RESUMO: Trata-se de um ensaio que visa a analisar a constitucionalidade formal dos arts. 54-56 da Lei n. 13.097/2015, considerando que a lei decorre da conversão de medida provisória que trata de tema de Direito material (e não processual). Visa, ainda, a demonstrar a compatibilidade desses artigos, que disciplinam a ciência da fraude como pressuposto necessário para a configuração de fraude à execução no contexto dos negócios imobiliários, com o regramento posterior do CPC/2015, que alcança, também, os negócios mobiliários. As leis em comento não se contrapõem e acabam sendo complementares entre si na regência da matéria.
Palavras-chave: Fraude à execução, Lei n. 13.097/2015, Princípio da concentração da matrícula, Ciência da fraude, Constitucionalidade formal.
ABSTRACT: This essay aims to analyze the formal constitutionality of arts. 54-56 of the Law no. 13.097/2015, considering that the law is a result of the conversion of a provisional measure whose object is the material law (and not procedural law). It is also intended to demonstrate the compatibility of these articles, which regulate the fraud science as a necessary assumption for the configuration of fraud to enforcement proceedings in the context of real estate deals, with the subsequent regulation of the 2015 Civil Procedural Code, in the same context, which also reaches the movable property deals. The mentioned rules do not contradict each other and end up being complementary to one another in the regulation of the subject.
Keywords: Fraud to Enforcement Proceedings, Law n. 13.097/2015, Principle of Concentration of Acts in the Real Estate Records, Fraud Science, Formal Constitutionality.
RESUMEN: Se trata de un ensayo que busca analizar la constitucionalidad formal de los arts. 54-56 de la Ley n. 13.097/2015, considerando que la ley deriva de la conversión de la medida provisional que trata del tema de Derecho material (y no procesal). Se pretende además demostrar la compatibilidad de estos artículos, que disciplinan la ciencia del fraude como presupuesto necesario para la configuración de fraude a la ejecución en el contexto de los negocios inmobiliarios, con la norma posterior del CPC / 2015, que abarca también los negocios mobiliarios. Las leyes citadas no se contraponen y acaban siendo complementarias entre sí en la regencia de la materia.
Palabras clave: Fraude a la ejecución, Ley n. 13.097/2015, Principio de la concentración de la matrícula, Ciencia del fraude, constitucionalidad formal.
Artigos
O Princípio Da Concentração Da Matrícula E A Fraude À E Xecução : Um Diálogo Entre A Lei N. 13.097/2015 E O Cpc/2015 1
THE PRINCIPLE OF CONCENTRATION OF ACTS IN THE REAL ESTATE RECORDS AND THE FRAUD TO ENFORCEMENT PROCEEDINGS: A DIALOG BETWEEN THE LAW NO. 13.097 AND THE 2015 CIVIL PROCEDURAL CODE
EL PRINCIPIO DE LA CONCENTRACIÓN DE LA MATRÍCULO Y EL FRAUDE A LA EJECUCIÓN: UN DIÁLOGO ENTRE LA LEY N. 13.077/2015 Y EL CPC/2015
Recepção: 04 Dezembro 2017
Aprovação: 14 Maio 2018
A Lei n. 13.097/2015 entrou em vigor pouco mais de um ano antes da vigência do CPC-2015. Trata-se de lei que, em seus arts. 54-56, cuida de um dos pressupostos necessários para a configuração de fraude à execução no contexto dos negócios imobiliários - no caso, a ciência da fraude pelo terceiro adquirente do bem.
Ocorre que o CPC-2015, lei posterior, também trata da matéria, porém de forma mais abrangente, com regras que alcançam, ainda, os negócios mobiliários.
Diante dessa sucessão de leis que cuidam da mesma temática, naturalmente surgiu, em doutrina, o questionamento sobre a compatibilidade entre elas.
A Lei n. 13.097/2015 (BRASIL, 2015b) sugere, em leitura rasa e equivocada, que só haveria fraude quando averbada pendência de ação, execução, constrição ou outro gravame ou restrição no registro do imóvel transferido para o terceiro. Mas o CPC-2015 deixa mais claro algo que já poderia ser extraído de uma leitura adequada dos dispositivos mencionados da Lei n. 13.097/2015, i.e., que, mesmo que não haja a referida averbação, é possível a configuração da fraude quando o credor demonstra a má-fé do terceiro adquirente, conforme se consolidou no teor do enunciado n. 375 da Súmula do STJ.2
Além disso, o art. 54, IV, e parágrafo único, e art. 55 da Lei 13.097/2015 não inovam nem se incompatibilizam com o art. 792 do CPC-2015, ao disporem que poderá ser averbada no registro de bem imóvel, após decisã o judicial, a existência de outras ações cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir o titular do direito sobre o imóvel à insolvência (art. 792, IV, do CPC). Trata-se de averbação que se dá mediante decisão judicial concessiva de tutela provisória que é, pois, medida cuja admissibilidade e regramento já podem ser extraídos da leitura conjugada dos arts. 297, 300, 301 e 828 do CPC-2015, que devem ser considerados nesse contexto.
