Artículos
Recepción: 12 Julio 2020
Aprobación: 15 Septiembre 2020
DOI: https://doi.org/10.5281/zenodo.4242913
Resumo: Este artigo discute o lugar do Brasil nos projetos de unidade da América Latina, formulados por alguns dos mais destacados representantes da intelectualidade hispano-americana entre o final do século XIX e o início do XX. Parto da hipótese de que a posição do país lusófono dentro destas propostas passou da alteridade para uma inclusão ambígua. Essa mudança se daria em função da transformação no modo como a unidade continental era imaginada: indo da percepção de uma herança histórica e cultural compartilhada ao diagnóstico de dilemas socioeconômicos comuns. Contudo, a ambiguidade da posição brasileira se manteria pela continuada remissão as origens do ideário unitarista nas independências hispano-americanas.
Palavras-chave: Brasil, América Latina, unidade continental.
Abstract:
This article discusses the place of Brazil in the projects of Latin American unity, formulated by some of the most distinguished representatives of the Hispanic American intellectuality, from the end of the 19th century to the first third of the 20th. I depart from the hypothesis that Brazil’s role in these projects went from a relationship of otherness to one of an ambiguous inclusion. This change was due to a transformation in the way that Latin America was imagined: going from the perception of shared historical-cultural ties, to the diagnose of common socioeconomic problems. However, the ambiguity remained because of the continued return to the origins of the idea of continental unity, the processes of Hispanic American independences.
Brazil, Latin America, continental unity
Keywords: Brazil, Latin America, continental unity.
Apresentação
É comum nos debates acerca das relações entre o Brasil e os demais países da América Latina que se enfatize o escasso conhecimento dos brasileiros a respeito dos vizinhos, ou mesmo a imagem negativa que certas parcelas do establishment cultural do país difundem acerca da região, estabelecendo uma relação de alteridade entre o Brasil e os países hispano-americanos. Segundo a historiadora Maria Lygia Coelho Prado, a origem desse afastamento deve ser buscada, para além do eurocentrismo das elites brasileiras e das heranças dos impérios coloniais português e espanhol, na produção de um discurso particular sobre os países sul-americanos, mas extensível para o conjunto da Hispano-américa. Pesquisando jornais, obras de historiadores e políticos em dois momentos do século XIX –o da construção do Estado nacional e da proclamação da República–, a autora avança a hipótese de que estes intelectuais e políticos teriam produzido uma série de imagens, símbolos e argumentos que forjaram um discurso brasileiro sobre a Hispano-américa, separando-a do Brasil (Prado, 2001: 129).
Se, por um lado, tal diagnóstico está fundamentalmente correto, por outro lado seria possível indagar também quais seriam as imagens que os vizinhos têm produzido a respeito do Brasil. É essa a pergunta que norteará o presente artigo, ou de maneira mais precisa: qual seria o lugar do Brasil nos imaginários, ou na “imaginação”, acerca da unidade da América Latina. Mobilizo aqui o conceito de “imaginação” no sentido empregado por Benedict Anderson, para quem toda comunidade política e cultural humana é imaginada, na medida em que a imensa maioria de seus membros jamais conhecerão uns aos outros, devendo, portanto, imaginar-se como integrantes de uma mesma coletividade (Anderson, 1993: 26). Sustento que, além do nacionalismo, objeto estudado pelo autor, este conceito também pode se aplicar ao “supranacionalismo”, como é o caso do latino-americanismo.
O problema da unidade continental, um dos temas que mais tem ocupado a intelectualidade latino-americana nos últimos dois séculos, passa necessariamente pela reflexão em torno da “realidade” e da “identidade” regionais. Como destaca o historiador estado-unidense Richard Morse (1996: 7), enquanto o primeiro vocábulo designa um conjunto de traços históricos, sociais e geográficos que criam um ambiente circundante, o segundo designa a autoconsciência de um “povo”, ambos termos flutuando entre o nível descritivo e o normativo. No caso de “realidade”, por exemplo, a palavra pode referir-se a dados empíricos ou à “realidade superior” de um povo que busca se apropriar de sua própria história (Morse, 1996: 7).
Esse caráter ambíguo das noções de “realidade” e “identidade”, oscilando entre os níveis descritivo e normativo, joga luz sobre outro aspecto da imaginação continental: o de suas fronteiras. Retornando a Anderson, as “comunidades imaginadas” nacionais seriam sempre imaginadas enquanto limitadas, uma vez que toda nação pressupõe a existência de um “outro”, ou de outras nações, em relação as quais se delimita (Anderson, 1993: 26). O mesmo ocorreria com a comunidade supranacional latino-americana, cujas fronteiras, como explorarei ao longo do artigo, se delimitaram historicamente em relação a uma “outra” América, representada pelos Estados Unidos, os quais também construíram sua identidade nacional em contraposição aos latino-americanos (Feres Jr, 2005), podendo-se mesmo dizer que as duas Américas se constituíram reciprocamente, encarnando configurações culturais alternativas da modernidade (Morse, 1988). Contudo, se os EUA constituem claramente o “outro” da América Latina, o lugar do Brasil nesse imaginário continental é, na melhor das hipóteses, ambíguo, ambiguidade essa que constitui o objeto de reflexão deste artigo.
Dada a vastidão do tema, que vem ocupando diferentes gerações de pesquisadores, dentro e fora da América Latina, é preciso escolher um recorte que o torne tratável, ainda mais nos limites de um artigo. Aqui, buscarei reconstituir as imagens ou representações sobre o Brasil contidas nas propostas de unidade continental produzidas por cinco dos mais importantes políticos e intelectuais latino-americanistas, entre o final do século XIX e o primeiro terço do XX: José Martí (1853-1895), Manuel Ugarte (1875-1951), José Vasconcelos (1882-1959), José Carlos Mariátegui (1894-1930) e Víctor Raul Haya de la Torre (1895-1979). Selecionei estes autores por se tratarem de alguns dos mais destacados representantes das propostas de unidade continental durante o período aqui abordado, dialogando direta ou indiretamente entre si. Além disso, o fato de os autores selecionados possuírem signos ideológicos distintos, quando não contrapostos, auxilia a cobrir, ao menos parcialmente, a diversidade das representações sobre a unidade continental produzidas à época.
