RESUMO: O objeto deste trabalho é o princípio da liberdade acadêmica, analisado no âmbito constitucional e infraconstitucional, indicando as suas possibilidades e limites frente ao direito fundamental à educação e à exigência de preservação do pluralismo de ideias, em especial aqueles decorrentes da interação entre as liberdades que a compõe (de ensinar, denominada indevidamente de liberdade de cátedra, de aprender, de pesquisar e de divulgar o conhecimento). Considerando essas questões o artigo caminha no sentido de propor a adoção do termo liberdade acadêmica como o mais adequado e representativo quando se faz referência às diversas liberdades envolvidas nos processos educativos e de produção do conhecimento. Também conclui que a Constituição Federal contém a liberdade acadêmica no âmbito do direito fundamental à educação e como instrumento de garantia do pluralismo de ideias, não como liberdade em si mesma.
Palavras-chave: Liberdade acadêmica, liberdade de ensinar, liberdade de cátedra, liberdade de aprender, liberdade de pesquisar, liberdade de divulgar o conhecimento.
ABSTRACT: The purpose of this work is the principle of academic freedom, analyzed in the constitutional and infraconstitutional scope, indicating its possibilities and limits in relation to the fundamental right to education and the requirement to preserve pluralism of ideas, especially those resulting from the interaction between freedoms which comprises it (of teaching, unduly called freedom of teaching, of learning, of researching and of disseminating knowledge). Considering these questions, the article goes on to propose the adoption of the term academic freedom as the most appropriate and representative when referring to the various freedoms involved in educational processes and production of knowledge. It also concludes that the Federal Constitution contains academic freedom within the framework of the fundamental right to education and as an instrument of guaranteeing pluralism of ideas, not as freedom itself.
Keywords: Academic freedom, freedom to teach, freedom of teaching, freedom to learn, freedom to search, freedom to spread knowledge.
RESUMEN: El objeto de este trabajo es el principio de la libertad académica, analizado en el ámbito constitucional y infra constitucional, indicando sus posibilidades y límites frente al derecho fundamental a la educación ya la exigencia de preservación del pluralismo de ideas, en especial aquellos derivados de la interacción entre las libertades que la componen (de enseñar, denominada indebidamente de libertad de cátedra, de aprender, de investigar y de divulgar el conocimiento). Considerando estas cuestiones el artículo camina en el sentido de proponer la adopción del término libertad académica como el más adecuado y representativo cuando se hace referencia a las diversas libertades involucradas en los procesos educativos y de producción del conocimiento. También concluye que la Constitución Federal contiene la libertad académica en el ámbito del derecho fundamental a la educación y como instrumento de garantía del pluralismo de ideas, no como libertad en sí misma.
Palabras clave: Libertad académica, libertad de enseñar, libertad de cátedra, libertad de aprender, libertad de investigar, libertad de divulgar el conocimiento.
Artigo Original
A LIBERDADE ACADÊMICA NO DIREITO BRASILEIRO: FUNDAMENTOS E ABRANGÊNCIA
ACADEMIC LIBERTY IN BRAZILIAN LAW: FUNDAMENTALS AND SCOPE
LA LIBERTAD ACADÉMICA EN EL DERECHO BRASILEÑO: FUNDAMENTOS Y ABRANGÊNCIA
Recepção: 31 Agosto 2018
Aprovação: 22 Outubro 2018
Neste momento da história brasileira, em que está na pauta da discussão política o projeto escola sem partido1 e em que se observa a intolerância intelectual em muitos espaços acadêmicos, é necessário analisar, de forma objetiva, qual é efetivamente o alcance da liberdade acadêmica (de ensinar, de aprender, de pesquisar e de divulgar o conhecimento) no âmbito do direito brasileiro.
Nesse sentido, este artigo busca enfrentar o seguinte problema: qual o alcance e quais os limites da liberdade acadêmica no âmbito da Constituição Federal de 1988? A hipótese proposta é a de que essa liberdade não é absoluta e nem se confunde com a liberdade (política) de expressão e de opinião, estando seus contornos definidos em razão de sua relação com o direito fundamental à educação e aos princípios constantes da lei maior relativamente a esse direito.
O texto inicia com a apresentação da relação entre liberdade acadêmica, tolerância e debate crítico apreciativo com base, em especial, no racionalismo crítico de Karl Popper. Na sequência, mostra o direito à educação - direito de acesso ao conhecimento - como direito fundamental e o pluralismo de ideias como princípio democrático inegociável, situando então, a partir desse contexto, a liberdade acadêmica no âmbito da Constituição Federal.
Constitui, nesse sentido, uma reflexão sobre a necessidade de garantir as liberdades de ensinar, pesquisar e divulgar o conhecimento e, ao mesmo tempo, respeitar a liberdade de aprender do aluno e as liberdades de crença e de consciência de todos os cidadãos.
Albert Einstein, referindo-se à necessária liberdade na produção do conhecimento, a denomina de liberdade acadêmica, nos seguintes termos:
Por ‘liberdade acadêmica’, entendo o direito de realizar pesquisas visando conhecer a verdade, o direito que tem o intelectual de publicar e de ensinar o que considera como verdade. Esse direito implica também, por parte do intelectual, que ele não busque dissimular nenhum aspecto do que considera como verdadeiro. Toda restrição à liberdade acadêmica impede a boa difusão dos conhecimentos e constitui, dessa forma, obstáculo à elaboração de um julgamento que possa levar a ações racionais (EINSTEIN, 1994, p. 206).
