Resumo: Neste estudo analisamos as contribuições dos intelectuais escolanovistas, Manoel Bergstron Lourenço Filho e Anísio Espínola Teixeira para a educação brasileira. Identificamos a atuação destes intelectuais na direção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos - INEP e na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - RBEP. Para isso nos propusemos a identificar e a catalogar os artigos publicados por ambos no periódico criado pelo INEP, compreendendo um recorte temporal entre o período de 1944, ano da criação da RBEP, até 1963, momento em que Anísio Teixeira deixa a direção do INEP. Situamos nosso estudo no campo dos impressos pedagógicos, da história intelectual e da formação de professores. Utilizamos conceitos dos autores Bloch (2002); Catani (1996); e Sirinelli (2003). Consideramos que o estudo da vida e obra destes intelectuais é significativo para a compreensão da contribuição de ambos para a educação brasileira. Tratando sobre importantes e variadas temáticas educacionais, os autores e reformadores educacionais marcaram suas propostas e ideias sobre a educação brasileira em 26 artigos cada um, registrados em nossa pesquisa.
Palavras-chave: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Intelectuais, Imprensa Pedagógica.
Abstract: In this study we analyzed the contributions of the New School intellectuals Manoel Bergstron Lourenço Filho and Anísio Espínola Teixeira to the Brazilian education. We identified the acting of those intellectuals in the direction of the National Institute of Pedagogic Studies - NIPS (INEP in original pt-br) - and in the Brazilian Journal of Pedagogical Studies - BJPS (RBEP in original pt-br). For that, we identified and cataloged published papers by both authors in the journal created by NIPS, comprising a time frame between the period of 1944, the year of BJPS creation, until 1963, the moment at which Anísio Teixeira leaves the direction of NIPS. We situate our study in the field of pedagogic prints, of intellectual history, and of teachers’ formation. We utilized concepts of the authors: Bloch (2002); Catani (1996); and Sirinelli (2003). We considered that the study of the life and work of those intellectuals is significative for the comprehension of both authors contribution to the Brazilian education. Dealing with important and varied educational thematic, the authors and educational reformers marked their propositions and ideas on the Brazilian education in 26 papers each, registered in our research.
Keywords: Brazilian Journal of Pedagogical Studies, Intellectuals, Pedagogic Press.
ARTIGO
CONTRIBUIÇÕES DE ANÍSIO TEIXEIRA E LOURENÇO FILHO PARA A EDUCAÇÃO BRASILEIRA: ARTIGOS PUBLICADOS NA RBEP (1944-1963)
CONTRIBUTIONS OF ANÍSIO TEIXEIRA AND LOURENÇO FILHO TO THE BRAZILIAN EDUCATION: PAPERS PUBLISHED IN BJPS (1944-1963)
Recepção: 25 Setembro 2021
Aprovação: 26 Outubro 2021
Este trabalho investiga as contribuições de Lourenço Filho e Anísio Teixeira para a educação brasileira, a partir da catalogação dos artigos publicados por eles na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - RBEP. Compreendemos os autores como intelectuais e reformadores brasileiros. Ambos contribuíram para a elaboração e promulgação de reformas educacionais, bem como são conhecidos, por serem signatários do movimento da Escola Nova no Brasil.
Os elementos em comum que delimitamos para nosso estudo, consistem na atuação de Lourenço Filho e Anísio Teixeira durante o período que ocuparam o cargo de Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos Anísio Teixeira (INEP)e como autores de artigos na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP). Dessa forma o instituto e a revista INEP são elementos conectivos das contribuições destes intelectuais no presente estudo. Estabelecemos, portanto, nosso recorte temporal de 1944, ano de criação da RBEP até 1963, ano em que se encerra a direção de Anísio Teixeira no INEP.
O Instituto, criado em 1938, teve como primeiro diretor, Lourenço Filho; sucedido por Murilo Braga e ocupando o cargo em seguida, Anísio Teixeira, como nos mostra a Figura 1
A estrutura do artigo compreende as considerações iniciais, contendo a apresentação organizacional do texto, bem como o seu aporte teórico-metodológico. Em seguida, apresentação organizacional do texto, bem como o seu aporte teórico-metodológico. Em seguida, apresentamos os aspectos biográficos dos intelectuais: Lourenço Filho e Anísio Teixeira. O próximo tópico, traz os títulos publicados pelos autores na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos ao longo do recorte temporal da pesquisa.
