Resumo: O objetivo do presente ensaio consiste em apresentar o conceito de representação política no contexto da representação por mandato, das dinâmicas de policy switch e da responsividade ínsita ao cargo político, além de responder à seguinte pergunta: qual o efeito dos desvios de mandato para a participação de eleitores no processo de escolha política? Para responder ao problema de pesquisa, é necessário avaliar o nível de equilíbrio entre responsividade das instituições e solidez democrática, o que será realizado a partir de revisão bibliográfica com base na leitura de conceitos expostos por Susan Stokes, Adam Przeworski, Daniel Treisman, Bingham Powell, Bernard Manin, Ana De La O e Oskar Kurer. Para o ensaio, foi realizada abordagem qualitativa, com suporte em dados obtidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Transparência Internacional para análise de possível coincidência entre a percepção da corrupção e a presença de dinâmicas de policy switch no cenário da competição eleitoral em nível presidencial brasileiro no período pós-redemocratização. É possível concluir que os desvios de mandato, incluindo-se a corrupção e as trocas conscientes de plataforma eleitoral pelos atores políticos, afetam em menor medida a participação política quando há uma accountability eleitoral eficiente.
Palavras-chave: Representação democrática, Desvios de mandato, Policy Switch.
Abstract: The purpose of this essay is to present the political representation concept in the context of mandate representation, the dynamics of policy switch and the inherent responsiveness of political office, and answer the following question: what is the effect of deviation from mandate to voters participation in the process of political choice? In order to answer the research question, it is necessary to evaluate the level of balance between institutional responsiveness and democratic solidity, which will be done from literature review based on the reading of concepts presented by Susan Stokes, Adam Przeworski, Daniel Treisman, Bingham Powell, Bernard Manin, Ana De La O and Oskar Kurer. The qualitative approach is supported by data obtained from the Electoral Court (TSE) and International Transparency to analyze an eventual coincidence between the corruption perception and the presence of policy switch dynamics at the scenario of electoral competition in a brazilian presidential level post-democratization period. It is possible to conclude that mandate deviations, including corruption and conscious exchanges of platform-level by political actors, produces few effects on the political participation when there is an effective electoral accountability.
Keywords: Democratic representation, Mandate deviation, Policy Switch.
Resumen: El objetivo del presente ensayo consiste en presentar el concepto de representación política en el contexto de la representación por mandato, de las dinámicas de policy switch y de la responsividad inherente al cargo político, además de responder a la siguiente pregunta: ¿cuál es el efecto de las desviaciones de mandato para la participación de electores en el proceso de elección política? Para responder al problema de investigación, es necesario evaluar el nivel de equilibrio entre responsividad de las instituciones y solidez democrática, lo que será realizado a partir de una revisión bibliográfica con base en la lectura de conceptos expuestos por Susan Stokes, Adam Przeworski, Daniel Treisman, Bingham Powell, Bernard Manin, Ana De La O y Oskar Kurer. Para el ensayo, se realizó un enfoque cualitativo, con soporte en datos obtenidos por el Tribunal Superior Electoral - TSE y Transparencia Internacional para analizar la posible coincidencia entre la percepción de la corrupción y la presencia de dinámicas de policy switch en el escenario de la disputa electoral a nivel presidencial brasileño en el período post-redemocratización. Es posible concluir que las desviaciones de mandato, incluyendo la corrupción y los intercambios de la plataforma electoral de los actores políticos, afectan en menor medida a la participación política de los ciudadanos cuando hay una responsabilidad electoral eficiente.
Palabras clave: Representación democrática, Desviaciones de mandato, Policy Switch.
POLICY SWITCH E O EFEITO DOS DESVIOS DE MANDATO PARA A REPRESENTAÇÃO DEMOCRÁTICA
POLICY SWITCH AND THE EFFECT OF MANDATE DEVIATIONS TO DEMOCRATIC REPRESENTATION
POLICY SWITCH Y EL EFECTO DE LOS DESVIOS DE MANDATO PARA LA REPRESENTACIÓN DEMOCRÁTICA
Recepção: 02 Janeiro 2018
Aprovação: 25 Abril 2018
1Introdução. 2 A representação política. 3 Falhas de responsividade na representação política. 3.1 Quando ocorrem as práticas de Policy Switch. 3.2 Quando a corrupção e práticas clientelistas atingem o governo. 4 A importância do método e do acesso à informação na análise da corrupção. 5 Conclusão. Referências.