Nas páginas que se seguem, procurarei demonstrar que a ideia da unidade continental se transformou, partindo da visão de uma unidade hispano-americana, baseada em heranças histórico-culturais comuns, que claramente não inclui o Brasil, para a de uma unidade latino-americana, alicerçada crescentemente em características socioeconômicas compartilhadas, que passa a incluir o país, mas de forma marginal e ambígua. Essa ambiguidade do lugar do Brasil nas perspectivas de unidade latino-americana se deveria à persistência, em que pese as mudanças intelectuais acima assinaladas, da influência das origens desse ideário, remetido constantemente à cultura hispânica compartilhada e ao esforço conjunto pela emancipação política. Dessa maneira, para compreender as representações acerca da unidade continental produzidas no período assinalado é preciso, ainda que brevemente, dar um passo atrás e buscar suas raízes nos processos de independência dos países hispano-americanos.
A “nossa” América e as Américas dos outros
Os primeiros projetos de unidade continental surgiram no bojo das guerras de independência das antigas colônias espanholas nas Américas, travadas entre 1810 e 1824 (Donghi, s/f: cap. 2). Durante esse período o esforço político-militar comum para se emancipar da metrópole forjou em algumas lideranças do movimento separatista a ideia de que, uma vez lograda a Independência, os antigos territórios que compunham o Império espanhol deveriam formar uma confederação, sendo o venezuelano Simón Bolívar, o mais conhecido e lembrado porta-voz dessa proposta1.
Já no Brasil, a crise do antigo sistema colonial seguiu um caminho particular, com a solução monárquica para o problema da dissolução do vínculo com a metrópole, combinada à preservação da escravidão como base da ordem social (Novais, 1984)2. Além disso, cabe lembrar que o novo Estado também herdava antigas disputas de fronteiras entre as duas metrópoles ibéricas. A adoção da monarquia e as contínuas disputas fronteiriças, não apenas afastavam o Brasil de seus vizinhos, como também faziam com que estes o vissem com desconfiança3.
Nesse sentido, a seguinte passagem de uma carta de Bolívar ao presidente da Grã-Colômbia, General Francisco de Paula Santander, é taxativa. Celebrando a morte do líder militar mexicano Agustín de Iturbide, o qual havia tentado coroar-se Imperador do México, o líder venezuelano afirma que o Imperador do Brasil poderia “seguir o mesmo destino” e, assim, os “aficionados no gênero” aprenderiam com o exemplo (Bolívar, 2009: 220)4.
Tendo isso em vista, não foi por acaso que o Brasil, assim como os EUA e o Haiti, não tenha sido convidado a participar do chamado “Congresso do Panamá” (1826), o qual reuniu representantes dos Estados hispano-americanos recém-libertados para discutir o projeto de confederação que fortaleceriam e dariam estabilidade aos novos países5. Aos olhos de Bolívar, o Brasil era um “outro” da América hispânica, portanto, ficava de fora dos planos unitaristas.
Passados os primeiros anos do período pós-independência, as ideias de união ou confederação hispano-americanas foram deixadas de lado, concentrando-se as classes dominantes criollas na construção de seus Estados e identidades nacionais, tendo por modelos os Estados europeus de capitalismo mais avançado e os Estados Unidos (Fernández Retamar, 2006: 31-32). Foi apenas ao final do século XIX, quando a crescente intervenção econômica, diplomática e militar dos Estados Unidos começou a chamar a atenção de alguns intelectuais e políticos hispano-americanos, que a proposta de uma confederação como forma de resistir a um vizinho mais poderoso foi reavivada6.
Um dos mais importantes pensadores desse resgate foi o escritor e líder revolucionário cubano José Martí, que, ao mesmo tempo em que combatia o velho colonialismo espanhol –uma vez que Cuba, assim como Porto Rico, não havia acompanhado o movimento emancipacionista da região no início do século–, alertava para a ameaça do neocolonialismo estado-unidense, em seu afã de apoderar-se das Antilhas (Fernández Retamar, 2006: 41). Em seu mais conhecido ensaio, não por acaso intitulado “Nuestra América” (1891), essa preocupação transparece claramente, quando o autor apresenta qual seria o perigo maior que rondaria a região:
O desdém do vizinho formidável, que não a conhece, é o perigo maior de Nossa América, e urge, porque o dia da visita está próximo, que o vizinho a conheça, a conheça logo, para que não a desdenhe (Martí, 2005b: 38).
Nessa passagem, fica claro que Martí se refere aos EUA e às suas pretensões expansionistas, sustentadas em uma mistura de desconhecimento e desprezo em relação aos países hispano-americanos. Tendo isso em vista, quando foi celebrada em Washington a 1ª Conferência Panamericana, de novembro de 1889 a janeiro de 1890, com o pretexto de reforçar os laços entre os países do continente, no espírito da “doutrina Monroe”, Martí, que cobriu o evento como correspondente do diário La Nación, de Buenos Aires, afirmava que nenhum fato recente exigiria “maior cautela” do que o convite dos EUA, potência industrial em pleno processo de expansão, para que os países americanos “de menor poder” formassem com ele uma zona de livre comércio. Daí concluía o autor:
Da tirania da Espanha soube salvar-se a América espanhola e agora, depois de ver com olhos judiciosos causas e fatores do convite, urge dizer, porque é a verdade, que chegou a hora para a América espanhola declarar sua segunda independência (Martí, 2005a: 57).
Desse modo, o autor contrapõe duas Américas: de um lado a anglo-saxã, e de outro a “espanhola”. Trata-se de uma contraposição que, como se verá mais adiante, terá longo fôlego no pensamento latino-americano7. Qual seria o lugar reservado ao Brasil entre as duas Américas? Martí assim se refere a respeito dos representantes brasileiros no Congresso de Washington:
Do Brasil têm assento no congresso Lafayette Rodrigues, presidente da junta de arbitragem dos reclamos daquela guerra na qual não se pode pensar sem dor, Amaral Valente, que em Nova Iorque não era desconhecido para os que sabem de direito internacional, e Salvador Mendonça, o culto cônsul, (...), que diz em poucas palavras o que tem de dizer e sabe aproximar amigos para sua pátria e seu Imperador (Martí, 2005a: 48).