Há certa resistência de alguns processualistas a visualizar a importância da Lei n. 13.097/2015 e sua perfeita acomodação ao sistema vigente; isso nos provocou a analisá-la e propor uma interpretação conjunta do CPC e dessa Lei que permita harmonizá-los, na linha de raciocínio mencionada.
A saída encontrada por alguns doutrinadores para defender que o regramento do CPC-2015 deve prevalecer, não vingando o texto da Lei n. 13.097/2015, foi sustentar a inconstitucionalidade formal da referida lei, sob o argumento de que decorreria da conversão de medida provisória sobre matéria processual (vedada por força do art. 62, §1.º, I, “b”, da CF). Não observam, contudo, que se trata de matéria de Direito material, por tratar de disciplina da eficácia do contrato imobiliário, bem como da responsabilidade patrimonial e da fraude.
Assim, o objetivo do presente trabalho é demonstrar a constitucionalidade e vigência dos arts. 54-56 da Lei n. 13.097/2015, porque produzidos por processo legislativo de acordo com a Constituição, e sem destoar dos termos do CPC-2015, que se coloca como lei posterior que só vem ratificar, complementar e tornar mais abrangente essa legislação.
Essa é a tarefa a que se dedica esse breve ensaio.
A fraude à execução é manobra do devedor que causa dano não apenas ao credor (como na fraude pauliana), mas também à atividade jurisdicional executiva (BUZAID, 1952; THEODORO JUNIOR, 2007; DINAMARCO, 2004). Trata-se de instituto tipicamente processual (CAHALI, 1999; THEODORO JUNIOR, 2007; CASTRO, 1974).3
Por frustrar a atividade executiva, de forma acintosa, é combatida com contundência pelo legislador, que considera a alienação/oneração fraudulenta do bem pelo devedor para terceiro ineficaz para o exequente (CPC, art. 792, § 1º),4 sem necessidade de ação própria para neutralizar a eficácia do ato fraudulento (THEODORO JUNIOR, 2007; LIEBMAN, 1980; CAHALI, 1999; MARINONI; ARENHART, 2007).
O ato fraudulento, embora válido e eficaz para o devedor alienante e terceiro adquirente, não é oponível ao credor exequente; é ineficaz para ele e para a execução (CPC, 792, § 1º), que, ainda assim, pode recair sobre o bem transferido/onerado fraudulentamente. O bem, agora pertencente ao terceiro adquirente, responderá pela execução. Não existem grandes discussões a esse respeito, tendo o CPC-2015 resolvido expressamente a questão no § 1º do art. 792 (LIEBMAN, 1980; THEODORO JUNIOR, 2007; LIMA, 1985; MARQUES, 1976; CAHALI, 1999; BUZAID, 1952; DINAMARCO, 2004; MARINONI; ARENHART, 2007; COSTA, 1959; ASSIS, 2007).5
Na forma do art. 792 do CPC, o ato de alienação ou a oneração de bem será considerada fraude à execução, nas seguintes hipóteses:
quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;
quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;
quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;
quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;
nos demais casos expressos em lei (BRASIL, 2015a, online).
Necessário esclarecer, contudo, se, para a configuração da fraude à execução, é preciso que o terceiro dela tenha conhecimento, configurando-se a chamada scienti a fraudis. O terceiro deve ter conhecimento da pendência da demanda real ou reipersecutória, da pendência de demanda executiva, da hipoteca judiciária ou constrição judicial sobre o bem adquirido ou da pendência da demanda capaz de reduzir o devedor-alienante à insolvência? Se o terceiro adquirente não tiver esse conhecimento, e estiver de boa-fé, enfim, há fraude à execução?
O texto normativo do CPC-2015 cuida do tema, não ignorando que a boa-fé do terceiro adquirente deva ser protegida.
A pendência da ação real imobiliária ou reipersecutória deve ser, a princípio, averbada no registro público competente, como determina o art. 167, I, n. 21, da Lei 6.015/1973, o art. 54, I, Lei n. 13.097/2015 (para o caso dos imóveis), e o art. 792, I, do CPC, para que se possa gerar uma presunção absoluta de conhecimento de terceiros da sua existência para discussão de questão em torno daquele determinado bem.
