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AS CONSULTAS PÚBLICAS ENQUANTO MECANISMO DE LEGITIMAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS NORMATIVOS
Gabriel Lima Miranda Gonçalves Fagundes; Luciana Gaspar Melquíades Duarte
Gabriel Lima Miranda Gonçalves Fagundes; Luciana Gaspar Melquíades Duarte
AS CONSULTAS PÚBLICAS ENQUANTO MECANISMO DE LEGITIMAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS NORMATIVOS
PUBLIC CONSULTATIONS AS A MECHANISM FOR LEGITIMIZING NORMATIVE ADMINISTRATIVE ACTS
LAS CONSULTAS PÚBLICAS COMO MECANISMO DE LEGITIMACIÓN DE LOS ACTOS ADMINISTRATIVOS NORMATIVOS
Revista Opinião Jurídica, vol. 20, núm. 34, pp. 1-29, 2022
Centro Universitário Christus
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RESUMO

Objetivo: O trabalho se dedica ao levantamento e à análise das regulamentações de consultas públicas do Brasil e de outros países latinos, formulando propostas para viabilizar a eficácia democrática do instituto nos processos administrativos de criação de atos normativos, incentivado pela Lei nº 13.655 (BRASIL, 2018), que alterou a LINDB.

Metodologia: A pesquisa empírica emprega a análise documental das legislações de países da América Latina com realidade socioeconômica próxima à brasileira para coletar elementos que viabilizem a formulação de propostas para a aplicação eficaz do instituto no Brasil. Para tanto, foram selecionados onze países latinos, cujas legislações foram consultadas pela via eletrônica com o acesso aos sites governamentais federais, verificando as normas apontadas pelos entes como regulatórias das consultas públicas. Como marco teórico, buscou-se amparo na teoria da democracia deliberativa procedimentalista de Jürgen Habermas, na concepção de política de Hannah Arendt e na constitucionalização do Direito Administrativo.

Resultados: Verificou-se que há uma regulamentação insatisfatória do instituto das consultas públicas no Brasil e na maioria dos países pesquisados, além de se deduzir que, assim, o instituto tem sido usado de forma a integrar apenas a retórica de legitimação da Administração Pública, sem cumprir propriamente sua finalidade democrática.

Contribuições: O artigo contribui para o aprimoramento da regulamentação das consultas públicas prévias a atos administrativos normativos, no Brasil, para que elas, de fato, atendam aos seus pressupostos democráticos e legitimem o agir abstrato do Estado. Assim, são propostos, com base no marco teórico e nos dados coletados, elementos que devem ser observados quando da regulamentação e aplicação do instituto.

Palavras-chave: Consulta pública, procedimento, democracia participativa, legitimação, ato administrativo normativo.

ABSTRACT

Objective: This paper is dedicated to the survey and analysis of the regulations of public consultations in Brazil and other Latin countries, formulating proposals to enable the democratic effectiveness of the institute in the administrative processes of creation of normative acts, encouraged by Law no. 13,655 (BRASIL, 2018), which amended the LINDB.

Methodology: The empirical research employs documentary analysis of the legislation of Latin American countries with a socioeconomic reality close to that of Brazil to collect elements that enable the formulation of proposals for the effective application of the institute in Brazil. For this, eleven Latin countries were selected, whose legislations were consulted electronically by accessing the federal government sites, verifying the norms pointed out by the entities as regulating the public consultations. The theoretical framework was based on Jürgen Habermas’s theory of proceduralist deliberative democracy, Hannah Arendt’s concept of politics, and the constitutionalization of Administrative Law.

Results: It was verified that there is an unsatisfactory regulation of the institute of public consultations in Brazil and in most of the researched countries, besides deducing that, thus, the institute has been used in a way to integrate only the legitimation rhetoric of the Public Administration, without properly fulfilling its democratic purpose.

Contributions: The article contributes to the improvement of the regulation of public consultations in Brazil so that it actually meets its democratic assumptions and legitimizes normative administrative acts. Thus, based on the theoretical framework and the data collected, elements are proposed that should be observed when regulating and applying the institute.

Keywords: Public consultation, procedure, participatory democracy, legitimation, normative administrative act.

RESUMEN

Objetivo: El trabajo se dedica al relevamiento y análisis de las regulaciones de las consultas públicas en Brasil y otros países latinos, formulando propuestas para posibilitar la eficacia democrática del instituto en los procesos administrativos de creación de actos normativos, incentivados por la Ley Nº 13.655 (BRASIL, 2018), que modificó el LINDB.

Metodología: La investigación empírica emplea el análisis documental de la legislación de países latinoamericanos con una realidad socioeconómica cercana a la de Brasil para recoger elementos que permitan la formulación de propuestas para la aplicación efectiva del instituto en Brasil. Para ello, se seleccionaron once países latinos, cuyas legislaciones fueron consultadas por vía electrónica con el acceso a los sitios del gobierno federal, verificando las normas señaladas por las entidades como reguladoras de las consultas públicas. Como marco teórico, se busca amparo en la teoría de la democracia deliberativa procedimentalista de Jürgen Habermas, en la Concepción de la política de Hannah Arendt y en la constitucionalización del Derecho Administrativo.

Resultados: Se verificó que existe una regulación insatisfactoria del instituto de las consultas públicas en Brasil y en la mayoría de los países investigados, además de deducir que, así, el instituto ha sido utilizado de manera de integrar solamente la retórica de legitimación de la Administración Pública, sin cumplir adecuadamente su finalidad democrática.

Contribuciones: El artículo contribuye al perfeccionamiento de la regulación de las consultas públicas en Brasil para que realmente cumpla con sus supuestos democráticos y legitime los actos administrativos normativos. Así, a partir del marco teórico y de los datos recogidos, se proponen elementos que deben observarse a la hora de regular y aplicar el instituto.

Palabras clave: Consulta pública, procedimento, democracia participativa, legitimación, acto administrativo normativo.

Carátula del artículo

Artigos

AS CONSULTAS PÚBLICAS ENQUANTO MECANISMO DE LEGITIMAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS NORMATIVOS

PUBLIC CONSULTATIONS AS A MECHANISM FOR LEGITIMIZING NORMATIVE ADMINISTRATIVE ACTS

LAS CONSULTAS PÚBLICAS COMO MECANISMO DE LEGITIMACIÓN DE LOS ACTOS ADMINISTRATIVOS NORMATIVOS

Gabriel Lima Miranda Gonçalves Fagundes
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC - Minas), BR
Luciana Gaspar Melquíades Duarte
Universidade Federal de Juiz de Fora- (UFJF), BR
Revista Opinião Jurídica, vol. 20, núm. 34, pp. 1-29, 2022
Centro Universitário Christus

Recepção: 03 Agosto 2021

Aprovação: 17 Setembro 2021

1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa se dedicou à análise e ao levantamento de parâmetros objetivos para viabilizar a eficácia democrática do instituto das consultas públicas nos processos administrativos de criação de atos normativos. Pretende-se verificar se, no Brasil, as normas regulamentadoras das consultas públicas em processos administrativos normativos são suficientes para garantir a eficácia participativa do instituto.

Partiu-se da hipótese de que existem poucas normas procedimentais regulando a aplicação do instrumento, o que dificultaria o controle da sua eficiência como mecanismo de legitimação dos atos administrativos normativos.

Para se obter elementos que viabilizassem a formulação de propostas para a aplicação do instituto no Brasil, procedeu-se a uma pesquisa empírica para o levantamento de dados em países com realidade socioeconômica próxima à brasileira. Para tanto, foram selecionados onze países da América Latina, cujas legislações foram consultadas pela via eletrônica com o acesso aos sites governamentais federais, verificando as legislações apontadas pelos entes como regulatórias desse mecanismo.