Na visão de Popper ([197-]a, 2006) tolerância, em especial política, religiosa e acadêmica, é fundamental para a existência e a preservação dessa liberdade. De outro lado, é também necessária a responsabilidade intelectual. A tolerância se relaciona diretamente com a ética, e a ética pressupõe a liberdade, mas também a consciência e a responsabilidade.
A relação existente entre liberdade e tolerância (respeito 2), de um lado, e a produção e socialização do conhecimento, de outro, evidencia a proximidade existente entre política, ética e ciência. Para que se tenha uma sociedade democrática é necessário liberdade e respeito, os mesmos requisitos indispensáveis para a produção científica.
Considerados esses requisitos, a liberdade acadêmica não pode ser vista como liberdade de mera opinião ou de crença. A academia deve ser 3 o espaço privilegiado das Ciências e das Humanidades, dos processos de conhecimento que buscam a verdade, que se submetem à crítica, que são passíveis de refutação porque estruturados com base em argumentos lógicos e, sempre que possível, em fatos empiricamente verificáveis. 4 Bachelard destaca que a ciência se opõe à opinião:
A ciência, tanto por sua necessidade de coroamento como por princípio, opõe-se absolutamente à opinião. Se, em determinada questão, ela legitimar a opinião, é por motivos diversos daqueles que dão origem à opinião; de modo que a opinião está, de direito, sempre errada. A opinião pensa mal; não pensa: traduz necessidades em conhecimentos. Ao designar os objetos pela utilidade, ela se impede de conhecê-los. Não se pode basear nada na opinião: antes de tudo, é preciso destruí-la. Ela é o primeiro obstáculo [epistemológico] a ser superado. Não basta, por exemplo, corrigi-la em determinados pontos, mantendo, como uma espécie de moral provisória, um conhecimento vulgar provisório. O espírito científico proíbe que tenhamos uma opinião sobre questões que não compreendemos, sobre questões que não sabemos formular com clareza. ‘Nosso espírito tem a tendência irresistível de considerar como mais clara a idéia que costuma utilizar com frequência’. A idéia ganha assim uma clareza intrínseca abusiva. Com o uso, as idéias se valorizam indevidamente. (BACHELARD, 1996, p. 18-19, grifo do autor).
A liberdade acadêmica tem em uma de suas faces a liberdade do cientista, do pesquisador, do professor. Na outra face, a liberdade de crítica por parte da comunidade científica e acadêmica, aí incluídos necessariamente os alunos. Ela somente tem sentido havendo a possibilidade do Debate Crítico Apreciativo (DCA).
O instrumento de progresso e expansão do conhecimento é a crítica 5 - a atitude crítica como processo de escolha, de decisão. Por meio da crítica - autocrítica e crítica intersubjetiva - analisa-se a validade ou não dos argumentos. O Debate Crítico Apreciativo (DCA) - denominação utilizada por Popper (1975, 2002) - permite decidir quais explicações e soluções devem ser inteiramente eliminadas, quais devem ser parcialmente eliminadas e quais sobrevivem, mesmo que provisoriamente. Em oposição à atitude crítica, há a atitude dogmática 6, que se caracteriza por buscar confirmar sempre a hipótese apresentada e afastar todas as tentativas de refutá-la.
Embora reconheça que o ponto de partida possa ser o senso comum, Popper (1975) defende que o instrumento de progresso e expansão do conhecimento é a crítica - a atitude crítica como processo de escolha, de decisão. E a discussão crítica é regida por ideias reguladoras, dentre as quais é necessário destacar: (a) a ideia de verdade; (b) a ideia de conteúdo lógico e empírico; e (c) a ideia de conteúdo de verdade de uma teoria e sua aproximação à verdade (POPPER, 2001).
Que a idéia de verdade rege a discussão crítica pode ver-se no facto de se discutir criticamente uma teoria na esperança de eliminar teorias falsas. Isto prova que somos guiados pela idéia de procurar teorias verdadeiras. [...].O conteúdo lógico de uma teoria é a classe das suas consequências, ou seja o conjunto ou classe de todas as proposições que podem derivar logicamente da teoria em questão - que será tanto mais elevado quanto maior for o número de consequências. [...]. O conteúdo empírico de uma teoria pode pois ser descrito como o conjunto ou classe de proposições empíricas excluídas pela teoria - o que quer dizer, o conjunto ou classe de proposições empíricas que contradizem a teoria. [...]. A idéia de aproximação à verdade - tal como a idéia de verdade enquanto princípio regulador - pressupõe uma visão realista de mundo. Não pressupõe que a realidade seja como as nossas teorias científicas a descrevem, mas pressupõe que existe uma realidade e que nós e as nossas teorias - que são idéias que nós próprios criamos e por isso são sempre idealizações - nos podemos aproximar cada vez mais de uma descrição adequada da realidade, se empregarmos o modelo de quatro fases de tentativa e erro (POPPER, 2001, p. 36-39, grifo do autor).
