Resumo: Este artigo analisa o sistema protecionista no âmbito do direito do consumidor em perspectiva comparada a partir de uma abordagem jurimétrica. Examinamos a legislação vigente e os mecanismos institucionais existentes na América Latina, focalizando nos seguintes países: Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai. O desenho de pesquisa utiliza a técnica de análise aninhada, combinando estatística descritiva com estudo de caso. Os principais resultados indicam que a maior parte dos países apresenta níveis elevados de proteção aos direitos do consumidor. Comparativamente, o ordenamento jurídico brasileiro apresenta grau máximo de proteção. Este trabalho espera contribuir para aperfeiçoar a efetividade do sistema protetivo, já que a adoção de práticas eficientes depende do conhecimento da legislação comparada. Além disso, esperamos difundir a jurimetria na pesquisa empírica em Direito.
Palavras-chave: Direito do consumidor, Direito comparado, Nível de proteção, Vulnerabilidade do consumidor, Relação de consumo.
Abstract: This article analyzes consumer law system in a comparative perspective using a jurimetrics approach. We examine both the current legislation and institutional mechanisms in Latin America, focusing on the following countries: Brazil, Argentina, Chile, Paraguay and Uruguay. The research design uses the technique of nested analysis, combining descriptive statistics with case study. The main results indicate that most of the countries have high levels of protection of consumer rights. Comparatively, the Brazilian legal system presents a maximum degree of protection. This paper hopes to contribute to improving the effectiveness of the protection system since the adoption of efficient practices depends on the knowledge of the comparative legislation. In addition, we hope to disseminate jurimetrics in empirical law research.
Keywords: Consumer law, Comparative law, Level of protection, Consumer vulnerability, Consumer relationship.
Resumen: Este artículo analiza el sistema proteccionista en el marco del derecho del consumidor en perspectiva comparada a partir de un enfoque jurimétrico. Examinamos la legislación vigente y los mecanismos institucionales existentes en América Latina, enfocándose en los siguientes países: Brasil, Argentina, Chile, Paraguay y Uruguay. El modelo de investigación utiliza la técnica de análisis anidada, combinando estadística descriptiva con estudio de caso. Los principales resultados indican que la mayoría de los países presentan niveles elevados de protección de los derechos del consumidor. En comparación, el ordenamiento jurídico brasileño presenta un grado máximo de protección. Este trabajo espera contribuir a perfeccionar la efectividad del sistema protector ya que la adopción de prácticas eficientes depende del conocimiento de la legislación comparada. Además, esperamos difundir la jurimetría en la investigación empírica en Derecho.
Palabras clave: Derecho del consumidor, Derecho comparado, Nivel de protección, Vulnerabilidad del consumidor, Relación de consumo.
DIREITO DO CONSUMIDOR EM PERSPECTIVA COMPARADA: UMA ABORDAGEM JURIMÉTRICA 1
CONSUMER LAW IN COMPARATIVE PERSPECTIVE: A JURIMETRICS APPROACH
DERECHO DEL CONSUMIDOR EN PERSPECTIVA COMPARADA: UN ENFOQUE JURIMÉTRICO
Recepção: 10 Novembro 2017
Aprovação: 10 Abril 2018
1 Introdução. 2 Desenvolvimento. 2.1 Desenvolvimento do direito do consumidor. 2.2 Desenvolvimento do direito do consumidor no Brasil. 3 Metodologia. 4 Resultados. 5 Conclusão. Referências.
Estimar em que medida a legislação protetiva do consumidor produz os seus efeitos esperados é um dos principais desafios enfrentados não só pelos legisladores, mas também pelos próprios operadores do direito. Esse argumento ganha ainda mais força ao se considerar a realidade de países em que a instituição responsável por regulamentar e/ou fiscalizar a aplicação das leis consumeristas não oferece tecnologias para a coleta e para divulgação sistemática de informações. Esse impedimento gera diversos efeitos perversos. Primeiro, a falta de informações reduz tanto as possibilidades objetivas de o cidadão se precaver contra violações de seus direitos quanto a sua capacidade de buscar em juízo a reparação de eventuais danos sofridos. Segundo, dificulta o controle social sobre o mercado de consumo ao diminuir a transparência das ações públicas, violando o princípio da publicidade. 2 Terceiro, a ausência de informações sobre as relações de consumo inibe a realização de estudos em perspectiva comparada, limitando a difusão de práticas institucionais eficientes. Em conjunto, esses obstáculos comprometem não só o aperfeiçoamento da legislação, mas principalmente, a efetividade da proteção. 3
O principal objetivo deste artigo é analisar o direito do consumidor em perspectiva comparada, concedendo especial atenção aos casos do Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai. O foco repousa sobre o nível de proteção aos direitos do consumidor. Em termos metodológicos, a pesquisa utiliza a técnica de análise aninhada, combinando estatística descritiva com estudo de caso e análise documental da legislação. Além disso, desenvolve-se um índice de proteção aos direitos do consumidor a partir da análise comparada da legislação protetiva. Este trabalho espera contribuir para aperfeiçoar a efetividade do sistema protetivo, já que a adoção de práticas eficientes depende do conhecimento da legislação comparada. Além disso, esperamos difundir a jurimetria como estratégia metodológica na pesquisa empírica em Direito. 4
Para executar o referido desenho de pesquisa, o artigo está dividido em cinco partes. A próxima seção apresenta um breve histórico sobre a proteção ao direito do consumidor, destacando o desenvolvimento desse instituto no Brasil. O objetivo é contextualizar o problema de pesquisa. A terceira parte descreve a metodologia utilizada. O intuito é deixar claro todos os procedimentos adotados, facilitando a eventual replicabilidade do presente estudo. 5 A quarta seção apresenta os resultados de pesquisa, analisando mais detalhadamente a legislação sobre direito do consumidor em perspectiva comparada. Por fim, a quinta parte sumariza as principais conclusões do trabalho.
