Servicios
Descargas
Buscar
Idiomas
P. Completa
O CAMINHO NADA SUAVE DO LETRAMENTO UMA ANÁLISE DE LIVROS DIDÁTICOS
Sarah Bahr Pessôa
Sarah Bahr Pessôa
O CAMINHO NADA SUAVE DO LETRAMENTO UMA ANÁLISE DE LIVROS DIDÁTICOS
The Rough Path of Literacy an Analysis of Textbooks
Revista Tópicos Educacionais, vol. 25, núm. 2, pp. 109-128, 2019
Centro de Educação - CE - Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

RESUMO: Este artigo objetiva apresentar os resultados da análise de três livros didáticos de Língua Portuguesa do 2° ano do Ensino Fundamental, investigando como e se ocorrem as atividades que envolvam o uso social da escrita. Com o advento do termo Letramento, os livros didáticos das séries iniciais, que antes detinham-se apenas nas questões relacionadas à alfabetização, passam a ter a preocupação de que o educando faça o uso social da escrita. A aprendizagem da língua materna é facilitada quando se consideram os diversos gêneros textuais que circulam em sociedade. Assim, o Guia do Livro Didático (Brasil, 2016) considera que os livros didáticos devem fazer uso dos gêneros discursivos, de forma que representem a heterogeneidade do mundo da escrita. De cunho bibliográfico, o estudo consistiu em uma análise de três livros didáticos. Percebeu-se que os livros possuem atividades de Letramento e diversidade de gêneros textuais, porém, há momentos em que os gêneros não são devidamente explorados.

Palavras-chave: Gêneros textuais, Livro didático, Ensino Fundamental, Letramento..

ABSTRACT: This article intends to demonstrate the results of the analysis of three Portuguese Language textbooks of the 2nd grade, investigating how and if occur activities involving the social use of writing. With the coming of the term Literacy, the textbooks of the first grades of “Fundamental School” begin to worry that the pupils understand the social use of writing. The learning of the native language becomes easier when using textual types that surround the society. Therefore, the “Textbook Guide” (Brasil, 2016) affirms that the textbooks must use the textual types, representing the heterogeneity of the writing world. The research was bibliographic and included the analysis of three textbooks. It was possible to notice that the textbooks hold activities of Literacy and a diversity of textual types, however there are moments when these types are not properly explored.

Keywords: Textual types, Textbook, Fundamental School, Literacy.

Carátula del artículo

ARTIGOS

O CAMINHO NADA SUAVE DO LETRAMENTO UMA ANÁLISE DE LIVROS DIDÁTICOS

The Rough Path of Literacy an Analysis of Textbooks

Sarah Bahr Pessôa
Universidade da Região de Joinville, Brasil
Revista Tópicos Educacionais, vol. 25, núm. 2, pp. 109-128, 2019
Centro de Educação - CE - Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
1 INTRODUÇÃO

Os livros didáticos (doravante LD) são o centro de muitas discussões na área da Educação, sendo que sua qualidade é uma preocupação do Ministério da Educação, que, inclusive, instituiu o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) em 1985, como uma forma de selecionar materiais de qualidade para subsidiar os trabalhos na sala de aula.

Nas últimas décadas, as discussões em torno da ação de aprender a ler e a escrever foram intensificadas, por meio do advento do conceito de Letramento. Dessa forma, os LDs das séries iniciais, que antes se preocupavam somente com a alfabetização, passam a ter o objetivo de que o educando compreenda e faça o uso social da escrita, por meio do Letramento. Uma vez que o LD utilizado terá um papel fundamental, muitas vezes orientando a prática em sala de aula do professor alfabetizador, é de grande relevância investigar se estão presentes, e de que forma ocorrem, as propostas para o envolvimento do aluno em práticas de letramento.

A pesquisa “O caminho nada suave do Letramento: Uma análise de livros didáticos” 1 foi de cunho bibliográfico e teve como principal objetivo investigar se ocorrem, e como ocorrem as atividades presentes nos LDs que envolvam o uso social da escrita, ou seja, que busquem o letramento dos educandos. Assim, a pesquisa envolveu a análise de LDs de Língua Portuguesa do 2° ano do Ensino Fundamental, buscando verificar a presença dos diferentes gêneros discursivos e descrever algumas das atividades propostas, buscando analisar a presença do caráter social da escrita nos livros didáticos.

Diante dessa problemática, faz-se necessário conceituar gêneros textuais e compreender a relação entre os usos sociais da escrita e o livro didático. Da mesma maneira é preciso apresentar a relação entre alfabetização e letramento e as perspectivas do trabalho com os LDs.

