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Aplicabilidade do dever de transparência e de informação da iniciativa privada frente o princípio da sustentabilidade ética nos contratos públicos *
Transparency and duty information for private enterprise face the principle of ethics sustainability in public contracts
Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, vol. 2, núm. 2, 2015
Universidad Nacional del Litoral

Aplicabilidade do dever de transparência e de informação da iniciativa privada frente o princípio da sustentabilidade ética nos contratos públicos

Autores mantienen los derechos autorales y conceden a la revista el derecho de primera publicación.

Recepção: 28 Março 2015

Aprovação: 26 Junho 2015

Resumo: A pergunta que motivou este trabalho foi: em que medida o dever de transparência e de informação vinculam as empresas que estabelecem vínculos contratuais com o Estado? Esta indagação nasce da necessidade de se pensar instrumentos para assegurar a ética nas contratações públicas, notadamente ao setor privado que faz parte da relação jurídica contratual. Para responder esta indagação, recorreu-se à análise da Lei anticorrupção (Lei 12.846/13), haja vista que ela tem uma notória preocupação com a gestão ética das empresas que contratam com o poder público, porém, se quer investigar como esta ferramenta jurídica, bem como o decreto que a regulamentou, tratou a questão da transparência na gestão de tais empresas. Percebe-se que a regulamentação da corrupção dirigida a inciativa privada foi um avanço inegável, mas, não se pode deixar de concluir que quanto ao objeto deste trabalho, o tratamento dado pela Lei Anticorrupção foi carente, situação que se manteve no decreto que a regulamentou.

Palavras-chave: transparência, informação, contratos públicos, sustentabilidade ética, lei anticorrupção.

Abstract: The question that motivated this study was: to what extent the duty of transparency and information are binding on the enterprises which establish contractual relations with the State? This question arises from the need to think ways of ensuring ethics in public contracts, especially to the private sector is part of the contractual legal relationship. To answer this question, we used the analysis of anti-corruption law (Law 12,846 / 13), considering that she has a notable concern for the ethical management of the companies that contract with the government, but he would investigate how this legal tool as well as the decree which regulated, addressed the issue of transparency in the management of such companies. It can be seen that the regulation of corruption directed at private initiative was an undeniable step forward, but one cannot escape the conclusion that as the object of this work, the treatment given by the Anti-Corruption Law was lacking, a situation that remained in the decree that regulated it.

Keywords: transparency, information, public contracts, ethical sustainability, anti-corruption law.

Sumário:

1. Introdução; 2. Dever de transparência e informação para o setor privado; 3. A Lei Anticorrupção e sua regulamentação frente ao dever de transparência e de informação para a iniciativa privada; 4. Considerações finais; 5. Referências.

1. Introdução

O tema do presente ensaio é a forma como o princípio da transparência e o dever de informação aplicam-se ao setor privado, especialmente para aqueles que constantemente recebem recursos dos cofres públicos, seja pela construção de uma obra, seja pela venda de algum produto ou serviço ao Estado, seja porque são concessionários ou permissionários de serviços públicos. Na verdade, o que se pretende fazer é ampliar o alcance dos referidos princípios as pessoas jurídicas que, de alguma forma, estabeleçam relações jurídicas de natureza contratual com o poder público. Acredita-se que por meio desta medida, se estará caminhando na direção de assegurar a sustentabilidade ética das relações jurídicas nas quais o Estado seja parte.

O texto original da Lei de Contratos e Licitações Públicas (Lei Federal 8666/93) não previa, dentre os princípios básicos das licitações, o desenvolvimento sustentável, porém, em 2010 foi incluído no texto legal uma norma de conteúdo valorativo como forma de lhe dar notoriedade, bem como impor que a licitação presta-se tanto a garantir a seleção da proposta mais vantajosa para a administração, como também a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Ocorre que, o sentido que a lei atribui à "sustentável" é de caráter ambiental, ou seja, a proposta mais vantajosa não deve ser apreciada apenas sobre o critério da econômico/financeiro, mas também sob os ditames ambientais, de forma que o poder público contrate com pessoas que tenham a preocupação de oferecer produtos e serviços em consonância com o desenvolvimento sustentável.

O sentido que se quer dar à "sustentabilidade" no presente trabalho, refere-se a valores morais indispensáveis para assegurar que, de fato, se alcance a proposta mais vantajosa, evitando manobras antes e durante a execução do contrato, que acabam onerando os cofres públicos. Ocorre que, para a implementação de sistemas de integridade (ou compliance) as empresas precisam fazer investimentos em recursos humanos que demandam investimentos que levam a um custo final mais elevado dos bens e serviços oferecidos. Sendo assim, a ideia é que haja vantagens para empresas que tenham implementado sistemas de integridade.

Para garantir a integridade moral das empresas, acredita-se que o princípio da transparência e o dever de informação devem alcança-las sempre que estiver envolvido recursos públicos, pois em tais casos, a sociedade civil tem do direito de fiscalizar a conduta das pessoas que se beneficiam com verbas públicas.

Haja vista os dois pontos acima referidos (sistemas de integridades e dever de transparência e informação para as empresas), quer-se analisar inicialmente um e outro. Na sequência entende-se adequado investigar como a lei anticorrupção (Lei Federal 12.846/13) e seu posterior Decreto (Dec. 8.420/15) trataram do dever de transparência e informação. Ao final, algumas considerações serão traçadas à guisa de conclusões.

