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O espaço paradoxal da academia latino-americana: pensamento aprisionado, pensamento que aprisiona?
Viviane de Melo Resende
Viviane de Melo Resende
O espaço paradoxal da academia latino-americana: pensamento aprisionado, pensamento que aprisiona?
The paradoxical space of the Latin American academy: imprisoned thought, thought that imprisons?
Wirapuru Revista Latinoamericana de Estudios de las Ideas, núm. 2, pp. 74-80, 2020
Ariadna Ediciones
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Resumo: Como acadêmicas latino-americanas, movemo-nos num espaço paradoxal: um espaço de subordinação na produção de conhecimento acadêmico internacional e um espaço de privilégio na produção de conhecimento local. Muitas vezes somos brancas, ocupando posições de poder em sociedades racializadas, e frequentemente das classes médias e, então, não raro reproduzimos –intencionalmente ou não, conscientemente ou não– a lógica de raça e classe do poder colonial em nossos contextos locais, ao mesmo tempo que lutamos para encontrar reconhecimento no meio acadêmico internacional, criticando a colonialidade da qual nos beneficiamos “em casa” na forma de privilégio. Devemos nos questionar sobre esse lugar de onde falamos e como o pertencimento institucional nos coloca de saída em interlocuções várias: com movimentos sociais na posição de pesquisadoras, com estudantes na posição de professoras, etc. Que uso fazemos dos poderes simbólicos que nos são atribuídos?

Palavras-chave:colonialidade do sabercolonialidade do saber,epistemicídioepistemicídio,racializaçãoracialização,branquitudebranquitude.

Abstract: As Latin American scholars, we move in a paradoxical space: a space of subordination in the production of international academic knowledge and a space of privilege in the production of local knowledge. We are often white, holding positions of power in racialized societies, and often middle class, and so we often reproduce –intentionally or not, consciously or not– the race and class logic of colonial power in our local contexts, while we struggle to find recognition in international academia, critiquing the coloniality we benefit from “at home” in the form of privilege. We must ask ourselves about this place from which we speak and how institutional belonging places us in various interlocutions: with social movements in the position of researchers, with students in the position of professors, etc. What use do we make of the symbolic powers that are attributed to us?

Keywords: coloniality of knowledge, epistemicide, racialization, whiteness.

Carátula del artículo

Dossier / Ensayos

O espaço paradoxal da academia latino-americana: pensamento aprisionado, pensamento que aprisiona?

The paradoxical space of the Latin American academy: imprisoned thought, thought that imprisons?

Viviane de Melo Resende**
Universidade de Brasília, Brasil
Wirapuru Revista Latinoamericana de Estudios de las Ideas, núm. 2, pp. 74-80, 2020
Ariadna Ediciones

Recepción: 24 Julio 2020

Aprobación: 17 Octubre 2020

Apresentação

Agradeço o convite para as X Jornadas de Estudios de las Ideas. Foi uma honra participar do evento representando o Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da Universidade de Brasília (ceam.unb.br). Falo desde os estudos discursivos, então vejo as ideias necessariamente conectadas a discursos e práticas. Em outro texto, discuti impactos em minha área de atuação da “colonialidade do saber”, conceito que expressa o “mito da modernidade” ao descrever “a civilização moderna (...) como a mais desenvolvida e superior”. Esse “imaginário dominante esteve presente nos discursos coloniais e posteriormente na constituição das humanidades e das ciências sociais”, processo que só foi possível mediante a dissimulação e o silenciamento das formas de conhecer produzidas em outros contextos (Bernardino-Costa & Grosfoguel, 2016: 18).

Valorizando os saberes produzidos em certos espaços como universais, desvaloriza-se a produção de outras origens, compreendidas como aplicações locais daquele saber universal. Esse espaço subalterno na geopolítica do conhecimento acadêmico, no entanto, é paradoxal quando consideramos nossas posições em nossos contextos locais. Sentar em uma cadeira universitária, por exemplo, nos permite acessar e exercer o poder simbólico significativo de uma instituição que há muito detém um monopólio de produção de conhecimento, pois é a instituição que expressa, em cada espaço ocidentalizado, o saber legitimado pela modernidade.