O Debate Crítico Apreciativo exige objetividade no processo de produção do conhecimento, evitando a tentativa de justificá-lo ou provar a sua verdade com base em experiências pessoais. Experiências subjetivas, convicções, crenças, sentimentos, não podem em nenhuma circunstância justificar um enunciado, as relações lógicas existentes dentro de cada sistema de enunciados, ou aquelas existentes entre vários sistemas de enunciados. (POPPER, [197-]a). Não há critérios de verdade, não há uma operação que permita descobrir se uma coisa é verdade ou não.
Considerando a crítica como pressuposto inarredável de uma busca séria da verdade, a ideia de liberdade acadêmica como liberdade absoluta e ilimitada de expressão - mera liberdade individual de manifestação da opinião - não se sustenta. É necessário pensar hoje um agir acadêmico baseado no respeito e no debate crítico apreciativo. Para isso é preciso superar a visão individualista dominante, substituindo-a por uma nova perspectiva de agir acadêmico, alicerçado em uma liberdade compartilhada (professores, pesquisadores e alunos) e contextualizada, consentânea com contemporânea ideia de solidariedade.
A liberdade, quando pensada sob o prisma da ética, vem necessariamente acompanhada da consciência e da responsabilidade. Não é possível se desconhecer, no campo acadêmico, limites éticos mínimos. Isso implica uma liberdade acadêmica que adquira sentido na relação com o outro, na tolerância em relação ao outro e na abertura para a crítica. Se for apenas liberdade individual de um dos polos da relação, não tem sentido; ser for intolerante não tem sentido; se for fechada à crítica não tem sentido. O ser humano apenas é humano enquanto vive em relação com o outro. O agir acadêmico precisa estar consciente dessa premissa ética.
Parece não haver maiores divergências - em sociedades democráticas e que reconheçam o pluralismo valorativo e científico - sobre a necessidade de garantir a liberdade acadêmica. E é nesse sentido que se entende ter caminhado a Constituição Federal; mas ela garante não a liberdade acadêmica como liberdade de expressão, ampla e irrestrita, mas sim como liberdade meio, que se apresenta mais como uma liberdade compartilhada do que como uma liberdade puramente individual. É essa perspectiva que norteará a análise presente nas próximas seções deste artigo.
A educação, como direito social fundamental 7, está incluída no artigo 6° da Constituição Federal 8. O texto constitucional indica também, em seu artigo 205 9, que a educação não é um fim em si mesmo, mas um meio para que os cidadãos se desenvolvam como pessoas, exerçam de fato a sua cidadania, bem como se qualifiquem para o trabalho. 10
A amplitude e a forma pela qual ocorre a inscrição desse direito no texto constitucional demonstram o valor que se lhe atribui: um direito fundamental que deve ser assegurado a todos os brasileiros, de forma indiscriminada e universal.
No que diz respeito especificamente à liberdade acadêmica, a Constituição Federal trata dessa matéria no âmbito do direito à educação, mais especificamente no título VIII, capítulo III, seção I, artigo 206. Esse artigo traz no seu bojo os princípios gerais segundo os quais o processo educacional deve ser desenvolvido, sendo que, para os fins deste trabalho, guardam importância em especial os incisos II e III:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...]; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; [...] (BRASIL, 1988, on-line, grifo nosso). 11
É também importante destacar, sobre esse tema, o artigo 207 da Constituição Federal. Ele traz de forma expressa a garantia da denominada autonomia universitária, da qual a liberdade acadêmica também faz parte: “Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.” (BRASIL, 1988, on-line, grifo nosso).
A Constituição Federal de 1988 contém ainda um outro dispositivo, o artigo 209, que diz respeito, de forma mais restrita, à liberdade acadêmica: a liberdade institucional de ensi-nar 12. “Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I - cumprimento das normas gerais da educação nacional; II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.” (BRASIL, 1988, on-line, grifo nosso).
A liberdade de ensinar, nesse viés, garante às instituições educacionais 13 que, cumpridas as normas gerais da educação e as diretrizes curriculares, possam livremente construir seus projetos pedagógicos, estando, entretanto, submetidas a processos avaliativos por parte do poder público.
A despeito da aparente clareza dos mandamentos constitucionais no que se refere à liberdade acadêmica - de ensino, de aprendizado, de pesquisa e de divulgação - a permitir a produção e a difusão do conhecimento, sem amarras ideológicas ou religiosas (artigo 206), e à abrangência da autonomia universitária (artigo 207), ainda se mantém fundamental a sua defesa no campo político e epistemológico.
De outro lado é necessário também, considerando as peculiaridades inerentes à liberdade acadêmica, como visto na primeira seção desde artigo, não a confundir, de forma integral, com a liberdade política de expressão prevista no artigo 5°, inciso IX da Constituição Federal, também conhecida como liberdade de opinião.
É importante deixar claro que a liberdade acadêmica tem seus próprios contornos e contextos, decorrente do fato de ser uma liberdade vinculada a um direito fundamental para o qual serve de instrumento, o direito à educação. Já a liberdade de expressão, assim como a liberdade de consciência (CF, art. 5°, inc. VI), são liberdades políticas amplas e praticamente irrestritas.
Pode-se dizer que liberdade de cátedra14 é a denominação mais tradicional que se confere à liberdade acadêmica enquanto liberdade docente, em especial nas atividades de ensino. A análise desse aspecto da liberdade acadêmica é que será privilegiado nesta seção 15.