Nesse campo de estudos, temos como fundamento teórico o conceito de intelectual desenvolvido por Sirineli (2003, p.242) que compreende tal concepção em duas definições: “uma ampla e sociocultural, englobando os criadores e mediadores culturais, e a outra mais estreita, baseada na noção de engajamento [...] na vida da cidade como ator”. Nesse aspecto, a definição de intelectual para Sirineli (2003, p.246) compreende as seguintes características
(..) tiveram importância enquanto viveram, e até a camada, ainda mais escondida, dos “despertadores” que, sem serem obrigatoriamente conhecidos ou sem terem sempre adquirido uma reputação relacionada com seu papel real, representaram um fermento para as gerações intelectuais seguintes, exercendo uma influência cultural e mesmo às vezes política.
Indubitavelmente, as obras de Lourenço Filho e Anísio Teixeira são amplamente conhecidas e difundidas em diversos estudos, e o alcance de seus escritos vão além do território nacional. Reformadores e representantes de concepções pedagógicas, seus escritos e suas ações profissionais constituem fontes para a pesquisa em História da Educação.
Com esse direcionamento, identificamos que Lourenço Filho e Anísio Teixeira, são intelectuais com trajetórias que impactaram não apenas as suas gerações, mas estudos educacionais posteriores a partir do que eles produziram ao longo de seu percurso em prol da educação brasileira.
Tivemos como propósito reunir as contribuições que estes intelectuais divulgaram na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - REBP, sendo esta nossa principal fonte de pesquisa, onde selecionamos e reunimos os artigos publicados por ambos. Esse trabalho teve como base a compreensão dos estudos de Catani (1996, p.116)
O fato das revistas de ensino fazerem circular informações sobre o trabalho docente, a organização dos sistemas de ensino, as lutas da categoria profissional do magistério, bem como os debates e polêmicas que incidem sobre aspectos dos saberes ou das práticas pedagógicas, tornam as mesmas uma instância privilegiada para a investigação dos modos de funcionamento do campo educacional.
A partir da pesquisa com periódicos como a RBEP percebemos que os artigos publicados atingiam significativo público e debatiam temas que se discutiam na época sobre a educação no país. Ao longo do nosso texto, e analisando os títulos de artigos, podemos perceber pela importância das temáticas, a relevância desse periódico enquanto fonte de pesquisa e dos textos como registro histórico de reformas e processos educacionais na constituição da educação no Brasil.
Assim, em um primeiro momento, fizemos a apresentação dos intelectuais cujas obras são objeto deste estudo, destacando alguns pontos biográficos de Lourenço Filho e Anísio Teixeira. Desta forma, almejamos uma compreensão acerca da atuação profissional desenvolvida por estes.
Em seguida, ressaltamos as publicações de Lourenço Filho e Anísio Teixeira na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, no período de 1946 a 1963.
Nascido a 10 de março de 1897 em São Paulo, na vila de Porto Ferreira, filho primogênito da sueca Ida Cristina e do português Manoel Lourenço, Manoel Bergstrom Lourenço Filho realizou seus estudos primários tendo por professor um normalista em 1905. Cursou em 1910 o ginásio em Campinas, sendo ele admitido para o segundo ano do curso, uma vez identificado que ele já conhecia o programa do primeiro ano. Porém, o pai não lhe pôde custear os estudos e a pensão. Dessa forma, Manoel Lourenço Filho prosseguiu seus estudos em 1912, matriculando-se na Escola Normal de Pirassununga, viajando para estudar. A imagem 1, situada abaixo, representa os alunos do 3º ano da turma da Escola Normal de Pirassununga - SP. Lourenço Filho é o primeiro à direita, em pé.
