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REFLEXÕES SOBRE VÍCIOS DA PUBLICIDADE INSTITUCIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: DA PERSONALIZAÇÃO OBLÍQUA À ESCOLHA TENDENCIOSA DOS VEÍCULOS DE IRRADIAÇÃO
THINKING ABOUT STATE ANNOUNCEMENTS FAULTS: PUBLIC AGENT'S PROMOTION AND ABUSE OF DISCRETION ON CHOOSING COMMUNICATIONS MEDIUM
REFLEXIONES SOBRE LAS ADICCIONES EN LA PUBLICIDAD INSTITUCIONAL DE LA ADMINISTRACIÓN PÚBLICA: LA PERSONALIZACIÓN OBLICUA A LA ELECCIÓN TENDENCIOSA DE LOS VEHÍCULOS DE IRRADIACIÓN
Revista Opinião Jurídica, vol. 18, núm. 28, pp. 257-275, 2020
Centro Universitário Christus

Artigo Original


Recepção: 01 Abril 2020

Aprovação: 07 Maio 2020

DOI: https://doi.org/10.12662/2447-6641oj.v18i28.p257-275.2020

RESUMO: O artigo aborda a publicidade do Estado, os seus limites constitucionais e as características que o material publicitário deve reunir para não se transformar em personalização oblíqua do administrador público e consequente ato de improbidade administrativa. Esta pesquisa busca parâmetros da legislação espanhola sobre a publicidade estatal, cujas premissas se revelam compatíveis com o regime jurídico brasileiro. Aponta-se, neste estudo, a obrigatória obediência a critérios técnicos para eleição dos veículos de comunicação contratados para irradiar as campanhas públicas, que deve ignorar qualquer valoração política ou ideológica, com apoio em precedentes da Suprema Corte Espanhola, evitando-se desvio de poder e correspondente responsabilização.

Palavras-chave: Publicidade do Estado, Personalização oblíqua do administrador público, Critérios técnicos para eleição dos veículos de comunicação, Desvio de poder, Ato de improbidade administrativa.

ABSTRACT: The article addresses the State’s advertising, its constitutional limits and characteristics that the advertising material must gather in order not to become an oblique personalization of the officer, and consequent act of administrative misconduct. The research seeks parameters of Spanish legislation on state advertising, whose premises are compatible with Brazilian law. The mandatory obedience to technical criteria is pointed out for the election of the communication vehicles contracted to broadcast public campaigns, which must ignore any political or ideological valuation, supported by precedents of the Spanish Supreme Court, avoiding misuse of power and corresponding accountability.

Keywords: State’s advertising, Oblique personalization of the officer, Technical criteria is pointed out for the election of the communication vehicles contracted, Misuse of power, Act of administrative misconduct.

RESUMEN: El artículo aborda la publicidad del Estado, sus límites constitucionales y las características que debe cumplir el material publicitario para no convertirse en una personalización oblicua del administrador público y el consiguiente acto de improbabilidad administrativa. Esta investigación busca parámetros de la legislación española sobre publicidad estatal, cuyas premisas demuestran ser compatibles con el régimen legal brasileño. Se señala, en este estudio, la obediencia obligatoria a los criterios técnicos para la elección de los medios de comunicación contratados para difundir campañas públicas, que deben ignorar cualquier valoración política o ideológica, respaldada por los precedentes de la Corte Suprema española, evitando el abuso del poder y la responsabilidad correspondiente.

Palabras clave: Publicidad Estatal, Personalización oblicua del administrador público, Criterios técnicos para la elección de los medios de comunicación, Abuso de poder, Acto de improbidad administrativa.

1 INTRODUÇÃO

A publicidade estatal é tema recorrente de debate público, pois os custos com essa espécie de atividade consomem parte expressiva do orçamento estatal. A afirmação pode ser confirmada pelos dados mais recentes do Estado do Paraná, os quais informam que, entre janeiro e agosto de 2019, foram investidos R$ 22.617.420,29 na chamada publicidade institucional (RIBEIRO, 2019), espectro do qual é alheia a publicidade oficial, que congrega as tradicionais publicações dos atos e dos procedimentos administrativos na imprensa oficial e na internet.

O assunto é disciplinado pela Constituição da República a qual, em seu art. 37, § 1o, estabelece que “a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.” (BRASIL, 1988, online). A norma veda que agentes públicos utilizem recursos do erário para o patrocínio de campanhas destinadas à promoção pessoal, o que se convencionou chamar de personalização oblíqua da administração pública.

A prática do ilícito, como facilmente se percebe, não é algo instantâneo, mas um processo sofisticado que passa pela concepção e pelo desenvolvimento do conteúdo do material publicitário, sua produção, até sua divulgação, quando verdadeiramente se consuma a publicidade promocional do agente público.

A extensão dessa cadeia leva a compreender que os benefícios da publicidade promocional ilícita não são experimentados apenas pelo servidor do estado. Pelo contrário, também dela se beneficiam, sob o viés econômico, o publicitário que desenvolve o conteúdo da campanha, o produtor do material e o veículo de comunicação.

No último elo da cadeia, surge um novo problema relacionado à publicidade estatal, pois há casos em que o conteúdo da campanha é compatível com o padrão constitucional; a ilicitude, todavia, pode residir na escolha do veículo de comunicação, por se descortinar uma oportunidade para se concentrar a divulgação em canais alinhados ao gestor público, e consequentemente se diminuir ou eliminar o volume de publicações em outras empresas de comunicação que adotem linha crítica. O caso será sintomático de desvio de finalidade, tendo em vista que tal manipulação não terá outro propósito senão o de satisfação de interesses alheios ao da coletividade.