Nesse cenário, a pesquisa foi amparada pela teoria de democracia deliberativa procedimentalista formulada por Habermas (2003a, 2003b), que, fundada na teoria do agir comunicativo, traz para a compreensão do Estado Democrático de Direito a necessidade de legitimação das normas por meio de um processo de formação de vontades e opiniões na esfera pública. Tal entendimento se torna pertinente ao tema tendo em vista que, diferentemente do Poder Legislativo, o Executivo não possui um procedimento para assegurar a legitimidade das normas emanadas por ele. Ainda, buscou-se embasamento na constitucionalização do Direito.

Ademais, a questão é discutida em sede doutrinária abstratamente, muitas vezes, com fundamento no devido processo legal no âmbito administrativo. Também não foram encontrados estudos que tratassem o tema empiricamente, englobando a regulação da atividade normativa em todas as entidades administrativas, e não somente nas agências reguladoras. A situação se agravou após o incentivo dado pelo recente destaque conferido ao instituto pela Lei nº 13.655 (BRASIL, 2018), regulamentada pelo Decreto nº 9.830 (BRASIL, 2019). Contudo, constatou-se que a regulamentação existente não é satisfatória para garantir a legitimidade dos atos administrativos elaborados após a realização de consultas públicas no Brasil, razão pela qual esta pesquisa, ao perquirir elementos que garantam a efetiva participação cidadã nos procedimentos administrativos que as antecedem, mostra-se necessária.

Por fim, procurou-se desenvolver, a partir de uma análise crítico-reflexiva, proposições que tenham o condão de impactar a atividade da Administração Pública brasileira, estabelecendo parâmetros objetivos para um procedimento que possibilite uma ampla e equitativa participação dos atores envolvidos e um efetivo poder de influência na formulação das normas.

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Antes de partir-se para a análise da problemática proposta no presente artigo, faz-se necessário esclarecer os fundamentos teóricos que nortearam a pesquisa. As consultas públicas são utilizadas pelos Estados em todo o mundo como mecanismo democrático para aprofundar a participação popular na atuação administrativa. No estudo em questão, as consultas públicas estudadas são realizadas antes da edição de atos administrativos normativos que irão vincular a atividade do Estado e dos indivíduos.

Com o advento da teoria pós-positivista que alterou as compreensões sobre o Estado Democrático de Direito e promoveu a constitucionalização do Direito Administrativo (VIANA, 2016), o princípio da legalidade foi expandido para o da juridicidade, abarcando uma compreensão de vinculação administrativa não somente à lei, mas a todas as fontes normativas do Direito, incluindo o texto constitucional e as normas editadas pela Administração Pública (MELQUÍADES DUARTE, 2016). Nesse cenário, é imperioso compreender como o marco teórico utilizado se relaciona com a temática, ressignificando o conceito de legitimidade do Direito a partir de uma proposta dialética, que ofereça espaço para uma maior participação popular, fim último das consultas públicas.

Habermas (2003a, 2003b) propôs a teoria do agir comunicativo1, remodelando o entendimento sobre o Direito e a Democracia. Sob essa perspectiva, o Direito deve ser analisado sob o prisma da validade e da legitimidade, de maneira que o Direito Positivo se legitime (HABERMAS, 2003a, p. 52) não somente por ser válido por criar deveres e sanções que podem ser exigidas junto ao Poder Judiciário (HABERMAS, 2003a, p. 50). A legitimação das regras seria adquirida pela sua formação por meio de um processo legislativo racional (HABERMAS, 2003a, p. 50) ou da expectativa de que o processo democrático de formulação a ungiu de legitimidade (HABERMAS, 2003a, p. 54). O autor esclarece que, devido à ausência, na Idade Moderna, dos fundamentos religiosos e metafísicos presentes durante a Idade Média para a legitimação do poder estatal, passou a ser necessário que as pessoas destinatárias da norma se vissem como autoras racionais dela. Desse modo, o Direito moderno se funda na liberdade comunicativa dos cidadãos, que é mediada pelas instituições e pelos processos jurídicos (HABERMAS, 2003a, p. 54). Entretanto, Habermas (2003a, p. 62) destaca que forças econômicas e políticas, por serem mais fortes, podem se apropriar desses procedimentos de formação das normas, de maneira que tais processos não consigam filtrá-las. Assim, “com muita frequência, o Direito confere a aparência de legitimidade ao poder ilegítimo” (HABERMAS, 2003a, p. 62). Para que a população integre os processos de formulação das normas, são estabelecidos direitos políticos de participação.

Avançando em sua análise, Habermas (2003a, p. 146) afirma que o princípio da democracia pressupõe que todas as decisões sejam racionais e baseadas em fundamentações discursivas, legitimando as leis. Tal procedimento de formação da opinião e da vontade, conforme o princípio, deve ser institucionalizado, garantindo, por meio de um sistema de direitos, a participação igualitária dos indivíduos. Nessa seara, “o princípio da democracia não deve apenas estabelecer um processo legítimo de normatização, mas também orientar a produção do próprio medium do Direito” (HABERMAS, 2003a, p. 146, sic).

A ideia liberal de autolegislação dos cidadãos, que fundamenta a legitimidade do Direito, segundo o princípio da democracia, deve ser entendida, segundo Habermas (2003a), juntamente ao princípio do discurso, que, ao ser institucionalizado juridicamente, assume o papel daquele, ou seja, para o autor, “o princípio da democracia resulta da interligação que existe entre o princípio do discurso e a forma jurídica” (HABERMAS, 2003a, p. 158). Nesse diapasão, enquanto sujeitos de direito, os indivíduos não podem escolher como desejam exercitar a sua participação na elaboração das normas, de modo que o medium jurídico é fornecido preliminarmente como a única linguagem para exprimirem a sua autonomia. Portanto, a “autolegislação tem que adquirir por si mesma validade no medium do Direito” (HABERMAS, 2003a, p. 163, sic). Para tanto, conforme o autor, deve ser assegurado aos indivíduos um meio no qual é garantido a eles o direito fundamental legítimo à participação nos processos de formação da opinião e da vontade do legislador.

Segundo Arendt (2010), com a qual Habermas dialoga em seus escritos, o poder surge de uma vontade comum de uma comunidade não coagida, e não da imposição da sua vontade. Desse modo, o poder da administração do Estado deve ser respaldado em um poder comunicativo normatizador, que é a fonte da justiça e do poder, sob pena de ilegitimidade. Arendt (2010) ainda esclarece que o poder político é uma força autorizadora, manifestada na formulação do Direito legítimo e na criação das instituições, surgindo de modo mais puro nas revoltas populares, não abarcando uma imposição de interesses próprios ou um poder administrativo tomador de decisões obrigatórias para o coletivo. Ainda, conforme Arendt (2010), tal poder depende, tanto na sua utilização quanto na aquisição e manutenção, do poder comunicativo. Para Habermas (2003a, p. 186-188), “tal poder comunicativo só pode formar-se em esferas públicas”.

Para Arendt (2010, p. 70), a importância da vida pública advém da necessidade de ser visto e ouvido pelos outros, já que cada pessoa enxerga a realidade sob o seu ângulo de vivência. Somente dessa forma, aproveitando-se da imensa diversidade de olhares sobre a coisa, é que a realidade do mundo será vista de modo real e fidedigno.

Tem-se, assim, que, para Habermas (2003a, p. 190), o Estado de Direito deve ser entendido como a necessidade de conectar o sistema administrativo ao poder comunicativo, mantendo-o longe de influências de interesses privilegiados detentores de poderes econômicos e administrativos. Não se poderia utilizar da noção de que o Estado cria normas legítimas porque foi criado por um sistema normativo respaldado pela soberania popular, tal como entendia a teoria liberal.

Os direitos de participação política culminam em uma formação pública da opinião e da vontade institucionalizada juridicamente, sendo o princípio do discurso importante em dois sentidos. No sentido cognitivo de filtro das contribuições, temas, informações e argumentos; e no sentido prático de proporcionar relações não violentas de entendimento, “desencadeando a força produtiva da liberdade comunicativa” (HABERMAS, 2003a, p. 191). Nesse cenário, Habermas (2003a, p. 192) coloca que, quanto mais claras forem as informações sobre as normas que serão reguladas e as matérias envolvidas, mais aceitabilidade a norma terá, expressando de modo mais fidedigno a autocompreensão dos cidadãos no tocante à escolha feita.

