim do homem, em que o conhecimento não conseguiria mais, por meio da linguagem, se libertar do “tipo e estilo” técnico, e isso depauperaria a sua humanidade, a “saber, na sua relação com a totalidade daquilo que foi, do que vai vir e que presentemente é.” Feenberg (2010), acertadamente, discorda veementemente de tais preceitos, ressaltando seu posicionamento, na teoria e na “prática”, em desenvolvimentos sobre a educação online durante as décadas de 1980 e 1990. Nessa época de sua vida, o autor observou e trabalhou para redigir postulados para o uso de computadores e da Internet na educação online, a fim de se superar a tradicional educação via “correspondência”, muito comum nos Estados Unidos. Ele diz que presenciou uma verdadeira apreensão, por parte dos leigos, dos funcionamentos originários de computadores e Internet, os quais, depois, foram reutilizados e adaptados pelos especialistas, quebrando paradigmas tecnológicos para proporcionar o acesso à educação para pessoas excluídas por circunstâncias sociais multifatoriais e subjetivas.22

Retornando à Internet, ademais, observa-se que o seu “funcionamento”, desde o Projeto Minitel, na França, se transmutou durante os últimos quarenta anos, ao lado dos computadores. Esse projeto foi o primeiro programa de rede doméstica em grande escala, estatuído no início dos anos 1980, por uma companhia francesa de telefonia. A tecnologia foi projetada por especialistas contratados por essa empresa (“tecnocráticos”), cujos objetivos, dizem, era modernizar a comunidade francesa, melhorando a condição das pessoas e dando-lhes acesso facilitado à informação. Contudo, Feenberg (2010, 2017b), nos seus estudos sobre o caso Minitel e muitos outros, constata que a comunicação humana não estava originalmente projetada no design técnico desses dispositivos e projetos: na realidade, estava extremamente excluída de qualquer apontamento. Alude-se a esses projetos porque, pouco tempo depois de sua difusão, os computadores e a Internet começaram a ser utilizados para a comunicação entre usuários - apesar de que, enquanto linguagem de hardware e software, não eram tecnicamente constituídos para isso, mas possuíam essa possibilidade, como os próprios usuários “descobriram” e “realizaram”. Como isso aconteceu? Enquanto constatação, se vê que foram os hackers que abriram a rede para esse novo funcionamento/utilização, o qual se tornou em um de seus principais, atualmente, talvez, o principal potencializador da comunicação e da liberdade, sendo, indubitavelmente, um paradigma de desenvolvimento democrático e transformativo de redes técnicas por agentes imbuídos em seus interiores.

Talvez, mediante uma perspectiva técnica, a relevância de tal desenvolvimento tecnológico não seja tão clara. No entanto, quando se adapta essa condição para uma universidade (local de comunicação e construção de conhecimento), esse exemplo elucida a sua magnitude para a sociedade contemporânea. Veja-se: imagine-se a circunstância em que o reitor de uma universidade estabelecesse um novo estatuto proibindo toda comunicação não oficial no campus. Esse acontecimento seria, sem dúvidas, atestado como um procedimento antidemocrático, por duas razões: i) porque restringiria pessoas complexas às funções pelas quais elas são institucionalmente postas (e particularmente); e ii) devido à impossibilidade “lógica” de se reivindicar pautas diferentes, cujos efeitos, eventualmente, transformariam a própria instituição. Esse exemplo realça a importância do dito processo de ampliação do espaço social “real” pelo espaço “virtual/digital”, sem amarras, projetando espaços comunicativos para todos os seus usuários (FEENBERG, 2010). Limitá-las a tão somente a “categorias institucionais y, x, a, c” reserva prospecções de resultados não democráticos perigosos, o que não se observa até o momento no ocidente - mesmo com o grande debate e embate global entre os países “líderes” na produção tecnológica nessa área.