2. Dever de transparência e informação para o setor privado

De início, cabe tecer alguns comentários acerca da informação, que chega ao conhecimento da sociedade por meio da sua veiculação através das ferramentas e tecnologias colocadas a serviço da publicidade. Como destaca Dowbor [1], o melhor sistema não é nem o autoritário, pois neste o Estado decide pelo cidadão; nem o liberal, no qual o cidadão tem total liberdade para fazer suas escolhas, porém, o Estado não se preocupa em fornecer-lhe informações para que decida, conscientemente, as causas e consequências de sua escolha. Assim, o melhor sistema é aquele no qual o Estado tem a preocupação de oferecer informações para que o cidadão faça suas escolhas cientes dos riscos e benefícios que dela decorrem. Além disso, diz o autor que não faltam informações, pelo contrário, há muita informação, o que percebe é sua irracionalidade, de forma que:

"O problema resulta não da ausência da informação, mas de sua irracionalidade. Somos inundados de informações e de fotos sobre crimes horrendos que acontecem na cidade, passamos a nos trancar em casa, e compramos mais grades. Quando todos compram grades, a vantagem comparada é nula, e continuamos inseguros. As soluções, evidentemente, estão nas raízes do problema, nas periferias miseráveis, nas crianças que abandonam a escola, e outros processos sobre os quais continuamos dramaticamente mal informados. Precisamos de informação socialmente organizada que permita ação informada do cidadão, da empresa, do funcionário público, da organização da sociedade civil." [2]

Então, não basta apenas ter um grande volume de informações que facilmente se tem acesso (afinal de contas, a sociedade atual é denominada como a sociedade da informação), deve sim haver a gestão deste volume imensurável, de modo que sirva de base para escolhas racionais, ou seja, a racionalidade das decisões depende da racionalidade das informações. Neste sentido, deve-se investigar em que medida o excesso de informação contribui para uma sociedade mais articulada, ciente de suas obrigações e direitos?

Adverte Dowbor [3] que o excesso de informação deixa a sociedade confusa, e a boa e necessária informação acaba se perdendo neste universo imenso. Em contextos como este, "O grande desafio que se coloca, é o da organização da informação segundo as necessidades práticas dos atores sociais que intervêm no processo de desenvolvimento social." [4]. Assim, a tarefa é organizar a informação que é relevante para a cidadania e para o desenvolvimento sustentável [5].

Desta forma, a informação é uma condição-chave para a construção dos processos democráticos e envolvem, entre outras coisas, a transparência, não apenas das decisões do governo, mas também das empresas, das organizações sociais, etc. Mais importante se faz esta observação quando o assunto é controlar a corrupção, na medida em que as empresas também se tornam alvo de preocupação devido as relações com o poder público. Muitas vezes essas relações que aparentemente são um simples contrato de construção ou fornecimento de bens, em verdade são contratos de natureza política-ideológica que ocupam um espaço central na agenda política, influenciando nas escolhas das políticas públicas.

Diante da necessidade de informações organizadas e de fácil compreensão, percebe-se, por exemplo, que, ao se publicar as leis orçamentárias, estas raramente serão compreendidas pelos cidadãos, tendo em vista a complexidade das informações divulgadas. Então, a transparência do Estado, do setor econômico e da sociedade civil passa necessariamente pela boa e organizada informação que lhe é passada o que leva, inexoravelmente, a inteligibilidade dos dados veiculados.

A construção da confiança nas instituições democráticas depende, entre outras coisas, de trazer a público a gestão dos interesses públicos, e estes podem ser geridos pelo próprio Estado, ou pelo setor privado. Assim, todos que atuam, direta ou indiretamente, na esfera pública têm parcela da gestão deste interesse, de modo que todos devem sujeitar-se a este princípio constitucional, ressalvados os âmbitos de intimidade consagrados no texto constitucional brasileiro. Não há como falar em Estado Democrático sem que haja uma cultura de publicidade em todos os âmbitos que se refiram a interesse público.

Ao tratar do tema da informação as expressões transparência e publicidade aparecem com muita frequência, por isso cabe advertir que entre elas existe uma relação de gênero e espécie, sendo a publicidade uma espécie do gênero transparência. A publicidade, enquanto princípio, comporta muitas nuances, como a publicidade dos processos administrativos contemplados na Lei 9.784/99; a publicidade, salvo casos de sigilo, dos processos judiciais; o dever de publicar as leis na imprensa oficial (ou em outros jornais, para os municípios que não tenham imprensa oficial); a publicidade das seções dos Legislativos; o dever de tornar públicos os gastos com o pessoal e demais despesas, está, regulada pela Lei da Transparência (Lei Federal nº. 12.527/11).

Importa dizer que estes valores estão intrinsecamente ligado à ideia de accountability, tendo em vista que a prestação de contas precisa de um arcabouço jurídico e técnico que lhe permita veicular as informações referentes à gestão pública, de forma que, ao fiscalizá-la a sociedade civil controla o Estado e a si mesma. Percebe-se disso, que o controle social precisa de informações, sem as quais não teria o que controlar.

No Brasil, a publicidade vem assumindo papel central, desde a Constituição Federal de 1988 que em vários momentos contempla a publicidade [6], e a partir de 2011 com a chamada Lei de Transparência (Lei Federal nº 12.527/11). Porém, ainda percebe-se o pouco envolvimento dos cidadãos nas informações veiculadas. Vários fatores podem estar criando esta situação, mas se quer destacar um problema bastante comum que diz respeito ao fato de que tais informações acabam sendo usadas apenas pela mídia, como objetivo de fomentar escândalos políticos (FILGUEIRAS, 2011). Esta lógica de divulgação da gestão pública desencadeia um processo de apatia política no cidadão decorrente da baixa confiança que deposita nas instituições.

Isso ocorre porque a mídia, especialmente a televisiva, luta por pontos no IBOPE (Instituto de Opinião Pública e Estatística) e para tanto vale apresentar ao espectador qualquer acontecimento que chame sua atenção. Aquele, por sua vez, ao ter acesso a notícias de escândalos políticos, tem apenas a percepção selecionada e elaborada pela reportagem. O desfecho do caso quase sempre e dado pela mídia, sem que ela tenha a preocupação em mostrar como foi solucionado, quais sanções foram aplicadas, entre outras medidas. Por isso, não raro, a notícia fica nos espaços midiáticos poucos dias, sem que as autoridades tenham tempo suficiente para apurar os fatos de acordo com os limites impostos pelo Estado Democrático de Direito. E, como é preciso manter o espectador envolto em novos acontecimentos, a mídia procura, encontra e veicula mais escândalos políticos [7]. Esta situação, comum no Brasil, dificulta, para não dizer inviabiliza, a construção da confiança necessária para a solidificação da democracia brasileira.