Portanto, para a teoria do discurso, a democracia como política deliberativa depende da institucionalização dos processos e pressupostos de comunicação, bem como do “jogo” entre a opinião pública informal e as deliberações institucionalizadas, ou seja, não é um conceito que envolve uma totalidade social centralizada no Estado que é superdimensionado e que agirá para atingir um objetivo, nem ao menos uma totalidade normativa, na qual as normas constitucionais regulam o equilíbrio do poder e dos interesses de maneira neutra e segundo o modelo do mercado (HABERMAS, 2003b, p. 21).

Na perspectiva liberal, a formação democrática da vontade possui, como única função, a legitimação do exercício do poder político, de modo que os resultados das eleições autorizam o uso do poder pelo governo, e este, por sua vez, deve justificar perante o parlamento e a esfera pública o uso que faz desse poder. Já na perspectiva republicana, a formação democrática da vontade tem como função constituir a sociedade como uma comunidade política a cada eleição, que administra a si mesma, e o governo, agindo como uma comissão com um mandato livre, pode escolher entre equipes de direção concorrentes e vinculada a um programa. Enquanto isso, a teoria do discurso afirma que o mais importante são os processos e pressupostos comunicativos da formação democrática da opinião e da vontade, que irão racionalizar discursivamente as decisões do governo e da administração vinculados à legalidade. Todavia, essa ideia de democracia pressupõe uma sociedade descentrada, que irá constituir, juntamente à esfera pública política, um espaço para a resolução dos problemas de toda a sociedade. Desse modo, a soberania do povo dirige-se para o anonimato dos processos democráticos e para a efetivação jurídica dos seus pressupostos comunicativos a fim de que se faça valer como poder produzido comunicativamente (HABERMAS, 2003b, p. 22-24).

Nessa seara, Habermas (2003b, p. 92) conceitua esfera pública como um fenômeno social elementar, isto é, uma rede apropriada para a tomada de posição e de opiniões e para a comunicação de conteúdo. Nessa esfera, os fluxos das comunicações são filtrados e, nela, os fluxos comunicacionais são selecionados e reduzidos, de maneira que fiquem condensados em opiniões públicas aglomeradas em temas específicos.

Habermas (2003b, p. 43) reconhece, em seus escritos, que, até hoje, nenhum processo deliberativo implementado conseguiu atingir o que o autor considera como ideal, devido à complexidade com a qual a realidade se apresenta. Entretanto, esclarece que isso não impede uma implementação que se aproxime do que seria o arquétipo estabelecido por ele.

Contra-argumentando a teoria dos sistemas, o autor afirma que ela não nega necessariamente o fenômeno do poder comunicativo no interior do complexo parlamentar, mas torna evidente a limitação de tal poder à medida que a política se torna independente, tornando-se um círculo fechado em si, que se liga ao sistema do Direito, garantindo a legalidade, e extrai de si, em um processo de autorreferência, tudo de que necessita para se legitimar (HABERMAS, 2003b, p. 73).

Nessa seara, pode-se afirmar que as normas só vão produzir efeitos quando válidas e legítimas e que tal legitimação depende da participação comunicativa e argumentativa dos indivíduos aos quais a norma se destina. Para tanto, deve ser adotado um procedimento livre de desigualdades, que possibilite a todos os indivíduos igualdade de condições para influenciar a elaboração da norma. O pensamento habermesiano está profundamente ligado à noção de processo legislativo para elaboração de leis. No entanto, a mudança de paradigma proporcionada pelo Pós-positivismo e neoconstitucionalismo, assim como o crescimento das funções do Estado com o surgimento dos direitos de segunda e terceira geração, trouxe para o Poder Executivo a elaboração de normas complementares, regulando direitos e deveres estabelecidos em lei pelo Poder Legislativo. Desse modo, faz-se necessário transplantar as ideias de Habermas (2003a, 2003b) para o procedimento administrativo normativo. Como o processo de elaboração de atos administrativos é distinto do legislativo, cumpre adotar a teoria de Habermas (2003a, 2003b) de maneira adaptada à realidade da Administração Pública. Entretanto, buscando atender aos anseios populares, diversos países passaram a implementar as consultas públicas como mecanismos de participação cidadã no agir administrativo. As consultas são marcadas por espaços nos quais os cidadãos podem emitir opiniões sobre os atos administrativos em análise.

Notadamente, tem-se uma relação direta entre as consultas públicas no procedimento administrativo e a participação dos indivíduos no processo de formação pública da opinião e da vontade das leis na esfera pública. Assim como esta busca legitimar as leis, aquela pretende legitimar as normas emanadas da Administração.

Nesse diapasão, faz-se necessário estabelecer critérios para que as consultas públicas possibilitem que todos os interessados nas normas influam na decisão da autoridade administrativa, tal como defende Habermas (2003a, 2003b) para o processo legislativo. Caso contrário, corre-se o risco de que tal processo seja utilizado pelos poderes econômicos e políticos como forma de atribuírem uma falsa legitimidade para as normas publicadas, conforme adverte o autor. De forma paralela, Abers (1998 apud VIANA, 2016) aponta três problemas que podem existir na participação social e que merecem atenção nas consultas públicas: o impedimento da implementação por grupos poderosos que não tem interesse nela; a obstacularização, pela desigualdade socioeconômica, da participação de determinados grupos sociais; e a cooptação existente nos espaços de participação, decorrentes do desequilíbrio entre governo e participantes.

Desse modo, a ação comunicativa habermasiana tem, no Direito Administrativo, um propósito de diagnóstico. O estímulo à discursividade que se busca com as consultas públicas, mediante a utilização de canais de comunicação entre as estruturas estatais de decisão, tem como finalidade diagnosticar e iluminar desafios sociais presentes na sociedade para que possam ser ouvidos e superados na decisão do administrador. Assim, tem-se, na consulta pública, um processo de emancipação social perante o Estado, que, aberto ao discurso, torna-se mais legítimo, atendendo aos anseios de participação social após a Constituição Cidadã, conforme contextualiza Viana (2016).

Tem-se, portanto, esse instituto como um reflexo do direito fundamental de participação social, positivado na Constituição (BRASIL, 1988) e derivado da própria cláusula democrática. A consulta pública é uma das formas de concretização desse direito, o que evidencia a extrema importância de haver a sua devida regulamentação para a efetiva realização da participação social enquanto direito constitucional. Ademais, as consultas públicas podem ser consideradas, também, uma manifestação prévia do controle social, outro aspecto da participação social, com a nítida pretensão de se atribuir maior legitimidade às decisões do Estado.

Conforme Moreira Neto (2008), a legitimidade pode ser primária, baseada no consenso entre as pessoas, ou derivada, originada da aceitação formal e da coação. Tais modelos perpassaram pela história do homem de modo que, atualmente, vivencia-se uma terceira fase proporcionada pelo constitucionalismo. Nesta, os valores consensuais da sociedade e os valores organizacionais formais atuam de forma conjunta para garantir a segurança às relações sociais. Tem-se, portanto, que a legitimidade no Estado Democrático de Direito logra remissão tanto da cláusula democrática quanto no Direito, de modo que os direitos fundamentais atuem como fator de legitimação do agir estatal.

Diante do exposto, deve-se trazer, também, a noção de eficácia dos direitos fundamentais de Sarlet (2015, p. 283), no sentido de que os direitos de defesa do cidadão contra o poder do Estado possuem eficácia imediata. Tendo em vista que o processo deliberativo, para Habermas (2003a, 2003b), está intimamente ligado à garantia aos cidadãos de condições iguais de participação, é importante destacar que os direitos fundamentais também vinculam os órgãos administrativos (SARLET, 2015, p. 386), que devem buscar assegurar o direito de participação não somente na esfera macro entre o indivíduo e o Estado, durante o período eleitoral, mas também em suas decisões políticas durante o exercício do mandato, entre as quais se pode incluir a elaboração dos atos administrativos normativos e dos procedimentos para a realização de consultas públicas.