Concluiu o terceiro ano do curso na Escola Normal em 1914 e em 1915, foi nomeado professor substituto efetivo, no primeiro grupo escolar de sua cidade natal, Porto Ferreira:
Foi nomeado substituto efetivo, isto é, comparecia diariamente à escola, mas ganhava somente quando regia classe de professor ausente. Nessa época, foram também nomeados para o Grupo Escolar dois jovens professores, Sud Menucci e Thales de Andrade, com os quais manteve grande e duradoura amizade. São dessa época seus escritos mais antigos de natureza social e pedagógica, e o início de atividade literária e jornalística, com a publicação de numerosos artigos no período de 1915 a 1921 na revista Vida Moderna e nos jornais O Commercio de São Paulo, Jornal do Commercio (edição de São Paulo), A Folha (Porto Ferreira), Jornal de Piracicaba, O Estado de S. Paulo e outros. (MONARCHA, 2001, p. 25/26).
Em 1916, Lourenço Filho, se mudou para a capital de São Paulo, visando matricular-se na Escola Normal da Praça da República para cursar o quarto ano, onde recebeu novo diploma de professor. Nessa época, considerava a possibilidade de cursar Medicina. Morando na capital, Lourenço Filho trabalhava na redação de O Commercio de São Paulo, para se manter.
Intencionando dedicar-se à Psiquiatria, Lourenço Filho matricula-se na Faculdade de Medicina de São Paulo, porém cursou até o segundo ano, quando interrompeu o curso. Em 1920, foi designado professor substituto de Pedagogia e Educação Cívica na Escola Normal Primária, anexa à Escola Normal Secundária de São Paulo. No ano seguinte, foi nomeado professor de Psicologia e Pedagogia da Escola Normal de Piracicaba e nesta instituição fundou a Revista de Educação, onde participou com o seu primeiro trabalho em psicologia prática Estudo da atenção escolar. Em 1922, publicou um texto intitulado Prática Pedagógica, que ganhou visibilidade com apoio de Sampaio Dória, chegando a ser incluído nos Anais da Conferência Interestadual de Ensino Primário, realizada no Rio de Janeiro. Neste mesmo ano,
Foi indicado Diretor da Instrução Pública do Ceará. Exerceu o magistério na Escola Normal em Fortaleza, onde realizou uma reforma geral no ensino, de significativa repercussão na época, registrada como uma das realizações pioneiras da Escola Nova. (GANDINI; RISCAL, 2002, p.746)
Com a repercussão da reforma no ensino no Ceará, aumentou a visibilidade de Lourenço Filho, que deu entrevista à Revista Nacional, sobre o ensino no Ceará. E em 1924, voltou para suas atividades na Escola Normal de Piracicaba onde se dedica ao desenvolvimento de pesquisas na área da psicologia. Lourenço Filho traduziu em 1926 a obra Psicologia Experimental, de Henri Pierón, e A Escola e a Psicologia Experimental, de Edouard Claparède. De acordo com Monarcha (2001, p. 31), “Em entendimentos com a Companhia Melhoramentos de São Paulo organiza a primeira coleção de textos de divulgação pedagógica criada no País, a Biblioteca de Educação, que dirigiu até sua morte”.
Participou em 1928 da II Conferência Nacional de Educação, em Belo Horizonte - MG, publicando um relatório sobre esse evento na Revista Educação, de São Paulo em 1929, seguindo com publicações educacionais em Periódicos, foi eleito ainda em 1929, membro da academia Paulista de Letras, graduou-se no curso de Ciências Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Direito de São Paulo, e em 1930, publicou o livro Introdução ao estudo da Escola Nova. Em 1931, Reorganizou a Diretoria Geral da Instrução Pública, que passou para a denominação de Diretoria Geral de Ensino, ampliando os serviços que o órgão compreendia. Atuou como diretor do instituto de educação no Rio de janeiro de 1932 a 1937 (Nogueira, 2005, p.20). Com intensa atividade no campo educacional ao longo dos anos 30, Lourenço Filho foi convidado por Gustavo Capanema para dirigir o INEP:
É convidado pelo ministro Gustavo Capanema para organizar e dirigir o INEP, criado em Julho, pelo Decreto-Lei n. 580. Mais do que simples órgão destinado a realizar pesquisas sobre os problemas do ensino, ao INEP marcava-se dupla tarefa: a de constituir-se como centro de todas as questões educacionais relacionadas com os trabalhos do Ministério da Educação e Saúde, e a de cooperar com o Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), por meio de estudos ou quaisquer providências executivas, nos trabalhos atinentes à seleção, aperfeiçoamento, especialização e readaptação do funcionalismo público da União.(MONARCHA, 2001, p.34/36).