Antes de entrar na análise mais detida do tema, é importante verificar como a liberdade acadêmica docente de ensinar, com a denominação liberdade de cátedra, já esteve presente no ordenamento jurídico brasileiro de forma expressa. A Constituição Federal de 1934 foi a primeira a prevê-la textualmente, em seu artigo 155, de forma bastante objetiva: “Art. 155. É garantida a liberdade de cátedra .” (BRASIL, 1934, on-line, grifo nosso).
Em 1946 o texto constitucional a trouxe inserida dentre os princípios a serem adotados pela legislação de ensino, especificamente no inciso VII do artigo 168: “Art. 168. A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: [...]; VII -é garantida a liberdade de cátedra.” (BRASIL, 1946, on-line, grifo nosso).
Já o diploma constitucional do ano de 1967 situou a liberdade de cátedra no contexto mais amplo do direito à educação, inserindo-a no inciso VI do parágrafo 3° do artigo 168:
Art. 168. A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola; assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e de solidariedade humana. [...]. § 3° - A legislação do ensino adotará os segu intes princípios e normas: [...]; VI - é garantida a liberdade de cátedra (BRASIL, 1967, on-line, grifo nosso).
Na Constituição de 1988 a liberdade de cátedra não possui previsão expressa. Pode, dependendo da interpretação adotada, ser vista como decorrente de outras liberdades literalmente previstas no texto constitucional. Uma possibilidade seria vê-la como espécie do gênero liberdade de expressão, previsto no artigo 5°, inciso IX da Constituição Federal, que declara ser livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Não é essa a posição adotada neste texto.
É possível visualizar a liberdade de cátedra também dentro do artigo 206, que dispõe acerca dos princípios orientadores do ensino e da liberdade de produção, transmissão e recepção do conhecimento, especificamente no inciso II, no qual está contida a liberdade de ensinar, ao lado da liberdade de aprender e de pesquisar e divulgar o conhecimento. Esse dispositivo é complementado com o conteúdo do inciso III que contém o pluralismo de ideias e o pluralismo de concepções pedagógicas.
Essa segunda perspectiva é a aqui adotada, sendo que a partir de agora será utilizada a expressão liberdade acadêmica docente de ensinar para indicar a liberdade atribuída aos professores no âmbito de suas atividades de ensino. Dessa forma se quer deixar claro que a liberdade de cátedra - não mais prevista de forma expressa no texto constitucional - apresenta-se contempo-raneamente como a liberdade acadêmica de ensinar do docente, com os limites que lhe impõe os demais princípios, liberdades e garantias vinculadas ao direito fundamental à educação, não podendo em nenhum momento ser confundida com a liberdade ampla de expressão.
Esses princípios, liberdades e garantias inseridos no texto do artigo 206 e seus incisos, devem ser contextualizados no âmbito do direito maior, que é o direito à educação (artigo 6° da Constituição Federal). Uma educação que, de acordo com o texto constitucional, em seu artigo 205, garanta o “[...] pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (BRASIL, 1988, on-line, grifo nosso).
Nesse sentido, uma liberdade acadêmica irrestrita de ensinar (todo poder ao professor, individualmente considerado), capaz de limitar a formação integral do estudante, fere o direito fundamental à educação e não é compatível com Constituição Federal. A liberdade acadêmica de ensinar, expressa no artigo 206, é, de um lado, uma liberdade que divide espaço com a liberdade acadêmica de aprender dos alunos e que, de outro, convive com as garantias mais amplas de pluralismo de ideias e de abordagens pedagógicas, constituindo, no seu conjunto, os princípios norteadores do direito maior, que é o direito à educação.
Esses princípios constitucionais possuem a finalidade de garantir o pluralismo de ideias e concepções no âmbito do processo de ensino-aprendizagem. Também buscam garantir a autonomia didático-científica dos professores, sem desconhecer o direito de aprender dos alunos. Permitem, nesse sentido, que os professores manifestem, com relação ao conteúdo sob sua responsabilidade, seus próprios pontos de vista acadêmicos, quando vários são reconhecidos na área de conhecimento específica.
A liberdade acadêmica de ensinar também autoriza o professor a utilizar métodos, metodologias, estratégias e instrumentos à sua escolha, dentre aqueles legal e pedagogicamente autorizados e reconhecidos (é o pluralismo de concepções pedagógicas presente no bojo do inciso III do artigo 206 da Constituição, anteriormente transcrito).
Nesse contexto, além das escolhas mais propriamente ligadas à didática - tipo de aula e de atividades, recursos tecnológicos etc. -, está também incluída a liberdade de escolha de textos e obras, dentre aqueles que - individualmente ou no seu conjunto - contemplem o conteúdo a ser ministrado e permitam o acesso ao pluralismo de ideias presente no campo específico do conhecimento.
De outro lado, é necessário verificar se a liberdade acadêmica de ensinar protege as manifestações valorativas, ideológicas e religiosas que não possuam correlação com a matéria ensinada, bem como aquelas que professem preconceitos e discriminações vedadas pela nossa ordem constitucional e legal.
A Constituição Federal de 1988 garante, ao lado da liberdade acadêmica de ensinar (do professor), a liberdade acadêmica de aprender (do aluno); textualmente, essa inclusive a precede. Tais liberdades de forma alguma podem ser compreendidas ou interpretadas separadamente, tendo em vista que se tratam de dois direitos e liberdades umbilicalmente ligados.