Numa ou noutra forma, as condutas antijurídicas recebem as tarjas de improbidade administrativa, apenas com categorizações distintas.

Diante dos preceitos abordados, os objetivos deste artigo são:

  • apresentar o modelo constitucional de publicidade estatal, a sua classificação, bem como as maneiras em que é ela desvirtuada;

  • abordar a sistemática de escolha dos veículos de divulgação das campanhas patrocinadas pelo poder público.

O método utilizado é o dedutivo, partindo de conceituações gerais para a análise de exemplos concretos, especialmente pela apreciação da doutrina brasileira e de decisões do Superior Tribunal de Justiça do Brasil. Na parte final, este estudo traz alguns aportes da experiência espanhola nessa temática, designadamente a evolução legislativa e as decisões do Tribunal Constitucional da Espanha acerca da escolha dos veículos de comunicação para a irradiação de campanhas publicitárias estatais.

2 CONFORMAÇÃO CONSTITUCIONAL DA PUBLICIDADE ESTATAL

A publicidade dos atos da administração pública, para que tenha a necessária legitimidade, deve ser voltada ao interesse estritamente público. É digno de nota, porque, nesse âmbito de análise, reside o aspecto a caracterizar possível improbidade administrativa de que campanhas as quais se prestem apenas a exaltar o administrador desvirtuam o princípio da publicidade dos atos da administração pública, consagrado no art. 37, caput, da Constituição Federal. Com efeito, o postulado constitucional exige que os atos praticados pela administração pública sejam levados ao conhecimento dos administrados para realçar a transparência que deve inspirar o Estado Democrático de Direito.

A Carta Republicana, no parágrafo 1o do próprio art. 37, traça as diretrizes para a efetividade do princípio da publicidade. O constituinte preconizou que os atos, os programas, as obras, os serviços e as campanhas devem ser divulgados, com caráter estritamente educativo, informativo ou de orientação social. Além disso, expressamente vedou a menção a nomes, a símbolos ou a imagens, com o propósito de se evitar a promoção pessoal à custa dos cofres públicos. Então, proíbe-se a denominada “personalização oblíqua”, que se revela por intermédio da utilização de símbolos, frases e expressões que identificam, prestigiam e promovem determinado administrador público em seu próprio e indevido proveito, como explica Martins Junior (1994, p. 86).

Dito de outro modo, programas, obras e serviços só podem ser objeto de campanhas publicitárias se o interesse público reclamar educação, orientação ou informação. Ademais, nenhum ato ou serviço deve ser vinculado a este ou àquele agente público. Trata-se, na realidade, da conjugação dos princípios da publicidade e da impessoalidade, pois quem pratica o ato ou executa o serviço ou, ainda, determina a construção de alguma obra é o Estado, e não a pessoa do administrador público. Este, em última análise, age respaldado pelo dever-poder o qual foi investido pelo povo. Sendo assim, “se a Administração Pública é impessoal, sua publicidade também o deve ser.” (BERTONCINI, 2002, p. 113).

Entende-se, então, que a conduta dessa espécie é suscetível de enquadramento no art. 9°, inciso XII, da Lei de Improbidade Administrativa, pois se está diante de utilização, em proveito do agente público (autopromoção), de verbas públicas.

Outro aspecto a ser destacado é que a publicidade de atos deve ser garantida por meio dos órgãos oficiais de imprensa (diários oficiais), assim como em portais da transparência. Assim, a priori, não haveria razão plausível para a contratação de empresa de publicidade e subsequentemente de veículos de comunicação, pois a divulgação dos atos oficiais deve ser garantida por intermédio desses meios, sendo supérfluo reiterar a publicação dos mesmos atos por mais um canal da imprensa.

Naquilo que se refere a obras e a serviços, a interpretação que se agrega ao dispositivo gera norma constitucional de duplo enfoque.

Primeiro, não basta a divulgação pela divulgação, pois a campanha reclama caráter educativo, informativo ou de orientação social. Por exemplo, seria lícita a campanha publicitária que divulgasse a conclusão de determinada obra viária, para que a população a utilizasse, e, assim, se melhorasse o fluxo do tráfego. No entanto, o que se tem visto é uma simples propaganda, como as famosas campanhas sobre “recapagem” de ruas, que servem apenas como peças de marketing político-eleitoral do administrador de plantão.

Segundo, é necessária a desvinculação da pessoa do mandatário. São ilícitas referências ao aspecto temporal (“a atual gestão”, por exemplo), além de outros recursos puramente mercadológicos, como os slogans, as figuras decorativas e os próprios nomes e a imagem do administrador. Para essa ilustração, podem se mencionar alguns exemplos em que o Judiciário declarou a existência de publicidade promocional.

A 2a Turma do Superior Tribunal de Justiça identificou esse tipo de ilícito na conduta de prefeito que, em informativo custeado pelo Município, fez inserir suas imagens e manifestações pessoais (BRASIL, 2012).

A 1a Turma do mesmo Tribunal considerou como ato de improbidade administrativa a publicação,

Mesmo se tratando de material não custeado pelo erário.

de congratulações, comemorações da sociedade pelo sucesso alcançado pela Secretaria de Desenvolvimento Regional, não havendo de forma alguma caráter educativo, de informação ou orientação social que justifique a enorme quantidade de fotografias com destaque para o ex-secretário, nitidamente em afronta ao princípio constitucional da impessoalidade (BRASIL, 2018, online).