Consta nos registros do INEP, que Lourenço Filho foi o primeiro dirigente e permaneceu no cargo de 30 de julho de 1938 até 12 de fevereiro de 1946, quando foi sucedido pelo novo diretor nomeado Murilo Braga. Este por sua vez, ocupou a função apenas pelo período de 13 de Fevereiro de 1946 até 28 de Abril de 1952. Braga faleceu após um acidente de avião. O terceiro dirigente do INEP foi Anísio Teixeira.
Percebemos a partir da imagem 3, como estava estruturado o INEP, diretamente associado ao Ministério da Educação, organizado por Lourenço Filho seguindo ao longo de sua vida trabalhando em prol da educação:
No período e cenário em que desenvolveu seu trabalho, se vinculou a um movimento nacional pela educação pública, universal e gratuita, deixando-nos como compromisso a tarefa de prosseguir com os debates políticos e ideológicos em que são questionadas as diretrizes e metas em que cada governo estabelece em sua política educacional, permanecendo os educadores, precipuamente, com o dever de lutar para assegurar a plenitude do princípio constitucional do direito à educação. (NOGUEIRA, 2005, p.15).
O intelectual faleceu no Rio de Janeiro, no dia 3 de Agosto de 1970, aos 73 anos, após longa vida de serviços que sem dúvida fornecem até hoje subsídios para estudos sobra a História da Educação Brasileira e sobre o movimento Escolanovista.
Natural da cidade de Caetité no sertão baiano, nasceu em 12 de Julho de 1900 Anísio Spínola Teixeira. Realizou seus estudos inicialmente no Instituto São Luís em Caetité e posteriormente no Colégio Antônio Vieira, localizado em Salvador/BA. Ambas as instituições escolares de orientação pedagógica jesuítica. Anísio Teixeira, demonstrou inclusive a intenção de se juntar à ordem da Companhia de Jesus, todavia, seu pai, Deucleciano Pires Teixeira, o enviou para o Rio de Janeiro, almejando que Anísio Teixeira seguisse carreira política.
Anísio Teixeira ingressou no curso de Ciências Jurídicas e Sociais no Rio de Janeiro, bacharelando-se em Direito e em 1924, recebeu um convite do Governador da Bahia Goés Calmo para assumir a direção da instrução pública. Buscando aprofundar seus conhecimentos sobre educação, Anísio Teixeira viaja internacionalmente, passando por Espanha, Itália, Bélgica e França ao longo dos anos 20. Em 1927, direciona seu roteiro de viagens para os Estados Unidos, onde cursou uma pós-graduação na Universidade de Columbia e pôde aprofundar-se mais nas pesquisas desenvolvidas por John Dewey. Ao regressar para o Brasil em 1931, Anísio Teixeira, traduziu obras de John Dewey e tornou-se um dos principais representantes dos ideais pedagógicos deste teórico norte-americano no Brasil (NUNES, 2002, p.71). Abaixo temos Anísio Teixeira na Imagem 4:
Em 1931, Anísio Teixeira assumiu o Cargo de Diretor Geral da Instrução Pública do Distrito Federal, no entanto permaneceu no cargo até 1935, quando pediu demissão em decorrência do contexto político social do Estado Novo no Brasil. Em 1932 foi signatário do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Em 1947, ocupou o cargo de Secretário da Educação no Estado da Bahia, função que exerceu até 1951.