Não parece ser possível a extensão da coisa julgada ao terceiro adquirente (CPC, art. 109, § 3º; do CPC, art. 792, I), que, diante de um registro público em que não há a notícia da pendência da ação real ou reipersecutória, não pode ser surpreendido, sob pena de ser ignorada a necessária proteção da confiança no comércio jurídico.6
O direito material, a quem cabe reger a hipótese (OLIVEIRA, 1986, p. 249-250), parece exigir, para a incidência do § 3º do art. 109 do CPC (e do inciso I do art. 792, que expressamente cuida da pendência de uma ação real ou reipersecutória), o conhecimento pelo terceiro adquirente da litispendência.7-8
A exigência do art. 167, I, n. 21, da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/1973), do art. 54, I, da Lei n. 13.097/2015 e do art. 792, I, do CPC, de averbação da pendência de ação real ou reipersecutória em registro público competente não é, porém, indispensável para configuração da fraude à execução.9
Havendo a referida averbação, o exequente tem o benefício da presunção absoluta de conhecimento pelo terceiro da pendência do processo, como já dito. Não havendo, recairá sobre ele, exequente, o ônus de demonstrar que o adquirente tinha conhecimento da pendência do processo (na linha do enunciado n. 375 da Súmula do STJ) (LIMA, 1985; CASTRO, 1974; THEODORO JUNIOR, 2007; SILVA, 2008; ZAVASCKI, 2003; NEVES, 2016)10 prova, de fato, mais difícil. Trata-se de posicionamento tranquilo nos tribunais, já objeto do enunciado de súmula citado (n. 375, STJ), e definitivamente consolidado com a redação dada aos arts. 792, I, e 828 do CPC.
Quando se trata de bem móvel não sujeito a registro, a prova da ciência pelo terceiro da litispendência é mais difícil ainda. Nesse caso, é do terceiro adquirente o ônus de provar que tomou as providências e cautelas necessárias para a aquisição do bem, apresentando as certidões negativas pertinentes, inclusive aquelas obtidas junto aos cartórios de distribuição de demandas (e outros), no domicílio do devedor-alienante e no local onde se encontra o bem (art. 792, § 2º, do CPC).11
Resta analisar a questão no contexto das ações pessoais que visem ao reconhecimento e à satisfação de obrigação pecuniária - ou de outras obrigações que venham a ser convertidas em obrigação pecuniária.
D e um lado, quando se trata de ato de alienação ou oneração de bem em cujo registro fora a v erbada a pendência de processo de execução (cf. art. 828 do CPC), “hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial” (BRASIL, 2015a, online) (como penhora ou arresto) decorrente do processo em que se arguiu a fraude, na forma do art. 792, II e III, do CPC, a scientia fraudis pelo terceiro adquirente (ou beneficiário do gravame) é presumida pelo legislador (presunção absoluta), diante da publicidade de tais atos no registro do bem.
Caso essa averbação não seja realizada, caberá ao exequente o ônus de demonstrar que o terceiro adquirente tinha conhecimento da pendência do processo ou do ato constritivo (na linha do enunciado n. 375 da Súmula do STJ),12 cuja boa-fé é presumida.
Entretanto, se o bem não for sujeito a registro, caberá ao terceiro adquirente o ônus de demonstrar sua boa-fé: demonstrar que adotou as cautelas esperadas de pessoa diligente e de cultura mediana, levantando todas as certidões cabíveis para aferição do desembaraço do bem, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem (art. 792, § 2º, do CPC).
De outro lado, quando se trata de ato de alienação ou oneração de bem na pendência de demanda capaz de reduzir o devedor à insolvência (art. 792, IV, do CPC), também há que se demonstrar a scientia fraudis para configuração de fraude à execução.
Em se tratando de demanda sujeita a averbação em registro de bens do devedor, mas não averbada (ex.: execução), é ônus do exequente provar que o terceiro adquirente sabia da sua pendência e dos seus riscos (na linha do enunciado n. 375 da súmula da jurisprudência predominante do STJ).13
O art. 54, IV, e o art. 56 da Lei 13.097/2015 autorizam a averbação da pendência de ação capaz de reduzir à insolvência no registro público. O tema será examinado mais à frente, embora se possa adiantar que essa averbação tem a função de, como as demais, gerar a presunção absoluta de conhecimento da fraude pelo terceiro.