A implementação das demandas levantadas pelos cidadãos passa pelo filtro de uma agenda política delimitada, com destaque para as que são consideradas prioridades durante o período de gestão. No entanto, se a representação política credita ao candidato eleito relativa independência ante a vontade dos representados, visto que seria pouco viável responder satisfatoriamente a todas as demandas dos cidadãos, indistintamente, como equilibrar a responsividade às demandas da agenda política de cada país (dada a ausência de previsão legal para a obrigatoriedade de responsividade)?
A solução da questão talvez esteja na existência de accountability vertical, indicando a responsabilidade dos governantes pelo eventual descumprimento de suas promessas políticas, a partir de uma análise retrospectiva do processo eleitoral.
Os debates sobre a democracia devem se aprofundar constantemente, passando a considerar a qualidade do regime a partir de elementos como legitimidade e satisfação pública, confiança pública nas instituições, responsividade, responsabilidade das instituições, confiabilidade nos partidos e consciência sobre o envolvimento de candidatos a cargos públicos com eventos de corrupção. Para isso, é essencial analisar os efeitos de alguns elementos transversais à representação política, como v.g., práticas de policy switch e da corrupção na credibilidade dos eleitores e no desenvolvimento da democracia de boa qualidade.
O estudo utiliza a análise do método cross-national para verificar o impacto da corrupção política sob a perspectiva comparativa, além de utilizar como suporte teórico os textos de Susan Stokes, Adam Przeworski, Daniel Treisman, Bingham Powell, Bernard Manin, Ana De La O e Oskar Kurer.
A abordagem se divide em quatro capítulos, destinados, respectivamente, à verificação dos problemas referentes: à representação política, como meio de conexão entre instituições associadas à democracia representativa e o modo como os governantes atuam; às falhas de responsividade nessa representação, evidenciando a incompletude do sistema; a relação de equilíbrio que deve existir entre responsividade das instituições e responsabilidade democrática, abordando ainda os cenários que propiciam a ocorrência de práticas de policy switch; e às consequências da corrupção e das práticas clientelistas para o governo.
O artigo aborda, ainda, a importância do método e do acesso à informação na análise da corrupção; além das consequências sobre o desvio de mandato, tanto para o eleitor como para a democracia.
O artigo é relevante por oferecer uma contribuição inédita para textos voltados à análise da Teoria Política e do Direito, além de evidenciar uma discussão pontual que relaciona um mandamento constitucional dos mais elementares à representatividade democrática e à necessária responsividade política.
É possível verificar que desvios no exercício do mandato podem comprometer a credibilidade da representação política, razão pela qual é necessário compreender os motivos para eventuais modificações de plataforma e suas consequências para a responsividade. Combater a corrupção política, por meio da efetiva e consciente accountability eleitoral, é ferramenta fundamental para a consolidação da representação política democrática.
Representação política consiste, em uma perspectiva mínima, na atuação de um governante hábil à tradução dos interesses dos governados. No presente ensaio, a representação é destacada como elemento de conexão entre instituições associadas à democracia representativa e o modo como os governantes atuam.
Entretanto, deve-se supor que sobre os interesses envolvidos há de pesar a interpretação do representante quanto ao seu ponto de vista acerca do que sejam os interesses dos cidadãos e seus próprios interesses (a concepção mínima de representação aduz que um governo é representativo 1 quando se atua em prol do próprio juízo do que seja o melhor interesse do cidadão). ( PRZEWORSKI; STOKES; MANIN, 1999).
A estrutura elementar da representação comporta três características: a escolha dos governantes pela eleição, a relativa independência ante a vontade dos governados e a sujeição dos governantes a eleições periódicas (promovendo-se, assim, a alternância de poder).
Quando se relacionam a democracia e a representação política, imediatamente se aduz que, na democracia, os governos são representativos porque são escolhidos por meio de eleições livres e com considerável participação popular ( MENDES; MENDES, 2012), a partir de uma análise sobre a democracia que adota a eleição e o sistema representativo como condições suficientes para atingir o interesse da maioria, em uma representação perfeita.
Trata-se de uma perspectiva em que há atores políticos capacitados para exercer a representação, cujos partidos apresentam propostas que serão devidamente cumpridas ao longo do mandato ( PRZEWORSKI; STOKES; MANIN, 1999). A representação perfeita não é um modelo factível na democracia ideal, simplesmente porque, mesmo que os cidadãos fossem absolutamente idôneos nas escolhas, ou que fossem capazes de agregar suas preferências à coletividade, não seria possível obrigar o governante a aplicá-las.