3 ANÁLISE DO DIREITO COMPARADO

Tendo em vista a escassez, no Brasil, de uma regulamentação geral das consultas públicas a serem realizadas pelo Poder Executivo Federal, faz-se necessário verificar, para conferir amparo a uma proposta de regulamentação, como outros países disciplinam o instituto.

A pesquisa de Direito comparado foi delimitada em países da América Latina, em virtude da maior proximidade histórica e da realidade, o que proporciona estágios de desenvolvimento na sociedade parecidos com o do Brasil. Nesse sentido, foram considerados os países que possuíam índices de democracia2, acesso da população à internet3, alfabetização4, desigualdade5 e desenvolvimento humano6 parecidos com o do Brasil. Tal delimitação foi adotada com vistas a proporcionar maiores chances de que as soluções jurídicas dadas pelas legislações estrangeiras fossem factíveis de serem eficazes no espectro da realidade brasileira. A partir disso, foi utilizado, para a pesquisa empírica, o método funcional em Direito comparado (DUTRA, 2016, p. 198). Desse modo, as legislações foram consultadas pela via eletrônica com o acesso aos sites governamentais federais, verificando as legislações apontadas pelos entes como regulatórias desse mecanismo.

É importante destacar que a nomenclatura do instituto de consultas públicas para produção de atos administrativos normativos vai variar a depender do Direito estrangeiro analisado.

3.1 ARGENTINA

A legislação argentina, por meio do Decreto nº 1.172 (ARGENTINA, 2003), trouxe uma extensa regulação dos mecanismos de democracia participativa, tratando de audiências públicas, acesso à informação e, até mesmo, consultas públicas. No estudo em questão, o decreto traz, em seu anexo V, o Regulamento Geral para “Elaboración Participativa de Normas”, que estabelece regras e princípios para as consultas públicas sobre atos administrativos normativos da Administração Pública Federal direta e indireta.

O dispositivo elenca como princípios desse procedimento consultivo a igualdade, publicidade, informalidade e gratuidade, além de estabelecer que as opiniões coletadas não vinculam a Administração, possuindo, tão somente, um caráter consultivo (vide arts. 5º e 6º respectivamente). Ademais, o decreto estabelece o procedimento que deve ser adotado pela autoridade responsável pela elaboração da norma, sendo facultado à autoridade solicitar o auxílio de um órgão coordenador predeterminado (vide arts. 7º e 8º, respectivamente).

É importante destacar que o regulamento permite que não só pessoas físicas participem do processo consultivo, mas também pessoas jurídicas de direito público ou privado que invoquem interesse simples, difuso ou de caráter coletivo com a norma em análise (ARGENTINA, 2003).

No tocante ao procedimento em si, ele é iniciado por meio de um ato administrativo expresso da autoridade. Entretanto, qualquer pessoa física ou jurídica, sendo pública ou privada, pode solicitar à autoridade a abertura do procedimento de participação popular na elaboração da norma, desde que o pedido seja fundamentado. Caso o pedido seja apresentado, o servidor possui um prazo de 30 dias para responder, fundamentadamente, a solicitação (ARGENTINA, 2003).

O ato administrativo de abertura da consulta pública deverá conter a especificação da autoridade responsável, o texto e os fundamentos da norma proposta, os dados do requerente - se houver, o local onde os documentos estarão disponíveis para consulta, onde deverão ser apresentadas as propostas e os pareceres, e o prazo para a sua apresentação. Tal ato deve ser publicado por 2 dias no “Boletín Oficial” e por pelo menos 15 dias no site do órgão na internet, podendo, ainda, de acordo com a discricionariedade da autoridade, ser divulgado pela mídia nacional, local ou especializada na temática da norma proposta (ARGENTINA, 2003).

No mais, o regulamento argentino estipula que o registro das opiniões deve ser feito gratuitamente por escrito no prazo mínimo de 15 dias, mediante apresentação de um formulário anexado ao regulamento, podendo conter outros documentos (ARGENTINA, 2003).

Por fim, além da apresentação presencial de propostas, a autoridade deve estabelecer um endereço de e-mail e postal para receber comentários informais, que não serão incorporados ao processo de consulta. Vale destacar que a legislação argentina não determina que a autoridade fundamente a incorporação de algumas propostas e não de outras.

É notável, portanto, que a legislação argentina cria um regime jurídico mais elaborado para as consultas públicas sobre atos administrativos normativos, trazendo maior transparência, impessoalidade e segurança jurídica para a população e a Administração, fomentando positivamente a democracia participativa no país. Entretanto, apesar de legitimar diversos atores sociais para a contribuição nas consultas, bem como para a abertura dos respectivos processos, a legislação limita o seu alcance territorialmente, ao desconsiderar formalmente as contribuições enviadas por e-mail ou pelo correio. Outro ponto negativo que se pode observar é a ausência de necessidade de fundamentação para a adoção ou não das contribuições feitas pela população, o que enfraquece o poder de influência delas na decisão administrativa.

3.2 CHILE

Segundo as orientações7 do Ministerio Secretaría General de Gobierno (CHILE, 2018), o Direito Administrativo chileno sofreu profundas modificações após a promulgação da Ley nº. 20.500 (CHILE, 2011), que instituiu o direito de participação cidadã em seu artigo 69. Entre as modalidades abarcadas pela lei, encontra-se a consulta pública8 com um caráter mais genérico, servindo para participação popular em qualquer ação do governo. Entretanto, o dispositivo se limita a somente criar o dever, para os órgãos públicos, de incorporarem mecanismos de participação, publicizando-os, e estes, de ofício ou a requerimento, deverão colocar em consulta matérias de interesse cidadão, devendo ela ser informada, pluralista e representativa. Ao fim, as opiniões coletadas serão avaliadas e ponderadas pelo órgão conforme a regra geral (CHILE, 2011).

Ademais, vale trazer luz a norma geral de participação cidadã do Ministerio del Interior y Seguridad Pública, introduzida pela Resolución Exenta nº. 4612 (CHILE, 2015). A norma estabelece que será exarado pelo órgão a Minuta de Posición, que será disponibilizada no site e que conterá a temática submetida e o prazo para envio dos apontamentos, que não poderão ser inferiores a 5 dias úteis. A resposta da autoridade deverá ser publicada em, no máximo, 45 dias úteis após o fechamento da consulta virtual.

Conforme se nota pela legislação chilena, as consultas públicas, da forma como o seu direito administrativo compreende, somente ocorre de forma virtual. Quando as consultas ciudadanas na forma presencial elas irão corresponder às audiências públicas brasileiras.

Diante do exposto, observa-se que a legislação chilena regula o tema de maneira incipiente, deixando o procedimento a ser adotado a cargo de cada órgão, o que prejudica a previsibilidade pela população das consultas a serem formuladas. De igual modo, não são fixados deveres claros de fundamentação baseada nas contribuições feitas, nem os meios pelos quais estas serão feitas.

3.3 COLÔMBIA

No caso colombiano, o Código de Procedimiento Administrativo y de lo Contencioso Administrativo, Ley nº 1437 (COLÔMBIA, 2011), estabeleceu a participação como um princípio do processo administrativo (art. 3º), obrigando as autoridades a fornecerem por meios impressos ou eletrônicos os projetos de regulamentação específica e as informações em que se baseiam, a fim de receber opiniões ou propostas alternativas9. Para esse fim, as autoridades devem indicar o prazo em que as observações podem ser submetidas. Entretanto, a lei estabelece que a decisão administrativa ocorrerá conforme a discricionariedade da autoridade.

Fica claro, portanto, o instituto da consulta pública dentro do Direito colombiano, de modo que a lei nacional somente fixa diretrizes genéricas para o instituto. Todavia, é importante destacar o Decreto nº 1.081 (COLÔMBIA, 2015), alterado pelo Decreto nº 270 (COLÔMBIA, 2017), que vai regular as consultas públicas de atos normativos da Presidência da República, servindo de parâmetro para a Administração Pública colombiana.