Em se tratando de demanda não sujeita a averbação, não havendo como o credor adotar esse tipo de cautela, o art. 792, § 2º, do CPC, impõe ao terceiro adquirente o ônus de provar sua boa-fé. Em que pese a má-fé do terceiro adquirente seja pressuposto fático indispensável para configuração da fraude, o legislador estabelece uma regra de ônus de prova diversa da usual (cf. art. 373 do CPC). Não cabe ao credor provar esse fato constitutivo do seu direito (má-fé do terceiro), mas, sim, ao terceiro adquirente provar o contrário.
É certo que o terceiro adquirente tem o ônus de diligenciar a obtenção de certidões negativas pertinentes, inclusive junto aos cartórios de distribuição de demandas, no domicílio do devedor-alienante e no local onde se encontre o bem. Trata-se de providências que devem ser tomadas, pois, de acordo com as regras da experiência, revelam probidade e cautela na aquisição de bem que podem ser exigidas da pessoa comum (THEODORO JUNIOR, 2007; ASSIS, 2007; SALAMACHA, 2005; DINAMARCO, 2004).14
A má-fé do terceiro adquirente é, assim, pressuposto da fraud e à execução15 e se caracteriza pelo conhecimento das suas hipóteses de cabimento.
A Lei n. 13.097/2015 foi elaborada no intuito de alterar o regime da fraude à execução, contendo, na norma extraída do respectivo art. 54, o chamado “princípio da concentração da matrícula” (ASSIS, 2016, p. 389).
A concentração da matrícula é princípio basilar do Direito Registral, segundo o qual todos os dados e informações referentes aos direitos reais (e seus titulares) sobre um bem imóvel devem constar e ficar concentrados na sua matrícula, no Cartório de Registro de Imóveis competente.16 O objetivo é garantir a presunção absoluta de que sejam de conhecimento de terceiros, conferindo mais segurança jurídica e boa-fé no tráfico jurídico imobiliário.
Em que pese a Lei n. 13.097/2015 tenha ficado conhecida como a lei de regência da matéria, a Lei n. 6.015/1973 (arts. 167 e 246) também tratava do assunto. A Lei n. 13.097/2015 ratifica o princípio e mais bem o concretiza, no intuito de viabilizar o alcance das finalidades por ele visadas.
Cuida-se, assim, de diploma normativo que trata da configuração de fraude à execução a partir da averbação no registro de bens da pendência de: a) ações reais ou pessoais reipersecutórias que os tenha como objeto; b) ações pessoais sobre obrigações pecuniárias (como execuções, e, inclusive, de contrições ou outros ônus sobre o bem); e, também; c) outras ações capazes de reduzir o devedor à insolvência.
Imprescindível, contudo, analisar a compatibilidade dessas normas com a Constituição.
Não convence o entendimento no sentido de que a Lei n. 13.097/2015, por ser resultado da conversão da MP n. 656/2014, e tratar de matéria processual, está fadada ao reconhecimento de sua inconstitucionalidade formal, por violação ao art. 62, §1º, b, da CF/1988, e a tese de que essa lei teria sido revogada pelo CPC-2015, que é lei posterior (ASSIS, 2016; SIQUEIRA, 2016).
Na verdade, as regras decorrentes dessa lei sobre negociação imobiliária podem tranquilamente ser consideradas materiais, por abordarem a eficácia de contratos selados nesse contexto.
Além disso, elas cuidam da responsabilidade patrimonial que recai sobre bem transferido pela parte (executada ou demandada) para terceiro (o terceiro adquirente) fraudulentamente (cf. art. 790, V, do CPC). A responsabilidade patrimonial é, nesse caso, exatamente, o estado de sujeição do patrimônio desse terceiro responsável (cf. art. 789 do CPC), às providências executivas voltadas à satisfação da prestação devida.
Mas há controvérsia sobre a natureza da norma sobre a responsabilidade patrimonial, representada pelas visões dos: i) materialistas, como Alois Brinz17, Serpa Lopes (1996, p. 11-13) e Betti (1969, p. 281), e dos ii) processualistas, como Carnelutti (1958, p. 314-315), Liebman (1980, p. 85-86), Buzaid (1952, p. 17-18), Assis (2005, p. 11), Castro (1976, p. 78), Zavascki (2000, p. 261), Dinamarco (2004, p. 326-327), Marinoni e Arenhart (2007, p. 252-253), Farias e Rosenvald (2008, p. 14) e outros.18
Os materialistas sustentam que a obrigação se desdobra em débito (dever jurídico de prestar) e responsabilidade (sujeição patrimonial). Uma vez inadimplido o dever de prestar, surge, segundo eles, a responsabilidade, que constituiria vínculo eminentemente material.19
Já os processualistas defendem que o débito, como dever jurídico imposto ao devedor de cumprir a prestação, é objeto de r elação obrigacional. Quando inadimplido, faz surgir a responsabilidade, que seria, por sua vez, vínculo processual de sujeição do responsável (que também pode ser o devedor) ao poder de responsabilização do Estado.20
Os adeptos dessa última visão (processualistas) observam, ainda, que, a despeito de a responsabilidade patrimonial ser categoria processual, o Código Civil brasileiro de 2002 inova ao tratar do tema, para dispor que “pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor” (art. 391 do Código Civil) (BRASIL, 2002, online). Com isso, repetiria, sem necessidade, o disposto no art. 789 do CPC.21-22
Dinamarco é daqueles que adotam uma visão processualista da responsabilidade patrimonial, afirmando que sua indevida e frequente inserção no campo do Direito substancial se deve a duas de suas manifestações: a hipoteca e a fraude pauliana.