Nesta passagem, aparentemente neutra, e mesmo elogiosa em relação aos diplomatas brasileiros, se podem perceber duas referências negativas. Em primeiro lugar, a “guerra na qual não se pode pensar sem dor”, diz respeito, provavelmente, à guerra entre a “Tríplice Aliança” (Brasil, Argentina e Uruguai) e o Paraguai (1864-1870). Em segundo lugar, a menção ao cônsul hábil em “ganhar amigos para sua pátria e para seu Imperador”, me parece uma referência irônica ao auto-isolamento do Brasil em relação aos demais países latino-americanos, reforçada por sua forma monárquica de governo. Desse modo, têm-se mais uma vez os dois elementos que suscitavam, desde os tempos de Bolívar, desconfianças: o expansionismo e o regime monárquico.
Uma referência mais claramente negativa à participação brasileira nos debates do congresso pode ser encontrada no seguinte trecho:
Mas a seção memorável da Conferência porque revela talvez seu pensamento cardinal (…) foi aquela em que (...), fora da órbita usual e à parte de toda diplomacia, propôs um dos delegados norte-americanos o ato diplomático e estranho à conferência, por mais que grato a toda mente liberal, de reconhecimento, na forma de uma saudação da conferência, aos Estados Unidos do Brasil, a república acelerada pela decisão do general Fonseca nos domínios, ameaçados pela clerezia, do magnânimo D. Pedro II (Martí, 2005a: 82)8.
Diante da resistência de muitos delegados, os quais alegavam que aquela assembleia não era o lugar para um tal reconhecimento e de que seus países não lhes haviam dado mandato para tanto, um dos representantes norte-americanos teria dito que, qualquer momento seria propício para saudar a adoção por um país da forma republicana. Mais adiante o autor ironiza o fato de a delegação brasileira, cujas credenciais haviam sido renovadas pelo novo regime, ter “irrompido em aplausos” quando apenas dois delegados votaram pela proposta da representação estado-unidense (Martí, 2005a: 83).
Martí parece criticar não apenas o desvio que os EUA faziam em relação às finalidades do fórum e a submissão da diplomacia brasileira, mas também a própria República do Brasil, improvisada da noite para o dia e que renovava as credenciais de delegados que, até a véspera, representavam um Império. É curioso contrastar essa apreciação da delegação brasileira –vista como alinhada aos EUA– com os elogios reiterados à delegação argentina, a qual teria se destacado como contraponto aos anfitriões, razão pela qual os norte-americanos a estigmatizariam como “pró-britânica” (Martí, 2005a: 80-81).
Pelas passagens aqui abordadas, fica claro que, para o revolucionário cubano, a “Nossa América” se referiria à América “espanhola”, em oposição, sobretudo, aos EUA e seu expansionismo imperial. Porém, não haveria nesse “nós” lugar para o Brasil, país cujas instituições iam na contramão do republicanismo americano e que, mesmo após terem sido recém-modificadas, faria o jogo dos “vizinhos do norte”. Desse modo, ainda que formulado em um contexto histórico muito diferente do de Bolívar e, portanto, respondendo a problemas objetivos distintos, o projeto de unidade continental pensado por Martí se aproximava daquele do venezuelano por circunscrever-se aos países herdeiros do antigo Império espanhol.
Da latinidade em perigo à latinidade “cósmica”
Já na virada do século XIX para o XX, na esteira da “Guerra Hispano-Americana” (1898), a inquietação com o perigo representado pelos EUA ganharia novos contornos, exprimindo-se por meio da ideia de um conflito cultural entre “anglo-saxões” e “latinos”, consagrada em Ariel, do uruguaio José Enrique Rodó, publicado em 1900. Nesse conhecido ensaio, o autor, recuperando o tema shakespeariano do conflito entre “Ariel” e “Caliban”, aludia à oposição entre uma “cultura do espírito” –da qual os povos ibero-americanos seriam herdeiros– e uma “cultura materialista”, representada pelos norte-americanos (Rodó, 1966)9. Para o sociólogo francês François Bourricaud (1972: 122), em Ariel, Rodó oporia a “sociedade”, entendida como associação guiada pela persecução dos interesses materiais de seus membros, e a “cidade”, forjada pela comunhão “espiritual” entre os cidadãos e orientada pelos valores mais elevados da “beleza” e da “cultura”. Essa oposição “sociedade/cidade”, associada à rejeição do modelo de sociedade anglo-saxão, teria grande persistência entre a intelectualidade latino-americana, seja ela revolucionária ou humanista-cristã (Bourricaud, 1972: 122). Já para Eduardo Devés Valdés, o Ariel de Rodó teria representado uma mudança no nível da sensibilidade, constituindo-se em um manifesto anti-utilitarista que afirmaria a cultura, a razão e o sentimento sobre um “calibanismo positivista e norte-americano” que “achacaria” os seres humanos (Devés Valdés, 2000: 29).
Assim, o arielismo abriria caminho para uma primeira geração de autores anti-imperialistas na região. Este seria o caso, por exemplo, do intelectual argentino Manuel Ugarte, divulgador pioneiro de um pensamento propriamente anti-imperialista. Dissidente do socialismo argentino, expulso por suas posições nacionalistas (Godio, 1983: 71-72), Ugarte, adotou uma forte posição em favor da unidade latino-americana10. Ao longo das duas primeiras décadas do século, o autor iniciou uma série de viagens proferindo conferências, alertando para o perigo que representaria o expansionismo yankee:
Contemplemos com a imaginação o mapa da América. Ao Norte, bulhem 100 milhões de anglo-saxões febris e imperialistas, reunidos dentro da harmonia mais perfeita em uma nação única; ao sul, se agitam 80 milhões de homens hispano-americanos, de cultura e atividade desigual. Divididos em 20 repúblicas que em muitos casos se ignoram ou se combatem. Cada dia que passa, marca um triunfo dos do Norte. Cada dia que passa registra uma derrota dos do sul. É uma avalanche que se precipita (Ugarte, 1987: 10).
A única forma de resistir e contra balançar essa tendência seria, como propunha Martí, a formação de uma unidade continental. Porém, ao contrário do cubano, Ugarte fala claramente em “unidade latino-americana”, em oposição à “América inglesa”:
Só os Estados Unidos do Sul podem contrabalançar em força aos do Norte. E essa unificação não é um sonho impossível. Outras comarcas mais opostas e mais separadas pelo tempo e os costumes se hão unido em blocos poderosos e duráveis. Bastaria recordar como se consumou a poucos anos a unidade da Alemanha e da Itália. A ameaça da intervenção estrangeira se encarregaria de desvanecer as prevenções (Ugarte, 1987: 4-5).