Devemos nos questionar sobre esse lugar de onde falamos e como o pertencimento institucional nos coloca de saída em interlocuções várias: com movimentos sociais na posição de pesquisadoras, com estudantes na posição de professoras, etc. Que uso fazemos dos poderes simbólicos que nos são atribuídos? Como acadêmicas latino-americanas, nos movemos nesse espaço paradoxal: um espaço de subordinação na produção de conhecimento acadêmico internacional e um espaço de privilégio na produção de conhecimento local.

Muitas vezes somos brancas, ocupando posições de poder em sociedades racializadas, e frequentemente das classes médias e, então, não raro reproduzimos –intencionalmente ou não, conscientemente ou não– a lógica de raça e classe do poder colonial em nossos contextos locais, ao mesmo tempo que lutamos para encontrar reconhecimento no meio acadêmico internacional, criticando a colonialidade da qual nos beneficiamos “em casa” na forma de privilégio.

Este será meu ponto de partida. Respeitando o limite para este texto, vou focalizar um recorte bastante breve do texto original.

Do horror que nos enreda

A terra que ficou conhecida como Brasil era habitada por milhões de pessoas quando da intrusão europeia, e a falta de informação precisa deixa a estimativa do massacre sobre a população nativa na faixa ampla entre 25 e 95%, segundo Schwarcz e Starling (2015). As historiadoras explicam que para a dizimação colaboraram três fatores: uma barreira epidemiológica favorável aos europeus e desfavorável aos povos originários desta terra; a exploração do trabalho dessas populações por escravização, e o recrudescimento das guerras entre os povos nativos, fomentada pelos colonos. Diferente do que se tem ensinado nas aulas de história, hoje a historiografia reconhece que a escravização indígena no Brasil perdurou por um longo período, chegando ao século XVIII em alguns locais.

O massacre continuou após a independência; a população indígena brasileira segue ameaçada, e mais agora neste presente aterrador. Massacrados corpos e dizimados povos, vão-se também suas línguas e saberes. Perdem-se modos de compreensão oriundos da capacidade de fazer outras e diferentes perguntas –para Daniel Munduruku (2008), o conceito de cultura pode ser sintetizado como “capacidade humana de buscar respostas criativas às perguntas que nos fazemos”. Para ele, “há muitas culturas porque existem diferentes respostas” (p. 8). É também isso o que se perde com o epistemicídio: preciosas respostas e outras capacidades de perguntar.

Este país construiu-se também à custa de longos séculos de escravização africana. Em 1574, pessoas africanas escravizadas eram 7% da força de trabalho; em 1591 já eram 37%, e em 1638 eram quase toda a força de trabalho explorada na colônia –incluídas as pessoas afro-brasileiras. No Recôncavo Baiano, pessoas escravizadas chegaram a ser 75% da população total. De todas as pessoas migradas à força na diáspora africana para as Américas –um total estimado entre 8 e 11 milhões de pessoas–, quase 5 milhões foram trazidas para o Brasil.

Para Aníbal Quijano (2000), nas relações coloniais impôs-se “uma classificação racial/ étnica da população do mundo como pedra angular do (...) padrão de poder” (p. 84). É claro que toda racialização dá-se em oposição, pois no interior de um mesmo grupo a ideia de raça não faz sentido. O que é ser negro/a num determinado contexto depende das ideologias e atitudes vinculadas, e da oposição relacional a outra categoria racial –nesse caso, a raça branca, essa que não se expressa na linguagem como raça, pois é tomada como ponto de partida de qualquer comparação.