Para o autor, basta lembrar que a responsabilidade é estado potencial de sujeição a medidas executivas, para que se conclua que a hipoteca não se incluiria entre direitos reais (de garantia), consistindo, em verdade, “na predisposição do bem à futura sujeição executiva, mediante a sequela que impede que seja eficazmente subtraído ao patrimônio do responsável.” (DINAMARCO, 2003, p. 228).23
Essa mesma premissa permitiria concluir que a fraude pauliana é fundamento para o restabelecimento da responsabilidade patrimonial, em benefício de terceiro, sobre bem fraudulentamente transferido ou onerado, para que, futuramente, se submeta à execução - a despeito da validade do negócio em torno do bem. No entanto, Dinamarco reconhece não haver tradição em doutrina de inseri-la, por meio da responsabilidade patrimonial, no âmbito do Direito processual (DINAMARCO, 2003, p. 228).
Não é esta a melhor orientação.
A responsabilidade é tema de Direito material, assim como a hipoteca e a fraude pauliana se inserem nesse mesmo contexto, não tendo o condão de determinar a processualidade da responsabilização.
A responsabilidade patrimonial, em que pese a histórica controvérsia, é uma situação jurídica material que compõe o consequente de uma norma material (um critério de julgar).
Basta pensar que, ao longo do processo obrigacional, entre todas as situações materiais ativas e passivas ali contidas, estão o dever jurídico de prestar e a responsabilidade. São situações jurídicas passivas distintas, que podem ser titularizadas por sujeitos distintos (ex.: empresa deve, mas sócio também responde), razão pela qual se distinguem as figuras do devedor e do responsável, embora se observe que ambos integram o mesmo processo obrigacional.
Assim, uma vez inadimplido o dever jurídico de prestar (pressuposto fático), tem-se a responsabilidade patrimonial (consequente jurídico), como estado de sujeição: i) do patrimônio do devedor/terceiro (ex.: terceiro adquirente de bem em fraude), que poderá ser objeto de atividade executiva; ou, eventualmente, ii) de sua vontade/liberdade, ao cumprimento da prestação (ex.: prisão civil em caso de dívida alimentar).
Sem dúvidas, a identificação daquele que se coloca nessa posição de sujeição (quem responde) e com quais bens responderá (o que responde) é uma tarefa da norma material, com base na qual o juiz pode decidir (julgar) qual será o sujeito e objeto dessa responsabilidade.
Qualquer enunciado de norma a esse respeito que conste em legislação (tida por) processual pode ser considerado disposição normativa heterotópica - i.e., um enunciado de norma material inserido em diploma denominado processual (um estranho no ninho, por assim dizer).
A responsabilidade patrimonial é, inclusive, situação jurídica que decorre de fato extraprocessual, que sequer pode vir a ser objeto de processo executivo. No entanto, se o for, o modo como será exercido o poder jurisdicional de responsabilizar, os limites ao exercício devido e legal desse poder e, pois, o critério de proceder são regidos por norma processual. Daí, por exemplo, a preocupação processual de estabelecer que:
o cônjuge do executado deve ser intimado da penhora do imóvel de que esse mesmo executado seja titular de direito real (art. 842 do CPC24);
que, em caso de desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica executada, é necessário um incidente cognitivo, para garantir o contraditório do sócio (cf. art.133-137 do CPC)25 e;
como deve ser exercido o benefício de ordem do sócio ou fiador (arts. 794 e 795 do CPC).26
O que se conclui é que a responsabilidade patrimonial é instituto material, regido por norma material. A questão é que, quando deduzida em juízo (sobretudo em processo executivo), acaba exigindo um tratamento processual adequado, cabendo à norma processual estabelecer esse seu regime jurídico processual peculiar e, por conseguinte, como proceder-se diante de sua presença.