Diversos autores conceituam gênero textual, entre eles podemos citar os estudos de Bakhtin e Marcuschi que serviram para embasar a análise dos livros didáticos. Pode- se citar também os estudos de Soares acerca da relação interdependente entre alfabetização e letramento.

O artigo apresenta uma sessão com o referencial teórico que embasou a realização da pesquisa, bem como os resultados obtidos na análise dos livros didáticos, sendo concluído pelas considerações finais.

REFERENCIAL TEÓRICO

Nas últimas décadas, as discussões em torno da ação de aprender a ler e a escrever foram intensificadas por meio do advento do conceito de Letramento. Dessa forma, os LDs das séries iniciais, que antes se preocupavam somente com a alfabetização, passam a ter o objetivo de que o educando compreenda e faça o uso social da escrita, por meio do Letramento.

Pode-se afirmar então que uma das grandes preocupações no ensino da Língua Materna atualmente refere-se às possibilidades de desenvolver a leitura e escrita dos educandos considerando os usos sociais da escrita, ou seja o Letramento.

As práticas sociais da escrita são viabilizadas através dos gêneros textuais, que se configuram como norteadores no ensino da língua. Alfabetizar na perspectiva dos gêneros é fundamental para efetivar as práticas de Letramento, uma vez que todo texto ao qual temos acesso pertence a um determinado gênero.

O trabalho desenvolvido nas séries iniciais é a base de diversos processos cognitivos e de conhecimentos do aluno. Diante disso, o uso dos gêneros textuais é essencial para que o educando se insira nas práticas de leitura e escrita e seja estimulado a significar a linguagem considerando seu uso social. Segundo Soares (2004 p.97).

[...] alfabetização e letramento são interdependentes e indissociáveis: a alfabetização só tem sentido quando desenvolvida no contexto de práticas sociais de leitura e de escrita e por meio dessas práticas, ou seja, em um contexto de letramento e por meio de atividades de letramento; este, por sua vez, só pode desenvolver-se na dependência da e por meio da aprendizagem do sistema de escrita.

Antes mesmo de iniciar o processo de alfabetização, a criança já conhece e interage com diversos enunciados (sejam eles orais ou escritos) que circulam em sociedade, ou seja, ela já conhece diversos gêneros textuais e seus usos práticos. Dessa forma, a aprendizagem da língua materna é facilitada quando se consideram esses conhecimentos.

É de consenso da maior parte dos educadores que nos dias atuais não há como ensinar a ler e a escrever sem levar em conta a infinidade de gêneros textuais existentes.

Segundo Marcuschi (2008), não existe comunicação na vida cotidiana que não seja feita através de algum gênero textual. Entretanto, o autor considera que definir os gêneros não é uma tarefa fácil, pois dependendo do contexto e do sentido o gênero pode ser uma categoria cultural, um esquema cognitivo, uma forma de ação social, uma estrutura textual, uma forma de organização social e/ou uma ação retórica.

Bakhtin (1992, p. 301), em relação aos gêneros textuais coloca que:

[...] para falar, utilizamo-nos sempre dos gêneros do discurso, em outras palavras, todos os nossos enunciados dispõem de uma forma padrão e relativamente estável de estruturação de um todo. Possuímos um rico repertório dos gêneros do discurso orais (e escritos).

Para Bakhtin (1992, p. 262), o gênero se define como “tipos relativamente estáveis de enunciados”, elaborados pelas diferentes esferas de utilização da língua e a própria linguagem é mediadora da vida social:

Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua. Não é de se surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana (...) A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. (BAKTHIN, 1992 p.279)

Dias (2012) pondera que os gêneros textuais são entidades de natureza sociocultural que materializam a língua em situações comunicativas diversas. É um campo de estudo que tem recebido uma grande atenção nos últimos anos, devido ao reconhecimento de sua relevância para o ensino da língua portuguesa e funcionalidade.

Segundo Neves (2011), o conceito de gênero textual tem sido muito discutido no Brasil, servindo inclusive de base para diversos referenciais teóricos educacionais.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais trazem a importância dos gêneros textuais no ensino quando apontam que o trabalho com a leitura e a produção de textos seja

realizado com diferentes tipos de texto circundantes na sociedade, de forma que o educando seja capaz de reconhecer a linguagem dentro do contexto das atividades sociais:

No processo de ensino e aprendizagem dos diferentes ciclos do ensino fundamental espera-se que o aluno amplie o domínio ativo do discurso nas diversas situações comunicativas, sobretudo nas instâncias públicas de uso da linguagem, de modo a possibilitar sua inserção efetiva no mundo da escrita, ampliando suas possibilidades de participação social no exercício da cidadania. (PCN-EF, 1998, p. 32)