Não se pode, portanto, tratar de forma separada os dois princípios constitucionais, tanto que o próprio texto constitucional optou por colocá-los dentro do mesmo inciso, o que reforça a ideia de que ambos devem ser sempre analisados conjuntamente; um não pode ser pensado sem o outro.
Se as liberdades acadêmicas de ensinar e de aprender fossem absolutas, uma anularia a outra. Como princípios constitucionais, é necessário buscar a sua harmonização, atribuindo-lhes interpretações que mantenham ambas e que permitam que o direito principal e originário, o direito à educação, ocorra de forma efetiva, plural e atingindo seus objetivos no campo da formação do aluno.
Ou seja, ao lado da liberdade acadêmica de ensinar está, em patamar de igualdade, a liberdade acadêmica de aprender, liberdade que pertence, na relação pedagógica, ao outro polo do processo de ensino-aprendizagem. Portanto, se de um lado a liberdade acadêmica de ensinar autoriza o professor a expor seus próprios pontos de vista acadêmicos, a liberdade acadêmica de aprender (direito ao ensino pleno) dos alunos impõe ao professor que também exponha os demais pontos de vista e teorias sobre o conteúdo específico, bem como seus fundamentos, de forma simétrica e equilibrada.
Impõe também que, estando contidas em tradições de pesquisa reconhecidas pela comunidade acadêmica, as demais teorias e posições possam ser adotadas pelos alunos em detrimento daquelas esposadas pelo professor. Do artigo 206 da Constituição Federal, onde estão situadas as liberdades acadêmicas de ensinar e de aprender, consta expressamente, como princípio para que o ensino seja ministrado, o pluralismo de ideias.
Nesse sentido, a liberdade acadêmica de ensinar não ampara as manifestações valo-rativas, ideológicas e religiosas impositivas e unilaterais que desrespeitem a liberdade de aprender dos alunos e não tenham correlação com o conteúdo a ser ensinado. Espera-se do professor que ele exponha todos os pontos de vista - ou pelo menos os principais - relativos ao conteúdo sob sua responsabilidade, propondo sempre uma perspectiva crítica. E se lhe garante também a possibilidade de expor livremente suas próprias posições acadêmicas sobre essa mesma matéria [...] mas não apenas elas.
Portanto, respeitado o direito à educação, a liberdade acadêmica de aprender do aluno e o pluralismo de ideias, a liberdade acadêmica de ensinar garante ao professor, na perspectiva do exercício de sua atividade, a manifestação das suas escolhas acadêmicas, devendo, entretanto, propiciar aos seus alunos o acesso também às demais posições e teorias aceitas pela respectiva área do conhecimento.
A liberdade acadêmica de ensinar - vista em sentido amplo e como liberdade acadêmica docente - manifesta-se no âmbito de um conjunto mais amplo de direitos e garantias, diretrizes e planejamentos, dele recebendo condições objetivas a serem preenchidas no seu exercício. Se de um lado não se deve descuidar de situações em que o Estado, sob a justificativa do controle de qualidade, passe a promover interferências indevidas, também é necessário não descuidar, por outro lado, das situações em que os professores e as instituições, em nome da liberdade acadêmica e institucional de ensinar, atinjam o direito à educação, a liberdade acadêmica de aprender e todos os demais direitos e garantias inerentes ao estado democrático de direito e a uma sociedade plural em seus valores, ideologias e crenças.
Importante salientar, ainda, que, em um contexto de muitas mudanças, a liberdade de escolha do que será ministrado exige do professor a compreensão de que ensinar é muito mais que transmitir conhecimento, é em especial auxiliar os alunos no seu próprio processo de construção do conhecimento.
Considerando tudo que foi exposto é possível afirmar que a liberdade acadêmica de ensinar, enquanto liberdade atribuída aos professores, deve ser compreendida e interpretada na sua relação com o direito fundamental à educação e com os demais princípios constitucionais, em especial os que dizem respeito à liberdade acadêmica de aprender dos alunos e ao pluralismo de ideias, e não de forma isolada.
A enunciação independente do termo liberdade de ensinar pode gerar uma ideia equivocada sobre seu alcance. A liberdade de ensinar é uma das liberdades que compõe a liberdade acadêmica, aquela atribuída aos membros do corpo docente como garantia de que o professor pode expressar livremente seus pontos de vista acadêmicos (de forma fundamentada) sobre os conteúdos sob sua responsabilidade, não lhe sendo permitido, entretanto, sonegar aos alunos o acesso aos demais pontos de vista ou buscar impor-lhes determinada crença religiosa ou ideologia política. Não pode, portanto, ser vista como a plena e absoluta liberdade de direcionamento das disciplinas e conteúdos sob sua responsabilidade.
Destaque-se, ainda, que a atividade acadêmica não pode se confundir com as atividades associativas, partidárias e religiosas que o docente eventualmente mantenha em sua vida pessoal. A atividade acadêmica possui diretrizes e critérios próprios - a busca da verdade, o debate crítico apreciativo etc. -, como já visto em seção específica deste artigo.
A liberdade acadêmica de ensinar, contemporaneamente, é indissociável do contexto constitucional de 1988: permite que os docentes expressem, com relação à matéria ensinada, seus próprias pontos de vista acadêmicos, mas não lhes permite omitir aos estudantes as informações sobre as demais formas de compreender o mundo e, em especial, os conteúdos sob sua responsabilidade.