Por vezes, a promoção do agente será sutil, pois estará camuflada em uma casca de transparência ativa, que serve apenas para encobrir o que está na essência, que outra coisa não é que o uso de competências públicas para a satisfação de interesses privados. Como exemplo, podem ser mencionadas campanhas que divulgam a quantidade de postos de trabalho criados em certo hiato temporal, coincidente com o início de uma gestão. Qual a utilidade de campanha publicitária dessa espécie, a não ser a exaltação do governante em exercício? Afirmar-se-á que se cuida de prestação de contas à população, o que não passa de sofisma, já que o caráter informativo é só aparente.

O mesmo problema pode ser identificado em reportagens ou entrevistas, quiçá em editoriais ou em artigos escritos por agente público, em que a aparente legalidade está apenas na superfície. O propósito é de se enaltecerem qualidades que deveriam ser atributos inerentes a qualquer cidadão que desempenhe uma função pública, portanto insuscetível de se enquadrar como educativo, informativo ou socialmente orientador.

Aqui se pode recorrer ao que, no Direito Consumerista, designou-se de publicidade clandestina, caracterizada pela utilização de estratagemas para se dissimular publicidade atrás de um biombo, tal qual reportagem ou mensagem de apoio. O vício é identificado na obra de Martins-Costa (1993, p. 82), quando expõe que

há evidente analogia entre as hipóteses de publicidade clandestina, na esfera do direito privado, e de publicidade ou propaganda ilícita, no campo do direito público. No direito administrativo-constitucional é vedada expressamente a publicidade com caráter de promoção pessoal de agentes públicos, a qual é, muitas vezes, levada a efeito através de “mensagens de apoio” feitas na imprensa a determinado governante ou partido político, ou, ainda, através de “mensagens de congratulações”, publicadas na imprensa (e pagas com o dinheiro público) apenas para saudar eventos ou atos de autoridades. Aí, ausente o caráter “educativo, informativo ou de orientação”, tido pela Constituição Federal como pressupostos de licitude destas peças (art. 37, § 1°), e inserido o nome, a imagem, ou o símbolo da autoridade pública que o patrocinou, também se verificam os traços caracterizadores da clandestinidade. Nestes casos, travestida em homenagem ou na eufemística “prestação de contas à comunidade”, está, clandestina, a promoção pessoal de autoridade ou servidor público, a qual o leitor atento acaba por perceber. A prática ilegal, conquanto lamentavelmente não infrequente, tem vedação que decorre diretamente da incidência de norma constitucional.

A despeito da clareza da regra da Constituição, a jurisprudência, por vezes, hesita em sancionar o desvio de finalidade para conferir elasticidade demasiada às fronteiras do ilícito.

Exemplifica-se a afirmação com decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, proferida no inquérito 85/BA, cuja ementa assinalou que, na avaliação do conteúdo da matéria publicitária, deve-se verificar se a ênfase está posta na obra, no serviço ou na pessoa que realizou. O argumento pela preponderância, com o devido respeito, é insustentável porque a existência paralela da imputação de autoria de obra ou serviço a agente público já é suficiente para macular a peça publicitária. Além disso, é óbvio que a pessoa do agente público não realiza nada mais do que o exercício de competências: a obra ou o serviço são de autoria do Estado.

A 2a Turma, também do Superior Tribunal de Justiça, entendeu não existir publicidade promocional na confecção de 2.000 CD-ROMs, que continham arquivos relacionando os principais programas do primeiro ano de mandato do então governador do Distrito Federal, porque o alcance desse tipo de mídia era diminuto na década de 1990, e poucos foram os exemplares distribuídos (RE 1.350.232-DF). Sem embargo da autoridade da Corte, o argumento não parece ter densidade: o potencial de difusão deve repercutir na mensuração de sanção, mas não se presta a desfigurar o ilícito.

Aqui se defende leitura estrita da regra Constitucional, porque não se concebe que o Estado brasileiro, que tanto se ressente de recursos para a implementação de políticas públicas para dar efetividade aos direitos fundamentais dos cidadãos, se dê ao luxo de alocar dinheiro em gastos voluptuários, que, como dano colateral, ainda desequilibram o processo democrático. O administrador que assim age não apenas utiliza verba pública em proveito particular, mas também cria vantagens sobre seus adversários na arena eleitoral.

Porém, não se olvida do escólio de Osório (2007, p. 350), que adverte para a inexistência de uma forma, a priori, capaz de servir como gabarito das campanhas estatais de publicidade. Para o jurista:

Cabe dizer, desde logo, que não há critérios apriorísticos absolutos na definição dos espaços legítimos de promoção pessoal de servidores públicos. Sabe-se que não se admite que as administrações públicas editem, com dinheiro público, publicações de qualquer natureza, procurando promoções pessoais, em desacordo com os comandos legais pertinentes. Contudo, há que avaliar, nestes casos, o montante dos recursos públicos empregados e a economia para o beneficiário. Ademais, deve-se analisar o grau de censurabilidade sobre o comportamento, a partir de circunstâncias concretas. v.g., um determinado momento eleitoral, a inutilidade do aparecimento do gestor no contexto da matéria publicada, a evidente intencionalidade de autopromoção, a reiteração do comportamento proibido, entre outros. Pode-se afirmar, com tranquilidade, que caracteriza improbidade administrativa a conduta funcional que busca a promoção pessoal do agente público, com graves danos ao erário e flagrante violação a comandos legais e constitucionais pertinentes. No entanto, a concretização dessa assertiva requer muitos matizes importantes. Tais matizes são os que resultam das especificidades da teoria do ato ímprobo, como sustentamos (OSÓRIO, 2007, p. 350).