É claro que a atuação investigativa da imprensa contribui para a democracia, revelando acontecimentos a partir dos quais nascem investigações por parte das autoridades. Porém, o que não é democrático são as autoridades públicas adequarem suas agendas de trabalho às denúncias da imprensa. Isso, ao invés de solidificar a democracia, acaba geram um ambiente de descrédito, no qual parece que a corrupção tomou conta do Estado, e, pior ainda, o cidadão se vê impotente diante de uma casuística tão grande, e deixa de confiar nos mecanismos democráticos como forma de controlar o poder. Também não é democrático deixar que a transparência seja apropriada apenas pela imprensa, pois a razão de ser da transparência é informar a sociedade civil como que o interesse coletivo está sendo gerido, por isso, cabe a ela tomar posse destas informações e avaliar os resultados e ações concretas.

Ocorre que, a mídia também é um espaço pouco democrático, de forma que muitas das informações veiculadas camuflam ideologias e outros interesses que não são revelados. Por isso, uma medida viável seria implementar um sistema de recebimento automático de informações, semelhante com o sistema push do STF e STJ, o que parece atender perfeitamente como instrumento para democratizar o acesso à informação. Além, disso deve-se buscar facilitar a compreensão da informação recebida, deixando de lado tanto a linguagem técnica, e optar por usar uma linguagem compreensível ao cidadão comum.

Sob esta perspectiva, Martí [8] ao tratar da importância da informação para viabilizar espaços democráticos deliberativos, adverte para os riscos da deliberação informal (não institucional), na medida em que, ainda que ela possa contar com a participação mais efetiva dos cidadãos, está muito sujeita à influência de agentes que dispõem de recursos econômicos e intelectuais usados para manipular a opinião pública em seu próprio favor. Por meio de tal influência, conseguem fazer com que as políticas públicas sejam direcionadas em favor de grupos hegemônicos, e ainda levam o selo da legitimidade, pois contam com o apoio da sociedade, sem que esta perceba a ideologia que tais políticas escondem. Neste sentido, conclui que "La manipulación de preferências que se produce a través de los discursos de los medios de comunicación tiene peores consecuencias en una sociedad democrática que no regula los aspectos de la comunicación política [...]." [9]. Admite que todos os modelos democráticos estão sujeitos a manipulações ideológicas, mas a mídia exerce uma manipulação mais nefasta.

Filgueiras [10] defende a existência de uma relação importante entre publicidade e confiança. Diz que, embora não se exija do homem comum e dos atores políticos a qualidade de serem virtuosos, e no âmbito da esfera privada admite-se o sigilo (e o público não pode invadir este âmbito), porém, em relação aos assuntos da coletividade, estes devem ser tratados publicamente, pois é a ampla divulgação que faz viável a confiança nas instituições e o engajamento nas ferramentas ofereceidas ao controle social, razão pela qual afirma que:

"Porquanto ela se torna um elemento central para aferir as virtudes das instituições políticas. Isto é, instituições virtuosas são aquelas que conseguem estabelecer, frente à sociedade, um contexto de confiança construído, fundamentalmente, em cima do princípio da publicidade e da proteção da autonomia privada. [...] A função contraposta da confiança em relação à publicidade serve para manter intacta a existência das sociedades secretas e de padrões de sociabilidade que dão a noção de pertencimento a uma comunidade formal." [11]

É típico de um Estado Democrático de Direito a tensão entre interesses antagônicos, situação que fica muito evidente quanto a publicidade, pois no âmbito privado almeja-se sigilo e privacidade, fato que diminui as chances de construir uma relação de confiança interpessoal; o contrário ocorre no setor público, que a publicidade precisa atingir graus ainda maiores. Mas para definir o público e o privado não basta utilizar, por exemplo, a definição que o Código Civil de 2002 oferece quando trata das pessoas jurídicas [12], pois ela é simplista demais haja vista que as pessoas jurídicas da administração pública indireta, ainda que o artigo 173 [13] da Constituição Federal de 1988 determine que serão tratadas pelo regime jurídico privado, sabe-se que na verdade é um regime jurídico híbrido, pois, por exemplo, elas serão obrigadas a licitara bem como a realizar concurso público para a contratação de empregados. Este exemplo, evidencia a insuficiência do tratamento dado pela legislação civilista. Para além da definição civilista, deve-se buscar identificar a existência do interesse público e, mais, a sua prevalência de modo que mesmo quando se está diante de uma empresa, se ela é prestadora de um serviço público, ou se ela contrata com o poder público, ela estará sujeita a alguns imperativos de direito público, dentre os quais, destaca-se o dever de prestar contas à sociedade civil, o dever de ser transparente e fornecer informações que digam respeito a tais contratos e convênios. Agindo assim, diminui-se as possibilidades de práticas corruptivas, haja vista que permite que a sociedade civil fiscalize tais contratos, também permite-se que a própria concorrência faça um controle, na medida em que as empresas preteridas na disputa terão interesse em fiscalizar e denunciar quando souberem de desvios morais na contratação. Então, há de se ter presente que as pessoas jurídicas da iniciativa privada que tem acesso a recursos públicos sujeitam-se com mais rigor ao princípio da moralidade pública do direito administrativo.

Segundo Taborda [14], a publicidade dos atos administrativos converteu-se, no estado moderno, em "condição indispensável para a legitimação moral da política e da democracia a partir da unidade de interesses entre governantes e governados". Neste sentido, só pode ser chamado de democrático o regime político que se apresente perante a sociedade, desvencilhado de obscuridades, sigilos, segredos. Adverte o autor que, para Kant, o princípio da publicidade é mais que um princípio ético cujo lugar é a virtude, mas é também um princípio jurídico que pertence ao direito. Diante da publicidade que a política exige, afirma o autor que o uso público da razão é o que possibilita o entendimento entre os homens/cidadãos sobre as questões da república. Além disso, para a soberania popular é imprescindível o uso público da razão, tendo em vista que os limites a sua liberdade pela atuação política estatal terá sempre o conhecimento dos cidadãos e sua aceitação, pois terão conhecimento suficiente para se rebelar contra ou concordar. Embora o autor fale deste princípio para o Estado, para fins do presente artigo, aplica-se também àquelas empresas que contratam com o poder público.