Em sendo a responsabilidade patrimonial e a fraude (com seus pressupostos) tema de Direito material, não há empecilho a que sua disciplina se origine de medida provisória posteriormente convertida em lei.
Junto a isso, trata-se de lei especial sobre a matéria que dialoga perfeitamente com o quanto previsto no CPC-2015, ratificando os seus termos e sua validade no ordenamento brasileiro, como se constata na análise detida exposta a seguir. Não há, pois, antinomia, que justifique falar-se em revogação de lei anterior (Lei n. 13.097/2015) por lei posterior (CPC 2015).
De todo modo, a arguição de inconstitucionalidade somente faria algum sentido durante a vigência da medida provisória; isso porque, durante a sua tramitação no Congresso, ela poderia sofrer emendas parlamentares, como aconteceu e costuma acontecer, e, nesse caso, a fonte da norma passaria a ser o próprio Poder Legislativo, e não o Poder Executivo - e o Poder Legislativo pode editar normas processuais e materiais.
Superada a questão, a (in)constitucionalidade desse diploma normativo, resta compreender seu conteúdo.
O art. 54, I e parágrafo único, e art. 55 da Lei n. 13.097/2015 negam a configuração de fraude quando não houver averbação da pendência da ação real ou pessoal reipersecutória no registro do bem imóvel, nos seguintes termos:
Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informaçõ es: [...] I - registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias [...] Parágrafo único. Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.
Art. 55. A alienação ou oneração de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária, parcelamento do solo ou condomínio edilício, devidamente registrada, não poderá ser objeto de evicção ou de decretação de ineficácia, mas eventuais credores do alienante ficam sub-rogados no preço ou no eventual crédito imobiliário, sem prejuízo das perdas e danos imputáveis ao incorporador ou empreendedor, decorrentes de seu dolo ou culpa, bem como da aplicação das disposições constantes da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990 (BRASIL, 2015b, online).
Na verdade, a existência da averbação referida no dispositivo só viria a estabelecer uma presunção absoluta de conhecimento pelo terceiro adquirente da pendência do feito e do caráter fraudulento do ato de alienação/oneração praticado.
Tanto que o art. 54, parágrafo único, dessa mesma lei ressalva que: “Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel.” (BRASIL, 2015b, online).27 Ou seja, não pode ser oposta a pendência de ação sobre o bem que não tenha sido averbada ao “terceiro de boa-fé”, logo, a contrario sensu, poderá, sim, ser oposta a pendência dessa demanda contra o terceiro que esteja de má-fé; mesmo que não seja averbada a ação real ou reipersecutória no registro do imóvel, a fraude pode configurar-se se o terceiro adquirente estiver de má-fé. Nesse caso, caberá ao credor demonstrar a má-fé do terceiro (cf. aplicação analógica do enunciado n. 375 da Súmula da jurisprudência dominante do STJ).28
Trata-se de dispositivo (art. 54, I, da Lei n. 13.097/2015) que deve ser harmonizado com o art. 792, I, do CPC-2015, que produz regra similar, ainda que mais abrangente (para bens móveis ou imóveis), e ainda permite que a referida averbação ocorra quando pendente a ação real ou reipersecutória, ou seja, desde o momento em que fora proposta a demanda (cf. art. 312 do CPC), independentemente de o réu ter sido efetivamente citado.
Pode-se, assim, dizer, em suma, que há presunção absoluta de scientia fraudis e de fraude quando há ato de alienação/oneração de bem (móvel ou imóvel) objeto de ação real ou pessoal repersecutória em cujo registro está averbada a pendência dessa ação (não necessariamente citação), bem assim que, ainda que não haja a referida averbação, haverá fraude se o terceiro estiver de má-fé (não adotando cautelas esperadas para ter segurança na compra quanto à inexistência de gravames sobre o bem) e o credor provar isso, na forma do art. 54, parágrafo único, e do enunciado n. 375 da Súmula do STJ.
Junto a isso, os arts. 54, II e III, e parágrafo único, e 55 da Lei n. 13.097/2015 (BRASIL, 2015b) negam a configuração de fraude quando não houver averbação de execução, fase de cumprimento de sentença, constrição judicial, restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei, no registro do bem imóvel, nos seguintes termos:
Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações: [...] II - averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos do art. 615-A da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil; III- averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei [...] Parágrafo único. Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.
Art. 55. A alienação ou oneração de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária, parcelamento do solo ou condomínio edilício, devidamente registrada, não poderá ser objeto de evicção ou de decretação de ineficácia, mas eventuais credores do alienante ficam sub-rogados no preço ou no eventual crédito imobiliário, sem prejuízo das perdas e danos imputáveis ao incorporador ou empreendedor, decorrentes de seu dolo ou culpa, bem como da aplicação das disposições constantes da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990 (BRASIL, 2015b, online).