Estes “Estados Unidos do Sul”, aparentemente, incluiriam o Brasil por ser um país geograficamente meridional e culturalmente latino. No entanto, persiste uma ambiguidade do lugar ocupado pelo país lusófono, o que pode ser identificado na seguinte passagem:
A América Espanhola é suscetível de ser subdividida em três zonas que poderíamos delimitar aproximadamente: a do extremo sul (Uruguai, Argentina, Chile e Brasil) em pleno progresso e independente de toda influência estrangeira; a do centro (Peru, Bolívia, Equador, Venezuela e Colômbia) relativamente atrasada e roída pelo clericalismo ou pela guerra civil e a do extremo norte (México, Guatemala, Honduras, Nicarágua, São Salvador e Costa Rica) submetida indiretamente à influência moral e material dos Estados Unidos (Ugarte, 1987: 3).
A mais óbvia ressalva a essa classificação seria a inclusão do Brasil, ao lado dos países do Cone Sul, na “América Espanhola” sem a menor problematização. A subsunção pura e simples do Brasil no conjunto hispano-americano é reforçada por uma outra passagem, na qual Ugarte aponta quais os elementos comuns que fariam do subcontinente uma “pátria” única em potencial:
Eu conservo fervorosamente o culto do país em que nasci, mas minha pátria superior é o conjunto de ideias, de recordações, de costumes, de orientações e esperanças que os homens de mesma origem, nascidos da mesma revolução, articulam no mesmo continente, com ajuda da mesma língua (Ugarte, 1987: 2).
Dessa maneira, ainda que as formulações ugarteanas, com sua ênfase na latinidade, pretendessem incluir o Brasil em uma “pátria grande” que deveria unificar-se para contrabalançar o “perigo yankee”, a remissão desse ideal a uma identidade cultural e a uma história “hispano-americana” compartilhadas, bloqueava na prática essa inclusão. Tal identificação do “latino-americano” com o “hispano-americano” pode também ser explicada por um fator apontado pelo próprio Ugarte: o grande desconhecimento mútuo, reforçado pela precariedade de vias de comunicação e transporte, que caracterizava a região no início do século XX. Dessa maneira, o primeiro passo a ser dado no caminho da unidade seria, segundo o autor argentino, um maior interesse pela vida política dos vizinhos:
É um contrassenso que as palpitações da América Espanhola cheguem à América Espanhola depois de terem passado pela Europa ou por Washington. Nossa curiosidade não deve deter-se no Peru, ou no Brasil, devemos abarcar todo o continente (Ugarte, 1987: 6).
Porém, se a ignorância mútua seria a regra, no caso do Brasil, país que não formava parte da comunidade linguística e cultural conformada pelos países que falam a língua castelhana, a superação do desconhecimento se fazia mais difícil. Não por acaso, no trecho acima, o país é, mais uma vez, subsumido de modo indistinto na “América Espanhola”11.
Nesse sentido, são um tanto diferentes as propostas, formuladas mais de uma década depois, pelo escritor e político mexicano José Vasconcelos, que emerge para a vida intelectual de seu país, ao lado de outros nomes como Antonio Caso, Alfonso Reyes e o dominicano Pedro Henríquez Ureña, integrantes do Ateneo de La Juventud, centro fundado em 1909, dedicado à difusão de ideias anti-positivistas, vitalistas e anti-racionalistas (Domínguez Michael, 1992: XIX). Vasconcelos é considerado por muitos um dos principais ideólogos da Revolução mexicana e do México no século XX (Domínguez Michael, 1992: XIV). O autor também se preocupava com o tema da unidade continental, empreendendo em 1922, quando exercia o cargo de secretário de educação pública, uma série de viagens pela América do Sul, incluindo em seu roteiro o Brasil, aonde participou da Exposição Internacional comemorativa do Centenário da independência brasileira (Tenório, 1994), (Crespo, 2003)12.
Seu mais conhecido ensaio sobre a identidade latino-americana é La Raza Cósmica (1925), o qual marcou profundamente o pensamento político-social latino-americano da época. Esse texto propõe que a unidade da América Latina seria cultural, caracterizada pela mestiçagem racial, condição peculiar que dotaria a região de uma missão singular na história universal. De acordo com Vasconcelos, se os anglo-saxões teriam tido a tarefa histórica de “mecanizar” e unificar o globo, aos ibero-americanos caberia o destino de promover uma síntese superior das “raças” humanas. Assim, contrastando tais “missões”, o autor afirma que:
O objeto do continente novo e antigo é muito mais importante. Sua predestinação obedece ao desígnio de constituir o berço de uma quinta raça, na qual se fundirão todos os povos para substituir as quatro que isoladamente têm forjado a história (Vasconcelos, 1992: 96)13.
Assim, a América Latina, cuja colonização ibérica, ao contrário da anglo-saxã ao norte, teria praticado a mestiçagem entre europeus, índios e negros, possuiria a tarefa de fundir todas as raças em uma “raça síntese”, que representaria o início de uma nova fase da história universal singularizada, não pelo império dos “apetites” materiais ou do “racionalismo”, mas sim da espiritualidade e dos ideais de beleza (Vasconcelos, 1992: 105-106). Porém, para que a mestiçagem biológica pudesse se converter em mescla “espiritual” seria preciso deixar de lado as ideologias imperialistas que afirmavam a existência de “raças superiores” e “inferiores”, substituindo-as por ideias próprias. Daí a necessidade de uma “rebelião das consciências” que completasse a “rebelião das armas” (Vasconcelos, 1992: 110).
Aqui aparece a associação entre o projeto de unidade e a memória da luta pela independência. Aliás, Vasconcelos não deixa de reivindicar explicitamente Bolívar como precursor de suas ideias:
No próprio período caótico da Independência, que tantas censuras merece, se advertem, sem dúvida, vislumbres desse afã de universalidade que já anunciam o desejo de fundir o humano em um tipo universal e sintético. Desde cedo, Bolívar, em parte porque se deu conta do perigo em que caíamos repartidos em nacionalidades isoladas, e também por seu dom de profecia, formulou aquele plano de federação Ibero-americana que alguns néscios ainda hoje discutem (Vasconcelos, 1992: 97).