O decreto determina em seu artigo 2.1.2.1.14 que os projetos de regulamentos devem ser publicados no site do órgão para conhecimento da população e envio de apontamentos por pelo menos 15 dias corridos, devendo o prazo ser razoável à complexidade da norma. Junto aos projetos, é obrigatória a disponibilização do Soporte Técnico, que conterá as justificativas do projeto, o estudo sobre a viabilidade legal e dos seus possíveis impactos econômicos, ambientais e culturais para a nação, bem como a manifestação de impacto regulatório, caso regulem procedimentos (COLÔMBIA, 2015).

Além disso, há, também, o dever de os órgãos informarem um meio eletrônico para que as pessoas interessadas possam receber automaticamente informativos sobre os projetos regulatórios em processo de consulta, auxiliando na sua publicidade. O referido decreto não limita o meio pelo qual a consulta ocorrerá, podendo ser virtual ou físico, mas estabelece que toda a população deve ser informada por diferentes canais de comunicação dos projetos em consulta e seus referidos assuntos, prazos e meios de participação (COLÔMBIA, 2015).

Findo o prazo da consulta, deverá ser elaborado um relatório global com a avaliação, por categorias, das observações enviadas, que, com um resumo dos comentários e outros documentos justificadores do projeto, integrarão a memoria justificativa enviada para que a autoridade decida10. Esse relatório global deverá, ainda, ser publicado no site do órgão.

É interessante observar que o decreto estabelece alguns critérios para a razoabilidade dos prazos de submissão de apontamentos nos projetos regulatórios em que outras autoridades, que não o Presidente, sejam responsáveis. Entre outros temos, o interesse geral, o número de artigos, a natureza dos grupos envolvidos e a complexidade da matéria regulamentada.

Por fim, nota-se que o dispositivo determina em seu art. 2.1.2.1.20 que todos os órgãos que preparam minutas de atos normativos para a Presidência da República devem publicar uma agenda dos atos regulatórios que pretende emanar no ano seguinte, passando previamente por uma consulta pública.

Da leitura da legislação colombiana pode-se observar o mesmo padrão generalista na regulamentação das consultas públicas, porém trazendo alguns pontos positivos, como a flexibilização do prazo para contribuições de acordo com a complexidade das normas a serem emanadas; a publicação de uma agenda contendo os atos normativos que devam ser editados no ano subsequente e a criação de canal de informação sobre as consultas abertas direto com o indivíduo interessado. Apesar disso, a regulamentação colombiana mantém a ausência do dever de fundamentação para a utilização ou não das contribuições.

3.4 COSTA RICA

No caso costa-riquenho, verifica-se nos sites dos ministérios11 que são realizadas algumas consultas públicas dos atos normativos dos órgãos, por força do art. 361 da Ley General de la Administración Pública, n° 6227 (COSTA RICA, 1978), que estabelece que as entidades afetadas pela norma devem ter a oportunidade de se manifestarem no prazo de 10 dias, salvo razões de interesse público ou urgência devidamente previstos na minuta do projeto. Discricionariamente, baseada na natureza do projeto, a Administração pode submetê-lo ao crivo público, pelo período que achar necessário (COSTA RICA, 1978).

Nota-se, portanto, que o direito administrativo costa-riquenho apenas estabelece a possibilidade de realização de consultas públicas, delegando aos órgãos a regulação dos procedimentos para a sua efetivação em cada caso. Ademais, não cria nenhum procedimento e outros deveres para a Administração para a utilização desse mecanismo.

3.5 EQUADOR

No Equador, a recente Constituição (EQUADOR, 2008) assegurou o direito de participação, fomentando fortemente diversos mecanismos de democracia participativa no Estado. Nessa seara, tendo em vista o mandamento constitucional, foi promulgada a Ley Orgánica de Participación Ciudadana y Control Social (EQUADOR, 2010), que regula diversos mecanismos de participação social na Administração Pública.

Em seu artigo 4º, o dispositivo elenca os princípios que norteiam o exercício da participação cidadã, quais sejam, a igualdade, a interculturalidade, a plurinacionalidade, a autonomia, a deliberação pública12, o respeito à diferença, a paridade de gênero, a responsabilidade, a corresponsabilidade13, a informação e transparência, o pluralismo de ideias (com respeito aos direitos humanos), por fim, a solidariedade14.

Apesar de não haver a previsão expressa do mecanismo de consulta pública para atos administrativos normativos, a mencionada lei traz o dever das instituições públicas de promoverem a participação em suas gestões (vide arts. 39 e 45 da lei). Outra obrigação interessante para o Estado trazida pelo dispositivo é a de promover “processos de capacitação cidadã e campanhas de divulgação sobre o exercício dos direitos e deveres estabelecidos na Constituição e na lei, bem como sobre os fundamentos éticos da democracia e da institucionalidade do Estado, no marco da igualdade e da não discriminação” (EQUADOR, 2010, online, tradução livre). Tal promoção ocorrerá por meio de campanhas em meios de comunicação massivos e alternativos e inclusão do tema nos currículos escolares, por exemplo.

Ainda segundo a supracitada lei, a democracia eletrônica deve ser incentivada nos processos de consulta, informação e discussão pública (EQUADOR, 2010).

O instituto da consulta pública em atos administrativos normativos vai surgir expressamente na Ley Orgánica Para La Optimización y Eficiencia de Trámites Administrativos (EQUADOR, 2018), que estabelece o dever da entidade de publicar em seu site, antes da emissão do regulamento, o projeto regulatório por pelo menos uma semana, possibilitando aos administrados o envio de comentários, conforme as regras e o local indicado pelo ente.

Por fim, cumpre dizer que todo o Direito Público equatoriano e a própria Administração ainda estão se adequando à nova Constituição (EQUADOR, 2008), tendo em vista o pouco tempo em que se encontra vigente. Apesar disso, mesmo não criando muitos deveres para a Administração, a legislação já se mostra inovadora ao elencar diversos princípios para tornar a participação cidadã plural, bem como ao estabelecer como dever da Administração a adoção de campanhas e processos de capacitação cidadã, conscientizando a população da importância do exercício do direito de participação de modo respeitoso.

3.6 MÉXICO

Nos Estados Unidos Mexicanos, o modelo de consulta pública em atos administrativos normativos adotado está atrelado à política de melhoria regulatória. O país possui uma agência para auxiliar a Administração Pública na simplificação e na otimização dos atos normativos, a Comisión Nacional de Mejora Regulatoria (CONAMER), criada pela Ley General de Mejora Regulatoria (MÉXICO, 2018). Conforme a lei, todos os órgãos da Administração devem enviar para a agência uma agenda contendo os regulamentos que pretende aprovar no semestre seguinte, com o nome, a matéria e a justificativa da proposta, o problema que se pretende solucionar e a data em que se pretende promulgá-la.

Em posse da agenda, a autoridade de melhoria regulatória colocará as propostas em consulta pública virtual por um prazo mínimo de 20 dias (vide art. 64 da mencionada lei). Tal prazo deve ser determinado levando em consideração o impacto potencial das propostas regulatórias, sua natureza jurídica e o escopo de aplicação, entre outros elementos considerados pertinentes, conforme determina o art. 73 da supracitada lei. Entretanto, os resultados desse procedimento não terão poder vinculante sob a Administração. No caso, é importante ressaltar que esse processo é imprescindível para a publicação do ato normativo, somente podendo ser excepcionado nos casos em que: há emergência; a divulgação anterior gere prejuízo para os efeitos que se pretende alcançar com a norma; a norma não gere custos para o seu cumprimento; a proposta represente uma melhora substancial do regramento vigente, conforme critérios estabelecidos pela Autoridade de Melhoria Regulatória; e nos casos em que os regulamentos serão emitidos diretamente pelos titulares do poder executivo (MÉXICO, 2018).

Notadamente, a legislação mexicana é falha ao deixar de regular mais detalhadamente as consultas públicas, atribuindo tal tarefa a uma agência específica. No entanto, alguns pontos positivos devem ser destacados, como o estabelecimento do prazo conforme a complexidade da matéria abordada e a obrigatoriedade do procedimento para a promulgação do ato, excepcionado em alguns casos, apesar de algumas situações não respeitarem o direito de participação, como aquelas em que o regulamento é emitido pelo chefe do Executivo.