É importante destacar, considerando a importância das liberdades acadêmicas de ensinar e de aprender no âmbito do processo ensino-aprendizagem, que em cada instituição educacional o professor deve considerar, quando do planejamento de um determinado conteúdo ou atividade (inseridos ou não em disciplinas ou matérias), suas especificidades e o contexto em que ele se encontra (curso, área, projeto pedagógico etc.).
Segundo o artigo 211 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), há no país sistemas educacionais organizados. E segundo o artigo 214, há um plano nacional de educação, que, entre outros objetivos, visa a melhorar a qualidade do ensino, formar para o trabalho e promover o país nos níveis humanístico, científico e tecnológico.
A existência de sistemas educacionais e de um planejamento nacional implica a fixação de diretrizes comuns; e dentro dessas diretrizes, conteúdos, competências e habilidades mínimos a serem buscados na formação dos egressos.
Se a Constituição determina que haja um planejamento que leve à melhoria do ensino, deve haver um diagnóstico do que existe e do que precisa ser melhorado, o que inclui a adoção de critérios do que é o melhor.
Se a Constituição estabelece que haja um planejamento que leve à formação profissional, deve haver um diagnóstico sobre que tipo de profissionais o sistema está formando e de que profissionais o país efetivamente necessita, o que inclui a adoção de perfis profissionais a serem buscados.
Se a Constituição define a necessária promoção humanística, científica e tecnológica do país, deve haver um diagnóstico das políticas públicas e privadas existentes nessas áreas e do que deve ser implementado para o futuro, o que inclui a adoção de parâmetros para o que são formação humanística, científica e tecnológica.
Há, portanto, a definição, considerando esses objetivos dos sistemas educacionais, do mínimo que deve ser objeto do processo de ensino-aprendizagem. A liberdade acadêmica de ensinar existe como instrumento do direito à educação - é uma liberdade meio -, o que implica que deve ser garantida para permitir que se alcance os objetivos fixados e esses mínimos sejam efetivamente cumpridos. Se ela surgir como um entrave é porque está sendo desvirtuada.
É necessário, entretanto, antes de avançar, alertar para os riscos de um sistema central de planejamento estatal que elimine as liberdades institucional e docente de ensinar. A existência do planejamento estratégico realizado pelo Estado é fundamental, mas é necessário que ele contenha espaços de liberdade que permitam às instituições de ensino e aos docentes inovarem e avançarem. Isso implica que o planejamento seja elaborado através de diretrizes que contenham uma razoável abertura e flexibilidade e que também não impeçam a sua adequação às necessidades emergentes na sociedade e no mercado. 16
O planejamento educacional, nesse sentido, não é um limitador da liberdade acadêmica de ensinar do docente e nem da liberdade institucional de ensinar, mas sim um instrumento de garantia da liberdade acadêmica de aprender que possuem os alunos. Existe para que seja garantida a efetivação dos objetivos educacionais constitucionalmente definidos e cumprida a legislação infraconstitucional que materializa as diretrizes vigentes para os sistemas educacionais.
O plano e o programa de ensino a serem desenvolvidos pelo docente não devem ser planejamentos isolados, que busquem fundamentalmente realizar a sua satisfação pessoal. Eles devem ser planejamentos específicos de um momento do processo educacional e, como tal, devem estar efetivamente integrados no planejamento mais amplo do curso e da instituição. Além disso, o planejamento da atividade docente deve partir de um diagnóstico da realidade, que considere as necessidades e as expectativas dos alunos.
Quando as ações docentes são planejadas, evita-se a improvisação e se garante, através da utilização de estratégias adequadas, uma maior probabilidade de atingir os objetivos propostos. Também se utiliza melhor o tempo, consome menos energia e realiza-se o trabalho com maior segurança.
O planejamento também inibe o improviso, garantindo de forma mais eficaz as liberdades acadêmicas de ensinar e de aprender e, em especial, garantindo aquele que é o principal direito em matéria educacional na Constituição Federal de 1988, qual seja, o próprio direito à educação.
Para Popper (1978) há dois grandes grupos de obstáculos ao progresso da ciência, ambos de natureza social: os obstáculos econômicos e os obstáculos ideológicos. Entre todos os obstáculos ideológicos aponta como o maior a intolerância ideológica ou religiosa, comumente combinada com dogmatismo e falta de imaginação.
Popper (1978) alerta ainda para o perigo que ocorre quando intelectuais e cientistas se apaixonam por ideologias e crenças e passam a ensinar e divulgar apenas o que está por elas referendado. Segundo ele, isso ocorre quando uma teoria, mesmo que científica, torna-se moda intelectual, um substituto para a religião, uma ideologia entrincheirada.
Popper (1978, 2006) faz ainda uma outra crítica que parece pertinente e que é aplicável tanto às ciências sociais como às ciências naturais: o perigo oriundo das novas e gigantescas organizações de pesquisa e de fomento à pesquisa. Esse modelo tem por característica formar cientistas e dirigir as pesquisas segundo os interesses de quem as patrocina, deixando de ser a aproximação à verdade o referencial principal da ciência. Outro perigo é a quantidade de publicações, que pode sufocar as boas e raras ideias que fazem a ciência efetivamente avançar. Ideias novas são preciosas e precisam ser descobertas e fomentadas pela crítica.