No tópico seguinte, apresentar-se-ão algumas espécies de campanhas publicitárias que se consideram lícitas e adequadas ao desenho constitucional por não se confundirem com a promoção pessoa do governante, para além de justificáveis enquanto despesas públicas.

3 ESPÉCIES DE PUBLICIDADE ESTATAL LÍCITAS - A EXPERIÊNCIA ESPANHOLA COMO PARADIGMA PARA O BRASIL

A Lei brasileira n° 12.232/2010 (BRASIL, 2010), que dispõe sobre as normas gerais para licitação e contratação pela administração pública de ser viços de publicidade prestados por intermédio de agências de propaganda, trata timidamente dos tipos de publicidade admitidas, abordando-os em apenas dois dispositivos, que sugerem dimensões negativa e positiva.

Diz-se negativa a dimensão prevista no § 2° do art. 2°, porque exclui do conceito de publicidade as atividades de assessoria de imprensa, comunicação e relações públicas e as que têm por finalidade a realização de eventos festivos de qualquer natureza, determinando que tais serviços sejam contratados por meio de procedimentos licitatórios próprios.

A vertente positiva é extraída do caput do mesmo art. 2°, o qual considera como serviços de publicidade o conjunto de atividades realizadas integradamente que tenham por objetivo o estudo, o planejamento, a conceituação, a concepção, a criação, a execução interna, a intermediação, bem como a supervisão da execução externa e a distribuição de publicidade aos veículos e aos demais meios de divulgação, com o objetivo de promover a venda de bens ou serviços de qualquer natureza, difundir ideias ou informar o público em geral.

O dispositivo cataloga vários atos concatenados que integram o conjunto: estudo, planejamento, conceituação, concepção, criação, execução interna, intermediação e supervisão da execução externa e distribuição de publicidade aos veículos e aos demais meios de divulgação. Esses meios são atrelados a fins, quais sejam, a promoção da venda de bens ou serviços de qualquer natureza, a difusão de ideias e a informação do público em geral. Tais finalidades, contudo, devem ser compreendidas dentro do contexto da administração pública, exigindo que sejam submetidas à interpretação conforme a Constituição. Como explica Binenbojm (2008, online), “não há espaço decisório da administração que seja externo ao direito, nem tampouco nenhuma margem decisória totalmente imune à incidência dos princípios constitucionais.”

A interpretação, segundo a Constituição, é especialmente reivindicada porque difusão de ideias e informação ao público em geral, assim como interesse público são termos indeterminados para expressar o conceito de publicidade institucional da administração1. No entanto, a polissemia desse tipo de previsão normativa não significa a outorga de poder absoluto ao administrador, sendo certo que sua limitação reside no texto constitucional. Ademais, a in-determinação dos termos do conceito não impede que se identifique se determinado suporte fático certamente nele se enquadra, ou certamente dele se exclui, quedando a imprecisão apenas em casos de penumbra, que se apresenta na zona cinzenta entre o “campos de certeza positiva” e o “campo de certeza negativa”, nos quais o agir do administrador é timbrado pela discricionariedade (MELLO, 2017, p. 105).

Os filtros constitucionais são, marcadamente, os princípios da administração pública, destacados no caput do art. 37, assim como no art. 173, que trata da intervenção do Estado no domínio econômico, que se apresenta de duas formas, consoante a lição de Grau (2008, p. 100): “intervenção (atuação estatal no campo da atividade econômica em sentido estrito) e atuação estatal (ação do Estado no campo da atividade econômica em sentido amplo)”.2Essa distinção repercute no tipo de publicidade levada a efeito pelo Estado: a publicidade mercadológica e a informativa.

No que se refere à venda de bens e serviços, a previsão de publicidade parece estar vocacionada aos espaços que o Estado ocupa no âmbito concorrencial, ou seja, quando atua como empresário, nos casos de imperativo de segurança nacional e relevante interesse coletivo (art. 173 da Constituição da República).

Por outro lado, não se vê sentido na publicidade mercadológica de outra espécie de serviços, como os serviços públicos stricto sensu e os demais serviços governamentais (como aqueles vinculados ao exercício do poder de polícia), já que a relação jurídica desenvolvida não tem a venda como uma de suas prestações. O Estado não tem motivo para fazer propaganda, por exemplo, de atividades fiscalizatórias, já que, nesse âmbito, não está ele a disputar espaço no mercado com outros agentes econômicos. Eventualmente cogitar-se-á de publicidade de serviços públicos, mas com outro enfoque, centrado na informação do público em geral.

Os outros permissivos contidos na lei são a difusão de ideias e de informação ao público em geral, dissociados do enfoque comercial cristalizado na oferta de venda de bens e serviços. A publicidade comercial, designada para o Estado empresário, é exatamente a mesma que a realizada pelos demais agentes econômicos. Por outro lado, a publicidade institucional, apropriada para os demais serviços governamentais, dela se difere não pelos meios (criação, produção e divulgação), mas sim pelo fim, que é o interesse público, já que a difusão de ideias e a informação ao público não podem atender a interesses privados.