Sob esta perspectiva, o princípio da publicidade é corolário do princípio republicano, pois os representantes eleitos não atuam em proveito próprio, atuam sim para o bem coletivo e na tutela de bens coletivos. Assim, dar publicidade aos atos que digam respeito ao interesse público é uma forma de prestação de contas, por isso, a accountability depende diretamente da publicidade, pois só pode existir a prestação de contas, se o Estado e todos que atuam na área pública se comprometerem com a publicidade de seus atos.

Como o cidadão não atua diretamente sobre a gestão do Estado, o controle social só pode ser realizado se ele tiver as informações de como esta atividade vem sendo desempenhada por quem a representa. Aumentar as chances reais de controle social é importante, pois as formas de participação social são restritas diante de toda a gama de atribuições estatais, e mesmo que se esteja diante de formas de participação, também deve recair sobre ela o controle social, pois a sociedade civil decide e precisa fiscalizar se suas decisões estão sendo implementadas e avaliar se os resultados são positivos, inclusive para poder corrigir eventuais erros nas decisões coletivamente tomadas.

Parafraseando Kant [15] a política passa a ser moral a partir de sua publicidade e quando se coloca aberta à avaliação e ao crivo discursivo dos seus destinatários/autores, pois, com raríssimas exceções, apenas os atos de conteúdo que atentam contra a moralidade pública são mantidos em sigilos. A publicidade, enquanto dever do Estado e das empresas que contratam com ele, dever de transparência, não pode depender de solicitações dos cidadãos, ela deve ser oferecida, ficar à disposição de quem queira informar-se, sem entraves, de forma clara e de fácil compreensão para o cidadão comum.

O princípio de proteção da confiança é inconciliável com surpresas advindas do Estado, então, nada mais justificável que a publicidade e a transparência sejam implementadas no mais alto grau, sempre pensando formas mais eficazes de assegurá-las. Paralelamente a isso, devem-se pensar formas de que estes conteúdos sejam apropriados pela sociedade civil e ela mesma faça o controle, pois pouco ou nada contribui para consolidar a democracia quando o controle fica a cargo da burocracia ou sob responsabilidade da mídia. Por isso a necessidade de se pensar mecanismos sociais de controle.

Kant defende uma relação necessária entre ética e política por intermédio do direito [16]. Nesta relação, a publicidade "está contida em toda pretensão jurídica, por que sem ela não haveria nenhuma justiça (que só pode ser pensada como publicamente divulgável), por conseguinte tampouco haveria direito algum, que só se outorga por ela" (grifo no original ) [17]. A publicidade, para Kant, é um dever do Estado republicano, de forma que aquilo cujo teor deve ser escondido, por medo de represália dos cidadãos, infringe a lei moral pública, e por isso destoa dos valores consagrados pela república preconizada por ele. Decorre disto o seguinte imperativo categórico "Todas as ações relativas ao direito de outros homens cuja máxima não se conciliar com a publicidade são injustas" (grifo no original) [18]. A partir daí, Kant passa a dar exemplos, no âmbito do direito interno e internacional, para demonstrar a racionalidade e universalidade deste imperativo, que não cabe aqui analisar. Porém, destaca-se que o próprio Kant defendia de maneira bastante ampla o dever de publicidade ao dizer que "todas as ações relativas ao direito de outros homens", [19] assim, quando empresas contratam com o poder público, suas ações alcança o direito de outros homens.

Então a ideia defendida aqui é de que o Estado, e quem com ele contrate, não pode agir na tutela de interesses privados dissociados do interesse públicos, devendo pautar-se pela máxima da transparência, tornando seus atos públicos, pois a publicidade é uma forma de harmonizar a política com a moral pública, de forma que o sigilo e o segredo servem para esconder ações que infrinjam a moralidade pública, e por isso, para fugir da reprovação social, não pode ser divulgadas.

Percebe-se assim, que apenas condutas reprováveis são omitidas e escondidas, situação que não pode ser aceito em ambientes republicanos e democráticos. Por isso, a publicidade (no sentido que Kant lhe atribui) aparece como um princípio transcendental que permite conciliar a política com a moral, valor tão nobre para estados democráticos e republicanos.

O momento atual reservou ao Estado e à sociedade a difícil tarefa de conciliar a privacidade com a publicidade: na mesma medida que a atividade estatal tem que ser transparente, aberta ao conhecimento, criticável, vigiável pela sociedade; na esfera privada, o sigilo e o segredo imperam. Por isso, a publicidade como corolário da moralidade que aqui se defende é a pública. Porém, na vida privada, o homem tem liberdade de pautar sua conduta pelos valores que o fazem feliz, assim, suas escolhas sexuais, familiares, profissionais, estão protegidas pelo sigilo e pela liberdade.

Para que se tenha uma política pública de controle e combate à corrupção, que conta com o engajamento social (sendo que o engajamento nasce da crença na participação como forma de melhorar a condição humana e social), há de se ampliar os espaços de deliberação e controle público, mas para tanto a informação veiculada pelo dever de transparência é condição indispensável, haja vista que a partir da apropriação da sociedade civil de tais informações, ela poderá julgar a ação governamental, as decisões políticas e como que as empresas que contratam com o poder público estão gerindo os recurso. Diante deste panorama, acredita-se que o controle da corrupção passará para as mãos da sociedade civil, e deixará de ficar a cargo prioritariamente da burocracia estatal, pois acredita-se que o incremento e aumento da atividade estatal de controle aumentam as possibilidades corruptivas, razão pela qual esta situação deve ser evitada.

A partir do enfoque amplo que aqui se defendeu da transparência, o controle social poderá recair sobre a sustentabilidade ética das empresas, porém cabe ao direito papel importante para alcançar este ideal na medida em que deve criar deveres para as iniciativa privada de atuar de forma transparente. Com o intuito de apreciar em que medida isso vem ocorrendo, a seguir será feito uma abordagem sobre a Lei Anticorrupção e sua regulamentação.