Para Maldonado-Torres (2007), uma “característica desse tipo de classificação social é que a relação entre os sujeitos não é horizontal, mas vertical em personagem. Ou seja, algumas identidades representam superioridade sobre outras” (p. 244), o que serve de significado para sustentar formas de exploração. A raça e o racismo, como “princípios organizadores da acumulação de capital”, permitiram o controle do trabalho e da produção do conhecimento. Esse poderoso discurso impôs as diferenças coloniais que seriam depois desenvolvidas como racismo científico, esforço de justificação pseudocientífica do racismo, influente no século XIX a partir do Positivismo Italiano em criminologia, e que se tornou muito influente também no Brasil, sustentando os ideais de embranquecimento da população brasileira por trás das migrações europeias eugenistas do início do século XX. O racismo científico também implicou o não reconhecimento do outro racializado como sujeito de conhecimento.

Obviamente, a população brasileira majoritariamente formada de pessoas negras,1segue sofrendo as consequências desta história de barbárie. Que mistificações e privilégios não ditos estão ocultos sob o pó da colonialidade e nos enchem os pulmões a cada inspiração?

Uma mistificação muito presente e poderosa é o discurso da democracia racial, que supõe a natureza miscigenada da população brasileira como indício de uma colonização cordial, que teria admitido as relações afetivas inter-raciais. Nas palavras de Sueli Carneiro (2011: 16), uma “visão idílica sobre a natureza das relações raciais constituídas no período colonial”.

O mito da democracia racial, “ao desracializar a sociedade por meio da apologética da miscigenação”, cumpre um papel relevante na manutenção estrutural do racismo. Esse discurso tem sido muito útil à racionalização da opressão racial, dissimulando as diferenças raciais sob o manto das imensas desigualdades sociais brasileiras. Contudo, os indicadores socioeconômicos apontam severas disparidades entre grupos raciais no país. Mesmo porque a pobreza não é “algo que deu errado na modernidade”, mas um “elemento constitutivo” da modernidade, e por isso, conforme afirma Nascimento (2017: 27), tem “cor, sexo, gênero, idade e regionalidade” consequentes do “projeto de poder colonial que é parte inexorável da modernidade”.

Os resultados dessa história de horror no presente apontam para uma elite racista, classista, privilegiada, que se percebe em oposição à população segregada nas periferias, na falta de acesso a políticas e direitos, e que é representada nos meios de comunicação massivos como violenta, revoltosa, indisciplinada, mal educada. É também nesses modos de interpretação poderosos que se engendram muitos dos discursos que se opõem às diversas tentativas de mitigação da opressão e de correção da história.

Essa postura é identificada em Carneiro: “um novo tipo de ativismo: um suposto antirracismo que se afirma pela negação do racismo existente” (2011: 40). Negar a existência do racismo é uma forma eficiente de manter as questões raciais alijadas da política. Como analistas de discurso sabemos, e repetimos com Lilia Schwarcz e Heloisa Starling (2015: 18), que as mais eficientes ideologias são como ideia fixa: “parecem ter o poder de se sobrepor à sociedade e gerar realidade. De tanto escutar, acabamos acreditando nesse país onde é bem melhor ouvir dizer do que ver”.

Não há respostas fáceis sobre um lugar de fala de branquitude no Brasil

O conceito de lugar de fala popularizou-se no Brasil pelo trabalho da filósofa Djamila Ribeiro. Em conferência organizada pelo Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da Universidade de Brasília em 2018, Ribeiro sustentou que lugar de fala se define nas experiências que uma pessoa compartilha pelo fato de pertencer a um grupo social (Ribeiro, 2018). Ou seja, lugar de fala não se refere às experiências individuais, mas às experiências que se compartilha por pertencer a um determinado grupo. Para Ribeiro, debater lugar de fala é debater desigualdades concretas, pois existem experiências, vividas na pele ou existentes como potência no horizonte de possibilidade, restritas a grupos sociais específicos. Bernardino-Costa e Grosfoguel (2016) recordam que o lugar de fala não é marcado unicamente por nossa localização geopolítica dentro do sistema mundial moderno/colonial, mas é também marcado pelas hierarquias raciais, de classe, gênero, sexuais etc. que incidem sobre o corpo.