Ainda que esta passagem remeta a unidade continental à luta militar contra o domínio espanhol, é preciso frisar que Vasconcelos, em comparação com os autores até aqui abordados, foi aquele que mais atenção deu ao Brasil, como, por exemplo, ao apresentar, de modo algo fantasioso, as formas arquitetônicas que seriam desenvolvidas pela futura civilização mestiça: “O panorama do Rio de Janeiro atual, ou de Santos, com a cidade e sua baía, podem nos dar uma ideia do que será esse empório futuro da raça cabal que está porvir.” (Vasconcelos, 1992: 102)
A viagem ao Brasil deixou no mexicano uma forte e positiva impressão, fornecendo importante material para a escrita de La Raza Cósmica, completada três anos depois de sua visita (Tenório, 1994; Crespo, 2003)14. Afinal, se sua projeção de um futuro grandioso para a América Latina baseava-se, sobretudo, no dado da mestiçagem de diferentes etnias, o Brasil, país onde a mestiçagem de brancos, negros e indígenas era notória, fornecia um exemplo bastante ilustrativo para sua argumentação, inclusive porque, além de mestiça, a nova civilização da “raça cósmica” seria “tropical”, ou seja, transferiria o centro geográfico da história do hemisfério norte para a região dos trópicos. Assim, a condição de possibilidade do advento da “raça cósmica” seria um desenvolvimento tecnológico que possibilitasse a “conquista do trópico” pelo homem moderno, conquista essa que encerrava uma imensa potencialidade, sendo que o Brasil, em uma curiosa versão moderna da lenda do El Dorado, aparece no centro da “zona de promissão” que abasteceria com seus recursos naturais uma humanidade renovada:
Suposta, pois, a conquista do trópico por meio dos recursos científicos, resulta que virá um período no qual a humanidade inteira se estabelecerá nas regiões cálidas do planeta. A terra de promissão estará então na zona que compreende o Brasil inteiro, mais a Colômbia, Venezuela, Equador, parte do Peru, parte da Bolívia e região superior da Argentina. (…) Com os recursos de semelhante zona, a mais rica do globo em tesouros de todo gênero, a raça síntese poderá consolidar sua cultura. O mundo futuro será de quem conquiste a região amazônica (Vasconcelos, 1992: 102).
Com Vasconcelos, a ideia de uma latinidade cujo principal traço distintivo em relação aos anglo-saxões seria a propensão à mestiçagem cultural possibilita um maior alargamento da identidade latino-americana, incorporando o Brasil de modo mais efetivo em seu imaginário unificador. Todavia, as referências de Vasconcelos, por se situarem em um terreno cultural, permanecem fortemente hispano-americanas.
A década de 1920, entretanto, testemunharia ainda, no interior do pensamento latino-americano, o início da transição de um paradigma em que o subcontinente era pensado pelo prisma da cultura, para outro, no qual os problemas latino-americanos passaram a ser formulados em termos econômicos e sociológicos. É para os primeiros passos dessa mudança e os projetos unitaristas que deles resultaram que me voltarei a seguir.
América Latina ou Indo América?
A década de 1920 foi um período crucial na história das ideias no subcontinente. Para François Bourricaud o decênio, no plano especificamente intelectual, teria testemunhado uma ruptura mais drástica do que o período da Independência, podendo-se mesmo falar em uma “conjuntura latino-americana” (Bourricaud, 1972: 110-111). Já para a historiadora argentina Patrícia Funes, os anos 1920 podem ser lidos como um momento crucial de transição em que, de um lado, a velha ordem liberal-oligárquica encontrava-se em crise e, por outro, as respostas a essa crise apenas começavam a se delinear (Funes, 2006). A efervescência política e intelectual que caracterizou o período deve ser entendida pela confluência de quatro grandes acontecimentos, ainda que não imediatamente relacionados: a Primeira guerra mundial, a Revolução russa, a Revolução mexicana e o movimento da Reforma universitária (Godio, 1983: 32-33; Portantiero, 1978: 29).
Tais eventos abriram na região um novo contexto político-intelectual, marcado pela difusão de novas correntes ideológicas como o marxismo, e pelo reforço de outras, como o nacionalismo e o anti-imperialismo15. Nessa nova conjuntura se destacariam dois peruanos: o jornalista e militante socialista José Carlos Mariátegui e o líder nacionalista e anti-imperialista Víctor Raúl Haya de la Torre, cujas ideias, não apenas alcançariam repercussão continental, como teriam um impacto duradouro na história política e intelectual das esquerdas latino-americanas16.
Em sua vasta obra, Mariátegui abordou uma grande variedade de temas, entre os quais se destacam os ensaios sobre a América Latina, publicados sobretudo em duas revistas limenhas: Mundial e Variedades17. Um destes textos, intitulado justamente “La Unidad de La América Indo-Española” (1924), apresenta um esboço dos fundamentos históricos e potencialidades do ideal de unidade continental.
Para o autor peruano, haveria entre os países da “América Espanhola” uma comunidade de destinos que não seria mero produto da retórica da literatura americanista, mas sim de uma história compartilhada, moldada primeiro pela conquista espanhola dos povos indígenas e, posteriormente, pelo esforço comum de libertação da metrópole (Mariátegui, 1990: 13). Frustrado o ideal unitarista da geração libertadora, as sociedades hispano-americanas teriam vivido um processo de crescente diferenciação, aquelas mais próximas da Europa experimentando um desenvolvimento burguês mais acelerado do que as mais distantes (Mariátegui, 1990: 14).
Para entender a fragmentação da América Indo-espanhola, o autor procura apoiar-se explicitamente no materialismo histórico. Nessa chave, a resposta para a ausência de unidade entre os Estados hispano-americanos seria sua comum condição neocolonial, de economias primário-exportadoras, cujas estruturas produtivas não se complementariam, mas sim competiriam pelos mercados dos países capitalistas industrializados:
Entre estes países não existe quase comércio, não existe quase intercâmbio. Todos eles são, mais ou menos, produtores de matérias primas e de gêneros alimentícios que enviam à Europa e aos Estados Unidos, de onde recebem, em troca, máquinas, manufaturas, etc. Todos têm uma economia parecida, um tráfico análogo. (…). Entre os povos hispano-americanos não há cooperação, algumas vezes, pelo contrário, há concorrência. (...) Funcionam economicamente como colônias da indústria e da finança europeias e norte-americana (Mariátegui, 1990: 14-15).