3. A Lei Anticorrupção e sua regulamentação frente ao dever de transparência e de informação para a iniciativa privada

Tradicionalmente a atividade de controle da corrupção dirige-se predominantemente ao Estado, especialmente na figura de agentes administrativos e agentes políticos. Porém, este enfoque unidimensional vem sofrendo mudanças, tendo como horizonte a percepção de que as práticas corruptivas dependem da conjugação de duas ou mais vontades: uma é externada pelo agente privado que quer otimizar seu lucro e acelerar os procedimentos administrativos, e para tanto se dispõe a burlar as leis dos Estados; e de outro lado encontra-se o agente público, que intencionalmente ou não, dispõe-se a colaborar com o agente privado.

Ocorre que este sistema desentrava e auxilia a expansão do capital apenas em um primeiro momento, enquanto o modus operandi destas práticas forem desconhecidas, e apenas um grupo bastante restrito tem acesso privilegiado a elas. Superada esta fase inicial, a iniciativa privada passou a identificar os prejuízos da corrupção, que, após expandir-se e sendo de fácil acesso, deixa de ser um facilitador dos negócios com o poder público e passa a ser um negócio bastante caro, de resultados incertos [20]. De certa forma, a percepção deste fato age como um desestimulante às práticas corruptivas, pois vai ao encontro do que Corrêa defende: "O objetivo do estabelecimento de um sistema nacional de integridade é fazer com que a corrupção - e práticas ilícitas relacionadas ? seja de alto risco e baixo retorno." [21]

Assim, o mercado passa a lutar contra ela, pois ao combatê-la, diminui o custo das transações com o poder público. Sob o enfoque econômico, a corrupção se torna uma vilã não só dos recursos públicos, como também dos privados, uma vez que as transações corruptas possuem um custo que não pode ser declarado, cria um ambiente de insegurança e instabilidade para os investidores, trabalha com leis obscuras e pouco conhecidas, entre outros prejuízos. Daí surge, também para os investidores, a necessidade de pensar medidas para coibi-la. Porém, não pode a iniciativa privada realizar esta tarefa sem ter a seu lado um forte aliado: o Estado.

Com o intuito de lutar contra a corrupção, os Estados Unidos foi um dos primeiros países a lançar-se na luta contra a corrupção, através de uma política de criminalização da corrupção. Em 1977, este país promulgou a lei Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) que proíbe as empresas sujeitas a ela de pagarem suborno a funcionários do governo estrangeiro e outros agentes, com a finalidade de realizar negócios com tais estados. [22] O descumprimento desta lei impõe medidas civis e penais. Ocorre que esta medida acabou gerando um efeito inesperado: as empresas americanas deixaram de poder competir em alguns mercados, especialmente naqueles onde os níveis de corrupção são altos. Por isso, os Estado Unidos propôs uma campanha internacional de combate à corrupção tendo como principal alvo coibir a corrupção através da iniciativa privada.

Assim, passou a fazer pressão sobre a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que um de seus objetivos é "Contribuir com uma expansão econômica saudável nos países membros, assim como nos países não membros2 [23] e criou-se a Convenção da OCDE [24] com o objetivo de implementar aquele objetivo específico.

O artigo 2º da Convenção determina que "Cada parte deverá tomar todas as medidas necessárias ao estabelecimento das responsabilidades de pessoas jurídicas pela corrupção de funcionário público estrangeiro, de acordo com seus princípios jurídicos". Em cumprimento a este dispositivo, o Brasil promulgou a Lei Federal 12.846 de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização civil e administrativa, de pessoas jurídicas que incidirem na prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Esta lei foi fruto da recomendação que a OCDE fez ao Brasil.

Valer salientar que a partir daí a iniciativa privada deverá domesticar sua ânsia por lucros (a razão que leva a corromper sistemas legais e utilizar de condutas antiéticas), para guiar suas condutas pela ética e pelo respeito às normas administrativas nacionais e internacionais. Tem-se, assim, a vinculação a valores éticos e morais tanto do setor público como do setor privado. Ou seja, não só o gestor público, cujo agir pauta-se na perseguição do interesse público, deve perseguir a moralidade administrativa; esta vinculação também alcançou os agentes da iniciativa privada, que, na busca pelos seus interesses privados e econômicos, não podem visar ao fim (o lucro) sem observar os meios socialmente aceitáveis pautados pela moralidade administrativa.

Este novo paradigma veio acompanhado de uma outra tendência: a compliance ou sistemas de integridade como a lei brasileira chamou. Esta se ocupa de criar mecanismos a serem implantados nas empresas, visando prevenir e combater condutas ilícitas em desacordo com as indicações acima descritas. Para Maeda, os programas de compliance refletem os "esforços adotados pela iniciativa privada para garantir o cumprimento de exigências legais e regulamentares relacionados às suas atividades e observar princípios de ética e integridade corporativa." [25]

De forma geral, os programas de conformidade corporativa assentam-se sobre sete elementos indispensáveis, são eles:

(1) o estabelecimento de normas e procedimentos de conformidade, (2) liderança de gestão de alto nível e supervisão do programa de conformidade e ética, (3) delegação de poderes para a autoridade responsável pelo programa, (4) medidas para comunicar normas e procedimentos, (5) monitoramento, auditoria e práticas de avaliação para atingir a conformidade e assegurar a suficiência do programa, (6) disciplina, incentivos e ações de fiscalização aplicados de forma a promover o cumprimento, e (7) respostas organizacionais a má-conduta com vistas à prevenção futura de má-conduta e deficiências do programa de correção. As orientações também exigem que os sete elementos sejam ajustados e implementados à luz de uma avaliação periódica de riscos. (Tradução livre) [26]

Estes elementos dirigem-se a qualquer programa, independentemente do tamanho da empresa. Ocorre que, inicialmente, os programas de integridade (como também são chamados os programas de compliance) foram pensados para as grandes corporações, pois são as que ocupam os maiores espaços na mídia internacional sempre que se envolvem em escândalos. Basta lembrar a grande repercussão dos casos deflagrados de corrupção envolvendo a multinacional alemã Siemens. Porém, os programas de integridade não são dirigidos apenas a grandes corporações, pois, como destacam os americanos McGuffey e Soldan [27], devem ser desenvolvidos programas na medida certa para o tamanho da empresa. Assim, propõem um programa compatível com o tamanho e os recursos que cada empresa dispõe, pois não pode ser desprezado o custo que tais programas demandam.