Segundo Popper e Lorenz ([19--]) nosso universo está biológica e intelectualmente aberto. Não é um universo de verdades ou certezas, mas de refutação de erros. Para Popper ([197-]a, 2006) o desenvolver-se livremente é típico do debate científico, sendo necessário não estabelecer proibições que coloquem limites às possibilidades de pesquisa. A discussão livre é a base do livre pensamento, e sem ela não há formação de opiniões livres. A evolução do conhecimento pressupõe essa liberdade, devendo ocorrer pela eliminação de teorias concorrentes dentro de um processo de seleção crítica.
A objetividade e a racionalidade da ciência não decorrem da objetividade e da racionalidade dos cientistas, que são seres humanos, e como tais, munidos de subjetividade e mesmo passionalidade, mas sim da racionalidade, identificada na atitude crítica face aos problemas. A busca da eliminação de erros através da crítica intersubjetiva é que permite a gradativa construção do conhecimento objetivo. E ela pressupõe a publicidade do conhecimento produzido. (POPPER, [197-]a, 1978, 2002).
Para Popper ([197-]a), existindo objetividade, poderá ocorrer uma crítica racional. Em toda discussão racional (tanto das Ciências como da Filosofia), segundo Popper, o método que deve ser utilizado é o de expor claramente o problema e testar criticamente as várias soluções propostas. Além disso, a crítica será possível e frutífera se enunciarmos o problema de maneira tão precisa quanto possível, enunciando a solução proposta de forma suficientemente clara e suscetível de ser criticamente examinada.
Os princípios que subjazem a qualquer discussão racional, quer dizer, a qualquer discussão ao serviço da busca da verdade, são propriamente princípios éticos. Gostaria de apresentar três desses princípios: 1) O princípio da falibilidade: Talvez eu não tenha razão e talvez tu não tenhas razão. Mas também é possível que nenhum tenha razão. 2) O princípio da discussão sensata: Queremos tentar apresentar, o mais impessoalmente possível, as nossas razões pró e contra uma certa, e criticável, teoria. 3) O princípio da aproximação à verdade. Por meio de uma discussão objectiva aproximamo-nos quase sempre da verdade e chegamos a um melhor entendimento; mesmo quando não chegamos a acordo (POPPER, 1995, p. 106-107).
Esses três princípios são, no pensamento de Popper (1995), ao mesmo tempo, princípios da teoria do conhecimento e princípios da ética, pois implicam, entre outras coisas, a tolerância. Se é possível aprender com o outro, e se se deseja fazê-lo no processo de busca da verdade, é necessário ir além de tolerar; é necessário reconhecer o outro como portador potencial dos mesmos direitos. Podemos aprender muito pela discussão, mesmo quando ela não conduz ao consenso; ela ajuda a perceber os pontos fracos das teorias.
Se posso aprender contigo e quero fazê-lo no interesse da busca da verdade, então tenho não só de te tolerar, mas também de te reconhecer como potencialmente portador dos mesmos direitos; a potencial unidade e igualdade de direitos de todos os homens é um pressuposto da nossa disposição para discutirmos racionalmente. É também importante o princípio de que podemos aprender muito pela discussão; mesmo quando ela não conduz à união. Pois a discussão pode ensinar-nos a compreender alguns dos pontos fracos da nossa posição. [...] A busca da verdade e a aproximação à verdade são outros princípios éticos; tal como a ideia da honestidade intelectual e da falibilidade que nos conduz a uma posição de autocrítica e à tolerância (POPPER, 1995, p. 108-110).
Essa perspectiva contém o reconhecimento da falibilidade do saber, fundamentada na ideia de um saber objetivo e inseguro. Substitui a prática intelectualmente desonesta de não reconhecimento dos erros e de afirmação de verdades com base em argumentos de autoridade. A tarefa consiste agora precisamente na busca de evitar os erros, mas também em sua identificação, aprendendo com eles, mantendo uma posição de autocrítica e de crítica racional e objetiva.
Segundo Popper (1978, 2006) um cientista imparcial, sem valores, seria um cientista desumano. Isso faz com que a objetividade científica só possa ser explicada segundo categorias sociais como competição, tradição, instituições sociais, publicações plurais, tolerância 17 política e liberdade de expressão.
[...] competição (tanto de cientistas individuais como também de diferentes escolas); tradição (a saber, a tradição crítica); instituição social (como, por exemplo, publicações em diferentes periódicos e por diferentes editoras concorrentes, discussões em congressos); o Poder do Estado (a saber, a tolerância política da discussão livre). Desse modo, detalhes menores como, por exemplo, o meio social ou ideológico do pesquisador se eliminam por si sós com o tempo, embora evidentemente sempre desempenhem seu papel a curto prazo (POPPER, 2006, p. 104).
A perspectiva popperiana mostra que no âmbito do exercício da liberdade de pesquisar e de divulgar o conhecimento há elementos que permitem separar conhecimento de opinião, que possibilitam efetuar a separação entre ciência e pseudociência, demarcar minimamente o que é conhecimento objetivo e o que é mera subjetividade, crença ou ideologia. Neste caso, as instituições são, regra geral, capazes de cumprir o papel de garantir essas liberdades e, ao mesmo tempo, eliminar os excessos que elas possam produzir, sem a necessidade de um planejamento estatal mais efetivo como aquele que é necessário no âmbito do sistema educacional.