3.7 PANAMÁ

Na República do Panamá, a consulta pública está presente na Ley nº 06 (PANAMÁ, 2002), que dita as normas de transparência na gestão pública e estabelece a ação de habeas data. Nos artigos 24 e seguintes, a norma fixa a obrigação dos entes administrativos possibilitarem a participação cidadã em todos os atos que afetem os interesses e direitos dos administrados. Entre as modalidades de participação fixadas na lei, que podem ser adotadas, está a consulta pública. Ademais, não é fixado nenhum regime jurídico para as consultas, que fica a discricionariedade dos órgãos e das entidades.

Vale ressaltar que o dispositivo mencionado determina que anualmente os órgãos publiquem relatórios contendo todos os atos administrativos que passaram por algum processo participativo. Porém, ao consultar os sites dos ministérios, verifica-se que tal dispositivo é aplicado erroneamente, sendo elencados eventos organizados pela Administração e que contaram como público alvo a população. Isto é, os órgãos confundem a participação cidadã na esfera pública com a participação da população nos eventos e campanhas15.

3.8 PARAGUAI

Ao se pesquisar na legislação do Paraguai, não foi encontrada nenhuma Lei Federal que instituísse a consulta pública como mecanismo de participação. Entretanto, a Ley nº 5.282 (PARAGUAI, 2004), que regula o livre acesso cidadão à informação pública e transparência governamental, traz como dever dos órgãos administrativos publicar em seus sites os mecanismos de participação cidadã (vide art. 8º, “q”). Entretanto, novamente se verifica um erro interpretativo da norma pela Administração, tal qual ocorre no Governo do Panamá. Nesse caso, os ministérios do Governo Nacional ao atenderem à norma citada, sendo em muitos casos desrespeitada, publicam informativos sobre solicitação de informações públicas e oferecimento de denúncias16, confundindo o conceito de transparência com o de participação strictu senso.

3.9 PERU

No Peru, o Direito Administrativo não avança muito na temática, regulando superficialmente o instituto de consultas públicas na Ley nº 27.444 (PERU, 2019). O dispositivo denomina o processo de consulta pública como período de información pública, tendo uma função mais mitigada, em que o objetivo principal não é coletar a opinião da população sobre o ato, mas possibilitar que ela possa fiscalizar o ato antes da sua edição. Destarte, o ato é colocado em período de información pública se versar sobre normas administrativas que afetem os direitos e interesses dos cidadãos, sobre a concessão de licenças ou autorizações para exercer atividades de interesse geral, ou sobre nomeação de servidores públicos para “cargos principales de las entidades, o incluso tratándose de cualquier cargo cuando se exija como condición expresa poseer conducta intachable o cualquier circunstancia análoga” (PERU, 2019, online).

Nessa seara, vale destacar que o prazo fixado na lei, art. 194, é de, no mínimo, 3 dias e, no máximo, 5 dias para o período de información pública do ato.

3.10 REPÚBLICA DOMINICANA

O Direito Público dominicano possui diversas menções à participação cidadã na esfera pública. Na própria Constituição (REPÚBLICA DOMINICANA, 2010) é assegurada a realização de audiências públicas para criação de resoluções e atos administrativos em seu art. 138, inciso 2. A Ley Orgánica de la Administración Pública, (REPÚBLICA DOMINICANA, 2012) instituiu a participação como um dos princípios administrativos (art. 12, inciso 13 da lei). Igualmente na Ley nº 107-13, que regula os direitos e deveres dos administrados em suas relações com a Administração e as normas do processo administrativo, temos a participação como um direito fundamental dos indivíduos e um princípio norteador dos atos públicos (art. 4º, inciso 9; art. 6º, inciso 10; art. 15, parágrafo III; e art. 30 da lei). Apesar disso, tais normas sobre participação pouco adentram o instituto das consultas públicas, focando mais nas audiências públicas como forma de democracia participativa.

A Ley General de Libre Acceso a la Información Pública (REPÚBLICA DOMINICANA, 2004) coloca como dever dos órgãos públicos a publicação em meios de comunicação com ampla difusão nacional dos projetos de atos administrativos normativos, devendo, ainda, utilizar-se de uma linguagem clara e acessível à população. Porém, tal norma não especifica se a divulgação será para a realização de consulta. Com o advento do Decreto nº 130-05 (REPÚBLICA DOMINICANA, 2005), que regulamenta a lei supracitada, não restou dúvidas de que tal obrigação deve vir acompanhada de uma consulta pública, conforme art. 46.

Nesse aspecto, o regulamento ainda esclarece que a consulta não terá um caráter vinculante, devendo ocorrer por no mínimo 25 dias, sendo iniciado com a publicação simultânea de um comunicado à população em uma mídia impressa e no site do órgão, sendo obrigatório a publicização pelo menos uma vez em um meio de comunicação de massas, no máximo uma semana após o início do procedimento (REPÚBLICA DOMINICANA, 2005).

Ainda regulando o instituto, o Decreto determina que a chamada para a consulta contenha: os dados da autoridade convocante; um resumo da norma proposta e as razões que a justificam, bem como o local onde essas informações são acessíveis; o prazo para o recebimento de comentários e o local para fazê-los; e o servidor que decidirá sobre a incorporação ou não dos comentários à proposta. Além disso, o órgão deverá disponibilizar para a consulta um e-mail, uma caixa postal e um espaço no site para que os interessados possam enviar os comentários. Finda a consulta, a autoridade deverá tomar sua decisão e informar quais contribuições foram incorporadas ao texto final da norma.

Ademais, o Decreto inova e cria a possibilidade de adoção de um procedimento abreviado para a consulta em situações de menor importância ou de urgência. Tal situação traz uma novidade por mesmo nesses casos não extinguir a obrigação da autoridade de submeter o ato normativo à consulta pública. A consulta abreviada consiste na publicação em um jornal de circulação nacional e no site indicando que, se não forem recebidas observações no prazo peremptório que não pode exceder 10 dias úteis, o projeto da norma será tornado definitivo. Recebidos subsídios, estes serão registrados, bem como as modificações introduzidas em decorrência deles (REPÚBLICA DOMINICANA, 2005).

Exposto isso, cumpre dizer que a legislação dominicana é uma das mais avançadas, entre as analisadas, na regulamentação das consultas públicas, estabelecendo um dever de ampla divulgação e de oferecimento de diversos de canais para recebimento de contribuições, potencializando a participação da população nesse mecanismo. Outro ponto interessante é a adoção de um procedimento abreviado de consulta pública, que preserva a possibilidade de influência da população na norma mesmo em situações de urgência. Apesar disso, a legislação peca ao não criar um dever de fundamentação para a utilização ou não das contribuições.

3.11 URUGUAI

Por último, a situação do Uruguai é a mais peculiar entre todos os países pesquisados. Apesar de não haver uma lei nacional específica para as consultas públicas em atos administrativos normativos, o país possui a participação cidadã institucionalizada entre inúmeros órgãos e normas setoriais, segundo o “Informe: Relevamiento normativo sobre participación ciudadana” (AGESIC, 2017). Nessa seara, é importante destacar que a democracia participativa uruguaia está mais direcionada para mecanismos de participação institucional, com conselhos sociais, e para a realização de audiências públicas, tendo em vista que o foco maior da vida política dos cidadãos é na esfera municipal. A Ley de Descentralización Política y Participativa (URUGUAI, 2012) buscou aproximar a população da esfera pública, descentralizando o poder político e a participação para os municípios. Assim sendo, os órgãos do Poder Executivo Nacional criam normas próprias para as suas consultas públicas, quando as realizam, não existindo uma regulamentação geral da matéria.