Acrescenta-se, demais, um último argumento filosófico e sociológico crítico, cujo conteúdo ressalta o déficit habermasiano sobre o tema, principalmente com a “tecnologia internet”. Sem ressalvas, a Internet é um sistema, no viés de Habermas (e Luhmann), orquestrado consoante uma racionalidade “administrativa” e exposta em um mercado. Nesse cenário, afigura-se a presença de governos e de empresas nacionais e multinacionais. Além disso, como já exposto, as interrelações que a Internet proporciona são constituídas por comunicações. O mundo da vida não deixa de estar presente na sua operação. A internet comporta significados e funções ligadas a muitos contextos pessoais, como a privacidade, a intimidade, as relações humanas em geral, a promoção pessoal e profissional de seus usuários etc. Enquanto tecnologia, portanto, a Internet não está disposta apenas no “exterior” do mundo da vida, como um instrumento para se atingir aqueles ou outros propósitos. Em verdade, ela pertence ao próprio mundo da vida “como um artefato rico de significados. Isso é mais do que uma questão de associações subjetivas, pois afeta a evolução e o projeto da rede e da interface, que não podem ser entendidos em termos de uma ideia abstrata de eficiência.” (FEENBERG, 2017b, p. 149). Os projetos e as defesas para a condução da neutralidade da Internet mostram essa noção, como a luta para a manutenção e o desenvolvimento no teor da neutralidade da rede, fazendo-se e tornando-se parte da (mundo da) vida de seus usuários, demonstrando a ampliação da esfera pública técnica.

Mesmo com tais “avanços epistemológicos”, ainda há muito a ser feito, tanto na filosofia e sociologia, quanto na experiência tecnológica projetista. A própria tecnologia “computadores” e “internet”, enquanto espaços sociais e políticos, limita, como ocorre na “esfera física”, o acesso a muitas pessoas. A questão democrática de fundo se revela ainda mais crítica quando colocadas em evidência as “condições” da i) pobreza e da ii) deficiência (física e intelectual). No tocante à segunda categoria, a qual, por claro, não se desconecta da primeira, as tecnologias assitivas vêm concretizando muitas das observações filosóficas sobre o desenvolvimento tecnológico, embora o déficit ressignificatório seja enorme, em especial no próprio desenvolvimento de computadores e da Internet - a exclusão “física” se projeta para a exclusão “digital”. Sem um programa amplo e intersetorial não há desenvolvimento social e tecnológico que possa ser emancipador para as 1 bilhão de pessoas com deficiência no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2011). No Brasil, em uma pesquisa realizada em 2006 pela ONU, com base em uma análise de cinco grandes websites mais acessados no país, nas seguintes esferas, transporte aéreo, serviços bancários, jornais digitais (mídia), política (site da presidência da república) e varejo, nenhum deles atingiu o “nível A” de acessibilidade (o da presidência da república falhou por duas prioridades não acostadas no website governamental). Pensando-se que, com os anos, as estatísticas poderiam demonstrar algo mais promissor, se encontra, na pesquisa do W3C (consórcio internacional que estabelece os padrões da web no mundo), em parceria com o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (2017) de 2017, o número de que menos de 6% das páginas governamentais realizaram com cuidado uma tentativa de organizar a sua plataforma seguindo as regras de acessibilidade na web. Considerando os dados do IBGE de 2010, no Brasil, há 45,6 milhões de pessoas com deficiência, e, conforme a pesquisa PNAD (IBGE, 2015), de 2014, 57% das pessoas com deficiência no Brasil utilizam a Internet: a exclusão técnica (acessível) é patente e aterradora.