Se, nesta passagem, a realidade latino-americana é definida a partir das relações econômico-sociais, o autor não deixa de lado o plano cultural. Afinal, o que as relações de produção dividiriam, a cultura contribuiria para aproximar:
É absurdo e presunçoso falar de uma cultura própria e genuinamente americana em germinação, em elaboração. O único evidente é que uma literatura vigorosa reflete a mentalidade e o humor hispano-americanos. Esta literatura, poesia, romance, crítica, sociologia, história, filosofia não vinculam ainda os povos, mas vincula, ainda que parcial e debilmente, as categorias intelectuais (Mariátegui, 1990: 17).
A análise do texto de Mariátegui é reveladora das dificuldades de transcender o horizonte da “hispano-américa”. Veja-se, por exemplo, a fórmula “indo-espanhola”, presente no título e em passagens ao longo do texto. Se, por um lado, ela revela a intensão de superar a identidade ibérica, incluindo no plano simbólico o indígena como representante das camadas subalternas, por outro, tal solução para a identidade regional se circunscreve ao mundo cultural andino, ou a países de condições semelhantes, como o México, com a presença massiva de populações autóctones, não sendo muito representativa, por exemplo, do cone sul, aonde o índio não teria o mesmo peso (Acha e de Antonio, 2010: 216).
Além disso, se a centralidade conferida às relações sociais e econômicas permite pensar o subcontinente em uma chave mais ampla do que a fornecida pela cultura, o fato de o autor buscar a unidade em movimentos culturais e políticos comuns acaba restringindo o âmbito de unificação à América hispânica. Dessa maneira, a economia fornece uma identificação puramente negativa, ao passo que a identificação positiva só se encontra em uma identidade compartilhada e em movimentos comuns de emancipação. Como o Brasil não integrava o mesmo circuito cultural, nem tomara parte no esforço de independência e tampouco era diretamente afetado pela Revolução mexicana ou pela Reforma universitária, se compreende por que o país estivesse relativamente ausente das reflexões mariateguianas sobre a América Latina18.
É possível, todavia, encontrar algumas referências marginais ao país lusófono na obra do marxista peruano. Uma delas aparece em seu principal trabalho: Siete ensayos de interpretación de la realidad peruana, publicado em 1928. No primeiro destes ensaios, discutindo a evolução econômica do Peru após a independência, o autor retoma e aprofunda a análise, acima citada, dos motivos que conduziram à diferenciação entre as sociedades sul-americanas:
Tão logo estas nações se tornaram independentes, (…), buscaram no tráfico com o capital e a indústria do ocidente os elementos e as relações que o incremento de sua economia requeria (…) Os países mais favorecidos por este tráfico foram, naturalmente, por causa de sua maior proximidade com a Europa, os países situados sobre o Atlântico. A Argentina e o Brasil, sobretudo, atraíram a seu território capitais e imigrantes europeus em grande quantidade. Fortes e homogêneos aluviões ocidentais aceleraram nestes países a transformação da economia e da cultura, que adquiriram gradualmente a função e a estrutura da economia e da cultura europeias. A democracia burguesa e liberal pôde aí deitar raízes seguras, enquanto no resto da América do Sul o impediam a subsistência de tenazes e extensos resíduos feudais (Mariátegui, 2008: 12).
Obviamente o ponto de referência para um quadro tão otimista do desenvolvimento da sociedade burguesa brasileira, última a abolira a escravidão e a proclamar a República, é o próprio Peru. Aqui o Brasil aparece, de modo indistinto, ao lado da Argentina, como parte de uma América do Sul “atlântica” que, por seus vínculos mais estreitos com o sistema capitalista, foi capaz de desenvolver relações de produção e um Estado burgueses, tendo como contraponto uma América do Sul “andina”, deslocada dos fluxos principais do mercado mundial, a qual conservava relações de tipo feudal e padrões de dominação senhoriais.
Uma apreciação similar pode ser encontrada no texto El Problema de Las Razas en América Latina (1929), enviado como contribuição à I. Conferência dos Partidos Comunistas Latino-americanos, celebrada em Buenos Aires em junho/julho daquele ano. Neste texto, procurando avaliar as formas assumidas pela “questão racial” nas diferentes formações sociais latino-americanas, o autor contrasta o peso demográfico e a importância econômica e social dos indígenas nos países andinos e no México, com a relativa escassez e marginalidade das populações ameríndias nos demais. Após citar uma longa passagem de um dos delegados do Partido Comunista do Brasil (PCB) à referida Conferência19, que afirmava a pouca importância da questão indígena no país, o autor peruano conclui que para os países da região com “ escassos grupos de índios silvícolas”, o problema teria um aspecto semelhante àquele do Brasil (Mariátegui, 1991: 232). O país recebe maior destaque quando do tratamento da presença negra na América Latina:
Os países onde predominam são Cuba (grupo antilhano) e o Brasil. Enquanto a maioria dos índios está ligada à agricultura, os negros em geral se encontram trabalhando preferencialmente nas indústrias. Em todo caso, estão na base da produção e da exploração. O negro, importado pelos colonizadores não têm arraigo à terra como o índio, quase não possui tradições próprias, lhe falta idioma próprio, falando o castelhano, o português, o francês ou o inglês (Mariátegui, 1991: 232).
Após citar outra passagem do mesmo delegado brasileiro à Conferência, o qual sustentava o caráter residual do preconceito racial na sociedade brasileira, o autor assim sintetiza:
Em geral, para os países nos quais influem grandes massas de negros, sua situação é um fator social e econômico importante. Em seu papel de explorados nunca estão isolados, mas se encontram ao lado dos explorados de outras cores. Para todos se colocam as reivindicações próprias de sua classe (Mariátegui, 1991: 233).
Dessa maneira, apoiando-se em formulações apresentadas pelos comunistas brasileiros, Mariátegui corrobora a ideia de que o problema do negro, ao contrário da questão indígena nas sociedades andinas, se apresentaria fundamentalmente como problema de classe e não como questão propriamente racial. Hoje salta aos olhos o equívoco de tais juízos. Mas o que interessa sublinhar aqui não é tanto o erro dessas formulações, mas o fato de que o Brasil era uma realidade muito distante para alguém, como o marxista peruano, que via a América Latina pelo prisma andino.