Nesse período, conduziu importantes reformas educacionais que o projetaram nacionalmente, como a integração da "Rede Municipal de Educação", do fundamental à universidade, e a criação da Universidade do Distrito Federal. Foi signatário do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova e teve participação ativa na Associação Brasileira de Educação. Em 1935, perseguido pelo governo de Getúlio Vargas, retornou à Bahia aonde permaneceu por dez anos. (...) como Secretário de Educação da Bahia, oportunidade em que criou sua primeira escola parque, o Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro, uma experiência inovadora de educação integral, a qual se tornou referência nacional e internacional. (BRASIL/INEP, 2017)
Em 1952, após o acidente que vitimou na época, o diretor do INEP Murilo Braga, Anísio Teixeira foi nomeado como Diretor do INEP e passou a exercer esse cargo e publicar assiduamente na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Os registros do INEP apontam que, Anísio Teixeira teve fundamental importância na consolidação do Instituto enquanto órgão de primeira importância referente ao subsídio à políticas públicas da educação brasileira. No mesmo ano foi Secretário geral da Capes e criou o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e os Centros Regionais de Estudos Pedagógicos. Para Dermeval Saviani,
Enfeixando sob sua direção e liderança órgãos estratégicos de pesquisa, formação e disseminação educacional como o INEP, a CAPES, e o CBPE/CRPEs, Anísio Teixeira se impôs como a figura central da educação brasileira na década de 1950. (2007, p.286).
Sua trajetória e permanência nos cargos que ocupou, foi por vezes interrompida em decorrência de mudanças políticas conservadoras.
Em 1957, foi professor universitário, responsável pela cadeira de Administração Escolar na Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, hoje UFRJ. Nesse mesmo ano, elaborou o plano de sistema escolar de Brasília, onde instalou várias outras unidades da Escola Parque. Em 1961, Anísio Teixeira participou ativamente dos debates para a implantação da Lei Nacional de Diretrizes e Bases. Ao lado de Darcy Ribeiro, foi um dos fundadores da Universidade de Brasília, da qual tornou-se reitor em 1963. No ano seguinte, devido ao golpe militar, afastouse do cargo e foi para os Estados Unidos, onde lecionou nas Universidades de Colúmbia e da Califórnia. De volta ao Brasil em 1966, concluiu seu mandato no Conselho Federal de Educação e tornou-se consultor da Fundação Getúlio Vargas. (BRASIL/INEP, 2017)
Anísio Teixeira seguia ativamente no cenário educacional brasileiro, permaneceu até 1963 na Direção do INEP. Com a repressão dos tempos ditatoriais ganhando cada vez mais força, Anísio Teixeira precisou afastar-se do Brasil, mas ao retornar em 1966, seguiu lutando em prol da educação brasileira. No ano de 1971, Anísio Teixeira foi encontrado sem vida, em situações até hoje consideradas sombrias. A passagem de Anísio Teixeira pelo INEP marcou profundamente o instituto, influenciando sua organização, bem como a organização editorial da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos.
Concordamos com a definição de Bloch (2002, p.46) sobre o ofício do historiador como algo em movimento. “Limitar-se a descrever uma ciência tal qual é feita será sempre traí-la um pouco. É mais importante dizer como ela espera ser capaz progressivamente de ser feita”. Dessa forma, refletindo sobre a história e os homens, afirmava que
Por trás dos grandes vestígios sensíveis da paisagem, [os artefatos ou as máquinas,] por trás dos escritos aparentemente mais insípidos e as instituições aparentemente mais desligadas daqueles que as criaram, são os homens que a história quer capturar. Quem não conseguir isso será apenas, no máximo, um serviçal da erudição. Já o bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja a carne humana, sabe que ali está a sua caça. (BLOCH, 2002, p.54).
Assim, foi importante percebermos como os intelectuais preocupavam-se em compartilhar seus estudos e pesquisas impulsionando o debate sobre questões educacionais brasileiras a partir das publicações na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos que tinha alcance nacional. Para Rachel P. C. Gandini e Sandra A. Riscal entre os numerosos trabalhos publicados informam que “na RBPE se encontram os mais importantes, vários deles editados em outras publicações” (2002, p. 749).
Estruturamos nossa pesquisa com os artigos da RBEP, de maneira a catalogar as publicações de Lourenço Filho e Anísio Teixeira ao longo do recorte temporal estabelecido para o presente estudo. Na análise buscamos as temáticas que foram publicadas por estes intelectuais ao longo destes anos sobre a educação nacional. A Imagem 5 apresenta os dois educadores em paralelo: Anísio Teixeira e Lourenço Filho, educadores brasileiros, representantes do movimento da Escola Nova no Brasil, diretores do INEP e autores de artigos na RBEP.