O interesse público como linha divisória entre a publicidade comercial e a publicidade institucional é apontado por Garcia Llorente (2015, online):

Frente a la publicidad comercial, el interés general sería el fin último de la publicidade institucional (Bermejo, 2009). Esta sería la principal nota que caracterizaria dicha especificidade, ya que por procedimentos, rutinas profesionales o médios y soportes utilizados no parece que existan diferencias entre uma y outra práctica publicitaria.

Garcia Llorente (2015) menciona, no mesmo estudo, a solução trazida pela lei espanhola que rege a publicidade da Administração geral do Estado, ente equivalente à União Federal, no Estado brasileiro. O recurso à experiência ibérica se mostra oportuno, visto que lá o tema também ocupou a centralidade no debate político, fruto de quadro semelhante ao brasileiro, em que não são rarefeitas as hipóteses em que gestores desvirtuam a publicidade institucional, transformando-a em genuíno marketing político. Segundo o autor, nas eleições gerais de 2004, o então oposicionista Partido Socialista Obrero Español - PSOE propôs o estabelecimento de marcos regulatórios da publicidade do ente central da nação, para se assegurar a neutralidade dos poderes públicos. O PSOE teceu severas críticas à administração do Partido Popular - PP, em razão da “polémica utilizacióin de las campañas de publicidad institucional por parte del Partido Popular para poner em valor su acción de gobierno durante sus mandatos.” (GARCIA LLORENTE, 2015, online).

Vencidas as eleições, o PSOE executou a promessa de campanha, resultando a ação política na edição da Lei 29/2005, que definiu a publicidade institucional como a atividade comunicativa ordenada e orientada para a difusão de mensagem comum, empregada pela administração para dar conhecimento aos cidadãos sobre os serviços que presta e as atividades que desenvolve. O diploma, saliente-se, é de aplicação restrita à Administração Geral, pois as comunidades independentes possuem competência legislativa própria para disciplina do tema no plano regional. De acordo com Aguado-Guadalupe (2018), fizeram uso dessa competência as regiões de Andalucía, Aragón, Principado de Asturias, Canarias, Castilla y León, Cataluña, Comunidad Valenciana, Galicia y Extremadura.

A partir do novo marco regulatório, foram criados atos de hierarquia inferior para lhe conferir executoriedade, valendo registrar o guia prático de publicidade institucional editado pela Secretaría de Estado de Comunicación, de 2009. O ato regulamentar foi sintetizado no ensaio de Garcia Llorente (2015), apresentando-se o seguinte rol de ações congruentes com a publicidade institucional do Estado:

  • campanhas de informação de interesse e utilidade pública;

  • campanhas para propiciar mudança social de hábitos ou de atitude na cidadania;

  • campanhas de apoio a setores econômicos espanhóis no exterior, promovendo a comercialização de produtos espanhóis e a atração de investimentos estrangeiros;

  • campanhas para obter um fim comercial de serviços e produtos públicos.

Os parâmetros da legislação espanhola são deveras interessantes pela limitação que impõem aos poderes discricionários, sendo oportuno cotejá-los com a realidade brasileira. Dos quatro critérios acima expostos, apenas o último não interessa neste momento, pois se trata de matriz coincidente com a venda de bens e serviços produzidos pelo Estado empresário, a respeito do que já se comentou no decorrer deste artigo. Os demais, porém, são merecedores de atenção.

As campanhas de utilidade pública são úteis e necessárias. Para ilustração, recorda-se de campanhas de vacinação, anúncio do período de matrículas na rede pública de ensino, mudanças na ordenação viária, cadastramento eleitoral, programas de recuperação fiscal, ações de combate a endemias, entre tantas possíveis outras mensagens que facilitem o acesso do cidadão aos serviços governamentais.

Nesse sentido, igual importância têm as campanhas publicitárias que incentivam a mudança social de hábitos ou de atitude na cidadania. São emblemáticos, nessa categoria, conteúdos de conscientização contra o consumo de drogas, contra a violência contra a mulher, contra discriminação de minorias raciais, étnicas ou sexuais, além do incentivo a ações voltadas à preservação do ambiente.

A última hipótese prevista pela legislação da Espanha é a divulgação do país e dos seus produtos no exterior, para estímulo do comércio com outras nações. No caso brasileiro, esse permissivo também poderia abranger campanhas dentro do próprio país, como as de divulgação de atrações turísticas.

Percebe-se que tais modelos são subsídios relevantes e que podem ser emprestados no Direito local, ainda que como vetores interpretativos. Insiste-se que difusão de ideias e de informação ao público em geral, que são voltadas à satisfação do interesse público, encerram termos abertos cujo fechamento requer a leitura do texto constitucional, em especial, dos princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade e da eficiência, mas também das condições sociais, políticas e econômicas.

Nesse sentido, compreende-se que existe condicionamento recíproco entre o Direito e a realidade, conforme se extrai da feliz síntese de Hesse (1991, p. 22):

Finalmente, a interpretação tem significado decisivo para a consolidação e preservação da força normativa da Constituição. A interpretação constitucional está submetida ao princípio da ótima concretização da norma (Gobet optimaler Verwirklichung der Norm). Evidentemente, esse princípio não pode ser aplicado com base nos meios fornecidos pela subsunção lógica e pela construção conceitual. Se o direito e, sobretudo, a Constituição, têm a sua eficácia condicionada pelos fatos concretos da vida, não se afigura possível que a interpretação faça deles tábula rasa. Ela há de contemplar essas condicionantes, correlacionando-as com as proposições normativas da Constituição. A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação.