Dentro da economia, o equilíbrio é o estágio desejável, a fim de que isso possa acontecer, faz-se necessário que os mercados estejam em perfeita competição. Há diversas possibilidades para que um mercado saia do seu estágio de equilíbrio, como o monopólio, a presença de bens públicos, a assimetria de informações e as externalidades. Essas falhas de mercado geram distorções no preço e reduzem eficiência econômica.
As trocas dentro de um mercado são voluntárias e mutuamente benéficas, normalmente as partes capturam todos os benefícios e assumem todos os custos. Porém é possível que os benefícios ou os custos se espalhem para participantes não envolvidos inicialmente na troca, nesse caso, estaremos diante das externalidades. As externalidades serão negativas quando os custos forem absorvidos por terceiros estranhos à relação e positivas quando o extrapolamento for dos benefícios.
As assimetrias e as externalidades nas relações de consumo são um ponto chave para entender o desequilíbrio em alguns mercados. Visando a enfrentar essas diferenças e tendo como pressuposto básico a hipossuficiência do consumidor, surge a legislação consumerista, que nada mais é que uma das maneiras encontradas pelo Estado para corrigir as falhas de mercado.
O Direito do Consumidor surge no Brasil como parte da espinha dorsal da Constituição Federal de 1988, demonstrando a faceta cidadã da Carta, que nascia após conturbados momentos nas instituições brasileiras. Tínhamos um lapso protetivo em relação ao consumidor que só veio a ser preenchido com os comandos normativos da nova Constituição e com a posterior edição do Código de Defesa do Consumidor em 1990.
A preocupação com a defesa desses interesses difusos e coletivos, apesar de sua recente sistematização no Brasil, é antiga em outros lugares do mundo. Por exemplo, já no Código de Hamurabi, era possível encontrar algumas garantias cujo principal objetivo era proteger o consumidor contra eventuais vicissitudes das relações de consumo. 6 Dispositivos semelhantes podem ser encontrados no Código de Manu, 7 no direito Romano e em documentos produzidos durante a Idade Média.
No entanto, a estruturação de um conjunto de normas especificamente direcionadas à proteção do consumidor é um fenômeno recente, sendo as legislações protetivas pioneiramente adotadas nos Estados Unidos da América. 8 Em 1962, o então presidente John F. Kennedy proferiu um discurso no Congresso norte-americano enfatizando quatro principais direitos do consumidor, posteriormente positivados na Bill of Rights. 9 São eles: (1) direito à segurança – proteção contra produtos potencialmente perigosos à saúde e/ou à vida; (2) direito à informação – proteção contra propaganda enganosa e/ou abusiva; (3) direito à escolha – proteção contra monopólios, sendo assegurada a variedade de produtos e serviços, bem como a sua qualidade e razoabilidade de preços e (4) direito à reclamação – garantia de que as demandas dos consumidores serão devidamente consideradas não só pela legislação específica sobre o assunto, mas também pelo processo de formulação de políticas públicas. 10 Para Cartwright ( 2004, p. 1),
Laws have been used to protect consumers for centuries. These laws have drawn on a variety of legal forms, including criminal law, tort, and contract, to achieve their objectives. In addition to those laws that specify consumer protection as their primary concern, numerous other provisions have the effect of protecting the consumer, for example by streamlining the prosecution of fraud, protecting property, or facilitating litigation.
Com efeito, o desenvolvimento de uma legislação específica de proteção aos direitos do consumidor pode ser compreendido como um processo complexo que se materializou sob formas distintas em diferentes ordenamentos jurídicos. Para os propósitos deste trabalho, é importante analisar, sumariamente, alguns aspectos da legislação protetiva no Brasil.
Não resta dúvida de que o direito do consumidor no Brasil foi influenciado pela legislação norte-americana ( BARROSO, 2007). Lexicamente, o vocábulo consumidor aparece em seis oportunidades na Carta Constitucional. São elas:
“O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” (art. 5º, XXXII). “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico” (art. 24, VIII). “A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços” (art. 150, §5º).