Apresentamos os títulos publicados na RBEP, trazendo as contribuições de Lourenço Filho, considerando como parâmetro a posse dele como diretor do INEP em 1944. Nesse sentido, nosso recorte temporal compreende inicialmente os textos de Manoel Bergstron Lourenço Filho, bem como os artigos escritos sobre ele: sobre a sua posse como diretor do INEP. Outro fator, presente nessa lista é um artigo escrito em coautoria. Apenas um dos artigos, foi produzido em parceria com outro autor. O 4º artigo, foi escrito por Celso Kelly em coautoria de Lourenço Filho.

Em Educação Problema Nacional Lourenço Filho buscou esclarecer os problemas educacionais no Brasil, organizando-os no que ele define como termos mais amplos (no que se refere à nação). De acordo com Lourenço Filho (1944, p. 8) afirmava que
“Em termos amplos, o problema da educação há de confundir-se com o da organização social. A compreensão histórica, a feição do Estado e a concepção de economia em que se apoiem a organização administrativa, as aspirações, métodos e formas da vida comum do povo - tudo nele importará. O Estado não educa apenas com as instituições a que explicitamente chamamos educativas, mas, com toda a sua configuração político-social, desde que interprete os ideais e sentimento do povo, acentuando lhe a unidade. Terá de ser assim, obra de integração social e de liberação humana”.
Já no segundo artigo publicado pelo autor no segundo número da Revista em 1944, Lourenço Filho escreveu sobre “Modalidades de Educação Geral”, definindo inicialmente, sua concepção de educação, de ensino e modalidades específicas do ensino primário e secundário e dos objetivos para as modalidades de educação. De acordo com Lourenço Filho (1944, p. 225)
Será preciso não esquecer que a criança, ou o adolescente, não está, de uma parte, vivendo, e, de outra recebendo educação. Cada modalidade apontada não requer, assim uma disciplina específica. (...) A educação integral, enfim, não pode ser obtida pela soma de exercícios ou lições parceladas de uma escola; mas pelo ambiente geral que esta ofereça, pela vida social que a envolva, a preparação do professorado, a direção e orientação dos programas, a coordenação com a educação no lar, na igreja, na vida profissional.
Após as considerações acerca das modalidades de educação, o terceiro texto publicado por Lourenço Filho no terceiro volume da RBEP em 1944, recebeu como título: Programa Mínimo. Falando sobre o programa de ensino como recurso de organização do trabalho escolar. De acordo com Lourenço Filho (1944, p. 393)
Convenientemente organizado, deve indicar os propósitos e objetivos, que deem direção e sentido à obra educativa da escola, em seu conjunto; e, nessas condições, expõe uma filosofia e uma política. Por outro lado, deve fixar a gradação do ensino e o seu modo de ser. De modo expresso, ou tácito, propõe um método, e significa o compromisso, de parte do pessoal administrativo e docente, em compreendê-lo e executá-lo.
No quarto texto publicado por Lourenço Filho em conjunto com Celso Kelly, o objetivo consistia no debate: “A Arte moderna educa?” e buscando dialogar sobre este questionamento geral, os autores apontaram seus posicionamentos e o defenderam ao longo do texto. Celso Kelly acreditava que a arte moderna educava, ao contrário de Lourenço Filho que embora acreditasse na importância do debate, não acreditava que a arte moderna educasse. De acordo com Lourenço Filho (1944, p. 82)
Seja como for, a chamada “arte moderna”, entendida como expressão “marginal”, não educa. Não educa ao “consumidor da arte, ao que a comtemple. Não educa a criança, ou ao jovem, que em seus processos se exercite, pois do ponto de vista da disciplina espiritual representa “regressão”, ou “fixação” em estados inferiores de evolução, natural ou intencionalmente frustrada.