A disciplina espanhola serve como ferramenta para estabelecimento de conexão entre a realidade, a publicidade e o caráter informativo ordenado pela Carta Magna brasileira, porquanto as hipóteses arroladas pelo legislador ibérico não fogem de temáticas que convergem para a zona de certeza positiva do interesse público.

A mesma normativa, essencialmente o guia prático de publicidade da Secretaría de Comunicación da administração geral do Estado espanhol, afasta ações que declaram ser incompatíveis com a publicidade institucional. São casos de zona de certeza negativa, porque inequivocamente encerram marketing inadmissível no contexto do estado democrático de direito, que, por tal razão, também funcionam como paradigmas para o Brasil. São elas:

  • campanhas destinadas a exaltar as atividades realizadas pelo governo ou pela administração geral do Estado;

  • campanhas que promovem mudança de atitude da cidadania com fins partidários ou políticos;

  • campanhas que incluam mensagens discriminatórias, sexistas ou contrárias aos princípios constitucionais ou que incitem a violência;

  • campanhas que não sejam imprescindíveis para proteger o interesse público ou o correto funcionamento dos serviços públicos, uma vez aberto o processo eleitoral.

Diante disso, desperta a atenção a primeira das exclusões, tendo em vista estar alinhada àquilo que se defendeu desde o princípio deste estudo. A proclamação de elogios ao próprio trabalho da administração é medida que se distancia dos ideais republicanos: trata-se simplesmente da utilização de recursos para a satisfação de interesse pessoal do administrador, no culto ao narcisismo político e à promoção eleitoreira à custa do erário.

Alguns exemplos recorrentes são enquadráveis na vedação espanhola, que são plenamente congruentes com o regime constitucional brasileiro. São eles os anúncios sobre a expansão da atividade econômica em determinado governo; a propaganda sobre aprovação de leis, sem a explicitação de seu conteúdo; a divulgação do aumento de oferta de empregos, entre outros. Essas hipóteses, não infrequentes, não têm os rótulos da informação, da comunicação e da orientação, tampouco da difusão de ideias e informação ao público. Essa espécie de campanha não é institucional do Estado, mas sim pessoal do agente público.

4 ESCOLHA OBJETIVA DOS VEÍCULOS DE DIVULGAÇÃO

Os tópicos antecedentes se dedicaram a apreciar o vício mais comum na publicidade estatal, que é sua transmutação em propaganda do agente público (normalmente agente político).

Entretanto, há outro tipo de defeito que não chega a ser incomum. Fala-se aqui da distribuição desigual e injustificada, entre os veículos de comunicação, do material publicitário a ser divulgado, cujo conteúdo não necessariamente estará contaminado.

Exemplificando, pode-se imaginar uma campanha de divulgação do calendário de vacinação infantil, cuja escolha dos veículos de divulgação privilegie aqueles alinhados politicamente ao gestor e automaticamente prejudique outros de postura crítica.

Nesse sentido, o comportamento desse jaez é incompatível com a solução apresentada pela Lei 12.232/2010. O § 2° do art. 18 estabelece que

as agências de propaganda não poderão, em nenhum caso, sobrepor os planos de incentivo aos interesses dos contratantes, preterindo veículos de divulgação que não os concedam ou priorizando os que os ofereçam, devendo sempre conduzir-se na orientação da escolha desses veículos de acordo com pesquisas e dados técnicos comprovados (BRASIL, 2010, online).

Malgrado o dispositivo esteja a tratar dos planos de incentivo (descontos concedidos pelos anunciantes), sua interpretação produz como norma a vedação à discriminação do veículo de comunicação. A eleição desta ou daquela plataforma (televisão, rádio, internet, outdoors) e do veículo respectivo (esta ou aquela rede de rádio, televisão, site) deve estar pautada na adequação entre o tipo de campanha, o público-alvo e a mídia correspondente.

A sistemática dessa espécie de contratação reclama especial cuidado, em razão da complexidade do processo de escolha, que envolve pelo menos três personagens: o Estado (anunciante), a agência e o órgão de imprensa. Há uma espécie de delegação de competência supervisionada pelo Estado, pois invariavelmente haverá a intermediação de pessoa alheia

Reflexões sobre vícios da publicidade institucional da administração pública: da personalização oblíqua à escolha tendenciosa dos veículos de irradiação aos quadros públicos (a agência) na decisão sobre quem será contratado.

Então, é necessário frisar que a escolha deve ser antecedida do estudo técnico, que prospecte a maior capacidade de difusão da ideia, viabilizando a maior captação possível por parte da população que deve recebê-la. A rigor, tais itens devem fazer parte do plano de comunicação publicitária integrante da proposta apresentada na licitação antecedente ao contrato (art. 6°, inc. III, e art. 7° da Lei 12.232/2010). O mecanismo é imprescindível para se obstaculizar a distribuição das verbas publicitárias ao livre talante da agência de publicidade contratada para que esta seja pressionada ou induzida pela administração contratante para concentrar as campanhas neste ou naquele veículo ou para excluir os desafetos.