Consideradas todas as questões expostas neste artigo, é possível afirmar que a liberdade acadêmica envolve, em realidade, um conjunto de liberdades: a liberdade de ensinar dos professores, a liberdade de aprender dos alunos, a liberdade de pesquisar dos pesquisadores e a liberdade de divulgar o conhecimento. Também que ela está contida no âmbito do direito fundamental à educação e como instrumento de garantia do pluralismo de ideias, não como uma liberdade em si mesma.
No âmbito desse conjunto de liberdades contidas na liberdade acadêmica é necessário considerar que quando se trata de produção e divulgação do conhecimento - da pesquisa propriamente dita - se está frente à uma situação que é parcialmente diversa da relação pedagógica presente do processo educacional formal. No primeiro caso temos liberdades exercidas entre sujeitos cognoscentes que se encontram em um patamar hipotético equivalente de domínio metodológico e de conteúdos - pesquisadores; no segundo temos liberdades exercidas entre sujeitos cognoscentes em fases diversas de domínio do conhecimento - professores e alunos.
Isso faz com que as liberdades de pesquisar e divulgar o conhecimento sejam quase que irrestritas, considerando que as diversas áreas de conhecimento possuem suas tradições e mecanismos de eliminação dos conhecimentos que não tenham sido minimamente corroborados. Já a liberdade docente de ensinar se coloca em uma relação parcialmente diferente, considerando que o aluno regra geral não possui elementos suficientes que lhe permitam exercer o contraditório e garantir seu direito de acesso pleno ao conhecimento.
Relativamente à liberdade acadêmica de ensinar, garantida aos professores, é importante destacar: (a) no âmbito do conteúdo sob sua responsabilidade, mesmo no contexto de um projeto pedagógico específico, mantém o espaço de manifestação das suas posições e convicções, devendo, entretanto, em respeito ao direito à educação, à liberdade de aprender do aluno e ao pluralismo de ideias, também propiciar aos discentes o acesso às demais posições e teorias aceitas pela respectiva área do conhecimento; e (b) no âmbito didático-pedagógico, mantém autonomia de escolha, respeitada a necessária adequação entre meio e fim; as opções têm de ser adequadas aos conteúdos, competências e habilidades a serem trabalhados.
É nesse segundo sentido, da liberdade de ensinar do professor, que normalmente é identificada a tradicional liberdade de cátedra. Ela convive no texto constitucional com um conjunto de outros princípios constitucionais, em especial a liberdade de aprender e o pluralismo de ideias. E está situada, como princípio, no âmbito da normatização de um direito fundamental, o direito à educação, à luz do qual necessita ser interpretada e efetivada.
O que a Constituição Federal de 1988 garante ao docente não é o direito de expor sua opinião não fundamentada ou sua crença desarrazoada. O que lhe é garantido é o direito de expor suas posições de forma fundamentada, possibilitando seu questionamento e mesmo sua refutação. Se assim não for, o espaço acadêmico pouco se diferenciará de outros espaços sociais onde proliferam a mera opinião e a crença com base apenas na fé ideológica ou sobrenatural [...] e não deve ser assim.
Entende-se, nesse sentido, que a Constituição Federal de 1988 avançou na direção de superar a liberdade de ensinar como liberdade de expressão, meramente individual, substituindo-a pela liberdade acadêmica de ensinar, compartilhada e contextualizada. E essa pressupõe o Debate Crítico Apreciativo, não transigindo, nos meios acadêmicos, como a manifestação de mera opinião ou crença.
Ao lado da liberdade acadêmica de ensinar há a liberdade acadêmica de aprender, liberdade que pertence, na relação pedagógica, ao outro polo do processo de ensino-aprendizagem. Se de um lado a liberdade acadêmica de ensinar autoriza o professor a expor seus próprios pontos de vista acadêmicos, a liberdade acadêmica de aprender dos alunos impõe ao professor que também exponha os demais pontos de vista e teorias sobre o conteúdo específico, bem como seus fundamentos. É direito fundamental do aluno ter acesso à pluralidade de ideias e teorias existentes sobre os conteúdos que compõem o currículo escolar.
Quanto à liberdade de pesquisar, é ela a mais ampla daquelas inseridas no âmbito da liberdade acadêmica: não se pode colocar limites à busca da verdade. Mas há contrapartida necessária: a garantia do Debate Crítico Apreciativo. O conhecimento produzido deve ser publicizado e submetido à comunidade acadêmica; e se objetivamente refutado, com base em dados da realidade, abandonado. O avanço do conhecimento se dá através da liberdade de pesquisar; mas a sua submissão a teste é que definirá se sobrevive (corroboração) ou morre (refutação). E esse procedimento - método científico - é essencial para que evitar a pseudociência.
O conhecimento acadêmico, para possuir ampla liberdade de circulação nas atividades de ensino-aprendizagem, precisa ser devidamente fundamentado e possuir coerência lógica. A liberdade acadêmica não se sustenta quando for mero instrumento de divulgação de verdades pessoais (opiniões) em razão de crenças ou convicções religiosas ou ideológicas. O espaço para essa espécie de liberdade existe e é amplo, mas não é o espaço acadêmico.