O conceito de accountability horizontal pode ser descrito como:
A existência de agentes estatais que possuem autoridade legal e estão faticamente dispostas e capacitadas para empreender ações que vão desde o controle rotineiro até a aplicação de sanções legais (inclusive o impeachment) em relação aos atos e às omissões de outros agentes e agências do Estado que podem, em princípio, ser qualificados como ilícitos ( O´DONNELL, 2007, p. 231).
A criação do Conselho Nacional de Justiça por disposição constitucional (art. 92, I, e art. 103-B, CF/88) ( BRASIL, 1988) permite a ampliação da independência judicial, e um novo meio de tornar o processo de accountability possível.
Ainda, a auditoria no âmbito do governo, seja ela interna, seja externa, de acordo com o que a Constituição Federal de 1988 prevê, em seus arts. 70 e 71, os quais prescrevem como o controle interno será exercido no âmbito de cada Poder, e o controle externo será exercido pelo Congresso Nacional, com o devido auxílio do TCU.
A accountability vertical, por sua vez, relaciona-se ao tradicional mecanismo das eleições. Nas novas poliarquias, verifica-se o surgimento de diversas organizações que exigem que os funcionários estatais respeitem as liberdades e as garantias liberais básicas da população. Outras organizações supervisionam as eleições e assumem outras tarefas democráticas, como a educação da população e o exercício dos direitos políticos. Outras atuam como guardiãs republicanas da legalidade e da conduta ética dos funcionários públicos. Essas tarefas democráticas, as garantias liberais e o aspecto republicano da legalidade representam sérios déficits para a accountability horizontal.
Quando se trata de materializar a accountability horizontal contra poderosos segmentos do Estado, especialmente no alto escalão do governo, é necessário que haja um funcionamento coordenado e convergente de toda uma rede de instituições com suficiente suporte legal e autonomia decisória ( O´DONNELL, 2007).
Os desenhos institucionais e a presença das várias modalidades de accountability afetam a qualidade e a estabilidade da Democracia, que depende de instituições fortalecidas para recuperar a credibilidade do próprio regime. A relação entre democracia e representação é conectada pelo elo da eleição, que serve para selecionar boas políticas ou políticos que sustentam determinadas políticas e, fundamentalmente, como instrumento de prestação de contas vertical.
Assim, cabe aos candidatos a previsão mínima da vontade dos eleitores, escolhendo ou mantendo políticas adequadas aos interesses dos cidadãos. A representação por mandato acontece quando os interesses dos políticos e dos eleitores coincidem, ou quando os candidatos se preocupam apenas em garantir bons resultados nas eleições.
Para vencer, é necessário prometer e implementar as propostas políticas que são melhores para o público. Mas há debilidades que merecem destaque, como a possibilidade que o candidato, após eleito, tem de modificar sua plataforma em prol de interesses que não correspondem às preferências dos cidadãos, ou utilizar o cargo público para realizar políticas voltadas a grupos de interesse, que não necessariamente refletem as necessidades da maioria.
Conforme descrição conceitual, democracia consiste na reunião de características institucionais como o sufrágio universal dos cidadãos adultos, a partir de eleições livres e competitivas ( DAHL, 2002), com múltiplas fontes de informação, pluralidade de partidos e garantia legal de direitos políticos e civis ( POWELL, 2005). O Estado de Direito determina limitações do poder pelo direito e, “como meio de alcançar tal desiderato, estabelece diversas normas de contenção do poder estatal, garantindo-se aos cidadãos, em sede constitucional, direitos fundamentais de primeira dimensão” ( BUFFON; GONÇALVES, 2014, p. 259), referindo-se, assim, aos direitos civis e políticos.
O processo político se consolida pela responsividade democrática, que ocorre quando o governo possui capacidade de implementar políticas adequadas aos interesses dos cidadãos, atendendo às necessidades dos eleitores de maneira consistente e elevando a qualidade da democracia, 2 que também pode ser mensurada por elementos, como liberdade, accountability vertical e horizontal, estado de direito e responsividade. 3
A responsividade refere-se ao poder de resposta dos representantes à vontade e às demandas dos representados; ou, dito de outra forma, à disposição dos governos de adotarem as políticas preferidas pelos cidadãos. A responsividade também é uma característica citada por outros pensadores políticos ( RIKER, 1965; DAHL, 2002; LEVINE; MOLINA, 2011).
No entanto, há uma reflexão a ser feita: se a representação política credita ao candidato eleito relativa independência ante a vontade dos representados (visto que seria pouco viável responder satisfatoriamente a todas as demandas dos cidadãos, indistintamente), como equilibrar a responsividade às demandas da agenda política de cada país dada a ausência de previsão legal para a obrigatoriedade de responsividade em países como o Brasil?