A eventual manipulação da sistemática, voltada à alocação massiva de material publicitário em veículos simpatizantes do gestor ou à exclusão deliberada daqueles independentes ou francamente críticos à administração em exercício, teria como característica imediata a satisfação de interesses privados (do administrador e da mídia a ele aliada), em franca transgressão ao princípio da impessoalidade da administração pública. Com efeito, “ninguém pode ser dispensado de encargo ou receber vantagens em virtude de haver conquistado a simpatia ou ser destinatário da antipatia do agente estatal.” (JUSTEN FILHO, 2015, p. 202).

É inegável que essa prática cria privilégios e discriminações injustificadas, sobretudo em termos financeiros, pois a publicação das campanhas é onerosa e muito bem remunerada pelo erário. Assim, é defeso ao administrador público utilizar a autoridade de seu cargo para direcionar os anúncios com desprezo ao estudo técnico que deveria nortear o procedimento.

Assim, é necessário relembrar que competências dos agentes públicos são atreladas a finalidades públicas, jamais particulares. É o que explica Garcia de Enterría (1962, p. 168), em estudo clássico sobre o controle da discricionariedade administrativa:

las autoridades administrativas pueden contar y contam, con toda normalidad, con poderes discricionales, pero no para el cumplimiento de cualquier finalidad, sino precisamente de la finalidad considerada por la Ley, y en todo caso de la finalidad pública, de la utilidad o interés general.

Aqui também se mostra oportuna a advertência de Cirne Lima (1954, p. 21) ao frisar que a característica da atividade administrativa é “estar vinculada a um fim alheio à pessoa e aos interesses particulares do agente ou do órgão que a exercita.” Daí ,então, a conclusão de se tratar de desvio de poder, “quando o agente se serve de um ato para satisfazer finalidade alheia à natureza do ato utilizado.” (MELLO, 2017, p. 414).

A escolha arbitrária de veículos de comunicação, subjugando-se critérios técnicos, afronta também o princípio republicano, expresso no art. 1° da Constituição Federal, na medida em que o Estado é “um espaço público, distinto do privado, no qual são identificados e caracterizados certos interesses, também qualificados como públicos, porque transcendem os interesses individuais.” (MOREIRA NETO, 2014, p. 82).

Em suma, é perceptível a incompatibilidade entre o motivo (informar a população) e a finalidade (beneficiar veículos simpáticos ao governante) do ato de escolha da empresa de comunicação, grave vício capaz de configurar ato de improbidade administrativa, causador de prejuízo ao erário pelo enriquecimento ilícito de terceiro (art. 10, incisos I e II, da Lei Federal n° 8.429/92) (BRASIL, 1992). A improbidade, aqui, não se limita à violação de princípios decorrentes do uso corrompido da regra de competência (art. 11, inciso I, da LIA): o ato administrativo defeituoso propicia desequilíbrio na concorrência comercial entre os veículos de comunicação, retira a eficácia da contratação pública, sendo, nesses caracteres, detectável a vantagem indevida auferida pelo apaniguado do administrador, e o respectivo desfalque do orçamento público.

5 OBJETIVIDADE E ISONOMIA NA SELEÇÃO DO ÓRGÃO DE IMPRENSA - PRECEDENTES DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DA ESPANHA

A experiência espanhola, outrora invocada no plano legislativo, vem novamente a calhar quando se analisa a distribuição das campanhas publicitárias estatais entre os veículos de comunicação.

Na doutrina, assinala Aguado-Guadalupe (2018) que as relações entre imprensa e Estado se desenvolvem a partir de uma atuação estatal reguladora e protetora. A referida autora enfatiza que a publicidade institucional do Estado tem peculiaridades que levam a função reguladora a duas dimensões:

En el caso de la publicidad institucional el papel del Estado es el de regulador en dos sentidos: a) para garantizar el derecho de los ciudadanos a recibri la información de interés general que emane de los poderes públicos. b) para garantizar el derecho de los medios de comunicación a optar a la contratación y difusión de essa información pública (AGUADO-GUADALUPE, 2018, p. 994) .

Diante dessa análise, é o segundo sentido que mais importa aqui, na medida em que se busca a complementação da abordagem desenvolvida no tópico anterior com as vicissitudes ibéricas, as quais, diga-se, são equivalentes às brasileiras nessa seara. Afirma-se isso porque, tanto lá quanto cá, (a) o Estado figura como um dos maiores anunciantes publicitários, com significativa participação nessa fatia do mercado, e (b) a propaganda estatal deve estar atrelada a finalidades estritamente públicas.

A já referida lei espanhola de publicidade e comunicação institucional (Lei 29/2005) estabeleceu que as campanhas da Administração Geral do Estado estão subordinadas aos princípios da publicidade e da concorrência, cabendo-lhes observar critérios objetivos, como o custo econômico e a eficácia de comunicação dos meios. Verifica-se, então, que a equação valora o preço e o potencial de difusão da informação, mas não é um de seus componentes a linha editorial do veículo.

A questão é posta em destaque por Pérez Gómez (2002, p. 314 apud AGUARDO-GUADALUPE, 2018, p. 997), quando exalta o risco de a distribuição de verbas publicitárias ser usada como instrumento de coação do governo ao empresário, de forma a “comprar-lhe” o apreço. Veja-se:

La publicidad institucional, que en muchos casos resulta decisiva para la supervivencia de un medio de comunicación, puede ser empleada como un instrumento en manos de los propietarios de los medios e inducirles a modificar la línea editorial con la amenaza implícita pero real, de resultar perjudicados en el reparto de la publicidad institucional o incluso excluidos de dicho reparto.