Mesmo com a ratificação da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2009), com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015a), com a Emenda Constitucional nº 85 (BRASIL, 2015b) e com o Plano Nacional “Viver sem Limite” (BRASIL, 2011)23, todos tratando sobre a ciência e a tecnologia, na intervenção e no fomento do Estado e suas esferas, em parceria com a sociedade, com o fito de articular projetos recontextualizantes no desenvolvimento tecnológico nacional, os déficits na acessibilidade tecnológica são preocupantes. Essa dificuldade política, para ser superada, necessita, além de outros fortalecimentos sociais, um paradigma filosófico capaz de dar respostas e incutir modalidades teóricas ao ensino, ao mercado, à pesquisa, à arquitetura física e digital dos ambientes sociais, às próprias relações subjetivas e intersubjetivamente consideradas: Feenberg a sistematiza em seu trabalho e deixa em aberto inúmeras particularidades a serem desenvolvidas, uma delas apontadas nessa parte final de seção. Um dos melhores exemplos de pesquisa voltada a esse fim é a de Dusik e Santarosa (2013, 2018)24, em que o autor desenvolve um teclado virtual silábico-alfabético para as pessoas com deficiência física poderem escrever, ampliando-se a acessibilidade e a inclusão digital. A questão mais importante de sua tese de doutorado se relaciona à inserção de outras racionalidades para a idealização alternativa de teclados virtuais e à sua gratuidade. No pano de fundo filosófico, em desenvolver o Código de projeto distinto, consegue-se perceber na transformação do paradigma “originário” da tecnologia “Mouse Interaction”, acostando, depois das devidas inovações para o seu funcionamento, o potencial emancipador (comunicativo!) para pessoas com deficiência física (Mousekey). No entanto, a riqueza transformadora dessa tecnologia, em âmbito de hardware e software, encontra restrições na própria Internet, por exemplo, nos design carentes de websites e navegadores sem portais próprios para a pessoa com deficiência, no caso, física, empregar o utensílio na socialização e no acesso à informação e na busca por conhecimento (as “etapas de exclusão e inclusão” e de necessidade de inovação e transformação da tecnologia se interconectam). Outra dificuldade estaria nos mecanismos de proteção de dados das pessoas com deficiência, que se incluem nas pautas para o desenvolvimento tecnológico digital assistivo.

A publicização e a difusão de aportes teóricos de filosofia da tecnologia são de extrema importância em todo o processo civilizatório de emancipação, ordenado internacional e nacionalmente, em principal no pós-Segunda Guerra. Os sistemas sociais não se limitam a uma coletânea de funções individualizadas, exatamente porque esclarecem e expõem um mundo da vida compartilhado, de onde as suas funções são estabelecidas e extraídas. Nesse sentido, interiormente se revelam e são influenciadas por questões subjetivas e intersubjetivas complexas, como símbolos, desejos, mitos e estruturas condicionantes, cujas normatizações apenas se interligam de modo “longínquo” com aquilo que comumente é conceituado e empregado na palavra função e funcionamento(s) (FEENBERG, 2017b). O “esforço hermenêutico”, filosófico e sociológico, individual e coletivo, para atentar para os “indícios” de como as tecnologias e seus funcionamentos são compreendidos e usados, importa em um esforço compactuado com os direitos fundamentais e humanos de todas as pessoas que, de algum modo, são excluídas. A razão ainda é emancipadora, e a tecnologia tem potencial para sê-lo também.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Teoria Crítica da Tecnologia de Feenberg e suas inovações teóricas proporcionam novas e reais possibilidades para o desenvolvimento tecnológico, ampliando em muito os trajetos restritos das teorias clássicas da instrumentalidade e da substancialista da tecnologia. A resposta ao problema da pesquisa, dessa maneira, estrutura-se com a disposição de que a “técnica” moderna, colonizada pela tecnocracia, obscurece os interesses e, por conseguinte, as alternativas (ou a própria idealização das mesmas) democráticas sobre a temática. No entanto, eventos inéditos no desenvolvimento tecnológico das últimas décadas contrariam o determinismo propalado por aquelas correntes teóricas, sendo certo que o desenvolvimento da tecnologia, encarado com a matriz de Feenberg, possui nexos evidentes que ampliam a sua abertura e seu alcance à pluralidade contemporânea - inclusive, a mera existência da “Crítica” se transforma em uma evidência a isso.