Por fim, outro fator importante de se ressaltar que é o Decreto n° 405/011 (URUGUAI, 2011), que aprovou a Agenda Uruguai Digital 2011-2015, teve como um dos objetivos impulsionar a participação cidadã por meio de tecnologias da informação, que acaba se verificando na prática como o mecanismo mais utilizado quando da realização de consultas públicas nacionais.

4 ANÁLISE DO DIREITO BRASILEIRO

Passando ao cenário brasileiro, tem-se o Decreto nº 9.191 (BRASIL, 2017) que estabelece normas e diretrizes para a elaboração de atos normativos a serem promulgados pelo Presidente da República. Em seu Capítulo VI, o Decreto regula o processo de consulta pública, determinando que a proposta e os termos da consulta devem ser publicados no Diário Oficial da União, sendo a consulta disponibilizada no site da Presidência da República, e conforme a conveniência, no site do órgão proponente (vide art. 41 do mencionado decreto). A análise das sugestões deve ser realizada pela Casa Civil em conjunto com o proponente, e, no prazo de 3 meses, este deverá encaminhar à Casa Civil a exposição e os motivos com a proposta final do ato normativo ou a justificativa de desistência da proposta (vide arts. 42 e 43 do decreto).

Ademais, uma recente alteração feita pela Lei nº 13.655 (BRASIL, 2018) no Decreto-Lei nº 4.657 (BRASIL, 1942), a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, introduziu o art. 29, que fomenta a realização de consultas públicas em qualquer órgão ou Poder para a elaboração de atos administrativos normativos, preferencialmente por meio eletrônico. Entretanto, tal como o seu Regulamento pelo Decreto nº 9.830 (BRASIL, 2019), a legislação não fixa um regime jurídico para as consultas, restringindo-se a estabelecer diretrizes genéricas. Tampouco a norma torna obrigatória a realização das consultas e a fundamentação da decisão no tocante ao uso ou não das contribuições. Assim como em outros países, a consulta pública no Brasil existirá conforme a discricionariedade de cada órgão, que, na sua convocação, poderá especificar o procedimento e prazos.

Outrossim, é importante destacar que o Poder Executivo Federal, conforme se verifica em pesquisa nos sites governamentais, não apresenta um padrão na realização de consultas públicas, sendo algumas realizadas pela plataforma participa.br17 e outras pelos sites de cada ministério18, tornando difícil e pouco didático o acesso a elas. Nota-se, portanto, que a regulamentação brasileira desse instituto está muito aquém do necessário para que haja uma efetiva participação e influência dos interessados na promulgação do ato normativo, resultando em uma carência de legitimidade das normas emanadas pela Administração.

Nessa seara, para garantir que os atos administrativos normativos gozem de legitimidade, é necessário se estabelecer um regime jurídico detalhado para as consultas públicas, possibilitando que o procedimento adotado permita uma participação efetiva de todos os possíveis interessados, com o poder de influírem na decisão da Administração, tal como defende Habermas (2003a, 2003b). Sendo assim, com base no que foi exposto, serão tecidas propostas para uma regulamentação das consultas públicas.

Inicialmente, é imperioso que a consulta pública seja considerada requisito indispensável para a edição de um ato administrativo normativo. Tal procedimento não deveria ser excluído nem mesmo em situações excepcionais, podendo ser utilizada a solução presente no Direito dominicano de um procedimento abreviado. Caso tal dever não existisse para a Administração Pública, estar-se-ia diante de uma ausência de legitimidade nas normas administrativas, criando uma categoria de regras que não passam pelo crivo da população, tal como ocorre em um processo legislativo com centenas de representantes do povo.

Da mesma maneira, o procedimento deve abarcar todo o território que será afetado pela norma, isto é, se a norma terá uma abrangência nacional, a consulta deve possibilitar a participação de qualquer cidadão no país. Caso a norma restrinja-se somente à população de um Estado ou localidade, o procedimento deve atendê-la integralmente. Nesse aspecto, é importante destacar que a adoção de um procedimento virtual/on-line possibilita o pleno atendimento ao requisito exposto. As consultas pela internet facilitam o acesso da ampla maioria da população brasileira, principalmente nos casos de normas federais. Entretanto, é imperioso que também sejam disponibilizados meios físicos para que as consultas sejam acessadas pelas comunidades que não possuem acesso à internet. Para tanto, o Governo Federal, por exemplo, pode se utilizar das suas instituições presentes em todo o território nacional, como é o caso das agências do INSS, que dividem o território nacional em regiões menores para repartição das competências.

Também no tocante ao aumento da participação popular nas consultas, é importante a facilitação do acesso às consultas públicas, tanto as já iniciadas quanto as futuras. Nesse ponto, a disponibilização de todas as consultas vigentes em um único lugar, isto é, em uma única página governamental, tal como ocorre no portal participa.br, ou em uma única pasta, ou mural, na repartição pública. Desse modo, o cidadão não encontraria dificuldades para verificar todas as consultas públicas disponíveis, o que viabiliza a sua participação nas outras consultas que não a inicialmente pretendida por ele. Da mesma forma, o acesso às consultas pelo site governamental e pessoalmente deve ser facilitado e intuitivo, ou seja, na página inicial do órgão deve estar visível o ícone para as consultas públicas, bem como na repartição pública, que deve expor, na área de atendimento ao cidadão, as consultas abertas. Busca-se, assim, impedir que as informações sobre as consultas fiquem escondidas e de difícil localização pelo indivíduo, desobstruindo-se mais uma barreira para a participação popular.

Ainda objetivando fomentar a participação, deve-se considerar o imenso número de consultas públicas que a Administração Pública Federal implementa, bem como o excesso de informações disponíveis no mundo atualmente e que acabam por distrair os indivíduos. Com base nisso, e, seguindo o exemplo do Direito colombiano, seria positiva a implementação de um sistema automatizado para que as pessoas se cadastrem para receber informativos sobre as consultas abertas. Destarte, é potencializado o alcance do chamamento da consulta entre as pessoas interessadas no tema. Entretanto, convém esclarecer que o dever de divulgação das consultas deve ser amplo, somado com a realização de campanhas de conscientização e de apresentação desse mecanismo participativo para a população em canais de ampla difusão como rádio, televisão e internet, tal qual o Direito equatoriano.

Outro ponto que se mostra essencial para a garantia da igualdade material e do poder de influir na decisão é a participação informada. Para que as contribuições tenham a possibilidade de convencerem igualmente a autoridade administrativa, é importante que elas tenham um embasamento na realidade administrativa e nos fatos que a cercam. Portanto, é necessário que todas as consultas sejam acompanhadas de um material informativo sobre o projeto de regulamentação, trazendo informações que serviram de base para a sua formulação. Assim, as contribuições da população podem ser fundamentadas e de melhor qualidade, ganhando peso na análise administrativa. Tal material deve contemplar todos os dados que envolvam o projeto em consulta. Se este versa, por exemplo, sobre a restrição do uso de canudos plásticos em estabelecimentos comerciais, devem ser disponibilizados os dados ambientais e econômicos sobre o impacto do uso dos canudos, assim como todos os possíveis dados aos quais a Administração tem acesso e que podem auxiliar na opinião do indivíduo.

Por fim, explicitados os aspectos que merecem regulamentação concernentes à implementação e ao alcance das consultas públicas, é importante frisar a necessidade de se positivar o dever da autoridade administrativa de motivar a recusa ou a aceitação das contribuições incorporadas no projeto normativo. Para tanto, pode a autoridade reunir os subsídios semelhantes para uma resposta una. A finalidade do procedimento consultivo é auxiliar na legitimação da norma administrativa. Entretanto, se o procedimento não vincula a autoridade à realização de uma análise das contribuições fornecidas pela população, a finalidade deste fica mitigada. Contrariamente ao que dispõe o Decreto-Lei nº 4.657 (BRASIL, 1942), a resposta aos subsídios enviados ao órgão deve ser obrigatória e fundamentada pela autoridade, devendo, ainda, ser disponibilizada nos mesmos meios pelos quais a consulta estava aberta, seja no site governamental, seja na repartição pública.