Entretanto, alguns professores não utilizam bem os gêneros textuais, pois desconhecem o conceito, além disso possuem a concepção de que os alunos precisam primeiro aprender a notação alfabética de forma repetitiva para posteriormente se tornarem letrados. É de suma importância que o docente compreenda os gêneros como ferramentas fundamentais no processo de ensino aprendizagem, permitindo reflexões construtivas diante do contexto em que se encontram inseridas. Toda a prática educativa deve estar voltada para este objetivo, logo os livros didáticos devem propiciar a reflexão e a compreensão quanto aos gêneros textuais.

Santos, Albuquerque e Mendonça (2007) afirmam que a introdução do conceito de Letramento (a partir dos anos 90) provocou críticas ao ensino da Língua Portuguesa como um todo. Um dos aspectos mais criticados foi o uso do livro didático. Muitos estudos apontavam que o livro didático estava vinculado a um sistema tradicional e excludente (voltado às classes mais favorecidas). A maior parte dos materiais, como as famosas cartilhas, preocupavam-se somente com a decodificação dos signos linguísticos, desconsiderando o caráter social da escrita. Logo, este seria um instrumento ineficiente, que deveria ser extinto. No entanto, as autoras consideram que há aspectos positivos do uso dos livros didáticos.

Segundo Batista, Rojo e Zuniga (2008), na realidade brasileira, onde há uma modesta distribuição do livro, o manual didático se torna um dos raros gêneros impressos a que expressivas parcelas da população brasileira têm acesso. Além disso, o LD é um dos poucos materiais didáticos que está presente no cotidiano da sala de aula, constituindo importante papel, pois é por meio dele que a escola seleciona e organiza o trabalho pedagógico. Isto posto, Santos, Albuquerque e Mendonça (2007) afirmam que o caminho não seria extinguir os livros didáticos, mas modificá-los e aprimorá-los, para que estes contribuam para a formação de usuários competentes da língua. Com o objetivo de trazer avanços nos materiais didáticos como um todo, o MEC criou o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

Segundo o site oficial do Ministério da Educação (web), o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) visa subsidiar o trabalho pedagógico dos professores, selecionando e distribuindo coleções de LDs aos alunos da educação básica. Os livros, inscritos pelos detentores de direitos autorais passam por avaliações pedagógicas, realizadas com especialistas de diversas áreas do conhecimento, em parceria com universidades públicas. As obras aprovadas integram o Guia do Livro Didático, que orientará o corpo discente e diretivo da escola no processo de escolha do material utilizado. Para os três anos iniciais do Ensino Fundamental, o MEC disponibiliza o Guia do

Livro Didático para a Alfabetização e Letramento. Segundo o Guia do Livro Didático (2016), os objetivos específicos do ensino de Língua Portuguesa envolvem quatro eixos básicos de ensino-aprendizagem: 1.Leitura; 2.Produção de textos; 3.Oralidade; 4.Análise e reflexão sobre a língua, com a construção correlata de conhecimentos linguísticos.

Santos, Albuquerque e Mendonça (2007) afirmam que o PNLD provocou modificações na produção dos LDs para a Alfabetização e o Letramento. Em diversas coleções é possível observar mudanças reais, que consideram uma orientação para o ensino da língua com base no Letramento. No entanto, há materiais que possuem apenas uma “nova roupagem”, enquanto propõem as tradicionais concepções de ensino- aprendizagem.

De acordo com Brasil (2016), no Guia do Livro Didático - Alfabetização e Letramento, considera que, em um livro didático, as atividades de leitura e compreensão, produção escrita e oral, devem estar em “situações contextualizadas de uso” (BRASIL, p.

14) e que as atividades relacionadas à construção de conhecimentos linguísticos e à descrição gramatical devem ser exercidas com base em “textos produzidos em condições sociais efetivas de uso da língua, e não em situações didáticas artificialmente criadas” (BRASIL, p. 14). Dessa forma, é possível perceber que o Guia considera o conceito de Letramento, pois dá ênfase para as práticas sociais. O Guia também destaca a importância do trabalho com os gêneros discursivos, visando o Letramento. Ele afirma que os gêneros discursivos presentes na coleção devem representar a heterogeneidade do mundo da escrita, demonstrando as variedades da Língua Portuguesa. O Guia também considera imprescindível a presença de textos que podem ser encontrados em esferas sociais mais significativas de uso da linguagem.