A responsividade depende do equilíbrio institucional e ocorre quando o processo democrático induz o governo a implementar políticas que os cidadãos querem, respondendo às suas demandas.
Entretanto, as preferências dos eleitores e dos candidatos eleitos nem sempre coincidem. Aqui, far-se-á uma breve análise teórica acerca de duas falhas de responsividade consideradas cruciais para a compreensão dos rumos da representatividade: a prática de policy switch e a incidência da corrupção política durante o mandato.
A partir de uma análise baseada na escolha racional, é possível perceber que atores políticos possuem como objetivo a maximização de votos e a realização de preferências, sem desconsiderar o exercício de ações que otimizem as possibilidades de reeleição.
A partir de uma análise pautada na racionalidade, em que atores políticos agem em conformidade com a realização de preferências, a vida política se torna um cenário prolífero para dilemas de ação coletiva, em que indivíduos vão agir com o objetivo de alcançar suas preferências, mesmo sob o risco de, com isso, atingir resultados subótimos para a coletividade ( HALL; TAYLOR, 2003).
A democracia com base na teoria da escolha racional tem como ponto de partida a noção de que as ações coletivas e seus resultados têm de ser compreendidos a partir das escolhas que os atores, indivíduos ou não, fazem em uma determinada estrutura de oportunidades, isto é, de restrições e oportunidades institucionais que alteram o comportamento dos atores políticos.
Em alguns casos, políticos apresentam uma plataforma política durante as eleições e, após eleitos, adotam uma política de sentido ideológico contrário, afirmando posturas, muitas vezes, desconhecidas pelos eleitores.
Tratam-se de práticas de policy switch, em que há uma troca da plataforma eleitoral por outras iniciativas, antes desconhecidas pelos eleitores, após a vitória eleitoral. O candidato assume o compromisso de adotar políticas de bem-estar social e, após eleito, adota uma postura austera por meio de políticas de eficiência, normalmente impulsionadas pela conjuntura econômica ( STOKES, 1999).
A ideia de policy switch, ou giro político, possui reconhecimento pelo Projeto de Lei nº 3.453/2004 ( BRASIL, 2004) de autoria do deputado Wladimir Afonso da Costa Rabelo (PMDB/PA), que acrescenta o art. 323-A à Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 ( BRASIL, 1965), que institui o Código Eleitoral brasileiro. A proposta busca tipificar como “estelionato eleitoral” o crime em que o candidato assume, durante campanha eleitoral, o compromisso de realizar projetos de investimento sabendo que é inviável a concretização da promessa, o que evidencia uma prática de policy switch.
Ainda sobre o tema, importa destacar o Projeto de Lei nº 4.523/2012 ( BRASIL, 2012) de autoria do deputado Nilson Aparecido Leitão (PSDB/MT), que altera o art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal brasileiro) para tipificar como crime o estelionato eleitoral.
Cumpre destacar que policy switch não envolve, apenas, o descumprimento de promessas de campanha ou a possível falta de responsividade com as instituições, mas abrange um objeto maior: a troca de plataforma política concentrada em políticas de bem-estar social por políticas de austeridade, exprimindo, assim, a mudança de identidade ideológica do próprio governo, o que pode ocorrer nas esferas municipal, estadual ou federal.
No contexto político brasileiro, especialmente no período pós-democratização, as dinâmicas de policy switch, em que as plataformas de campanha do candidato à eleição acabam por sofrer modificações anteriormente desconhecidas pelos eleitores quando o candidato ascende a incumbente, não são tão comuns, mas não deixam de ser adotadas no âmbito federal, conforme se depreende da ilustração a seguir, em que há exemplos de troca da plataforma evidenciada no período de campanha4 e seu resultado após a vitória do candidato eleito.
Entretanto, eleitores também possuem suas crenças e decisões quanto às políticas que devem ser implementadas, mas são crenças nem sempre conhecidas pelos políticos. Há ainda um elemento que deve ser considerado: as escolhas dos eleitores não são fixas como as dos políticos, o que pode constituir uma tensão entre as preferências dos eleitores e as preferências dos representantes.
Eleitores ex ante observam os resultados do primeiro mandato e desenvolvem novas preferências que tendem a ser uma média ponderada do mandato anterior. Eleitores não conhecem as preferências dos candidatos antes da primeira eleição, mas sabem que sua decisão pode impactar a manutenção ou modificação de uma política implementada.