A justificativa de pensar programas adequados para empresas menores, segundo os autores repousa no dado que "Entre 2000 e 2005, por exemplo, a grande maioria das organizações condenadas foram aqueles com menos de 200 funcionários." (Tradução livre) [28]. Os principais ajustes para as empresas menores estão nos seguintes aspectos: disseminar a cultura de cumprimento dentro da organização, e lembrar que organização de pequeno e médio porte é muito mais dependente de sua gestão de topo porque têm menos níveis de gestão, fato que aumenta a transparência das decisões tomadas pela alta administração. Em vez de uma organização sem rosto, funcionários de organizações menores tendem a conhecer a alta administração e sua ética de negócios e estilo de gestão.

Os programas de compliance não são impostos a nenhuma empresa, porém, algumas legislações têm criado mecanismos de atenuação dos efeitos das sanções, podendo chegar até a total exclusão da responsabilidade das pessoas jurídicas, quando tiverem implantado bons sistemas de fomento da ética nas relações com o poder público.

Exemplo disso é a lei inglesa UK Bribery Act, em vigor desde 2010. Esta lei responsabiliza as empresas que cometeram práticas consideradas corruptas, porém, se a empresa comprovar que tinha implantado um programa de compliance, a responsabilidade da pessoa jurídica, a quem se vinculava o sujeito autor do ato ilegal, poderá ser perdoada. Percebem-se dois efeitos da lei inglesa: tornou mais severa as penas às pessoas jurídicas que, no anseio de negociar com o poder público acabam oferecendo vantagens para os agentes públicos; e, por outro lado, atenua as sanções se a infratora (pessoa jurídica) demonstrar que possuía programas adequados para inibir seus empregados e representantes de agir segundo padrões éticos e legais regulados em normas internas, como por exemplo, códigos de ética. [29]

No Brasil, embora a "cultura anticorrupção ainda não está difundida" [30], avanços significativos vêm sendo alcançados. Em tal contexto, comprometeu-se com a comunidade internacional em colaborar com a política de combate à corrupção que, entre outras medidas, editou-se Lei Anticorrupção em 2013 e em 2015 foi regulamentada, cumprindo assim a orientação internacional.

Primeiramente, a referida lei não avançou, como ocorre na Inglaterra, Espanha e Estados Unidos, em relação à responsabilidade penal. A lei brasileira preferiu não penalizar criminalmente as pessoas jurídicas infratoras de seus enunciados. Isso tem sido alvo de críticas, pois para alguns [31] deveria ter seguido a tendência internacional. Porém, para outros, poucos efeitos práticos teria, pois as principais sanções penais são as restritivas de liberdade, as quais são impossíveis de serem aplicadas a pessoas jurídicas. As demais sanções, como multas, a responsabilidade administrativa e civil dão conta de promoverem. Segundo Capanema [32], os processos administrativo e civil são mais céleres, e por isso a possibilidade de responsabilidade penal poderia entravar os outros dois processos.

A lei dirige-se tanto às pessoas jurídicas nacionais como às estrangeiras que tenham qualquer atividade no Brasil. O artigo 2ª da Lei contempla a responsabilidade objetiva de tais pessoas, ou seja, independe de provar culpa ou dolo na prática dos atos. Neste sentido, basta que seja comprovada a ação ou omissão (neste aspecto a compliance terá efeito importante), o dano, material ou não, ao Estado, e a ligação entre a ação/omissão ao dano, ou seja, o nexo causal, para as sanções serem aplicadas. A responsabilidade imposta pela lei, pode ser apurada ainda que não tenham sido identificados os autores do fato. E caso esteja sendo investigada sua autoria no âmbito judicial, isso não interrompe nem suspende o andamento do processo administrativo imposta pela Lei Anticorrupção. Referente aos autores das infrações, a incidência da lei anticorrupção não exclui a responsabilidade pessoal dos autores, pessoas físicas, em outras esferas de responsabilidade. Desta forma, os autores, poderão ser responsabilizados civil, penal e administrativamente. Isso faz com que a pessoa jurídica não tenha vantagem em omitir os agentes suspeitos de terem infringindo a lei, pelo contrário, se colaborarem com as investigações poderão ser beneficiadas com a redução das sanções previstas.

Referente ao sistema de integridade, a Lei Anticorrupção perdeu a oportunidade de regular melhor os instrumentos de compliance, uma vez que apenas trouxe no artigo 7º, inciso VIII que a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditorias e denúncias de irregularidades pode atenuar as sanções administrativas. Deveria ter descrito estas medidas levando em conta que não basta alegar a existência de um programa de compliance, se este for insuficiente ou apenas existir formalmente. O parágrafo único deste artigo dispõe que o regulamento do Poder Executivo Federal irá descrever os parâmetros para o cálculo das sanções administrativas. Em cumprimento a esta imposição em março de 2015 o Decreto 8.420 entrou em vigor, o qual também dedicou insuficiente tratamento e detalhamento aos programas de compliance, que ainda precisam ser melhor compreendidos no Brasil, pois se tratam de novo instrumento e, devido aos benefícios que possuem, podem ser usados como forma de fugir do rigor das sanções previstas na Lei 12. 846/2013. Eles são importantes instrumentos para implementar uma cultura ética no campo privado, haja vista aquilo que anteriormente foi trabalhado.

Uma das falhas importantes, sob a ótica deste trabalho, refere-se ao fato de não ter previsto maior publicidade nos processos investigativos. Se o processo judicial está coberto pelo manto da publicidade, deveria o processo administrativo também submeter-se a ele. Neste sentido a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/13), no artigo 6º cumpre, em certa medida, esta orientação. No inciso segundo impõe a obrigação de "publicação extraordinária da decisão condenatória", que ocorrerá a expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem como por meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de 30 (trinta) dias, no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao público, e no sítio eletrônico na rede mundial de computadores. Esta imposição, permite que a sociedade civil tenha conhecimento das infrações que a empresa cometeu e, a partir daí possa ficar mais atenta em controlar outros contratos que o poder público venha a fazer com ela. No artigo 24 do decreto 8.240/15 [33] ficou melhor detalhado o prazo e o número de vez que ocorrerá estas publicações.