O privilégio da branquitude beneficia todas as pessoas racializadas como brancas nesse território. Isso porque, conforme Carneiro (2011), “a discriminação racial funciona como freio a uma competição igualitária”, assegurando vantagem às pessoas brancas como eu, e assim reproduzindo os padrões da desigualdade. Nenhuma pessoa branca numa sociedade racializada, mesmo que queira, pode abrir mão dos privilégios da branquitude –é um privilégio corporificado, que se carrega inexoravelmente aonde se vai. E aliás, para falar de corpos em movimento, lembremos com Kilomba a “capacidade que os corpos brancos têm de se mover livremente”, por estarem “sempre no lugar - na não-marcação da branquitude”. (2019: 62)

Fanon nos fala sobre a “epidermização da inferioridade” (2008: 28), o que Maldonado-Torres (2007: 242) reescreve como colonialidade do ser, “referência primária à experiência vivida da colonização, e seu impacto na linguagem”. A linguagem é entendida nessa perspectiva como aquilo que define a humanidade, como fonte de identidade, de compreensão de si. Por isso, para Fanon, importa a compreensão do sofrimento psíquico provocado pela colonialidade e pelo racismo.

Chama atenção a necessidade de se investigarem os efeitos psíquicos do privilégio sobre a subjetividade das pessoas racializadas como brancas –as representações imaginárias e simbólicas do corpo branco como instrumento de poder e de privilégios. Sueli Carneiro (2011: 81) se pergunta: “Em termos de saúde mental, o que significam um ego e uma subjetividade inflados pelo sentimento de superioridade racial?”. Essa é uma pergunta com a qual pessoas brancas brasileiras não costumam ser confrontadas, pois a racialização branca é naturalizada, e daí os privilégios são percebidos como naturais. Mais que isso, o poderoso discurso meritocrático, dispersado sem cerimônia na mídia, vem a todo momento tranquilizar as consciências. Assim, se dificilmente uma pessoa negra poderia passar uma vida no Brasil sem perceber a existência das práticas racistas em seu dia a dia, o privilégio branco pode passar por natural e nunca se tornar um ponto de reflexão ao longo da vida de uma pessoa branca menos atenta.

Lélia Gonzalez (2020: 34) assegura que “a eficácia do discurso ideológico é dada pela sua internalização por parte dos atores (tanto os beneficiários quanto os prejudicados), que o reproduzem em sua consciência e em seu comportamento imediatos”. Os privilégios de raça e classe estão epidermizados assim como as correspondentes subalternizações. É preciso, sempre, questionar os saberes universais da branquitude, que embora simulem um ponto de partida universal, também são posições. Se falar em epistemologias é falar em formas de pensar o mundo, precisamos ter talvez mais atenção às imposições de nossas experiências corpóreas concretas e disponíveis no horizonte como um lugar impositivo e limitante de nossas capacidades de ser e conhecer. A branquitude, como posição normativa, não costuma ser questionada, e por isso precisa ser pensada e deslocada no trabalho consciente de si.

Djamila Ribeiro, na conferência já mencionada, também reclamava uma postura ética: “Qual é a sua responsabilidade como sujeito privilegiado?”. Essa pergunta tem me ajudado a pensar o meu lugar, e como esse lugar limita meu horizonte de compreensões possíveis. Então, me tenho feito a pergunta: de que maneiras ser uma mulher branca de classe média impacta minhas ações como docente, minhas capacidades como orientadora e analista de discurso? Quanto disso tudo deixo entrar na sala de aula? Quanto sou capaz de resistir e transformar? Como posso atuar de maneira radical para subverter o conhecimento que me aprisiona?

A universidade tensionada: o que faço do que sou?

A inauguração de um sistema de cotas raciais em universidades causou forte reação da imprensa burguesa. Superado o debate jurídico sobre o tema e instituídas as políticas públicas e suas normas, a resistência da presença negra nas universidades ainda precisa se afirmar a cada dia. Isso se deve também ao fato de a universidade não ser um espaço neutro: “é um espaço branco onde o privilégio de fala tem sido negado para as pessoas negras” (Kilomba, 2019: 50). Isso nos coloca questões sobre a violência do silenciamento, e o quanto desse silenciamento é de fato rompido com a circulação dos corpos negros. Quanto das práticas pedagógicas racistas apontadas para a educação infantil nos trabalhos de Carneiro e Gonzalez se reproduzem também no espaço universitário?