“Em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á: a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto; b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele” (art. 155, §2, VII). “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: defesa do consumidor” (art. 170, V). “O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor” (art. 48, ADCT, CF/88) ( BRASIL, 1988, online).
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi positivado pela Lei 8.078/1990 ( BRASIL, 1990a) e agrupa regras de direito constitucional, 12 civil, 13 processual civil, 14 administrativo e penal. 15 Além disso, o CDC alberga diferentes princípios que procuram minimizar a assimetria inerente à relação jurídica entre consumidores e fornecedores, 16 consubstanciando normas de ordem pública e de interesse social. O direito do consumidor também se encontra amparado por diferentes súmulas editadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O quadro 1 sumariza essas informações.
No que diz respeito à legislação infraconstitucional, a Lei 1.521/1951 alterou os dispositivos legais que regulavam os crimes contra a economia popular ( BRASIL, 1951). Além disso, a Lei 7.347/1985 ( BRASIL, 1985) disciplinou a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. No período pós Constituição, tem-se o Decreto 2.181/1997, que instituiu o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), 18 estabelecendo as normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas no próprio Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Institucionalmente, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) é o organismo de coordenação da política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, cabendo-lhe, entre outras atribuições:
I - planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política nacional de proteção e defesa do consumidor; II - receber, analisar, avaliar e apurar consultas e denúncias apresentadas por entidades representativas ou pessoas jurídicas de direito público ou privado [...]; III - prestar aos consumidores orientação permanente sobre seus direitos e garantias; IV - informar, conscientizar e motivar o consumidor por intermédio dos diferentes meios de comunicação; V – solicitar à polícia judiciária a instauração de inquérito para a apuração de delito contra o consumidores, nos termos da legislação vigente; VI - representar ao Ministério Público competente, para fins de adoção de medidas processuais [...] no âmbito de suas atribuições ( BRASIL, 1997, online).
A Lei 10.962/2004 ( BRASIL, 2004) dispôs sobre a oferta e as formas de afixação de preços de produtos e serviços para o consumidor. Por fim, a Lei 12.291/2010 ( BRASIL, 2010) tornou obrigatória a manutenção de exemplar do Código de Defesa do Consumidor nos estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços. Em síntese, seja no âmbito Constitucional, seja em legislação específica sobre o assunto, o ordenamento jurídico brasileiro apresenta uma série de dispositivos que procuram assegurar os direitos do consumidor. Para os propósitos deste trabalho, é importante analisar, comparativamente, a legislação protetiva ao consumidor em diferentes países.
Este artigo adota uma abordagem multimétodo para investigar o nível de proteção aos direitos do consumidor. Em particular, utilizamos a técnica de análise aninhada (nested analysis), 19 combinando estatística descritiva com estudo de caso 20 e análise documental da legislação. O objetivo é integrar as vantagens específicas de cada técnica, propiciando uma perspectiva analítica mais robusta.
No entanto, por que realizar um estudo em perspectiva comparada? O primeiro passo para responder a essa questão é definir o que se entende por método comparado. Lijphart ( 1971) define o método comparativo como um dos métodos básicos - sendo os demais o experimental, o estatístico (N-grande) e o estudo de caso - para estabelecer proposições empíricas gerais ( LIJPHART, 1971, p. 682). 21 Similarmente, Ragin ( 1987) argumenta que a comparação fornece ao pesquisador a possibilidade de fazer afirmações sobre regularidades empíricas e avaliar casos a partir de critérios teóricos e substantivos.
Quais são as vantagens de um desenho de pesquisa em perspectiva comparada? A primeira é observar como diferentes conceitos podem “viajar” para analisar outras realidades. A segunda vantagem é verificar em que medida os resultados de pesquisa observados em um determinado contexto podem ser encontrados em outros desenhos institucionais. Além disso, salvo melhor juízo, a literatura comparada sobre direito do consumidor é bastante escassa, logo, esse estudo tem o potencial de preencher uma importante lacuna analítica.
De acordo com King, Keohane e Verba ( 1994, p. 51), “a regra mais importante para toda coleta de dados é reportar como o dado foi criado e como nós o coletamos.” Esta é a essência da replicabilidade científica. Isso porque os padrões de replicabilidade não exigem, de fato, que alguém replique os resultados de um artigo ou de um livro. Eles somente demandam que informação suficiente seja disponibilizada para que os resultados sejam, em tese, replicáveis. Nesse sentido, é importante descrever sumariamente as variáveis utilizadas nesse artigo. O quadro 2 sintetiza essas informações.