No eixo “Leitura”, o Guia afirma que os materiais selecionados devem permitir a exploração do texto e desenvolver habilidades para o uso dos gêneros propostos. Santos, Albuquerque e Mendonça (2007) afirmam que, de fato, a diversidade de gêneros por si só não é o suficiente, pois os educandos precisam de finalidades claras de leitura, de forma que possam perceber porquê e para que estão lendo. As autoras ainda afirmam que é comum encontrar livros (aprovados pelo PNLD) em que os gêneros são apenas trabalhados uma vez ou somente apresentados, sem que suas características sejam exploradas. Muitas vezes, os materiais não levam ao uso de diferentes estratégias de leitura para os gêneros, desconsiderando suas especificidades.

Em “Produção de textos escritos”, o Guia destaca que os LDs devem propor produções que explorem gêneros diversos e pertinentes para a formação dos alunos e que discutam as características textuais, linguísticas e discursivas dos gêneros, com orientações quanto às indicações temáticas. Santos, Albuquerque e Mendonça (2007) afirmam que o LD também deve considerar as etapas de produção. As autoras apresentam a tríade planejamento-produção-revisão e destacam a importância da última, que deveria ser estimulada desde os primeiros anos de escolarização, permitindo o desenvolvimento da autonomia dos educandos.

Os gêneros textuais são a efetivação da linguagem e da escrita em sociedade. Logo, trabalhar a alfabetização na perspectiva dos gêneros é uma possibilidade para que o educando perceba que leitura e escrita não são “coisa de escola”, mas sim práticas reais com objetivo e significado cada vez mais abrangentes em uma sociedade profundamente grafocêntrica. É imprescindível que os LDs sejam elaborados considerando essa realidade, pois possuem um papel determinante no dia a dia da sala de aula. Logo, apenas a aprovação pelo Programa Nacional do Livro Didático não é suficiente: é necessário um processo constante de reavaliação e aprimoramento. Assim, os LDs devem ser analisados de forma a garantir a sua qualidade.

3 MÉTODO

Foram analisados três livros didáticos do segundo ano do Ensino Fundamental.

Os procedimentos metodológicos da pesquisa abrangeram as seguintes etapas:

1. Escolha de 3 LDs do segundo ano do ensino fundamental, recomendados pelo MEC. 2.Uso de um roteiro previamente construído para observação dos três LDs na geração dos dados.

3.Observação das atividades propostas, verificando se em seu conteúdo envolvem o uso social da escrita.

Para organizar o levantamento dos dados os três livros foram nomeados como livro 1, livro 2 e livro 3 ao longo de toda a sessão “Resultados e Discussão”.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

O objetivo dessa seção é analisar a proposta de três LDs do Segundo Ano do Ensino Fundamental para verificar se tal material contempla as questões do Letramento. Para a execução da análise formulou-se um roteiro de observação visando responder à questão de investigação. Outros objetivos da análise do LD envolveram verificar a presença dos diferentes gêneros discursivos nos livros didáticos, descrever algumas atividades de Letramento abordadas em tais livros e analisar a presença do caráter social da escrita nas atividades neles propostas.

Os três livros elencados correspondem à edição destinada ao professor (Manual do Professor). O livro 01 está estruturado em oito unidades temáticas, cada uma dividida nas seguintes seções: Troca de ideias, Hora da leitura, Vamos estudar o Texto, Produção, Histórias para ouvir e contar e por fim, Sugestões de leitura.

O Livro 02 consta dividido por 8 unidades, cada uma possui dois capítulos estruturados da seguinte forma: Leitura do gênero textual, Palavra puxa Palavra, Sopa de letrinhas, Gente que faz!, Conversa vai, conversa vem…, Na ponta da língua, Rede de ideias. Algumas unidades ainda contam com as seções Afinando os ouvidos, Raios x da escrita, Qual é a pegada?, Uso do dicionário, Balões e sons, Como tudo começou e Comentando a história.

O Livro 03 estruturalmente está dividido em nove unidades temáticas, com as seguintes seções: Leitura 01 e 02, Estudo do Texto, Um pouco mais sobre…, Além do Texto, Estudo da Língua, Reflexão sobre a escrita, Produção e Para concluir. Alguns capítulos também contém as seções secundárias: Comparando Textos, Hora da História, Roda de Leitura, Oficina, Que tal…?, Qual a sua opinião e As palavras no Dicionário.

Percebe-se que todos os LDs analisados apresentam um eixo relacionado à leitura em suas unidades, evidenciando uma preocupação em proporcionar o desenvolvimento da leitura no educando. Observam-se também unidades propondo a reflexão e apropriação dessas leituras na forma de seções relacionadas à produção de textos.