A mudança das propostas dos políticos que exercem o policy switch ocorre porque estes sabem que, “se antecipando aos eleitores e com base em sua experiência nos efeitos de políticas de eficiência, podem até modificar suas preferências, induzindo escolhas e maximizando o apoio político.” ( STOKES, 1999, p. 113).
Políticos que exercem essa troca são representativos na medida em que, dentro dos limites do que julgam ser correto, atuam para materializar os interesses dos cidadãos e em benefício do Estado. Se não o fazem, incorrem na falta de responsividade com os eleitores, maculando a própria ideia de representação política.
No período inicial do mandato, o candidato busca um cargo político; no período final, busca a reeleição. Em ambos os períodos, o ator político possui plena consciência sobre quais políticas são melhores para os eleitores, mas deve definir quais podem ser reveladas no primeiro período (durante a campanha para as eleições) e quais devem permanecer encobertas. Depois de eleitos, devem decidir quais políticas devem implementar primeiro (suas opções são fixas e não ajustáveis).
O apoio a um candidato será definido pela coincidência entre preferências e resultados úteis das políticas adotadas porque, caso o ator político aja de acordo com suas próprias preferências, pode ser mantido no poder. Se implementar políticas mais austeras, porém mais eficientes, mesmo que seja em um contexto de policy switch, há possibilidade de ser reeleito, porque os resultados foram úteis e houve eficiência na policy switch.
A corrupção pode ser definida como o “abuso de cargo público em benefício privado”, em que o “ganho privado” pode ser acumulado, quer pelo funcionário, quer por grupos de interesse ou partidos a que pertence ( TREISMAN, 2007).
A corrupção também pode ocorrer por meio do suborno cometido por um cidadão privado a um funcionário público em troca de algum serviço que deveria ser oferecido gratuitamente (por exemplo, o registo de uma empresa) ou para ter acesso a um serviço que não deveria ser oferecido (por exemplo, informação privilegiada).
Em relação ao tema, importa destacar a presença da tentativa de combate à corrupção no ordenamento jurídico brasileiro, como a Lei Anticorrupção, nº 12.846, de 1º de agosto de 2013 ( BRASIL, 2013), que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências; Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 (BRASIL, 1992), que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional; a Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010 ( BRASIL, 2010), que altera a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9º do art. 14 da CF/88 ( BRASIL, 1988), casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato.
A corrupção tende a obstruir a responsividade na medida em que a falta de recursos (utilizados indevidamente ou subtraídos) inviabiliza a execução das políticas prometidas. Mas não é só de probidade e honestidade que vivem as políticas, visto que também podem se tornar inexequíveis se a burocracia for mal desenvolvida, se for praticada por pessoas incompetentes ou não comprometidas, ou se houver uma inadequada segurança organizacional.
A liberdade e a igualdade dos cidadãos, o estado de direito e a eficiência das formas de accountability propiciam a incidência da responsividade democrática, pois, em um contexto em que os cidadãos são cônscios de seus direitos e detêm suficientes informações, há maior possibilidade de definição de preferências, o que conferiria sentido à responsividade ( POWELL, 2005). Nesse contexto, há uma questão de vital importância: por qual razão há eleitores que apoiam políticos corruptos?
O apoio a políticos corruptos apontando para o desejo dos eleitores de alcançar benefícios particularistas, interesses pessoais, 14 ou quaisquer sistemas de patronagem que sirvam ao interesse de eleitores de baixa renda. Entretanto, tal explicação não parece ser a mais completa.
Deve-se considerar a problemática dos partidos fracos, ou seja, partidos que não são fortes precisam barganhar patrocínio para o financiamento de campanhas, atraindo atore políticos que não possuem sintonia com a ideologia do partido e grupos de interesse com preferências diferentes ( KURER, 2001; STOKES, 2005).
Tudo isso impacta diretamente a boa governança e a boa eficiência da Administração Pública, na medida em que a capacidade administrativa não é autônoma e se relaciona com o contexto econômico. Um elevado nível de corrupção política, por meio da fraude e dos desvios, por exemplo, frustra o processo democrático; democracia de qualidade e altos níveis de corrupção política são, portanto, mutuamente contraditórios.
Para ilustrar o nível de percepção dos cidadãos brasileiros sobre a corrupção política, colaciona-se a seguir uma tabela com dados obtidos por meio da compilação de informações de index anuais (Corruption Perceptions Index – CPI) 15 da organização não governamental Transparência Internacional, para verificar o desempenho do Brasil no período compreendido entre 1995 (data de início da elaboração dos index) até 2015, identificando o ranking de percepção de corrupção entre os países examinados.