Foram analisadas dez diferentes variáveis categóricas e elas indicam se a legislação prevê dispositivos específicos para assegurar o fiel cumprimento dos direitos dos consumidores. Em caso afirmativo, atribui-se valor um (a proteção existe), caso contrário, atribui-se valor zero (inexiste a proteção). Os dados foram coletados junto ao Ministério da Justiça (MJ) para uma amostra de 17 países. São eles: Argentina, Belize, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru e Uruguai. As informações foram tabuladas e, posteriormente, analisadas utilizando o pacote estatístico para Ciências Sociais (Statistical Package for Social Sciences – SPSS). 22
Em 64,70% dos países, existe previsão Constitucional de defesa do consumidor, contabilizando onze ocorrências. No outro oposto, 35,30% dos casos analisados não positivaram, em sua Lei Fundamental, a proteção aos consumidores, registre-se: Belize, Bolívia, Chile, Guiana, Panamá e Uruguai. No Brasil, a Carta Constitucional de 1988 determinou que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII, CF/1988). Similarmente, tanto a Constituição argentina (art. 42, CF/1994) ( ARGENTINA, 1994) 24 quanto a paraguaia conferiram status constitucional ao direito do consumidor. 25
Com efeito, a constitucionalização da defesa do consumidor denota a preocupação do legislador em conferir posição de destaque aos princípios e/ou dispositivos que tratam das relações de consumo. A tabela 2 ilustra a frequência da legislação especial de defesa do consumidor.
A maior parte dos países adota alguma legislação especial de defesa do consumidor (88,20%), totalizando quinze observações. Apenas Bolívia e Belize não possuem dispositivos especificamente formulados com esse propósito (11,80%). 26 No Brasil, a Lei 8.078/1990 consolidou uma série de dispositivos que protegem o consumidor. Similarmente, na Argentina, a Lei 24.240/1993 ( ARGENTINA, 1993).
Instituiu a Defesa do Consumidor. 27 No Chile, a Lei 19955 de 2004 consolidou um conjunto de normas protetivas ao consumidor. 28 No Paraguai, a Lei 1.334/1998 ( PARAGUAI, 1998) dispôs sobre Defesa do Consumidor e do Usuário. 29 Finalmente, em 2000, o Uruguai promulgou a Lei 17.250 ( URUGUAI, 2000), materializando uma legislação específica de proteção aos direitos do consumidor. 30
Em termos substantivos, a adoção de uma legislação específica de defesa do consumidor tem o objetivo de aumentar o nível de proteção dos cidadãos em suas relações de consumo. Comparativamente, o Brasil foi pioneiro na consolidação de uma legislação especialmente elaborada com esse propósito.
No que diz respeito à existência de um órgão central governamental de defesa do consumidor, observa-se novamente que a maior parte dos países estabelece instituições dessa natureza (82,40%), contabilizando 14 casos. As exceções ficam por conta da Bolívia, Belize 31 e Equador. 32 No Brasil, o Decreto 2.181/1997 estabeleceu o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), definindo normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas no próprio Código de Defesa do Consumidor ( BRASIL, 1997). Na Argentina, a Lei 24.240 incumbiu à Secretaria de Indústria e Comércio a competência de elaborar políticas tendentes à defesa do consumidor, além de intervir na sua instrumentação mediante as resoluções pertinentes. Além disso, a supracitada secretaria deve manter um Registro Nacional de Associações de Consumidores e receber e dar andamento às eventuais denúncias dos consumidores (art. 41, Lei 24.240/1993) ( ARGENTINA, 1993).
No Chile, a Lei 19955 de 2004 ( CHILE, 2004) criou o Serviço Nacional do Consumidor, definindo sua forma de atuação e atribuições (arts. 57 e 58, Lei 19955/2004). 33 No Paraguai, cabe à Direção Geral de Defesa do Consumidor, órgão subordinado ao Ministério de Indústria e Comércio, assegurar o fiel cumprimento da defesa do consumidor no âmbito nacional (art. 43, Lei 1.334/1998) ( PARAGUAI, 1998). No Uruguai, a Lei 17.250/2000 ( URUGUAI, 2000), em seu artigo 40, determina que compete à Direção Geral de Comércio zelar pelos direitos dos consumidores em âmbito nacional. 34
Inegavelmente, a existência de um órgão governamental com competência específica para dispor sobre as demandas consumeristas, além de favorecer a efetivação dos direitos dos consumidores, incentiva o desenvolvimento de uma cultura institucional em que os cidadãos reconhecem o Estado como entidade legítima para fazer valer seus direitos.