Segundo Marcuschi (2008) não existe comunicação na vida cotidiana que não parta dos gêneros textuais. Dessa forma, torna-se muito importante que o aluno seja alfabetizado partindo da perspectiva do Letramento, por meio dos diversos gêneros que são encontrados na sociedade. Esta é uma preocupação encontrada nos três livros analisados.

O livro 1 inicia cada unidade com a “Hora da Leitura”. A partir dos textos lidos, os conhecimentos da língua em si são trabalhados, buscando demonstrar o conteúdo em seu contexto. No exemplo abaixo, após a leitura do poema “Casa de avó”, os alunos realizam uma atividade quanto às letras e sílabas encontradas ao longo do texto.


Figura 01
Livro 1, p. 71

Figura 01 No livro 02, em todas as unidades são propostos textos e atividades de alfabetização referentes ao gênero a ser trabalhado. Ao iniciar cada unidade os alunos respondem algumas questões e após conhecer cada item que compõe o gênero, os próprios alunos realizam a sua produção. Exemplo na unidade 2: são apresentados textos instrucionais e posteriormente propostas questões. Por fim, é solicitado que os alunos realizem os próprios textos instrucionais.


Figura 02
livro 02, p. 18

Figura 2

No Livro 03, algumas atividades que visam a alfabetização são construídas com base nos textos lidos. A partir de cada leitura são propostas atividades de alfabetização, interpretação e produção. O livro traz uma atividade sobre consoantes baseada no gênero Legenda. Primeiramente são expostas as características (o que é uma legenda, sua função) e por fim propõe a produção de uma legenda para uma imagem. O livro traz também uma proposta para que os alunos montem um álbum de fotos com seus registros de infância e produzam legendas explicando os momentos registrados nas fotos.


Figura 03
Livro 03 - Atividade sobre consoantes baseada no gênero legenda.

Figura 03


Figura 04
Livro 03 -Proposta da construção do álbum de fotos.

Figura 04

Pode-se observar então, que o uso social e estrutura composicional do gênero Legenda foram trabalhados aliados a alfabetização nesta atividade do LD 03.

No trabalho com os gêneros duas dimensões se articulam. A primeira se refere aos aspectos socioculturais relacionados à sua condição de funcionamento na sociedade e a segunda se relaciona aos aspectos linguísticos que se voltam para a compreensão do que o texto informa ou comunica. Tais aspectos podem ser observados na maior parte das atividades nos livros didáticos analisados, baseadas nos gêneros discursivos citados a seguir.

Os gêneros discursivos abordados no Livro 01 compreendem: Poemas, listas, definição de dicionário, pergunta para revista, carta, trava-língua, tirinha, canção, textos informativos, álbum, cronograma, convite, história em quadrinhos, livro de estórias, anúncio, calendário, entrevista, livro informativo, paródia, cédula de votação, dramatização e receitas. O gênero predominante neste livro é o Poema.

No Livro 02 encontram-se os gêneros poema, texto instrucional, cartaz, lenda, ficha técnica, fábula, história em quadrinhos e conto maravilhoso. Os gêneros são divididos por unidades, desta forma são trabalhados igualmente ao decorrer do livro didático não havendo a presença de um gênero predominante.

No Livro 03 aparecem os gêneros notícia, legenda, conto, convite, parlenda, texto instrucional, anúncio e artigo de divulgação científica. Os gêneros predominantes são conto e legenda.

É possível observar que os três livros apresentam diversidade nas escolhas dos gêneros abordados, em especial o livro 01. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1998) destacam que essa multiplicidade de gêneros é fundamental, de forma que, ao se deparar com diferentes tipos de texto circundantes na sociedade, o educando seja capaz de perceber a importância da linguagem para a sua participação na sociedade.

No entanto, a qualidade de um LD não se resume somente à diversidade e quantidade de gêneros encontrados, mas à qualidade do trabalho realizado a partir desses gêneros: Segundo Santos, Albuquerque e Mendonça (2007), é comum encontrar livros que, apesar de terem sido aprovados pelo PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), não realizam a exploração dos gêneros. Nos livros 01 e 03 são encontrados momentos em que os gêneros são apenas citados ou trabalhados somente uma vez. No livro 03, por exemplo, há a presença de dois gêneros que não são bem explorados: o bilhete e a tirinha. O gênero tirinha aparece várias vezes ao longo do LD sem que se trabalhe sua estrutura

composicional, suporte ou produção. O gênero bilhete aparece apenas com o intuito de se trabalhar hifenização e separação de sílabas.