A metodologia utilizada pela ONG Transparência Internacional compreende quatro etapas:
a) seleção de fontes de dados;
b) ajuste da escala de fontes de dados;
c) combinação de fontes de dados e;
d) determinação de uma medida de incerteza.
Segue tabela ilustrativa:
É possível verificar que a oscilação na posição do ranking estabelecido pelo Corruption Perceptions Index (CPI) evidencia a insegurança dos cidadãos brasileiros nas instituições, no nível de transparência da esfera política e, principalmente, a crescente falta de credibilidade do Brasil no cenário internacional.
Há de se considerar, portanto, a possível correlação entre corrupção, desvios de mandato, mudança inesperada de posturas políticas e a crescente falta de credibilidade na transparência das instituições políticas brasileiras, especialmente a partir de 2006, conforme se depreende da pesquisa realizada.
Ao comparar os resultados da Tabela 2 com a exposição da Tabela 1, verifica-se a coincidência da queda no ranking de percepção de corrupção pela população, portanto; maior impressão de corrupção diante do cenário internacional, e a ocorrência de policy switch no âmbito presidencial, que incidem em 2006.
Além disso, a corrupção afeta o desenvolvimento econômico de um país, porque tende a aumentar a tributação interna e a reduzir a confiabilidade do país para investimentos externos, reduzindo também a possibilidade de investimentos na infraestrutura pública.
Mas, se, de fato, a corrupção é considerada moralmente errada e tende a diminuir o bem-estar do eleitor mediano, é necessário refletir: por que políticos e partidos corruptos permanecem nos negócios políticos? ( KURER, 2001).
Eleitores buscam a maximização de benefícios e podem preferir pacotes de políticas que convivem com a corrupção, apesar dos problemas que lhes são decorrentes ( STOKES, 2005). No entanto, nas sociedades onde há partidos clientelistas, nem todos os eleitores recebem benefícios em igual dimensão, porque os recursos são limitados.
Mas é necessário analisar a corrupção a partir do princípio de que (1) a corrupção endêmica empobrece o eleitor médio; (2) o eleitor médio não gosta da corrupção; (3) os eleitores vão apoiar um partido ou um político de acordo com os benefícios que um determinado pacote de políticas oferece, adaptando-se às suas preferências e à probabilidade de implementação dessas políticas; e (4) os eleitores preferem pacotes de políticas que aumentam seu bem-estar social e envolvem níveis menores de corrupção ( KURER, 2001).
O problema da corrupção política exige do cientista político uma reflexão sobre conceitos na medida em que pode influenciar o comportamento do eleitor na perspectiva prospectiva e/ou retrospectiva. Há uma forte tendência em considerar que a ciência sobre informações que aduzem a atos de corrupção por figuras políticas pode se reverter contra os mesmos no pleito seguinte. Isso ocorre porque a corrupção, especialmente na modalidade contumaz, afeta a identificação que eleitores possuem com o partido que os representa, ou, em última dimensão, ocasiona o alheamento político ( CHONG et al., 2011).
Para realizar uma abordagem sobre as causas da corrupção, é preciso direcionar a observação política com base na pesquisa cross-national, que consiste na técnica de análise de um evento ou processo que ocorre dentro de um país, comparando-o à forma como ocorre em outros países diferentes ( TREISMAN, 2007). Evidências demonstram que quanto mais desenvolvida a democracia, quanto maior é a liberdade de expressão e de imprensa, mais elevada é a quota de mulheres envolvidas nos negócios políticos e mais reduzidos são os índices de corrupção. O autor verificou, ainda, que os países que dependem de exportações de combustíveis ou que têm regulamentos empresariais intrusivos e inflação imprevisível são julgados mais corruptos.
Entretanto, ressalte-se não se tratar de uma regra generalizante, mas sim da construção de uma teoria de médio alcance, cujos reflexos denotam que experiências de corrupção se correlacionam com o baixo desenvolvimento e, possivelmente, com a dependência das exportações de combustível, menor abertura comercial e regulamentação governamental mais intrusiva.
A mensuração da corrupção se modificou há cerca de uma década, recebendo novo impulso a partir de dois fatos cruciais: primeiro, a organização da Transparência Internacional, cujo objetivo consiste em construir uma campanha para o governo honesto e que começou a construir um índice da “percepção de corrupção” dos países ( TREISMAN, 2007). Segundo, e simultaneamente, um economista relatou evidências de uma ligação entre suspeitas de corrupção e o crescimento econômico mais lento, com base na análise cross-national, o que levou governos de outros países a utilizarem tais dados e iniciar investigações sobre a percepção da corrupção em relação a outros países.