Na maior parte dos países, existem entidades civis da sociedade organizada responsáveis por promover a defesa do consumidor (94,10%), totalizando 16 observações. Por outro lado, não existe instituição dessa natureza em Belize. No Brasil, existem diferentes entidades civis de defesa do consumidor. Por exemplo, o Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon) oferece diferentes serviços aos consumidores, dentre eles, a oferta de legislação e jurisprudência pertinente, além de publicações específicas sobre direito do consumidor. 35 Similarmente, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) 36 publica informações de interesse consumerista, além de promover a representação política e jurídica dos consumidores. 37 Na Argentina, a Lei 24.240/1993 ( ARGENTINA, 1993) dispõe sobre a criação de associações civis de proteção aos direitos do consumidor (arts. 55-58, Lei 24.240/1993). No original,
Las asociaciones de consumidores constituidas como personas jurídicas están legitimadas para accionar cuando resulten objetivamente afectados o amenazados intereses de los consumidores, sin perjuicio de la intervención del usuário o consumidor prevista en el segundo párrafo del artículo 58 (art. 55, Lei 24.240/1993) ( ARGENTINA, 1993, online).
No Chile, existem diferentes entidades civis de auxílio e defesa dos consumidores, entre elas a Odecu (Organización de Consumidores y Usuarios de Chile) 38 e Conadecus (La Corporación Nacional de Consumidores y Usuarios). 39 De acordo com o artigo 5º da Lei 19955 de 2004,
Se entenderá por Asociación Consumidores la organización constituida por personas naturales o jurídicas, independientes de todo interés económico, comercial o político, cuyo objetivo sea proteger, informar y educar a los consumidores y asumir la representación y defensa de los derechos de sus afiliados y de los consumidores que así lo soliciten,todo ello con independencia de cualquier otro interes (art. 5º, Lei 19955/2004) ( CHILE, 2004, online).
Similarmente, Paraguai (art. 6º, g, nº 1.334/1998) 40 ( PARAGUAI, 1998) e Uruguai (art. 42, d, 17.250/2000) 41 ( URUGUAI, 2000) também apresentam entidades civis de defesa do consumidor.
A existência de instituições civis da sociedade organizada constitui um componente central do sistema protetivo. Isso porque essas instituições têm um papel fundamental na fiscalização das relações de consumo e na divulgação de informações.
Observa-se que 82,40% dos países possuem legislação específica para regulamentar os contratos de adesão, totalizando 14 observações. Todavia, 17,60% dos casos carecem de dispositivos dessa natureza. É o caso da Bolívia, Colômbia e Belize. No Brasil, o artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor define contrato de adesão como “aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.” (art. 54, Lei 8.078/1990). 43 ( BRASIL, 1990a, online).
Na Argentina, a Lei 24.240/1993 ( ARGENTINA, 1993) prevê que a Autoridade de Aplicação deve vigiar para que os contratos de adesão ou contratos similares não contenham cláusulas previstas no artigo 37 da Lei 24.240/1993 44 ( ARGENTINA, 1993). No Chile, a Lei 1995/2004 ( CHILE, 2004), em seus artigos 16 e 17, dispõe sobre normas de equidade em contratos de adesão. 45 No Paraguai, a Lei 1.334/1998 define contrato de adesão como aquele que “es aquél cuyas cláusulas han sido estabelecidas unilateralmente por el proveedor de bienes o servicios, sin que el consumidor, para celebrarlo, pueda discutir, alterar o modificar substancialmente su contenido.” (art. 4º, h, Lei 1.334/1998) 46 ( PARAGUAI, 1998, online).
No Uruguai, a regulamentação sobre os contratos de adesão encontra-se devidamente positivada nos artigos 28 e 29 da Lei 17.250/2000 ( URUGUAI, 2000). O artigo 28 determina que:“Contrato de adhesión es aquél cuyas cláusulas o condicioones han sido establecidas unilateralmente por el proveedor de productos o servicios sin que el consumidor haya podido discutir, negociar o modificar substancialmente su contenido.” (art. 28, Lei 17.250/2000). 47 ( URUGUAI, 2000, online).
Por sua própria natureza, os contratos de adesão pressupõem uma desigualdade material entre os contratantes, o que, por sua vez, é traduzido em termos de vulnerabilidade do consumidor. Comparativamente, os ordenamentos jurídicos do Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai contemplam a regulamentação dessa espécie contratual, garantindo, em tese, a defesa dos direitos do consumidor contra eventuais excessos contratuais. 48
É importante analisar como diferentes países têm regulamentado os contratos a distância. Registra-se que, em 52,90% dos casos analisados, não existe tratamento legal sobre essa modalidade de contrato, totalizando nove observações. É a situação, por exemplo, de Belize, Bolívia, Colômbia, Peru, Equador, entre outros. Por outro lado, 47,10% dos países estabelecem regulamentações específicas sobre contratos a distância, contabilizando oito observações. Guiana, Panamá, México, Costa Rica, entre outros, exemplificam essa opção institucional.