Santos, Albuquerque e Mendonça (2007) destacam que para que um gênero seja compreendido em profundidade, o livro deve levar em conta as especificidades que definem cada forma de texto. Logo, os três livros foram analisados também partindo desta perspectiva. O livro 01, ao introduzir um gênero, busca demonstrar suas particularidades. Por exemplo, após a leitura de um poema, o livro propõe a observação de estrofes e rimas. Antes da leitura de um texto informativo, o livro sugere que o professor leve os alunos a observar o uso de subtítulos e imagens para organizar as informações. O livro 03, na seção “Um pouco mais sobre”, aborda as características do gênero geralmente em forma de perguntas, levando o educando a refletir sobre as características composicionais e linguísticas dos gêneros textuais apresentados no LD.


Figura 05
Demonstram as especificidades do gênero poema

Figura 05

Na sessão “Estudo do texto”, após a leitura de um poema, o livro contém a seguinte questão:

“2. O que dá sonoridade ao poema que você leu?

A semelhança do som final de algumas palavras

A repetição das expressões “não me olhe” e “que eu não sou”

O fato do poema ser dividido em estrofes.”

Ou seja, o livro 3 busca direcionar a prática da sala de aula para as especificidades do gênero.

Assim, também é fundamental que os alunos percebam em que contexto cada gênero é utilizado, ou seja, compreendam o uso social de cada um. No livro 1, há

momentos em que as atividades trazem reflexões quanto à utilidade do texto. Na unidade 6, após a leitura de um anúncio de almanaques da turma da Mônica, a sessão “Vamos estudar o texto” traz uma questão quanto a finalidade da produção do texto. A resposta sugerida pelo manual do professor seria: “Para anunciar o lançamento de um tipo de publicação”.

No entanto, no livro 01, são poucas as vezes em que esta abordagem é feita antes da leitura do texto, de modo que os alunos leiam já com uma intencionalidade definida.

A proposta de atividades do Livro 02 com os gêneros encontra-se na maioria das vezes relacionada ao contexto dos alunos. Quando este contexto é mais complexo o livro disponibiliza alternativas para um melhor entendimento, enfatizando o uso social dos textos instrucionais e das fichas técnicas.

O uso social dos Gêneros textuais pode ser observado no Livro 03 na abordagem dos gêneros texto instrucional, legenda, convite e anúncio, em que são expostas as funções sociais desses gêneros e sugestões para sua produção. O gênero texto instrucional, por exemplo, tem seu uso social evidenciado em três momentos: na apresentação das regras do Jogo dos Pontinhos que deve ser jogado pelos alunos, nas instruções da confecção do brinquedo Vai e Vem (a ser também construído pelos alunos) e na proposta de produção das regras do Jogo da Velha.

Tais propostas são extremamente significativas, pois mostram aos alunos uma finalidade real para a escrita. Segundo Bazerman (2006, p. 33)

Uma vez que os alunos se sintam parte da vida de um gênero, qualquer que atraia sua atenção, o trabalho duro e detalhista de escrever se torna irresistivelmente real, pois o trabalho traz uma recompensa real quando engajado em atividades que os alunos consideram importantes.

Há então, na maioria das propostas, possibilidade de vivência e utilização prática dos gêneros.


Figura 06
Livro 03- Produção das regras do Jogo da Velha

Figura 6

Para que os alunos compreendam o uso social dos gêneros, é importante que o livro traga, por exemplo o veículo de circulação em que esses gêneros podem ser encontrados. Essa abordagem foi encontrada nos três livros. Na maior parte dos textos utilizados pelo livro 01, as atividades contêm questões quanto ao veículo de circulação do texto, bem como orientações ao professor antes de propor a leitura aos alunos. Na unidade 3, as sessões “Hora da leitura” e “Vamos estudar o texto” levam à essa reflexão: após a leitura de um texto informativo, os alunos são levados a refletir quanto ao seu suporte de origem: a revista.

O veículo de circulação do gênero é abordado em alguns capítulos do livro 02. Antes mesmo da leitura do texto, o livro orienta o professor a questionar o aluno quanto à percepção das imagens que acompanham o texto, para analisar se por meio das imagens os alunos já conseguem identificar qual gênero está sendo trabalhado e onde pode ser encontrado. Posteriormente possui atividades para verificar se o aluno compreendeu.

No Livro 03, o veículo de circulação do gênero é destacado nos gêneros poema, legenda, convite, artigo de divulgação científica e anúncio. No gênero poema a forma de circulação é exposta como pergunta e no artigo de divulgação científica são colocados vários exemplos para a consulta dos alunos, trazendo imagens de livros que contém esse gênero: O livro “ABC do ZÔo”, “Vida no Mar, “A vida secreta dos animais à Beira-Mar” e a revista National Geographic.