Com bell hooks (2017: 51) aprendemos que o esforço pedagógico deve “respeitar e honrar a realidade social e a experiência de grupos não brancos”, e para isso “nosso estilo de ensino tem de mudar”. Como docentes, temos então “o dever de confrontar as parcialidades que têm moldado as práticas pedagógicas em nossa sociedade” (p. 23). Isso significa que o corpo docente precisa dar-se conta do racismo tantas vezes ocultado a fim de construir práticas mais democráticas na sala de aula e demais espaços acadêmicos.

Encontrar formas para engajar aquelas estudantes que ao longo de sua experiência escolar foram desencorajadas a falar pode ser favorecer a expressão de seu conhecimento nesse espaço. Então precisamos valorizar esse conhecimento, enfrentando na sala de aula as práticas de dominação tão arraigadas na sociedade e talvez também em nossos corações. Nos termos de Munduruku (2008), trata-se de colocar o coração de volta no lugar. E é uma transformação assim profunda que precisamos encontrar a coragem de fazer, confrontando à vez a epidermização da subalternidade e do privilégio, num encontro afetivo que nos permita “nos livrar de nossas barreiras rumo a um corajoso engajamento com a realidade” (Gordon, 2008: 16).

Qual era nosso público discente antes das cotas e que público atendemos agora, depois da instituição das cotas na graduação? Como essa mudança altera nossa rotina e nossa prática? As cotas de acesso à universidade promoveram uma verdadeira revolução, não apenas na diversidade de público que ingressa a cada semestre nos cursos acadêmicos, mas também na tensão provocada sobre a pesquisa e a extensão, com outras perspectivas e novas exigências. Mas ainda há discriminação e muitas histórias de dor tem como palco os corredores e salas de aulas das nossas universidades. A “corrente oculta de tensão” afetando a aprendizagem, de que nos fala bell hooks (2017:14), segue operante; silenciante. Que julgamentos implícitos e explícitos a respeito dos conhecimentos e dos modos de expressão dessas alunas, marcadores de suas origens, servem-lhes de advertência “como corpos estranhos”? Estamos suficientemente atentas a isso? Temos o coração no lugar para sentir e perceber?

Não pode haver conforto enquanto situações de discriminação e opressão forem ainda notáveis nos espaços universitários e nas práticas que circundam esse campo. É preciso compreendê-las sobre o pano de fundo da colonialidade do ser, “processo pelo qual o esquecimento da ética, como um momento transcendental que funda a subjetividade, se transforma na produção de um mundo em que exceções a relacionamentos éticos se tornam a norma” (Maldonado-Torres, 2007: 259). Nos deixamos tensionar o suficiente? Como descer de nosso lugar de privilégio? Como reexistir estando nesse lugar, se já sabemos que não é possível abrir mão do privilégio da branquitude na sociedade racista?

Paulo Freire (2017: 19) nos provoca, sobre a autonomia, afirmando que “não podemos nos assumir como sujeitos da procura, da decisão, da ruptura, da opção, como sujeitos históricos, transformadores, a não ser assumindo-nos como sujeitos éticos”. A ética aponta nossas relações conosco e com os outros. bell hooks (2017) nos fala de nossa responsabilidade “à medida que a sala de aula se torna mais diversa”: temos de “enfrentar o modo como a política de dominação se reproduz no contexto educacional” (p. 56). Ela nos conta que muitas alunas sentem-se deslocadas, “penetras” no espaço acadêmico, e têm “medo de que os colegas as julguem”. Por isso, deixam de afirmar sua subjetividade para não serem agredidas. Examinando intimamente a nossa memória, devemos nos perguntar se temos suficiente atenção a esses conflitos que são muitas vezes silenciosos. Que estratégias podemos desenvolver para ouvir esse silêncio?