No Brasil, o artigo 49 do CDC prevê que:
O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. (art. 49, Lei 8078/1990) ( BRASIL, 1990a, online). 49
Na Argentina, os artigos 32 a 34 da Lei 24.240/1993 ( ARGENTINA, 1993) dispõem sobre essa modalidade contratual, 50 garantindo o direito irrenunciável de arrependimento. 51 No Chile, a Lei 19.955/2004 ( CHILE, 2004) introduziu uma regulamentação relativa a estes contratos, na qual se estabelece um direito de retratação caso não estabeleça o contrário por parte do fornecedor (art. 3º, b, 19.955/2004 e arts. 12 A e 32, 19.955/2004). No Paraguai, o artigo 26 da Lei 1.334/1998 ( PARAGUAI, 1998) prevê expressamente que:
El consumidor tendrá derecho a retractarse dentro de um plazo de siete días contados desde la firma del contrato o desde la recepción del producto o servicio, cuando el con-trato se hubiere celebrado jfuera del establecimiento comercial, especialmente si ha sido celebrado por telefono on en el domicilio del consumidor (art. 26, Lei 1.334/1998). ( PARAGUAI, 1998, online).
No Uruguai, existe regulamentação da oferta de produtos e serviços realizados fora do estabelecimento comercial, realizadas por correio, por meio telefônico, por televisão e por meio eletrônico (art. 16, Lei 17.250/2000) 52 ( URUGUAI, 2000).
Em termos substantivos, a existência de regulamentação específica sobre contratos à distância constitui um importante marco regulatório na medida em que protege o consumidor contra as vicissitudes de uma relação naturalmente caracterizada pela hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor.
Grammond ( 2010, p. 1) entende cláusulas abusivas como:
an abusive clause is a clause which is excessively and unreasonably detrimental to the consumer or the adhering party and is therefore not in good faith; in particular, a clause which so departs from the fundamental obligations arising from the rules normally governing the contract that it changes the nature of the contract is an abusive clause.
Para Aguiar Júnior ( 1994, p. 1) “o conceito de abusividade é fundamental para a leitura do Código do Consumidor. Ele perpassa os três pontos cernes regulados pela lei: a prática comercial, a publicidade e o contrato, proibindo que em qualquer desses momentos esteja presente o abuso.”
Em 76,50% dos países analisados, existe proteção contra cláusulas abusivas, totalizando 13 casos. No outro oposto, Bolívia, Belize, Colômbia e Peru carecem de dispositivos legais específicos contra cláusulas contratuais abusivas. No Brasil, a regulamentação sobre cláusulas dessa natureza foi devidamente positivada pelo artigo 51 do CDC ao determinar que:
são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade (art. 51, IV, Lei 8.078/1990) ( BRASIL, 1990a, online). 54
Na Argentina, a Lei 24.240/1993 ( ARGENTINA, 1993), em seu artigo 37, estabelece que não devem ser consideradas: a) as cláusulas que descaracterizem a obrigação ou restrinjam a responsabilidade por danos; b) as cláusulas que impliquem renúncia ou restrição dos direitos do consumidor, ou ampliem os direitos da outra parte; c) as cláusulas que contenham qualquer preceito que imponha a inversão do ônus da prova para o consumidor. 55 No Chile, a proteção contra contratos de adesão, cláusulas ou estipulações de caráter abusivo foi devidamente positivada pelo §4º, art. 16 da Lei 19.955/2004 ( CHILE, 2004). No Paraguai, similarmente ao adotado no Brasil, tem-se a proteção contra cláusulas abusivas como um dos direitos básicos do consumidor, registre-se: “Constituyen derechos básicos del consumidor: la adecuada protección contra la publicidad engañosa, los métodos comerciales coercitivos o desleales, y las cláusulas contractuales abusivas en la provisión de productos y la prestación de servicios.” (art. 6o, e, Lei 1.334/1998). 56 ( PARAGUAI, 1998, online).
No Uruguai, a Lei 17.250/2000 ( URUGUAI, 2000) também dispõe sobre a existência de cláusulas abusivas. Em particular, o artigo 6º estabelece os direitos dos consumidores, assegurando “La protección contra la publicidad engañosa, los métodos coercitivos o desleales em el suministro de productos y servicios y las cláusulas abusivas em los contratos de adhesion, cada um de ellos dentro de los términos dispuestos em la presente ley.” (art. 6º, d, Lei 17.250/2000). 57 ( URUGUAI, 2000, online).
Muito frequentemente, os contratos firmados entre fornecedores e consumidores apresentam cláusulas tendenciosas em favor dos primeiros. Legalmente, a proteção contra cláusulas dessa natureza é um elemento central para minimizar eventuais assimetrias contratuais lesivas ao consumidor.