Em outra unidade, após propor a leitura de um poema, o livro 03 traz a seguinte questão: “Onde você acha que o poema poderia ser publicado?” e traz como alternativas a imagem de três suportes: Um jornal, um dicionário e o livro “Poesia fora da estande”.

A observação das particularidades de cada gênero também deve ser levada em conta nas propostas de produções textuais. Em “Produção de textos escritos”, o Guia do Livro Didático (Brasil, 2016) destaca que os LD devem propor produções que exploram gêneros diversos e pertinentes para a formação dos alunos e que discutam as características textuais, linguísticas e discursivas dos gêneros, com orientações quanto às indicações temáticas. Santos, Albuquerque e Mendonça (2007) afirmam que o LD também deve considerar as etapas de produção. As autoras apresentam a tríade planejamento-produção-revisão e destacam a importância da última, que deveria ser estimulada desde os primeiros anos de escolarização, permitindo o desenvolvimento da autonomia dos educandos.

Os três livros, na maior parte das unidades, procuram aprofundar-se em um gênero para então propor uma produção. Em especial, a tríade proposta por Santos, Albuquerque e Mendonça (2007) pode ser bem observada no livro 01, em que a sessão “Produção” está dividida em etapas:

Proposta escrita: Texto modelo

Preparação e escrita: Traz as etapas para a produção

Revisão: Busca levar os alunos a refletirem quanto às suas produções, de modo a garantir a qualidade destas.

Publicação: Inclui uma proposta para a socialização das produções.

O livro traz interessantes estratégias de produção de texto. Por exemplo, na unidade 4, após a leitura de um poema, o livro propõe adaptá-lo para uma história em quadrinhos. Em “Preparação e Escrita” as etapas são apresentadas de forma criativa e clara, considerando as especificidades do gênero:


Figura 07
Livro 1, p. 123

Figura 7

O livro destaca a importância do uso de balões e a intencionalidade de cada um deles:


Figura 08
Livro 1, p. 123

Figura 8

Ainda no livro 1, em “Revisão”, os alunos são levados a refletir se de fato produziram uma história com um título interessante, balões adequados a cada situação, personagens bem caracterizados, entre outros. Em “Publicação”, as autoras sugerem a exposição dos trabalhos nos corredores da escola, de forma que “as outras turmas também poderão se divertir com as histórias que vocês criaram” (p. 124). Logo, a finalidade do gênero história em quadrinhos é novamente trazida à tona.

Para a produção de textos o livro 02 propõe que o professor faça a leitura para os alunos e posteriormente solicite a eles que discutam oralmente os acontecimentos imaginários e os elementos que são apresentados no gênero em questão. Logo após, as crianças realizam sua criação de acordo com o texto lido e a discussão realizada, o professor irá corrigir as produções, então o livro orienta que o professor entregue o texto com as devidas correções solicitando que os educandos refaçam o texto com as alterações necessárias.

O Livro 03, nas propostas de produção dos gêneros por parte dos alunos, não apresenta todas as características apontadas por Santos, Albuquerque e Mendonça (2007). As atividades enfatizam a produção (propõe até mais de uma vez a produção de um mesmo gênero) enfocando menos no planejamento e na revisão. A revisão aparece

algumas vezes sendo realizada pelo professor (segundo as orientações do L.D) ou por um colega de sala, quando o trabalho é feito em duplas. A análise do livro 03 mostra também um destaque para a apresentação do gênero após a produção, na forma de seminário, exposição oral e mostras na escola.

No entanto, o ensino de Língua Portuguesa na escola vai além da palavra escrita. De acordo com Guia do Livro Didático (Brasil, 2016) os objetivos específicos do ensino da Língua Portuguesa estão baseados em quatro eixos de ensino-aprendizagem: Leitura, Produção de Textos, Análise e Reflexão sobre a língua e a Oralidade. Logo, a análise buscou constatar se os livros levam em conta os aspectos orais dos gêneros abordados. Essa abordagem foi encontrada principalmente nos livros 1 e 3. No livro 1, vários dos gêneros abordados consideram a oralidade enquanto seu importante componente, como os trava-línguas, roteiros para dramatização e (a partir da produção de uma receita) a simulação de um programa de culinária. O Livro 03 alia oralidade e escrita, propondo a produção de um anúncio falado, uma apresentação oral de poemas (recital de poemas) na leitura e escuta de parlendas, ou seja, estão muito presentes, a prática, a escuta e a produção de textos orais. O livro 2 sugere a exploração da oralidade em momentos de discussões, partindo das questões propostas pelo livro, sem aliá-la com os gêneros discursivos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se na análise dos LDs que as atividades de Letramento estão presentes. No entanto, estas poderiam ser mais significativas, de forma a contribuir para a efetiva compreensão dos usos sociais da leitura e escrita pelos educandos.