Dois índices de percepção da corrupção se tornaram mais comumente utilizados em trabalhos empíricos: o Índice de Percepção de Corrupção (IPC) construído pela Transparência Internacional (TI) e uma classificação de controle da corrupção publicada por uma equipe liderada por Daniel Kaufmann, do Banco Mundial (BM).
Ambos os grupos têm como objetivo reduzir os erros de medição pela média das diferentes fontes e usar conjuntos de entradas semelhantes (e que se sobrepõem). Seus métodos para construir índices diferem em dois aspectos principais: a Transparência Internacional mede valores normalizados durante o ajuste para reduzir a sensibilidade do índice de alterações nos inquéritos e países incluídos; já a equipe do Banco Mundial trata as classificações individuais como medidas ruidosas de uma variável latente comum e estima isso usando um modelo de componentes não observáveis.
Enquanto a equipe do Banco Mundial inclui todos os países para os quais uma classificação está disponível, a Transparência Internacional inclui apenas países para os quais três classificações estão disponíveis, o que provavelmente aumenta a precisão, mas conduz a uma cobertura mais estreita dos países analisados.
Apesar de serem dados importantes, não são capazes de medir a corrupção em si, limitando-se a demonstrar opiniões sobre a sua prevalência. É necessário considerar que tais opiniões podem não ser baseadas no conhecimento direto, ou podem ser enviesadas.
Diferenças nos índices de corrupção entre os países poderiam refletir diferenças no nível de aceitação social do cinismo, no grau de identificação entre o público e o governo, na injustiça de relações sociais ou econômicas, ou mesmo no grau de acesso à informação por parte dos eleitores ( TREISMAN, 2007).
Nem todos os eleitores são igualmente atingidos, em exata dimensão, pelas mesmas informações. O nível de compreensão pode ser diferente entre eleitores de classes sociais ou níveis educacionais diferentes, por exemplo. Assim, é possível perceber que não basta o acesso à informação para garantir a adequada accountability eleitoral, além do fato de que alguns eleitores menos informados podem acabar por se abster do voto, consolidando a ideia do alheamento político.
Eleitores também atuam com base na racionalidade, o que significa que também são hábeis a dimensionar custos e benefícios relacionados ao voto. Se o governo perde a capacidade de responder às necessidades dos seus constituintes e está em situação de descrédito, então a tendência é haver uma menor propensão em votar, o que prejudica a própria ideia de representação democrática ( CHONG et al., 2011).
Para julgar o nível de uma democracia, não se deve questionar se o Estado proporciona bem-estar aos seus cidadãos, se se comporta de acordo com suas próprias leis ou se o povo controla os níveis de exercício do poder.
Um regime será democrático na medida em que as relações políticas entre o Estado e seus cidadãos abranjam a consulta ampla, igualitária, protegida das arbitrariedades e que tenha regras e deveres mutuamente vinculantes.
O Estado deve poder colocar em prática as decisões adotadas e sancionar, de alguma forma, quem descumprir essas decisões. É necessária ainda a autonomia dos centros de poder e realização de políticas públicas. Do ponto de vista político, um governo pode debilitar sua própria capacidade de conduzir políticas em razão dessa autonomia dos centros de poder, caso haja dissonância, por exemplo, entre os interesses dos membros das Casas Legislativas e do Presidente da República.
É necessário, ainda, mensurar a responsividade democrática, a partir da iniciativa de criar um índice para cada “subversão” listada (v.g. corrupção, controle de informações e incoerência partidária), enumerando-os e avaliando seus resultados. Outro meio seria a listagem de resultados esperados pelos eleitores quanto às políticas implementadas, comparando-se com a performance nacional correspondente àquela política.
O fato é que a agenda de pesquisa é inevitavelmente complexa, envolvendo mensurações múltiplas, procedimentos que dependem do contexto avaliado, conteúdo substantivo e avaliação pelos cidadãos; o que evidencia a complexidade sobre a compreensão da própria democracia em si ( POWELL, 2005).
É necessário enfrentar alguns desafios metodológicos para realizar pesquisas empíricas sobre o tema, na tentativa de verificar a relação de causalidade entre acesso à informação sobre corrupção política e influência na participação política de eleitores por meio do voto ( LEAL; CASTRO, 2013); justamente porque há uma considerável dificuldade em verificar fenômenos com e sem tratamento – desafio inferencial.
Inicialmente, é necessário expor eleitores ao comportamento corrupto de seus candidatos e dos incumbentes e, posteriormente, avaliar se tal comportamento desmotiva a participação política por meio das eleições ou se incentiva esses eleitores a votar em outros partidos ( CHONG et al., 2011).