Dezesseis dos dezessete países analisados possuem regulamentação específica sobre propaganda enganosa ou abusiva (94,10%). Belize é o único que não apresenta dispositivos dessa natureza. No Brasil, o artigo 4º, inciso VI, do CDC adota como princípio a coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e a utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores (art. 4º, VI, Lei 8.078/1990) ( BRASIL, 1990a). Adicionalmente, o artigo 37 veda qualquer tipo de publicidade enganosa ou abusiva. 58
Na Argentina, a Lei 24.240/1993 ( ARGENTINA, 1993) não regula expressamente a propaganda enganosa ou abusiva, mas existe previsão na Lei 22.802/1983 ( ARGENTINA, 1983) de Lealdade Comercial para proibir práticas dessa natureza (art. 9º, Lei 22.802/1983). 59 No Chile, a proteção contra propaganda enganosa foi devidamente positivada pelo parágrafo 1º, artigo 28 da Lei 19.955/2004 ( CHILE, 2004). No original, “comete infracción a las disposiciones de esta ley el que, a sabiendas o debiendo saberlo y a través de cualquier tipo de mensaje publicitario induce a error o engaño” (art. 28, parágrafo 1o, Lei 19.955/2004) ( CHILE, 2004, online). No Paraguai, o capítulo VIII da Lei 1.334/1998 ( PARAGUAI, 1998) dispõe sobre a regulamentação da publicidade, proibindo qualquer tipo de propaganda enganosa (art. 35) e abusiva (art. 37). No Uruguai, a vedação contra propaganda enganosa ou abusiva foi devidamente materializada pelos artigos 6º, d, 24 e 51 da Lei 17.250/2000. 60 ( URUGUAI, 2000).
É absolutamente inaceitável que os fornecedores veiculem qualquer tipo de informação com o objetivo de induzir o consumidor ao erro. Legislação específica para coibir esse tipo de prática é, sem dúvida, um componente central do rol de direitos dos consumidores.
Seguindo a tendência anteriormente observada, na maior parte dos países, existe responsabilidade civil dos fornecedores pelo fato do produto ou do serviço (82,40%). Apenas os ordenamentos jurídicos de Belize, Bolívia e El Salvador não o fazem. No Brasil, a Seção III - Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço - do CDC estabelece a responsabilidade dos fornecedores em relação aos produtos e/ou serviços ofertados aos consumidores. Na Argentina, a Lei 24.240/1993 obriga os fornecedores a repararem o dano causado, mediante responsabilização civil (arts. 23 e 40 da Lei 24.240/1993), registre-se:
Si el daño al consumidor resulta del vicio o riesgo de la cosa o de la prestación del servicio, responderán el productor, el fabricante, el importador, el distribuidor, el proveedor, el vendedor y quien haya puesto su marca en la cosa o servicio. El transportista responderá por los daños ocasionados a la cosa com motivo o en ocasión del servicio. La responsabilidad es solidaria, sin perjuicio de las acciones de repetición que correspondan. Soló se liberará total o parcialmente quien demustre que la causa del daño le ha sido ajena. (art. 40, Lei 24.240/1993). ( ARGENTINA, 1993, online).
Assim como no Brasil, o artigo 40 da Lei 24.240/1993, da Argentina, determina que a responsabilidade por danos ao consumidor é objetiva. 61 No original,
Si el daño al consumidor resulta del vicio o riesgo de la cosa o de la prestación del servicio, responderán el productor, el fabricante, el importador, el distribuidor, el proveedor, el vendedor y quien haya puesto su marca em la cosa o servicio. El transportista responderá por las daños ocasionados a la cosa con motivo o em ocasión del servicio (art. 40, §1º , Lei 24.240/1993). 62 ( ARGENTINA, 1993, online).
No Chile, o §5º, em seus artigos 18 ao 28, dispõe sobre a responsabilidade civil dos fornecedores. Em particular, o artigo 20 da Lei 19955/2004 ( CHILE, 2004) assegura a garantia ao consumidor de optar pela reparação gratuita do bem ou prévia restituição, sua reposição ou a devolução da quantidade paga em diferentes situações.
No Paraguai, a Lei 1.334/1998 ( PARAGUAI, 1998) considera abusivas e nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que eliminem ou restrinjam a responsabilidade do fornecedor por danos causados ao consumidor. No original: “Se considerarán abusivas y conllevan la nulidad de pleno derecho y, por ló tanto, sin que se puedan opones al consumidor las cláusulas o estipulaciones que: desnaturalicen las obligaciones o que eliminem o restrinjan La responsabilidad por daños.” (art. 28, a, Lei 1.334/1998, online). ( PARAGUAI, 1998).