Para fazer este controle, a Lei também criou o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (Cnep). Referente aos órgãos cadastrais, o decreto regulamentou no artigo 43 o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas - CEIS - destinado a assunto pertinentes a contratos e licitação; o Cadastro Nacional de Empresas Punidas ? Cnep- que conterá informações referentes as empresas punidas em processo administrativo de responsabilização (PAR) previsto na Lei Anticorrupção. Porém, os dois instrumentos legais em análise perderam a oportunidade de dar maior publicidade às informações referentes às empresas punidas e demais informações que comprometem a moral pública que vem a tona no PAR, haja vista que nem a Lei Anticorrupção, tampouco seu decreto regulamentador, previram a possibilidade de a população acompanhar o andamento dos processos ou solicitar informações referentes a ele. Apenas a fins de demonstrar essa afirmativa, o artigo 48 do decreto determina que "O fornecimento dos dados e informações de que tratam os art. 43 a art. 46, pelos órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de cada uma das esferas de governo, será disciplinado pela Controladoria-Geral da União.". Desta forma, as Informações necessárias para as escolhas racionais e a sustentabilidade ética não será apropriado pela sociedade civil, a maior interessada em fazer o controle da corrupção.

Perdeu-se assim, uma grande oportunidade para impor o dever de transparência e de informação para as empresas que contratam com o poder público, valores tão nobres para construir uma cultura de moralidade pública extensiva tanto ao Estado como à iniciativa privada. Esta situação limita a participação, fazendo com que as informações importantes, como, por exemplo, de um processo de investigação de envolvimento de pessoa jurídica, não sejam divulgadas. Corre-se o risco, por meio desta sistemática de que os controles institucionais transformem-se em uma forma de violência estrutural, na qual apenas aparentam assegurar a participação social, sem, contudo, haver.

Feitos estes apontamentos, parte-se, a seguir, às considerações finais.

4. Considerações finais

Defende-se a ideia de haver uma política que estimule a implementação de sistema de integridade eficiente no interior das empresas, por acreditar que a compliance é uma importante ferramenta de sustentabilidade ética que precisa ser ampliada. Além disso, os processos de responsabilização previstos na Lei Anticorrupção precisam ter uma visibilidade maior do que a regulamentação que hoje recebem, de modo a permitir que a sociedade civil tenha informações referentes ao PAR, para atuarem como fiscais da moralidade pública. Assim, viabilizar-se-á uma política de sustentabilidade ética, que demanda maior transparência na gestão das empresas que contratam com o poder público.

Referências

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Notas

* Pesquisa desenvolvida no marco do projeto internacional financiado ?Prevención y lucha contra la corrupción en la contratación pública: instrumentos administrativos y penales? (Programa CAPES/DGPU de Cooperação entre Brasil e Espanha - Edital nº 40/2014), coordenado pela Universidade da Coruña-Espanha e UNISC ? Universidade de Santa Cruz do Sul. O projeto de pesquisa específico apresentado por esta última universidade intitula-se ?Patologias corruptivas nas relações entre Estado, Adminstração Pública e sociedade: causas, conseqüências e tratamentos?, vinculado ao Centro Investigação e Estudos de Políticas Públicas - CIEPP, do Programa de Doutorado e Mestrado da Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC, e ao Diretório de Grupo do CNPQ intitulado ?Estado, Administração Pública e Sociedade?, coordenado pelo Prof. Titular Dr. Rogério Gesta Leal.
[1] DOWBOR, Ladislau. Informação para a cidadania e o desenvolvimento sustentável. 2003. Disponível em:< http://dowbor.org>. Acessado em: 4 jun. 2014.
[2] DOWBOR, Ladislau. Idem. p. 2.
[3] DOWBOR, Ladislau. Idem. Ibidem.
[4] DOWBOR, Ladislau. Idem. p. 4.
[5] Sob esta perspectiva, o autor destaca um avanço em áreas como saúde, educação, economia, porém, identifica a falta de informação organizada e de fácil acesso para as questões de democratização dos processos decisionais. Apontam os critérios traçados por Robert Putnam: 1. Medidas do nível de organização da vida comunitária; 2. Medidas de engajamento em assuntos públicos; 3. Medidas de participação em ações de voluntariado; 4. Medidas de sociabilidade informal; 5. Medidas de confiança social (DOWBOR, Ladislau. Idem. p.7)
[6] Explicitamente no caput do artigo 37 da Constituição Federal.
[7] Apenas para citar um exemplo, uma revista de grande circulação nacional que vai às bancas aos domingos gerou a perda de cargos políticos de nível nacional, como de ministros, tão logo seus exemplares saiam às ruas. Isso gerou uma situação tal que se esperava quem referida revista iria denunciar sabendo que perderia o cargo, para que a presidente do país não tivesse sua reputação abalada.
[8] MARTÍ, José Luis. La república deliberativa: una teoria de la democracia. Madrid: Marcial Pons, 2006.
[9] MARTÍ, José Luis. p. 115.
[10] FILGUEIRAS, Fernando. República, confiança e sociedade. DADOS ? Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 50, n. 4, p. 863-897, 2007.
[11] FILGUEIRAS, Fernando. Idem. p. 879
[12] Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais.

Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado.

Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:

I - a União;

II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;

III - os Municípios;

IV - as autarquias, inclusive as associações públicas;

V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.

Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código.

Art. 42. São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público.

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

I - as associações;

II - as sociedades;

III - as fundações.

IV - as organizações religiosas;

V - os partidos políticos.

VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada

[13] MAEDA, Bruno Carneiro. Programa de Compliance e anticorrupção: importância e elementos essenciais. In: ADEBBIO, A.D.; MAEDA, B. C.; AURES, C. H. da S. (Org.). Temas de anticorrupção & Compliance. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 167-201. p. 167

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.

§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.

§ 3º A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade.