A realização de tal pesquisa pode contribuir para a discussão acerca da interdependência entre a alfabetização e o letramento e para o uso dos LDs nas classes de alfabetização. É necessário que os LDs estejam sob análise crítica constante, uma vez que são algo tão presente no cotidiano da sala de aula.

De fato, há questões em aberto que poderiam ser discutidas em futuras pesquisas. Um aspecto que chamou a atenção na análise foi a percepção de que os três livros didáticos, apesar de terem sido publicados recentemente, apresentam poucas menções a gêneros característicos do meio digital, que, atualmente, é um dos principais mediadores da língua

escrita. Talvez seria interessante que tais materiais trouxessem mais leituras e sugestões de produção contextualizadas na era tecnológica em que os alunos vivem.

É interessante atentar também para a grande quantidade de questões objetivas encontradas nos três LDs. É possível que tal forma de resposta limite as reflexões dos alunos, enquanto questões abertas possibilitam um processo mais rico de construção do conhecimento, especialmente quanto aos gêneros discursivos. Assim, várias das atividades se mostraram excessivamente mecanizadas, restringindo o aluno a apenas assinalar uma ou outra característica composicional do gênero.

A partir da reflexão acerca do trabalho com o LD, sugere-se repensar a prática docente sob o ponto de vista desse material didático para trabalhar os usos sociais da escrita, ou seja, o Letramento. Faz-se necessário compreender que o livro didático é apenas uma ferramenta para o trabalho do professor, não devendo ser adotado como único sistema de informação disponível em sala de aula. Portanto, é responsabilidade do professor o uso correto de tal material, adequando-o à necessidade do aluno e ao contexto educacional em que professor e aluno se encontram.

Material suplementar
6 REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. (1992). Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BATISTA, Antônio Augusto Gomes Batista; ROJO, Roxane; ZÚNIGA, Nora Cabrena; Produzindo livros didáticos em tempos de mudança (1999-2000). In: VAL, Maria da Graça Costa; MARCUSCHI, Beth (Org.); Livros didáticos de língua portuguesa: Letramento, inclusão e cidadania. Belo Horizonte: Autêntica, 2008
BAZERMAN, Charles. Gêneros, Agência e Escrita. Judith C. Hoffnagel; Ângela P. Dionísio (orgs). São Paulo: Cortez, 2006.
BRASIL, Ministério da Educação. Guia de Livros Didáticos: Alfabetização e Letramento. Disponível em: < file:///C:/Users/User/Downloads/pnld_2016_alfabetizacao-e-letramento-e-lingua- portuguesa%20(3).pdf. >. Acesso em: 26 maio 2017
BRASIL, Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais - Ensino fundamental- Língua Portuguesa. Brasília: SEF/MEC, 1998.
BRASIL, Ministério da Educação. PNLD. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/pnld/apresentacao>. Acesso em: 26 maio 2017
DIAS, Laice Raquel. Gêneros Textuais Para A Produção De Textos Escritos No Livro Didático. Anais do SIELP. Uberlândia, UFU, v. 2, n. 1. 2012
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
NEVES, Lívia Fagundes. Tratamento dos Gêneros Textuais em um livro didático de alfabetização. Revista Gatilho. 2011. Disponível em: http://www.ufjf.br/revistagatilho/files/2011/11/Neves.pdf.> Acesso em: 27 maio 2017
SANTOS, Carmi Ferraz; ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia; MENDONÇA, Márcia. Alfabetização e Letramento nos livros didáticos. In: SANTOS, Carmi Ferraz; MENDONÇA, Márcia (Org.); Alfabetização e letramento: Conceitos e relações. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. p. 111-132
SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento: Caminhos e Descaminhos. São Paulo: Artmed, 2004
Notas
Autor notes

sarahbpessoa@gmail.com


Figura 01
Livro 1, p. 71

Figura 02
livro 02, p. 18

Figura 03
Livro 03 - Atividade sobre consoantes baseada no gênero legenda.

Figura 04
Livro 03 -Proposta da construção do álbum de fotos.

Figura 05
Demonstram as especificidades do gênero poema

Figura 06
Livro 03- Produção das regras do Jogo da Velha

Figura 07
Livro 1, p. 123

Figura 08
Livro 1, p. 123
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por Redalyc