Como mencionado acima, a outra figura que se destacou na esquerda do Peru durante os anos 20 adquirindo proeminência regional seria Víctor Raúl Haya de la Torre20. Seguindo a trilha já aberta por Martí e por Ugarte, o dirigente político e intelectual peruano associava intimamente a luta contra o imperialismo dos EUA à necessidade de unificação do subcontinente. Por exemplo, no manifesto de criação da Alianza Popular Revolucionaria Americana (APRA), organização por ele fundada em seu exílio no México em 1924, ao discutir os obstáculos à unidade continental, o autor formula o seguinte raciocínio:
(…) como contra esta unidade conspiram, ajudando-se mutuamente, nossas classes governantes e o imperialismo, e como este ajuda àquelas, garantindo-lhes a manutenção do poder político, o Estado, (...), se torna arma de nossas classes governantes nacionais e arma do imperialismo para explorar nossas classes produtoras e manter divididos nossos povos. Consequentemente, a luta contra nossas classes governantes é indispensável, o poder político deve ser capturado pelos produtores, a produção deve socializar-se e a América Latina deve constituir uma federação de Estados (Haya de la Torre, 2008a: 74).
Neste texto, originalmente publicado em 1926, o autor emprega o termo “América Latina”. Contudo, em intervenções posteriores preferirá usar o nome “Indo-América”, pelo qual se notabilizará. Para se entender a visão deste autor acerca da identidade continental, é interessante analisar os argumentos de Haya para o emprego deste vocábulo em detrimento de outros, como “América Latina”, ou “Ibero-América”. Polemizando com o escritor espanhol Jiménez de Asúa, Haya justifica do seguinte modo a preferência pelo termo “Indo-américa”:
Os vanguardistas, os apristas, os anti-imperialistas da América, inclinados à interpretação econômica da história, adotamos a denominação Indo-américa como expressão fundamental. As invasões das raças saxônicas, ibéricas e negras, como as asiáticas e do resto da Europa que nos têm chegado, nos chegam e nos chegarão, contribuíram e contribuem a costurar a América nova. Porém, sobrevive sob todas elas a força de trabalho do índio. Se em Cuba foi extinto e na Argentina ou na Costa Rica muito absorvido, o índio segue sendo a base étnica e sócio econômica da América (Haya de la Torre, 2008b: 26).
Assim, em que pese a diversidade étnica do continente, Haya sustenta que o indígena estaria impresso na “cultura”, ou, ecoando Vasconcelos, no “espírito cósmico” que singularizariam os americanos ao sul do Rio Bravo (Haya de la Torre, 2008b: 37). Passagens como estas deixam claro que, assim como seu conterrâneo Mariátegui, Haya de la Torre também filtrava seu continentalismo a partir da experiência histórica andina, o que o levava a conferir centralidade ao elemento indígena como característico da identidade do continente.
Contudo, Haya também estava alerta para a grande diversidade histórico-social da região, o que demandaria esboçar um diagnóstico das diferentes configurações sociais e econômicas latino-americanas e seus distintos modos de vinculação com o imperialismo. É nesse esforço de síntese que o autor escreve algumas observações sobre o Brasil. Por exemplo, em sua principal obra El anti-imperialismo y el APRA (1936), ao abordar o caráter elitista dos grupos dirigentes das independências indo-americanas, na nota no. 81 a uma citação da obra do embaixador brasileiro nos EUA Manuel de Oliveira Lima, The Evolution of Brazil compared with that of Spanish and Anglo-Saxon America (1914), na qual o autor apontava o caráter restrito daqueles que advogavam pelos “direitos de liberdade e autogoverno” (Haya de la Torre, 2008a:197)21. Mais adiante, na nota 97 aparece novamente citada a obra de Oliveira Lima, dessa vez contrastando o caráter “pacífico” da Independência brasileira, atribuída à existência de um “governo legítimo”, com o caráter “revolucionário” das Independências hispano-americanas.
O país aparece ainda como ilustração da descaracterização dos ideais liberais após a emancipação política, com a preservação de relações sociais legadas pela colônia, como a escravidão:
As ideias liberais e radicais francesas perderam seu valor subversivo uma vez instauradas as repúblicas indo-americanas. Os escravos não se libertam imediatamente em que pese o afã democrático. A escravidão dos negros subsiste no Brasil até 1880 e no Peru até 1860 (Haya de la Torre, 2008a: 198).
Em que pese a imprecisão cronológica desta citação –a abolição da escravidão no Brasil se deu em 1888–, os conhecimentos de Haya sobre o Brasil parecem melhor alicerçados do que os de Mariátegui. Ao caracterizar a formação social brasileira e seu lugar na Indo-américa, o autor faz a seguinte observação:
No Brasil coincidem, aparentemente, as fronteiras políticas e geográficas e linguísticas com as econômicas. Porém, a afirmação é relativa. O Brasil não implica em uma solução de continuidade em relação ao conjunto econômico indo-americano. Tampouco representa um problema de características homogêneas e na ordem político-econômica. O Brasil, organização federal, nos apresenta também o Estado como instituição em diversos aspectos ou momentos de seu desenvolvimento determinado por diversas condições econômicas (Haya de la Torre, 2008a: 210-211).
É interessante observar a preocupação do autor de frisar que o país não representaria uma “solução de continuidade” em relação ao conjunto da Indo-américa, afirmando seu pertencimento à região e ao projeto de unidade continental. Para tanto, o líder aprista procura relativizar a imagem de um país homogêneo. Essa ênfase na heterogeneidade como marca da sociedade brasileira aparece de modo ainda mais claro a seguir:
Como em poucos países Indo-americanos, o Brasil nos apresenta grupos numerosos em todas as etapas da evolução humana. Desde o selvagem feroz, até o capitalista industrial que sonha, sonho que alenta maquiavelicamente nas oligarquias brasileiras a astuta política yankee, com a dominação total da América do Sul (Haya de la Torre, 2008a: 211).
Aqui reaparece a antiga preocupação bolivariana com as pretensões do Brasil ao predomínio regional, atribuídas às manobras da política estado-unidense, ecoando as sugestões de Martí acima citadas. Contudo, o expansionismo megalômano é atribuído pelo autor peruano aos “ultranacionalistas” brasileiros, ao passo que os “trabalhadores manuais e intelectuais” teriam uma consciência anti-imperialista avançada, como em poucos países da região (Haya de la Torre, 2008a: 211)22.