Não tenho respostas, termino com perguntas

Neste breve texto argumentei que uma compreensão crítica e reflexiva desse espaço paradoxal é necessária para encontrar oportunidades de subverter os sistemas de poder e conhecimento por meio da ética. O centro de minha reflexão foi: como o pensamento social sobre relações entre classe-raça-conhecimento pode estar limitando nossa capacidade de ação?

Já muito dissemos a respeito de como a distribuição do espaço discursivo, das possibilidades de dizer-se descreve o poder simbólico em relações hierárquicas. Com van Dijk (2008), assumimos que o poder sobre o discurso, sobre a circulação da palavra e sobre a dispersão de compreensões e pensamentos pode ser uma forma de abuso de poder. O mesmo autor sustenta que esse poder não “deve ser definido como o poder de uma pessoa, mas antes como o poder de uma posição social, sendo organizado como parte constituinte do poder de uma organização” (p. 21). Por exemplo, o poder da posição de professora em uma instituição universitária. O que temos feito desse poder e como podemos nos superar?

Material suplementario
Referências Bibliográficas
bell hooks (2017). Ensinando a transgredir. São Paulo: Martins Fontes.
Bernardino-Costa, J. & R. Grosfoguel (2016). “Decolonialidade e perspectiva negra”. Sociedade e Estado, 31 (1), pp. 15-24.
Carneiro, Sueli (2011). Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro.
Dijk, T. van (2008). Discurso e poder. São Paulo: Contexto.
Fanon, F. (2008). Pele negra máscaras brancas. Salvador: UFBA.
Freire, P. (2017). Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra.
Gonzalez, Lélia (2020). Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro: Zahar.
Gordon, L. (2008). “Prefácio”. In: Fanon, F. Pele negra máscaras brancas. Salvador: UFBA.
Kilomba, Grada (2019). Memórias da plantação. Rio de Janeiro: Cobogó.
Maldonado-Torres, N. (2007). “On the coloniality of being: contributions to the development of a concept”. Cultural Studies, 21, pp. 240-70.
Munduruku, D. (2008). Outras tantas histórias indígenas de origem das coisas e do universo . São Paulo: Global.
Nascimento, W. (2017). “Epistemologias do Sul e o estudo da pobreza”. In: Resende, V. M. & R. B. Silva, Diálogos sobre resistência: organização coletiva e produção do conhecimento engajado . Campinas: Pontes, pp. 11-28.
Ribeiro, Djamila (2018). Conferência “Diversidade cultural e de gênero no Brasil: a construção de uma sociedade democrática e fraterna e o respeito às diferenças”, no âmbito dos Diálogos Contemporâneos, 18 de abril.
Quijano, A. (2000). “Colonialidad del poder y clasificación social”. Journal of World-Systems Research, 6 (2), 2000, pp. 342-86.
Schwarcz, L. & H. Starling (2015). Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras.
Notas
Notas
1 Incluídas as auto declaradas pretas e pardas, são 60% da população. Schwarcz e Starling (2015: 71) assinalam que “a cor parda ainda hoje consta no censo brasileiro, e mais parece um ‘nenhuma das anteriores’, um grande etcetera ou um coringa da classificação. Ou seja, os que não são brancos, amarelos (cor que no Brasil designa povos vindos do Oriente), vermelhos (os indígenas) ou pretos, só podem ser pardos”.
Notas de autor
* Versão revista da intervenção da autora no Painel de Abertura (“¿Por qué y para qué hacer estudios de las ideas y del pensamiento latinoamericano?”) de las X Jornadas de Estudios de las Ideas “Prof. Javier Pinedo”, Santiago do Chile, 2020.
* Brasileira. Professora Associada da Universidade de Brasília, Departamento de Linguística. Diretora do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares. Coordenadora do Núcleo de Estudos de Linguagem e Sociedade. Vice-presidenta da Associação Latino-Americana de Estudos do Discurso. Editora das revistas Discurso & Sociedad e RALED
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