Há desafios no estudo da corrupção política e nas consequências dela decorrentes para os resultados eleitorais, especialmente no que se refere à mensuração do nível de exposição dessa corrupção, visto tratar-se de uma atividade ilícita e, portanto, sem evidências de fácil localização.
O apoio a candidatos corruptos reflete muito do cenário da representação política vivenciado por algumas democracias de baixa qualidade, porque evidencia a existência de um frágil sistema partidário, pouco acesso dos eleitores a informações que podem auxiliar na formulação consciente das decisões políticas ou mesmo a identificação de alguns eleitores com práticas clientelistas como a compra de votos, especialmente quando partidos possuem ideologias muito próximas entre si, reduzindo alternativas eleitorais.
O acesso às informações institucionais também se faz necessário para incutir no governo a responsividade, tornando atores políticos moralmente responsáveis por seus atos. As informações representam, para os eleitores, a possibilidade de reforçar a capacidade de fiscalização sobre os políticos ( PRZEWORSKI; STOKES; MANIN, 1999), o que não necessariamente se reverte, automaticamente, em apoiar partidos de oposição. Significa, sim, a oportunidade de exercer accountability eleitoral, punindo os partidos por meio da ausência de votos que pudessem reconduzir mandatos de políticos envolvidos em casos de corrupção.
A própria ignorância do eleitor já foi destacada como uma das possíveis justificativas para a persistência de um comportamento predatório de votação, revelando um dos problemas centrais da democracia. Nem sempre há informação suficiente para que o eleitor faça sua escolha de maneira livre e consciente, o que compromete a avaliação do nível de corrupção ( CHONG et al., 2011).
Um outro problema de falta de informação ocorre quando os eleitores são incapazes de discernir entre candidatos corruptos ou não corruptos, o que é extremamente grave na medida em que destoa da ideia de escolha livre e consciente própria da democracia.
Quando os eleitores escolhem políticos, decidem pela associação entre os políticos e as políticas que podem realizar. A representação por mandato possui vantagens como a legitimidade do voto, escolha livre, representação por prazo determinado e possibilidade de accountability eleitoral, prospectiva ou retrospectiva – como é mais comum no Brasil.
A escolha eleitoral se torna obscura e viciada, justamente porque não há clareza (e principalmente correspondência) entre as propostas evidenciadas pela plataforma política e a conduta dos candidatos após a vitória eleitoral.
O cidadão não consegue, assim, distinguir quando o político adota posturas impopulares por necessidade ocasionada pelas circunstâncias, ou quando realiza ações que contrariam o discurso por prática de policy switch. Se as razões do ator político são desconhecidas, não há justificativa para confiar em sua representação.
A partir da apresentação do conceito de representação política na esfera da representação por mandato, é possível responder ao problema de pesquisa formulado pela identificação de fatores que envolvem as dinâmicas de policy switch e a responsividade necessária aos ocupantes de cargos políticos.
O efeito dos desvios de mandato para a participação de eleitores no processo de escolha política é a consequente redução da credibilidade institucional e alheamento político, além da dificuldade na prática de mecanismos de accountability para a fiscalização da responsividade dos incumbentes.
Para se compreender o conceito de representação política no contexto democrático, algumas condições devem ser respeitadas, como igualdade de acesso à arena política, responsividade por parte dos candidatos eleitos, responsabilidade por parte dos governantes, legislação transparente e acessível, liberdade de informação e mecanismos eficientes de accountability.
A democracia pode ser a melhor forma de governo até hoje, entretanto, ainda é congênita e estruturalmente deficiente no que diz respeito ao controle popular sobre os governantes ou no que concerne às práticas de accountability, que ainda precisam ser mais aprofundados, razão pela qual se reconhece a oportunidade do estudo e se desvenda a necessidade de esclarecer a presente temática.
Entretanto, eventos como a corrupção política contumaz e a falta de controle sobre as práticas de policy switch evidenciam que, na democracia, ainda há graves obstáculos, como a violação de mandatos; a insuficiência das condições que sustentam a democracia para vincular governantes a seus mandatos; a força da pressão de grupos de interesse sobre a escolha das políticas que seriam mais adequadas para a população; as inconsistências no mandato decorrentes do binômio fragilidade dos partidos e governo de coalizão; e, principalmente, a falta de informações para o eleitor, impactando, assim, suas escolhas. Violações de mandato não o tornam inconsistente quando a ideia de representação está firmemente consolidada, mas causam um risco à qualidade da democracia quando são contumazes.
mariana.dionisio@gmail.com