O ensaio de Aguardo-Guadalupe (2018) noticia que o Tribunal Constitucional da Espanha apreciou controvérsias entre veículos de comunicação e entes públicos, cuja essência era a preterição dos primeiros na veiculação de materiais publicitários dos segundos.

Na Sentença n° 160/2014, o Tribunal Constitucional assentou que o preço da publicação deve ser comparado com o potencial de alcance do órgão:

no resulta razonable calificar un precio como superior sin efectuar una medición económica ligada a la audiencia y repercusión social o al índice de impacto del medio. Que un precio sea superior en términos de gasto por cuña no significa que lo sea en términos de proporcionalidad del gasto, como tampoco implica que sea abusivo, cuando no existe una unificación de los costes (ESPANHA, 2014a, p. 58).

Outro julgamento mencionado, cujos fundamentos são de pertinente alusão, foi corporificado na Sentença n° 104/2014 (ESPANHA, 2014b). Essa decisão vai ao encontro do defendido há pouco, ao afirmar-se que a escolha dos veículos de comunicação deve estar pautada por critérios objetivos, que assegurem transparência e igualdade. O Estado é obrigado a assegurar a livre concorrência e a independência dos agentes da imprensa, sendo defeso o manuseio arbitrário da distribuição de campanhas. O trecho adiante transcrito bem sumariza tais ideais republicanos:

En efecto, los derechos fundamentales concernidos imponen un reparto equitativo de la publicidad conforme a la legalidad vigente, con criterios de transparencia e igualdad, evitando conductas discriminatorias y asegurando de ese modo una eficaz garantía de la libertad y de la independencia de los medios, afianzando a tal fin los principios de objetividad, publicidad y libre concurrencia. No son extraños esos parámetros a la garantía del pluralismo, ni puede desconectarse éste de las necesidades de financiación de los medios de comunicación, pues un trato público peyorativo en la contratación, injustificado, voluntarista o selectivo (art. 14 CE, primer inciso), o discriminatorio por razón ideológica, de tendencia u opinión (segundo inciso del precepto), podría condicionar su independencia o incluso su propia supervivência (ESPANHA, 2014b, p. 60).

A Corte divisou que a violação ao princípio da igualdade tem aptidão para atingir a liberdade de informação do órgão de imprensa, à mercê da pressão econômica. A racionalidade funciona como paradigma para o Brasil, tendo em vista que a Constituição pátria consagra, em seu art. 220, § 1o, a interdição ao legislador para constituir embaraços à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social. Dito de outro modo, a exclusão de um ou alguns meios de comunicação, que técnica e financeiramente sejam capazes de transmitir determinado anúncio, por razões ideológicas ou políticas, seria via oblíqua para se transgredir a liberdade editorial da imprensa, valor que, ao contrário de ser combatido, deve ser objeto de tutela estatal.

6 CONCLUSÃO

O viés tradicional de exame da publicidade da administração pública e a identificação de desvios nesse mister, voltados à promoção política do mandatário em exercício, permanece relevante. São ainda usuais os materiais publicitários que se distanciam (explícita ou implicitamente) do programa normativo previsto pelo art. 37, § 1°, da Carta Republicana, artifícios capazes de ensejar a repressão pelos órgãos de controle, nomeadamente sob o enredo da improbidade administrativa causadora de enriquecimento ilícito do agente público.

Entretanto, a constelação de vícios deste universo não é cingida à personalização oblíqua, atingindo outra dimensão do papel regulador do Estado nesse campo da economia, que é o de assegurar às empresas de comunicação condições de igualdade na disputa pela veiculação da publicidade estatal. A escolha deturpada do veículo, orientada por matizes políticos ou ideológicos em detrimento de critérios técnicos, configura desvio de poder, detentor de duplo impacto no ambiente econômico, pois, ao tempo em que incrementa o faturamento do órgão de imprensa alinhado ao gestor público, retira daquele crítico a acessibilidade à contratação pública. Esse agir põe em risco a liberdade de expressão jornalística e, na medida em que enriquece ilicitamente terceiro, ostenta os caracteres de ato de improbidade administrativa causador de prejuízo ao erário.

REFERÊNCIAS

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Notas

1 Introdução. 2 Conformação constitucional da publicidade estatal. 3 Espécies de publicidade estatal lícitas - a experiência espanhola como paradigma para o Brasil. 4 Escolha objetiva dos veículos de divulgação. 5 Objetividade e isonomia na seleção do órgão de imprensa - precedentes do Tribunal Constitucional da Espanha. 6 Conclusão. Referências.
NOTA Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr e Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini supervisionaram a pesquisa antecedente à produção do artigo, orientando a metodologia e definição do problema. Também revisaram sua redação e a ele acresceram conteúdos para seu refinamento. Gustavo Henrique Rocha de Macedo contribuiu com a pesquisa de doutrina e jurisprudência explorados, bem como na redação do texto base.
1 Rejeita-se a existência de conceitos jurídicos indeterminados, preferindo-se a noção de indeterminação dos termos que expressam o conceito, para o que se busca amparo na obra de Bertoncini (2007, p. 78), que aponta a contradição interna insuperável contida na primeira expressão: “Além de inexistirem conceitos indeterminados, a rigor, tal modalidade conceitual defendida por alguns, em última análise, não é conceito, porque não expressa uma suma de ideias.”
2 Itálico no original.


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