Também, aqui, a existência da averbação referida no dispositivo (art. 792, II e III, do CPC, ou art. 54, II e III, da Lei n. 13.097/2015), que será realizada, por solicitação do interessado, só teria o condão de gerar uma presunção absoluta de scientia fraudis.
Ocorre que, em mais esse caso, o art. 54, parágrafo único, da lei referida ressalva que, mesmo que não sejam realizadas essas averbações no registro do imóvel, a fraude pode configurar-se se o terceiro adquirente estiver de má-fé,29 o que se daria com base no art. 792, IV, do CPC, simplesmente por haver processo pendente apto a conduzir o devedor à insolvência. Trata-se daquela situação em que caberá ao credor demonstrar a má-fé do terceiro (cf. aplicação analógica do enunciado n. 375 da Súmula da jurisprudência dominante do STJ).
Nesse caso, é possível concluir, em síntese, que há presunção absoluta de scienti a fraudis e de fraude quando há ato de alienação/oneração de bem (móvel ou imóvel) objeto de execução/ cumprimento/constrição/outro gravame, em cujo registro esteja averbada a sua pendência (não pressupondo, necessariamente, citação no bojo de uma ação); e, junto a isso, ainda que não haja a referida averbação, existirá fraude se o terceiro estiver de má-fé - não tomando as precauções esperadas para ter segurança na aquisição e da inexistência de gravames - e o credor provar isso.
No entanto, há, ainda, uma terceira situação.
Na forma do texto do art. 54, IV e parágrafo único, e art. 55 da Lei 13.097/2015, poderá ser averbada no registro de bem imóvel, mediante decisão judicial, a existência de outras ações cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir o titular do direito sobre o imóvel à insolvência (art. 792, IV, do CPC), nos seguintes termos:
Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações: [...] IV - averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso II do art. 593 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil [...] Parágrafo único. Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.
Art. 55. A alienação ou oneração de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária, parcelamento do solo ou condomínio edilício, devidamente registrada, não poderá ser objeto de evicção ou de decretação de ineficácia, mas eventuais credores do alienante ficam sub-rogados no preço ou no eventual crédito imobiliário, sem prejuízo das perdas e danos imputáveis ao incorporador ou empreendedor, decorrentes de seu dolo ou culpa, bem como da aplicação das disposições constantes da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990 (BRASIL, 2015b, online).
O objetivo da lei, mais uma vez, é gerar uma presunção legal absoluta de ciência da fraude pelo terceiro que venha a ser beneficiado com ato de alienação ou oneração do bem.
Observe-se, contudo, que, nesse caso, a averbação dar-se-á “mediante decisão judicial”, o que ratifica e detalha o art. 56 da mesma lei:
Art. 56. A averbação na matrícula do imóvel prevista no inciso IV do art. 54 será realizada por determinação judicial e conterá a identificação das partes, o valor da causa e o juízo para o qual a petição inicial foi distribuída.
§ 1º Para efeito de inscrição, a averbação de que trata o caput é considerada sem valor declarado.
§ 2º A averbação de que trata o caput será gratuita àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.
§ 3º O Oficial do Registro Imobiliário deverá comunicar ao juízo a averbação efetivada na forma do caput, no prazo de até dez dias contado da sua concretização.
§ 4º A averbação recairá preferencialmente sobre imóveis indicados pelo proprietário e se restringirá a quantos sejam suficientes para garantir a satisfação do direito objeto da ação.
Art. 57. Recebida a comunicação da determinação de que trata o caput do art. 56, será feita a averbação ou serão indicadas as pendências a serem satisfeitas para sua efetivação no prazo de 5 (cinco) dias (BRASIL, 2015b, online).
Trata-se de situação em que a averbação da ação apta a conduzir o devedor à insolvência só poderá ser autorizada por decisão concessiva de tutela provisória (c.f. arts. 300 e 301 do CPC), tal como um protesto contra alienação (ou oneração) do bem, mediante a demonstração, pela parte interessada, da probabilidade do direito e do perigo da demora, caso em que deverá deixar em estado de verossimilhança os fatos que justificam seu receio de fraude e insolvência.
Em sendo medida de tutela provisória, não deve ficar adstrita à averbação em registro de imóveis. Deve ser admitida, também, para fins de averbação em registro de quaisquer outros bens, como veículos ou outros bens passíveis de constrição (a ex. do registro de ações de S.A. ou do registro de embarcação na capitania dos portos), em nome do direito ao acesso a uma tutela de urgência, que de resto pode ser atípica (art. 297 do CPC) - também se poderia cogitar uma aplicação por analogia da regra do art. 828 do CPC (que trata da averbação da pendência da execução admitida).