Para finalizar a análise dos apontamentos de Haya de la Torre a respeito do Brasil, o autor peruano, de modo similar a José Vasconcelos23, exalta o potencial representado pela região amazônica para uma futura Indo-américa unificada:
É a terra inconquistada, colonizável, o grande acervo ainda ignoto da América do Sul. Sua reserva, sua dispensa para os séculos. Aí vivem as tribos selvagens em meio à natureza virgem. Naquela vasta região misteriosa e ubérrima, centro e coração do continente, se encerram riquezas insuspeitadas (Haya de la Torre, 2008a: 212).
De todos os autores aqui discutidos, Haya de la Torre parece ser aquele melhor provido de informações e com uma visão um pouco mais matizada do país lusófono. Além disso, é quem mais claramente procura inserir o Brasil no quadro de uma proposta de unidade continental. Porém, como ficou claro na discussão a respeito da denominação do subcontinente, seus horizontes intelectuais e suas preocupações políticas, como as de seu compatriota Mariátegui, eram filtradas pelas experiências peruana e mexicana. Dessa maneira, o Brasil não deixava de ser uma realidade distante e de difícil encaixe na Indo-américa.
Outro traço que aproxima as reflexões de Haya das de Mariátegui é a centralidade conferida as relações econômico-sociais para pensar a América Latina, como discutirei a seguir, talvez essa seja a mais importante contribuição do pensamento hispano-americano da década de 20 para que o Brasil pudesse ser, em gerações posteriores, melhor acomodado nas construções sobre a identidade regional.
Conclusão
Como se viu ao longo deste artigo, o lugar do Brasil em relação aos projetos de unidade latino-americana elaborados pela intelectualidade hispano-americana mudou sensivelmente entre o século XIX e as três primeiras décadas do XX. De uma clara relação de alteridade, senão mesmo de oposição –especular à forma pela qual a intelectualidade brasileira do período via os países vizinhos (Prado, 2001)–, o país passou a ser percebido como parte integrante de uma futura unidade continental. Contudo, como também procurei demonstrar, tal inclusão nunca chegou a ser completa, tendo o Brasil uma posição ambígua, hora percebido como parte integrante, hora como outro da “nossa América”.
Essa ambiguidade pode ser explicada pelas próprias origens da ideia de unidade continental, sempre remetidas ao legado colonial compartilhado e ao esforço comum para emancipar-se da coroa espanhola, dos quais o Brasil não participou. Além disso, cabe destacar que as distintas propostas de união americana foram pensadas e reelaboradas no interior de um circuito intelectual –político e literário– proporcionado pela comunhão linguística entre as ex-colônias da Espanha, que o Brasil, evidentemente, também não integrava.
Se assim foi, fica então a pergunta de por que o Brasil acabou sendo, ainda que parcial e contraditoriamente, absorvido nas concepções de unidade continental? A resposta reside, a meu ver, nas reelaborações da própria identidade compartilhada. Se, num primeiro momento, essa identidade dizia respeito apenas aos “hispano-americanos”, como sugerido nas passagens citadas de José Martí, em um momento posterior, no início do século XX, ela passou a ser pensada como identidade “ibero-americana” ou “latino-americana”. Essa ampliação da “hispanidade” para a “latinidade” teria se dado pela combinação de dois fatores: a percepção da ameaça representada pelos EUA e sua política “pan-americana” –clara nos escritos martianos– e a reação idealista ao predomínio ideológico do positivismo e do evolucionismo, representada pelo Ariel de Rodó. Na chamada geração “arielista”, a latinidade passou a ser identificada com os valores superiores do “espírito”, ao passo que os “anglo-saxões” eram vinculados ao apego à materialidade. Um bom exemplo, nesse sentido, é a concepção proposta por Vasconcelos do advento de uma “raça cósmica”, calcada na mestiçagem racial e cultural, para a qual sua visita ao Brasil parece ter tido um papel de destaque.
Porém, a passagem decisiva teria ocorrido na década de 20, quando confluíram os primeiros movimentos de massas anti-oligárquicos e a ruptura ideológica representada pela Reforma Universitária. Estes dois fatores e a recepção crescente do marxismo teriam conduzido à transição de uma interpretação da América Latina em termos “culturais” ou “raciais”, para uma outra, calcada nas relações sociais e econômicas. Dessa maneira, temas como o imperialismo, que já tinham entrada na geração anterior, como bem exemplificado pelo caso da publicística de Ugarte, foram complementados por outros, tais como as classes sociais, as relações de produção e a revolução social.
A importância dessa mudança nos fundamentos, temas e problemas do pensamento político-social latino-americano está em que abriu caminho para a ideia de que a identidade continental repousaria não apenas sobre uma cultura compartilhada, mas também sobre uma comum condição “colonial” ou, como se dirá mais tarde, de “subdesenvolvimento” e “dependência”. Ainda que negativa, esta chave econômica se revelará frutífera, não apenas por incorporar países não hispânicos (como o Brasil), mas também por conferir bases “científicas” –históricas, sociológicas e econômicas– à ideia de unidade política da região.
Todavia, este salto não chegou a se completar na década de 1920. Em primeiro lugar, como dito acima, pela persistência do peso da “origem comum” e da revolução da independência. Em segundo lugar, porque os dois autores que mais se destacaram na proposição de uma base materialista para o latino-americanismo, os peruanos José Carlos Mariátegui e Víctor Raúl Haya de la Torre, pensavam os problemas continentais a partir de um prisma andino, em particular, ou de países de condições semelhantes, como o México por exemplo. Isso fica particularmente claro no nome “Indo-américa”, adotado por ambos, e que dificilmente comportaria um país como o Brasil.
Uma ampliação mais decisiva do imaginário latino-americanista teria de esperar a segunda metade do século XX, primeiro com o advento das teorias desenvolvimentistas da Comissão Econômica Para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e, mais tarde, após a Revolução cubana, o ciclo de ditaduras militares no Cone Sul, o consequente exílio de grande parte da intelectualidade da região e a elaboração das “teorias da dependência”24. Seja como for, a reformulação do imaginário unitarista na década de 1920, pensado crescentemente em termos socioeconômicos, em especial no que diz respeito ao problema do imperialismo, seria fundamental para que gerações posteriores pudessem alargar a “pátria grande” a limites que Bolívar não poderia imaginar.
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Notas
Notas de autor
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