Os demais artigos tratam de temas igualmente importantes e diversificados. A cada publicação, Lourenço Filho dissertou sobre suas concepções acerca de cada tema que escrevia, colocando suas impressões e defendendo seus posicionamentos. Os assuntos por ele tratados revelam base conceitual que sustentavam suas ações em educação. Podemos agrupá-los em temáticas os assuntos por ele tratados, identificamos textos sobre ensino, psicologia, administração escolar, educação comparada, formação do professor e políticas educacionais. Defendia Lourenço Filho que a educação é um direito de todos.
Os artigos de Anísio Teixeira na revista Brasileira de Estudos Pedagógicos compreendem variados assuntos a partir de sua nomeação como Diretor do Instituto. O intelectual teve expressiva publicação ao longo do recorte temporal analisado na presente pesquisa. Colocamos também nessa lista, o artigo escrito sobre Anísio Teixeira: sobre a sua posse como diretor, e a homenagem que foi feita para ele pela Universidade de Columbia nos Estados Unidos, instituição essa onde lecionou.

Os artigos de Anísio Teixeira trataram dos mais diversos assuntos pertinentes à educação brasileira. Ao longo de sua vida profissional, não apenas trabalhou, mas pesquisou, publicou e colocou em prática o que acreditava ser melhor para o cenário educacional brasileiro. Sem dúvida, as posições e cargos que ocupou ao longo de sua trajetória impulsionaram o alcance da sua atuação. As reformas e projetos que pensou para a educação brasileira encontraram apoio de políticos e o seu destaque foi sendo ampliado ao decorrer de sua trajetória.
Na publicação nº 46 referente aos meses de Abril/Junho de 1952 iniciou com um memorial em respeito ao falecimento de Murilo Braga, segundo diretor do INEP, contando também com o discurso de Posse do Diretor Anísio Teixeira.
Devo declarar, entretanto, que aceito o encargo, acima de tudo, como uma imposição do dever. Sou dos que pensam que estamos vivendo uma hora de aguda premência e de grandes exigências da vida nacional, em que nenhum de nós pode e deve recusar a investidura para que o convoquem as circunstâncias, de vez que se nos reconheçam (ou presumam) condições de especialização e experiência para o seu desempenho. E aqui estou, convocado pela amizade com que me distingue Vossa Excelência, pela confiança com que se dignou de honrarme Sua Excelência o Senhor Presidente da República e pelos longos anos de preocupação que tenho dedicado aos problemas de educação no Brasil. (1952, v.17, n.46)
No número seguinte, Anísio Teixeira tratou de escrever sobre “notas sobre a educação e a unidade nacional”, a princípio, o autor tratou de tecer as considerações gerais sobre o tema, tocando em pontos como: desenvolvimento cultural da humanidade a cultura brasileira, e defendia a tese que a diversificação seria a condição de florescimento das culturas (Teixeira, 1952). Portanto, ao tratar sobre unidade nacional, a diversidade não poderia ser desconsiderada. De acordo com Teixeira (1952, p. 48)
Muitos dos equívocos e confusões do país, em matéria de educação, os quais tornam obscura qualquer discussão, provém do erro de querer resolver, pela lei, o que se deve ser deixado para o controle delicado e progressivo dessa opinião especializada e profissional. Quando isto for devidamente reconhecido, teremos criado as condições para o progresso contínuo e crescente das nossas instituições educacionais, dotadas que serão elas da autonomia necessária para sua própria direção. Esta autonomia profissional, que nos cumpre reivindicar, para todos os aspectos especializados do processo educativo, é uma condição essencial para a liberdade, como é concebida no Estado moderno e democrático.
Nesse sentido, o autor defendia que ao compreender essa questão a unidade nacional da educação brasileira seria a própria “unidade nacional da qual tratou a questão central do texto”. Portanto era defendido a promoção do livre esclarecimento da imprensa, do livro e na escola independente e autônomos. Anísio Teixeira finalizou sua escrita resumindo seu argumento em oito itens.
No nº 48 da RBEP, referente aos meses de outubro e dezembro de 1952, Anísio Teixeira publicou um artigo intitulado: “Estudo sobre o projeto da lei de diretrizes e bases da educação nacional”. O conteúdo foi projetado para a comissão de Educação e Cultura da Câmara dos deputados. De acordo com Teixeira (1952, p. 103)
Não encerro esta ligeira exposição, se acentuar, mais uma vez, que a lei de diretrizes e bases deverá ser uma lei de grande amplitude, que liberte as iniciativas, distribua os poderes de organizar e ministrar a educação e o ensino e faculte ao povo brasileiro encontrar, no jogo de experiências honestas e de uma emulação sadia, os seus caminhos de formação nacional.