A tecnologia e suas inéditas funcionalidades no pós-1960, conformam e confirmam as constatações de Feenberg, em que seu núcleo estrutural é social e histórico, merecendo, pois, um aprimoramento em seu desenvolvimento. Essa afirmação se corporifica em uma reivindicação, mostrando-se a crítica, no seu viés descritivo e, eminentemente, prescritivo, em termos de condição para o aperfeiçoamento da tríade relacional entre Sociedade, Estado e Mercado. Os conflitos gerados entre Códigos de Projeto e as circunstâncias sociais do mundo da vida mostram e fortalecem novas exigências tecnológicas que, posteriormente, constituem novos códigos e projetos.

As teorias da democracia abordadas conjugam a necessidade de tal realização. Esse debate precisa ser orientado e difundido, uma vez que lida com direitos humanos e fundamentais, desigualdade, segregação e, principalmente, com a probidade, validade e legitimidade de um mundo compartilhado entre todos. Verifica-se, partindo das premissas coladas por Feenberg, que a tecnologia, por um amplo período, se consolidou alheiamente aos interesses e aos valores diversificados, representando uma dominação sobre o indivíduo (e sobre a técnica), posição ainda predominante. Todavia, despontam, em conjunto às conquistas civilizatórias de emancipação, singulares possibilidades de transformação e democratização de seu desenvolvimento, vide as pressões sociais, as aberturas, os projetos e as criações de tecnologias ecológicas, funcionais, multifacetárias e assistivas - os “novos valores” nos códigos técnicos originam de uma relação muito mais complexa do que a mera lógica da oferta e da demanda, ou de uma necessidade de “inovação” concorrencial.

A ilustração do embate político e social, demonstrado com as notas referentes às teorias da democracia, enfatiza uma preocupação necessária quanto ao assunto; em, enfim, democratizar a democracia, elastecendo os alcances dos valores e dos princípios democráticos para o âmago da civilização contemporânea. A tecnologia possui capacidades e potencializadores democráticos. A emancipação verificada, por exemplo, nas tecnologias que propagam a inclusão social - instrumentos e arquiteturas assistivas, ecológicas, multifuncionais, éticas, ambientais e acessíveis - provocam o status quo. Os computadores e a internet são exemplos disso, no entanto ainda precisam avançar muito em seu desenvolvimento em prol da inclusão de pessoas com deficiência, física ou intelectual.

A cooperação entre os campos normativos discutidos precisam ser continuamente propostos e revistos, com o fito de concretizar os ideais de igualdade e liberdade. Na hipótese de, em outras palavras, não se construir direcionamentos aos esforços coletivos, com base na alteridade, na justiça e na solidariedade, estar-se-á ignorando os mandamentos de se estabelecer os componentes caracterizadores da emancipação, o que é improsperável, tendo em vista os sentidos normativos das conquistas civilizatórias simbolizadas nos direitos humanos e fundamentais.