Essa determinação judicial pressupõe que a demanda tenha sido admitida - por analogia ao art. 828 do CPC -, e, por consistir em decisão judicial concessiva de tutela provisória, é passível de impugnação por agravo de instrumento (art. 1.015, I, do CPC).
Nada impede, ainda, que a medida (averbação) seja convencionada pelas partes em sede de negócio processual, independentemente de decisão judicial, uma vez presentes os pressupostos do art. 190 do CPC.
Quando recebida a determinação judicial, caberá ao oficial do registro realizar a averbação, ou, se isso não for possível, indicar as pendências a serem satisfeitas para sua efetivação no prazo de cinco dias. Uma vez implementada a averbação, o oficial do registro deverá comunicar ao juízo tal fato, no prazo de até dez dias contado da sua concretização (art. 56, §3.º, da Lei n. 13.097/2015). Nesse caso, a comunicação será feita pelo oficial, e não pelo credor, como prevê o art. 828, §1º, do CPC, para a averbação da execução.
Em que pese o silêncio dessa lei especial, pode-se concluir que, após a realização tempestiva desse comunicado, os efeitos da averbação retroagirão à data em que foi aperfeiçoada. Entretanto, caso a não realização do referido comunicado nesse prazo traga algum dano ou prejuízo para a parte adversária, poderá ela requerer indenização em face do oficial responsável, na forma do art. 22 da Lei n. 8935/1994 (BRASIL, 1994).30
Iniciada a execução e formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, deverá ser aplicado o art. 828, §2º31, do CPC, de modo que caberá ao exequente providenciar, no prazo de dez dias, o cancelamento das averbações relativas àqueles bens que não tenham sido penhorados. Esse cancelamento se impõe ao exequente como um dever de lealdade, porém o seu descumprimento enseja responsabilização pelos danos causados, na forma do art. 828, § 5º, do CPC, cuja apuração ocorrerá em incidente processado em autos apartados.
Entretanto, caso o exequente não o faça no prazo de lei, caberá ao juiz determinar o cancelamento das averbações, de ofício (ainda em analogia ao art. 828, § 3º, do CPC). Independentemente de o cancelamento ocorrer de ofício ou a requerimento, o legislador impõe, para prevenir fraudes, que isso se dê por pronunciamento judicial (ASSIS, 2007, p. 260).
Interessante notar que, diferentemente do quanto previsto no art. 828 do CPC, o art. 56, §4.º, da lei estabelece que: “A averbação recairá preferencialmente sobre imóveis indicados pelo proprietário e se restringirá a quantos sejam suficientes para garantir a satisfação do direito objeto da ação.” (BRASIL, 2015b, online). O legislador estabelece que a averbação, em tais casos, quando ainda não haja execução pendente e admitida, deverá recair prioritariamente sobre bens indicados pelo devedor; em havendo, contudo, execução instaurada e em curso, a escolha não será mais do devedor, mas sim do exequente, seguindo o espírito do CPC, que lhe confere, inclusive, a prerrogativa de escolher bens a penhorar.
Por fim, observe-se que há aqui mais um caso em que o art. 54, parágrafo único, da Lei n. 13.097/2015 (BRASIL, 2015b) prescreve que, mesmo que não sejam realizadas essas averbações no registro do imóvel, não fica afastada a configuração da fraude. Bastará, para tanto, que o credor demonstre a má-fé do terceiro (cf. aplicação do enunciado n. 375 da Súmula da jurisprudência dominante do STJ); ou, não sendo o bem passível de registro, que o próprio terceiro demonstre sua boa-fé na forma do art. 792, § 2º, do CPC.
Segue, por fim, um quadro comparativo do regramento da forma de averbação prevista no art. 56 da Lei n. 13.097/2015 (para ações aptas a conduzir o devedor à insolvência), e no art. 828 do CPC-2015 (para execuções admitidas).
Como se pode perceber, a Lei n. 13.097/2015 não inova, propriamente, no ordenamento processual brasileiro, ao menos não se comparada ao quanto já disposto no CPC-2015 ou que possa ser dele extraído, inclusive considerando entendimento sumulado do STJ.
Esse diploma normativo simplesmente desdobra regramento já existente e positiva algumas interpretações já consagradas, se não de fácil identificação no contexto da sistemática atual no âmbito da responsabilidade patrimonial e da tutela provisória.
Não padecendo de vícios, nem provocando antinomias, subsiste válida a lei, e que venham seus efeitos.