§ 4º - lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

§ 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

[14] TABORDA, Maren Guimarães. O princípio da publicidade e a participação na administração pública. Porto Alegre, 2006. 216 f. Tese (Doutorado) ? Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. p. 66.
[15] Apud TABORDA, Maren Guimarães. Idem.
[16] KANT, Emanuel. A paz perpétua. Tradução de Marco Zingano. Porto Alegre: L&PM, 2010. p. 57: Afirma que "[...] não pode haver nenhum conflito da política, como doutrina aplicada do direito, com a moral, como doutrina do direito, mas teórica (por conseguinte, nenhum conflito da prática com a teoria)"
[17] KANT, Emanuel. A paz perpétua. Tradução de Marco Zingano. Porto Alegre: L&PM, 2010. p. 75.
[18] KANT, Emanuel. A paz perpétua. Tradução de Marco Zingano. Porto Alegre: L&PM, 2010. p. 76.
[19] KANT, Emanuel. A paz perpétua. Tradução de Marco Zingano. Porto Alegre: L&PM, 2010. p. 89.
[20] ROSE-ACKERMAN, Susan. La corrupción y los Gobiernos: causas, consecuencias y reforma. Madrid: Siglo Veinteuno, 2001. A autora destaca que o interesse em si mesmo é um fator motivador humano universal, e a corrupção endêmica sugere um fracasso generalizado em aproveitar estes interesses em prol de objetivo produtivos, especialmente porque a corrupção reduz a efetividade das políticas industriais e muitas vezes impõe às empresas atuarem no setor não oficial, gerando assim um deficit de arrecadação e empregos formais, e, por conseguinte, redução nos recursos para implementar políticas públicas. Percebe-se daí que não é apenas o quanto a corrupção "desvia de dinheiro público", mas vários outros efeitos que, direita ou indiretamente, acabam por repercutir na limitação financeira do Estado em atender às demandas sociais constitucionalmente amparadas.
[21] CORRÊA, Isabela Morreira. Sistema de integridade: avanços e agenda de ação para a Administração Pública Federal. In: AVRITZER, L.; FILGUEIRAS, F. (Orgs.). Corrupção e sistema políticos no Brasil. 2011. p. 163-190. p. 165.
[22] World Compliance. Apresenta informações sobre Compliance. Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) Disponível em: . Acessado em: 01 jun. 2014.
[23] Controladoria Geral da União. Desenvolvido pela Controladoria Geral da União. Disponível em: . Acessado em: 09 jun. 2014.
[24] Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais.
[25] MAEDA, Bruno Carneiro. Programa de Compliance e anticorrupção: importância e elementos essenciais. In: ADEBBIO, A.D.; MAEDA, B. C.; AURES, C. H. da S. (Org.). Temas de anticorrupção & Compliance. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 167-201. p. 167
[26] MCGUFFEY, Kristen; SOLDAN, Thomas C. Right-sizing: cusstimizing compliance to the small corporation. Disponível em: < http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:vAZGMtFOh7YJ:www.pli.edu/emktg/compliance_coun/Right_Sizing19.doc+&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk> Acessado em: 21 ago. 2014. p. 9-10.
[27] MCGUFFEY, Kristen; SOLDAN, Thomas C. Idem. Ibidem.
[28] MCGUFFEY, Kristen; SOLDAN, Thomas C. Idem. p. 8.
[29] MAEDA, Bruno Carneiro. Programa de Compliance e anticorrupção: importância e elementos essenciais. In: ADEBBIO, A.D.; MAEDA, B. C.; AURES, C. H. da S. (Org.). Temas de anticorrupção & Compliance. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 167-201.
[30] CLAYTON, Mona. Entendendo os desafios de Compliance no Brasil: um olhar estrangeiro sobre a evolução do Compliance anticorrupção num país emergente. In: ADEBBIO, A.D; MAEDA, B. C; AURES, C. H. da S. (Orgs.). Temas de anticorrupção & Compliance. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 149-166. p. 153.
[31] COSTA, K. A.; FERNANDES, J. U. J. Breves comentários à Lei da Responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional e estrangeira. In: NASCIMENTO, M. D. do (Org.). A lei anticorrupção empresarial: aspectos críticos à Lei nº 12.846/2013. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 29-58.
[32] CAMPANTE, Rubens Goyatá. O Patrimonialismo em Faoro e Weber e a Sociologia Brasileira. DADOS ? Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 46, n. 1, p. 153-193, 2003. Disponível em: . Acesso em: 28 dez. 2012.
[33] Art. 24. A pessoa jurídica sancionada administrativamente pela prática de atos lesivos contra a administração pública, nos termos da Lei no 12.846, de 2013, publicará a decisão administrativa sancionadora na forma de extrato de sentença, cumulativamente:

I - em meio de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional;

II - em edital afixado no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, em localidade que permita a visibilidade pelo público, pelo prazo mínimo de trinta dias; e

III - em seu sítio eletrônico, pelo prazo de trinta dias e em destaque na página principal do referido sítio.

Parágrafo único. A publicação a que se refere o caput será feita a expensas da pessoa jurídica sancionada.

Autor notes

** Professora da Universidade de Santa Cruz do Sul ? UNISC (Santa Cruz do Sul-RS, Brasil). Doutora em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul. Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Luterana do Brasil.
*** Professor Titular da Universidade de Santa Cruz do Sul ? UNISC (Santa Cruz do Sul-RS, Brasil) e da UNOESC. Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal de Santa Catarina e Doutor em Direitos Humanos pela Universidad de Buenos Aires. Professor Visitante da Università Túlio Ascarelli ? Roma Trè, Universidad de La Coruña ? Espanha e Universidad de Buenos Aires. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento da Magistratura ? ENFAM. Membro da Rede de Direitos Fundamentais-REDIR, do Conselho Nacional de Justiça-CNJ, Brasília. Coordenador Científico do Núcleo de Pesquisa Judiciária, da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento da Magistratura ? ENFAM, Brasília. Membro do Conselho Científico do Observatório da Justiça Brasileira. Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Informação adicional

Como citar este artículo | How to cite this article: FRIEDRICH, Denise Bittencourt; LEAL, Rogério Gesta. Aplicabilidade do dever de transparência e de informação da iniciativa privada frente o princípio da sustentabilidade ética nos contratos públicos. Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, Santa Fe, vol. 2, n. 2, p. XX-XX, jul./dic. 2015. DOI: www.dx.doi.org/10.14409/rr.v2i2.5164.



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