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NOTA

O presente trabalho é resultado de leituras, escritos e orientações, iniciadas durante a disciplina “Teorias da Democracia e Constitucionalismo Contemporâneo”, ministrada pela professora Dra. Denise Bittencourt Friedrich, no programa de Pós-Graduação em Direito - Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul. Os seus moldes finais, especialmente no que diz respeito a filosofia da tecnologia, na corrente critica feenberguiana, deu-se pela iniciativa do outro coautor, Me. Lucas Reckziegel Weschenfelder, assim, formando-se o texto final com uma abordagem baseada em dois pontos teóricos que dialogam.
1 O bem da medicina é a saúde; o bem do estrategista é a vitória; o bem do arquiteto é uma casa.
2 Atente-se para o observar sociológico de Aron (1965, p. 19), de que: “as sociedades modernas são definidas primeira e principalmente por sua organização do trabalho, isto é, suas relações com o mundo externo, no seu uso das máquinas, a aplicação dos métodos científicos, e as consequências sociais e econômicas da racionalização da produção. [...] Mas não há dúvida alguma de que eles são afetados pelo desenvolvimento e de que apresentam certas semelhanças em todas as sociedades avançadas: por exemplo, a família extensa tenderá a se reduzir ao seu núcleo; o Estado agirá através de uma burocracia racionalmente organizada e comparativamente centralizada; a cultura dispensada a milhões através dos veículos que atingem a massa expulsará as culturas locais ou se imporá a elas.”
3 Não é isso que Aldous Huxley idealiza, em seu romance distópico, intitulada de “Admirável Mundo Novo” (ou George Orwell, em 1984)? Quais as semelhanças e diferenças do que se percebe na sociedade industrial global do pós-Segunda Guerra e início do século XXI?
4 Como aponta Neder (2010, p. 8) estas duas visões implicam um plexo denominado de “tecnologia-cadeado supostamente orientada para a neutralidade e filosoficamente determinada pelo monismo tecnológico, e autônomo, progressiva e dotada de códigos técnicos fechados. [...] Na teoria econômica da inovação chamam isto de fazer da tecnologia um processo lock-in. Para cada encadeamento no mercado por onde circula a tecnologia, uma parte é trancada por direitos de propriedade intelectual (patentes). Um circuito, uma combinatória, um desenho tornam-se (en)cadeados no mercado.”
5 Como Heidegger, o Marcuse posterior viu a tecnologia como algo além da técnica, além, até, do que a política; é a forma da própria experiência moderna, a maneira principal pela qual o mundo é revelado (FEENBERG, 2005).
6 À guisa de exemplo, simples, em veículos automotores que possuem motor a combustão e utilizam derivados de petróleo. Quais os projetos conhecidos que criaram alternativas para tal problema global e que, afinal, conseguiram manter determinado nível de durabilidade, eficiência e quebra de paradigma juntos? Apenas nos últimos anos tem-se a concretização sobre tal ponto (como resultou tal circunstância? Reivindicações sociopolíticas e alternativas no pensar sobre a tecnologia?), como os veículos Tesla, que são veículos de alto desempenho e elétricos (o problema, certamente, é complexo), porém, restritos à elite, tendo em vista o seu preço de mercado.
7 Pode-se levar em conta o movimento ambientalista/feminista/pacifista, da década, de 60 do século XX, como um dos primórdios de tal mecânica de movimentos, ambientando os setores nacional e internacion (que geraram projetos diversificados, convenções, tratados etc.).
8 Tradução livre: é inútil falar sobre o interesse da comunidade, sem compreender qual é o interesse do indivíduo.
9 Mill (1986), conclui que qualquer interferência na soberania individual, realizada por uma determinada autoridade (sociedade), é apreciada baseando-se em “presunções gerais”, o que pode acarretar inúmeras dissonâncias entre o extraído (pressuposto) geral, e a verdadeira vontade do caso individual circunstancial.
10 Mármol (2001, p. 164), revisitando a obra de Elster, bem delimita que, nessa perspectiva, “la función de las instituciones políticas es precisamente corregir los problemas de acción colectiva que no permiten a los mismos ciudadanos lograr autónomamente dicha maximización de sus intereses. Em este sentido, las decisiones normativas (creadoras de normas) tomadas por las intituciones políticas tendrán por objectivo dicha maximización de los intereses o preferências colectivas, que no son más que el resultado de agregar las preferencias individuales de cada um de los miembros de la comunidad; y dichas preferencias individuales son tomadas como algo dado, como un input que no podemos transformar.