5 CONCLUSÃO

A pesquisa partiu da constatação da ausência de regulamentação do instituto das consultas públicas e da observação de que ele tem sido usado de forma a integrar apenas a retórica de legitimação da Administração Pública, sem cumprir propriamente sua finalidade democrática. Após o estudo, confirmou-se que há uma regulamentação insatisfatória no ordenamento jurídico brasileiro, bem como no da maioria dos países latino-americanos analisados, o que gera a ineficácia do mecanismo em relação aos seus propósitos.

A legislação brasileira, assim como a de outros países latino-americanos, limita-se a delegar aos órgãos a discricionariedade para aplicação e criação do procedimento de consulta pública a ser adotado.

Ademais, por meio do trabalho, logrou-se a percepção pela demanda por novas pesquisas sobre o tema, buscando verificar empiricamente se, em consultas públicas realizadas pela Administração Pública, foi estabelecido um procedimento que possibilitou uma ampla participação social, com um efetivo poder de influência na decisão.

A partir dos dados levantados, pode-se constatar que, para que, de fato, a consulta pública atenda aos seus pressupostos democráticos e legitime os atos administrativos, o procedimento deve atender à obrigatoriedade, devendo ainda ser criado um procedimento sumário para casos de urgência, e abarcar todo o território que será afetado pela norma administrativa, podendo ser importante a adoção de um mecanismo virtual, a depender da extensão do território atingido, mas sem prejuízo dos meios físicos, para aqueles indivíduos que não possuem acesso à internet. Também deve ser ampliado o acesso da população às consultas, divulgando-as nos meios de comunicação, disponibilizando todas em um único lugar com visibilidade e de manuseio intuitivo, implementando um sistema automatizado para informar as pessoas interessadas sobre as que foram abertas e promovendo campanhas de conscientização sobre a importância desse mecanismo e seu funcionamento. Ademais, a participação popular deve ser informada, com a obrigatoriedade de disponibilização pela Administração dos documentos que embasam o ato. Por fim, é necessário que a autoridade administrativa tenha o dever de responder as contribuições enviadas, motivando a incorporação ou não das sugestões na versão final do ato normativo e publicizando suas razões referentes ao conteúdo final da norma editada.

Material suplementar
REFERÊNCIAS
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Notas
Notas
NOTA

Declaramos para os devidos fins que o artigo intitulado “As consultas públicas enquanto mecanismo de legitimação dos atos administrativos normativos”, submetida à Revista Opinião Jurídica, representa fruto direto das pesquisas desenvolvidas pelos autores junto ao Programa de Pós-Graduação em Direito e Inovação da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPGD), tendo os autores realizado, concomitantemente, as tarefas de planejamento, execução e revisão da seguinte forma: 1) Gabriel Lima Miranda Gonçalves Fagundes desenvolveu o processo de coleta dos dados, análise do material empírico, fichamento e redação textual; 2) Luciana Gaspar Melquíades Duarte desenvolveu o processo de design metodológico, forneceu o material bibliográfico, indicou o formato de construção do texto, participou da análise dos dados coletados e realizou a revisão final para publicação.

1 Para entender as mudanças propostas pelo autor, é necessário que se compreenda o conceito de agir comunicativo colocado: “Neste caso, os atores, na qualidade de falantes e ouvintes, tentam negociar interpretações comuns da situação e harmonizar entre si os seus respectivos planos através de processos de entendimento [...] e passam a adotar o enfoque performativo de um falante que deseja entender-se com uma segunda pessoa sobre algo no mundo [...].” (HABERMAS, 2003a, p. 36).
2 Conforme o relatório Democracy Index 2018 elaborado pelo The Economist Intelligence Unit. Disponível em: https://www.eiu.com/public/topical_report.aspx?campaignid=Democracy2018. Acesso em: 20 jun. 19.
3 Divulgado pela CIA - Central Intelligence Agency, do Governo Federal dos Estados Unidos. Disponível em: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/fields/204.html#BR. Acesso em: 20 jun. 19.
4 Divulgado pela CIA - Central Intelligence Agency, do Governo Federal dos Estados Unidos. Disponível em: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/fields/370.html#BR. Acesso em: 20 jun. 19.
5 Índice de GINI divulgado pela CIA - Central Intelligence Agency, do Governo Federal dos Estados Unidos. Disponível em: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/fields/223.html#BR. Acesso em: 20 jun. 19.
6 Conforme o relatório “Índices e Indicadores do Desenvolvimento Humano: Atualização Estatística de 2018” elaborado pela ONU. Disponível em: https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/library/idh/relatorios-de-desenvolvimento-humano/relatorio-do-desenvolvimento-humano-2018.html. Acesso em: 20 jun. 19.
7 Criterios y Orientaciones para la Implementación de Mecanismos de Participación Ciudadana en la Gestión Pública.
8 Consulta Ciudadana para o direito chileno compreende tanto a consulta pública nos moldes brasileiros quanto a audiência pública, correspondendo às modalidades de Consultas Ciudadanas Virtuales e Consulta Ciudadana Presencial (Diálogos Participativos), respectivamente.
9 O Decreto nº 270 (COLÔMBIA, 2017) introduziu para os projetos regulatórios sob a responsabilidade do Presidente da República algumas exceções para a obrigação de abrir consulta pública sobre as minutas, quais sejam, em tradução livre: “procedimentos militares ou policiais que, por sua natureza, exigem decisões de aplicação imediata, para evitar ou remediar distúrbios da ordem pública nos aspectos de defesa nacional, segurança, tranquilidade, saúde e movimento de pessoas e coisas”; e “casos de reserva ou classificação das informações indicadas pela Constituição e pela Lei, inclusive as previstas nas Leis 1712 de 2014 e 1755 de 2015” (COLÔMBIA, 2017).
10 Na memoria justificativa, deverão ser declarados o cumprimento dos requisitos de consulta e a publicidade previstos nos artigos 2.1.2.1.13 e 2.1.2.1.14 deste decreto, quando aplicável, e, caso a entidade não tenha publicado o projeto de regulamento no prazo previsto no artigo 2.1.2.1.14, a memoria justificativa deve conter os motivos que impediram de fazê-lo (COLÔMBIA, 2015).
12 “Deliberación pública - Es el intercambio público y razonado de argumentos, así como, el procesamiento dialógico de las relaciones y los conflictos entre la sociedad y el Estado, como base de la participación ciudadana;” (EQUADOR, 2010, online).
13 “Corresponsabilidad - Es el compromiso legal y ético asumido por las ciudadanas y los ciudadanos, el Estado y las instituciones de la sociedad civil, de manera compartida, en la gestión de lo público;” (EQUADOR, 2010, online).
14 “Solidaridad - Es el ejercicio de la participación ciudadana que debe promover el desarrollo de las relaciones de cooperación y ayuda mutua entre las personas y colectivos.” (EQUADOR, 2010, online).
16 Conforme nota-se no site do Ministerio de Industria y Comerciohttp://www.mic.gov.py/mic/w/mic/portal_5189.php.
17 A plataforma tenta uniformizar e centralizar todas as consultas públicas do Governo Federal, apresentando uma estrutura que possibilita o envio de contribuições para cada item/artigo do ato normativo, bem como disponibilizando espaço para comentários gerais. No entanto, observa-se que a plataforma obteve pouca adesão. Cumpre ressaltar que, aparentemente, a sua utilização não mais é fomentada pela Administração, tendo em vista que, no portal mais atual que vem sendo implementado (gov.br), não é mencionada a existência da plataforma, tampouco redirecionado para ela quando se fala das consultas públicas, mas sim para os sites dos próprios órgãos e entes.
18 Vale ressaltar que o Governo Federal disponibiliza no portal gov.br, iniciativa que busca unificar os serviços públicos federais em um único site, uma página sobre participação social, na qual há links para consultas públicas nos mais diferentes órgãos e entes. Entretanto, ao acessar os links disponibilizados, a ausência de padronização torna difícil o entendimento das consultas disponibilizadas.
Autor notes
Editora responsável: Profa. Dra. Fayga Bedê

https://orcid.org/0000-0001-6444-2631

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