Em seu posicionamento, Anísio Teixeira destacava que a Lei de Diretrizes e Bases deveria ser um ato de confiança no povo brasileiro, e embora houvesse erros, estes seriam preço a pagar pela liberdade e honestidade e que possibilitariam o aprendizado o reconhecimento e a possibilidade de melhorar. Finalizou seu discurso afirmando que “A pedagogia da liberdade que é a pedagogia da democracia não produz os seus frutos de caráter e de virtude sem esse risco, tenhamos a coragem de corrê-lo”. (Teixeira 1952, p. 104).
O próximo artigo publicado, integrou o nº 49 da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, no ano 1953, tendo como título “Ideias e debates: condições para a Reconstrução Educacional brasileira”. Iniciando sua escrita, afirmava que a educação de um povo era feita apenas em parte pelas escolas. Partindo deste ponto, considerava que outras instituições sociais eram responsáveis pelo processo educativo, uma vez que a escola não estava a parte, mais inserida em um contexto social, cultural, político, religioso que influenciava na escola e na forma como estava estruturada a educação de uma nação. Em suas considerações finais, Teixeira (1953, p. 26) afirmava
Se há uma conclusão essencial que se depreende de nossas considerações sobre as experiências anglo-saxônicas destes últimos anos, é a absoluta necessidade da organização harmônica e equilibrada do esforço. É necessário que neste campo nos libertemos da tendência individualista que determina e regula perniciosamente tantos aspectos de nossa organização pedagógica.
Finalizando seu texto, reuniu em três pontos principais, retomando os argumentos defendidos ao longo de sua escrita e reforçando seu posicionamento frente ao que ele considerava como necessário para que a educação brasileira superasse problemas, visando uma reconstrução da educação a nível nacional.
Os textos publicados por Anísio Teixeira ao longo de sua trajetória na direção do INPE versavam sobre os mais diversos assuntos, porém o debate a nível nacional estava presente na maioria de seus escritos, bem como a organização de suas ideias ao final de cada escrita, retomando e reforçando os argumentos defendidos ao longo do texto. Entre as temáticas tratadas por Anísio Teixeira no conjunto destes artigos podemos detectar notadamente aquelas sobre teorias educacionais, administração escolar e políticas públicas. Todavia, a de maior destaque foi sem dúvida a luta por uma escola pública, universal e gratuita.
A partir do levantamento dos títulos e da leitura dos textos publicados pelos intelectuais, foi possível compreender como estava sendo desenvolvido o debate em prol da educação e qual o posicionamento Anísio Teixeira e Lourenço Filho defenderam enquanto diretores do INEP e como pesquisadores da educação, ao socializarem seus discursos e estudos na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos.
Destacamos ainda a importância do trabalho com a Revista brasileira de Estudos Pedagógicos como fonte de pesquisa. Além disso, vale ressaltar a relevância da utilização de acervos digitais nas pesquisas, algo imprescindível para o desenvolvimento de estudos durante a pandemia no contexto do isolamento social. Foi a partir de documentos digitalizados que conseguimos construir nosso estudo.
Dois intelectuais, reformistas, estudiosos brasileiros, com pensamentos renovadores, cada um contribuindo com sua percepção sobre a educação e sociedade. Signatários da Escola Nova no Brasil, escrever sobre Lourenço Filho e Anísio Teixeira é poder compreender aspectos importantes da constituição do sistema de educação no país.
Que os títulos reunidos aqui, e publicados na RBEP por Lourenço e Anísio, sejam subsídios para outros estudos e publicações na área da História da Educação, contribuindo também para pesquisas acadêmicas ainda em curso. Os temas aprofundados pela escrita dos intelectuais ora em foco, podem ser considerados de grande contribuição para quem busca compreender dentre outras questões, como se constituiu a educação nacional seus aspectos legislativos, teóricos e institucionais.