11 Schumpeter (1961) advoga em favor dessa concepção porque considera que um dos fatores primordiais de acentuação da ignorância política é estudado e comprovado pela psicologia social, que está no fato do seu distanciamento (realidade) do uso da razão pelo povo em seu cotidiano. “Esse reduzido senso de realidade explica não apenas a existência de um reduzido senso de responsabilidade, mas também a ausência de uma vontade eficaz. O que se entende por vontade, portanto não estaria adequado com o percebido no psíquico da “ação responsável e intencional” do cidadão, afinal, o autor conclui, devido ao fato de que “a situação nacional não se encontra em seu campo de ação”, não se constituindo uma vontade passível de circunspecção direcionada politicamente para a implantação ao sistema. (E se conseguir fazer-se ao povo possuir esse “uso da razão” para a política? Participação e deliberação?).
12 Recordando-se da máxima que o poder significa a possibilidade (qualquer que seja o fundamento dessa possibilidade) de impor a própria vontade dentro de uma relação social. Para que tal imposição de vontade possa existir, há uma necessária submissão à autoridade firmada em tal relação. A justificação (de quando e como isso ocorre), só se pode compreender quando se conhece os motivos internos de justificação e os meios externos pelo qual a dominação se estrutura (LEAL, 2007).
13 Observa (MIGLINO; CRUZ, 2010, p. 6): ao distinguir claramente a esfera pública e a esfera privada, os pais da Democracia Liberal tentaram reconciliar a lógica unidimensional dos interesses com a tradição humanista de que toda pessoa se tem um sujeito: o cidadão dos tempos modernos era um ser duplo, mas preservava certa unidade interior em cada uma das facetas de sua vida. Com o abandono dessa dicotomia, a separação entre público e privado começa a desaparecer, banaliza-se, e esta banalização pulveriza a ideia de cidadão, que é outro fundamento da Democracia Liberal, como defende Guéhenno.
14 Pateman (1992): “Almond e Verba disseram que “de muitas maneiras [...] a convicção na própria competência é uma atitude política decisiva”. Este “senso de eficiência ou competência” pode ser considerado um requisito operacional - parte do efeito psicológico - a que se referem os teóricos da democracia participativa”.
15 Ressalta-se que não ocorre uma simplificação da problemática. Levam-se em importância as circunstâncias culturais de cada região, de um compartilhamento de estilo de vida, ora mais aberto, ora mais tradicional ou conservador e o condicionamento que este incute nos indivíduos.
16 Pode-se dizer que intersubjetividade é a formação do eu (individual) no reconhecer a si próprio e o outro (s).
17 Neder (2010, p. 13) bem lembra que “Habermas concebe a razão comunicativa e a ação comunicativa enquanto comunicação livre, racional e críticas nas esferas alternativas fora das teorias dos meios. A ação técnica tem características apropriadas a algumas esferas da vida e inadequadas a outras. Feenberg aponta uma ausência notável de elaboração das dimensões societárias e políticas da tecnologia na teoria dos meios de Habermas. Coloca em evidência o fato de que, em sua própria esfera [para Habermas], a tecnologia é neutra. Mas fora desta esfera causa as várias patologias sociais que são os principais problemas das sociedades modernas. Com isto Habermas oferece uma versão modesta e desmistificada da crítica da tecnologia”.
18 Podemos ver esta abertura e acessos com as tecnologias assistivas, no “senso de eficiência” da inclusão, a qual, sem dúvidas, tem como nos instrumentos tecnológicos uma cooperação.
19 Por exemplo, veja-se o início da computação moderna com Turing, e a sua finalidade de resolução de códigos “criptografados” da Alemanha nazista, durante a Segunda Guerra Mundial. Atualmente, educação, arte, literatura e socialização estão imbuídas no sistema de funcionalidades possíveis no uso dos objetos computadorizados.