No Uruguai, a responsabilidade também é objetiva. 63 Em termos comparativos, a responsabilidade civil de fornecedores tem sua expressão mais amplamente desenvolvida no direito anglo-saxão, especialmente nos Estados Unidos. O ordenamento jurídico norte-americano prevê o instituto do punitive damages (indenização punitiva) que tem função única de punir o fornecedor, além dos danos eventualmente causados ao consumidor. Para Martins-Costa e Pergandler ( 2005), os também chamados exemplary damages, vindictive damages ou smart money, consistem na soma em dinheiro conferida ao autor de uma ação indenizatória em valor expressivamente superior ao necessário à compensação do dano, tendo em vista a dupla finalidade de punição (punishment) e prevenção pela exemplaridade da punição (deterrence) ( MARTINS-COSTA; PERGENDLER, 2005). No Brasil, a tradição dominante entende que a responsabilidade civil se materializa com a restituição/compensação monetária do dano causado ao particular, o que, na prática, significa que uma única verba deve cumprir, ao mesmo tempo, função compensatória, punitiva e preventiva. 64
Na maior parte dos países, existe tutela penal das relações de consumo (66,70%), perfazendo dez casos. Por outro lado, em 33,30% das nações, não se registra a tutela penal das relações de consumo. Argentina, Colômbia, Equador, Panamá e Uruguai integram esse grupo. No Brasil, o título II do CDC dispõe sobre as Infrações Penais, materializadas pelos arts. 61 ao 80. No Chile, existe previsão de pena de multa para eventuais desrespeitos à Lei de Proteção ao Consumidor (LPC). De acordo com o relatório do Ministério da Justiça, a competência para determinar estas sanções cabe aos juízes de polícia local, em caso de transgressões individuais, e aos juízes de letras, se coletivas. No Paraguai, o código penal prevê sanções penais àqueles que desrespeitarem os direitos dos consumidores (Lei 1.160/1997) ( PARAGUAI, 1997). As legislações Argentina e Uruguaia não preveem a tutela penal das relações consumeristas.
Por fim, a partir da combinação desses dez dispositivos legais em relação ao nível de proteção sobre o direito do consumidor, é possível estimar um índice de proteção. O indicador foi calculado a partir da soma de todas as variáveis, produzindo uma medida que varia entre zero e dez. A interpretação é direta: quanto mais próximo de zero, menor o nível de proteção.
Quanto mais próximo de dez, maior é o grau de garantias asseguradas ao consumidor. A tabela 11 apresenta a estatística descritiva desse índice.
Belize é o país com o menor grau de proteção garantido ao consumidor, seguido de perto pela Bolívia. No outro oposto, o valor máximo do índice de proteção é dez. Isso quer dizer que o aparato legal do país contempla todos os dispositivos protetivos até então considerados. Brasil, México e Costa Rica exemplificam a opção jurídica pelo maior grau de proteção aos direitos do consumidor. A média de regulamentação é de 7,65 com um desvio padrão de 2,63. Substantivamente, isso significa que existe uma tendência em torno de maior proteção, dada a magnitude do termo médio. Dito de outra forma, dos dez dispositivos protetivos, cerca de 7,65 são legalmente positivados. No que diz respeito à dispersão dos dados, existe pouca variação entre os países analisados, já que o valor da média supera o do desvio padrão. O gráfico 1 ilustra o índice de proteção ao consumidor em perspectiva comparada.
O eixo vertical apresenta a distribuição do índice de proteção ao consumidor e a linha pontilhada representa a média (7,65). Como pode ser observado, Brasil, México e Costa Rica integram o grupo que concede nível máximo de proteção (dez). Paraguai e Argentina aparecem empatados no segundo grupo com grau de proteção igual a nove. Por último, o Uruguai aparece ao lado do Equador com nível sete de proteção. A tabela 12 apresenta uma perspectiva comparada entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai em relação a cada dispositivo de proteção ao consumidor.
Em termos teóricos, o principal objetivo desse artigo foi analisar o direito do consumidor em perspectiva comparada, concedendo especial atenção aos casos do Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai. Os resultados sugerem que, na maior parte dos países, o nível de proteção é elevado (7,65). Em particular, observou-se grau máximo de proteção no Brasil em face dos demais países.
Em termos institucionais, tanto o Ministério da Justiça quanto os órgãos estaduais de Proteção ao Direito do Consumidor oferecem tecnologias para a coleta, o processamento e a divulgação sistemática de informações. Nesse sentido, não há espaço para o argumento de que faltam dados para investigar a realidade. Partindo do pressuposto de que os processos de mudança institucional se beneficiam do conhecimento de outros contextos, é importante entender como diferentes países regulamentam os direitos dos consumidores. Isso porque a perspectiva comparada permite identificar quais são as práticas institucionais mais eficientes e quais delas são mais adequadas para serem emuladas em diferentes contextos.
Inegavelmente, estimar em que medida a legislação protetiva do consumidor produz os seus efeitos esperados é um dos principais desafios enfrentados não só pelos estudiosos do assunto, mas também pelos operadores do direito. Isso porque qualquer tentativa de aprimorar a legislação consumerista precisa identificar as eventuais consequências produzidas por cada opção institucional. Este trabalho procura contribuir para melhor compreender as regras que regulamentam o direito do consumidor, de forma geral, e no Brasil, em particular. Fundamentalmente, espera-se contribuir para aperfeiçoar a efetividade do sistema protetivo, já que a difusão de práticas eficientes depende do conhecimento da legislação comparada. Além disso, esperamos difundir a jurimetria como estratégia metodológica na pesquisa empírica em Direito.
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