20 Como observa Neder (2010, p. 17): “a instrumentalização do automóvel, por exemplo, ocorreu com base neste processo de sobredeterminação. Ele afeta outros objetos e sistemas técnicos complexos, originalmente nada vinculados à instrumentalização primário do objeto automóvel. Os valores que orientam estes outros sistemas foram esquecidos. Comprova isto o abandono de toda sofisticação para dotar os sistemas coletivos de transporte de massa nos últimos 50 anos de valores atrativos (usabilidade, acessibilidade, conforto, flexibilidade, viabilidade econômica, entre outros) nas cidades. O diálogo de Feenberg é orientado para os sujeitos sociais, autores de críticas projetivas, ou seja, as que buscam respostas às distopias do homem no caos do capitalismo moderno. A teoria crítica de Feenberg não se propõe projetiva, mas auxilia os críticos projetivos. Para isto deve ser questionada diante das exigências da realidade.”
21 “[...] os senhores dos sistemas técnicos são responsáveis pelas decisões que obscurecem, distorcem ou filtram, e mesmo regulam diretamente a aplicação das decisões tomadas sob o estado de direito da democracia política. Eles teriam prevalecido não houvesse resistência e, sobretudo, crítica projetiva em dois casos históricos. Um é a própria internet como sistema de comunicação universal e de código aberto - luta na qual Feenberg se engajou nos anos 1980 em diante para demonstrar seu papel na educação interativa. O outro caso foi o das resistências para tornar o tratamento de pacientes com HIV aberto como política pública.” (NEDER, 2010, p. 18)
22 É preciso, em nota explicativa, elucidar, ainda, que, sucintamente, a defesa de Feenberg (2010, p. 169) sobre projetos e políticas de educação online, para impedir o acontecimento de mal-entendidos. Primeiro: a educação online pode ser uma resposta a contextos sociais graves e de injustiças (a) problema do acesso à educação. Existem variados níveis de formação e de disciplinas, as quais devem ser postas em debate (b). Existem muitas formas de se realizar uma educação online (em setores “iniciais e “universitários”) (c). No caso aqui elucidado, comenta-se sobre acesso à educação online, técnica ou universitária (d). De modo resumido, a educação online pode ser uma benesse ou um verdadeiro inferno, não sendo diferente da “tradicional” educação por correspondência. O contato pessoal entre os alunos e os professores não pode deixar de existir - é lógico que há uma redução disso na educação online. Isso significa que o alvo a se articular é uma aproximação entre a educação universitária online e a educação “tradicional”, sem comprometer aspectos pedagógicos relevantes para a construção do conhecimento e do aprendizado. Por exemplo: a melhor solução de se manter níveis razoáveis de interação e socialização no ambiente de ensino online é determinar que o ensino online seja realizado por professores qualificados em aulas ao vivo, e não em “pacotes” de aulas individualizadas e gravadas - esta modalidade é vista com uma enorme abrangência no Brasil, não difere, em nenhuma particularidade, do ensino via correspondência. Os materiais pré-elaborados, digitais, acresceriam no ensino e nas aulas ao vivo, substituindo o conteúdo escrito da aula e dos livros, não o professor. “A interação com o professor continuará a ser pilar central da Educação, não importa qual seja o meio. E naturalmente, para a maioria dos povos, interação continuará a ocorrer no campus, se dispuserem de meios e mobilidade para estar presentes em uma faculdade.”
23 A grande crítica que se pode realizar no tocante a essa política pública, sem deixar de se levar em conta as dificuldades subjetivas e objetivas nas esferas estaduais e municipais, está em relação à “faculdade” dos entes federados em integrar o plano, sem uma obrigação vinculada presente ou temporalmente (art. 9º, §1º).
24 Não podemos furtar-nos de anotar uma homenagem a este pesquisador e a todos que o acompanharam e acompanham na sua vida. O pesquisador Cláudio Luciano Dusik possui atrofia muscular espinhal (AME), síndrome que reduz a sua capacidade motora/física. A sua pessoa é a personificação dos postulados defendidos pela Teoria Crítica da Tecnologia, em que a inclusão gera inclusão e transforma paradigmas no desenvolvimento tecnológico para a emancipação.

Autor notes

Editora responsável: Profa. Dra. Fayga Bedê. https://orcid.org/0000-0001-6444-2631


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