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IMIGRAÇÕES NA AMÉRICA LATINA EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO E A MÍDIA
IMMIGRATION OF POPULATIONS IN LATIN AMERICA IN GLOBALIZATION TIMES AND THE MEDIA
Revista Tópicos Educacionais, vol. 26, núm. 1, pp. 183-204, 2020
Centro de Educação - CE - Universidade Federal de Pernambuco - UFPE

Artigo


Recepção: 1 Janeiro 2020

Aprovação: 1 Maio 2020

DOI: https://doi.org/10.7440/res64.2018.03

Resumo: Neste texto objetiva-se dialogar acerca dos processos de imigração de populações na América Latina em tempos de globalização, dando visibilidade aos que buscam imigrar para os Estados Unidos e o Brasil com expectativas de melhores condições de vida, de trabalho, a fim de desvencilhar da pobreza. Essa abordagem será realizada a partir da análise de artefatos culturais da mídia: o documentário “LaBestia” (2010) de direção de Pedro Ultrares, e três reportagens do jornal Folha de São Paulo de dezoito, vinte e um, e vinte e três de agosto de 2018, que publicizaram a imigração de venezuelanos para o Brasil, fato que tem causado conflitos entre estes e brasileiros na região norte do país, na cidade de Pacaraima, no estado de Roraima, e práticas de xenofobia. Com base no aporte teórico-metodológico para análise de textos culturais da mídia, relacionando atores sociais, texto e contexto histórico, visa-se analisar as representações de processos de imigração de populações latino-americanas, especificamente da América Central com destino a nação estadunidense, e a imigração de venezuelanos para o Brasil.

Palavras chave: América Latina, Globalização, Desigualdades sociais, Pobreza, Imigrações, Mídia.

Abstract: The aim of this text isto dialogue the processes of immigration of populations in Latin America in globalization times, giving visibility to thoses eeking to immigrate to the United States and Brazil with expectations of better living and working conditions, in order to get out of poverty. This approach will be carried out based on the analysis of cultural media artifacts: the documentary “La Bestia” (2010) direct by Pedro Ultrares, and three reports in the Folha de São Paulo periodical of eighteen, twenty-one and twenty-three of August 2018, wich publicized the immigration of Venezuelans to Brazil, a fact that hás caused conflicts between them and Brazilians in then orthem region of the country, in the city of Pacaraima, in the state of Roraima, and xenofobia practices. Basedon the theoretical-methodological contribution to the analysis of cultural texts in the media, relating social actors, text and historical context, the aimis to analyze the representations of immigration processes of Latin America populations specifically from Central America destined for the United States of Americanation, and the immigration of Venezuelans to Brazil.

Keywords: Latin America, Globalization, Social differences, Poverty, Immigration, Media.

Introdução

Os europeus chegaram a América no século XV, espanhóis e portugueses buscaram expandir seus domínios além-mar, em busca de terras e riquezas no início da Idade Moderna. Depois disso, diferentes nações europeias vieram explorar o continente americano.

A História da América espanhola e da América portuguesa foi marcada por diversos fatos, tais como a usurpação de terras indígenas, o genocídio de várias etnias indígenas, as práticas de “evangelização”, ou melhor, de imposição da religião católica aos povos que aqui habitavam, a escravização dos povos indígenas, a dizimação desta gente por meio das guerras e/ou doenças disseminadas pelos colonizadores nas terras tropicais, e a vinda forçada de africanos e africanas para a cá, concebidos como mercadorias a serem comercializadas por meio do tráfico negreiro, submetendo-os/as também a escravidão, principalmente no Brasil.

Após mais de quatro séculos de exploração do continente da América, no século XIX, o Brasil conquistou sua Independência em relação a Portugal em sete de setembro de 1822, mas manteve-se a estrutura de desigualdades, ou seja, houve a concentração do latifúndio nas mãos da elite, a manutenção da escravidão negra, e quando ocorreu à abolição desta em treze de maio de 1888, o Estado brasileiro não teve políticas públicas para inclusão do povo negro a sociedade. O povo negro teve acesso à liberdade sem cidadania, ou seja, sem condições políticas, econômicas e sociais para o acesso a Educação e ao trabalho dignos.

Quanto a América espanhola, muitas colônias deflagaram as lutas pela Independência, por meio de vários movimentos de resistência à imposição colonial, conquistando a emancipação política. Porém, uma elite criolla, os caudilhos se apoderaram da esfera dos Estados nacionais e estabeleceram práticas políticas que não favoreceram a maioria da população latino-americana, pois esta foi relegada a pobreza e as desigualdades sociais.

Neste texto, objetiva-se dialogar sobre os processos de imigração de populações na América Latina em tempos de globalização, dando visibilidade aos que buscaram e buscam imigrar para os Estados Unidos e o Brasil com expectativas de melhores condições de vida, de trabalho, a fim de desvencilhar da pobreza e das desigualdades sociais, por meio da análise de alguns artefatos culturais da mídia, o documentário LaBestia e três reportagens da Folha de São Paulo que versam sobre a imigração de venezuelanos para o Brasil e conflitos existentes entre estes e os brasileiros em Pacaraima, no estado de Roraima.

América Latina e globalização: desigualdades sociais, pobreza e imigrações

No século XX, na América Latina, no contexto pós II Guerra Mundial, no período entre 1950 e 1990, o desenvolvimento do capitalismo e do rural, a modernização intensa da agricultura e o incremento na produtividade, não alteraram de maneira significativa as condições de vida da maioria da população, ou seja, permaneceu a estrutura de pobreza e de desigualdades sociais (VIALES HURTADO, 2000).

Neste sentido, afirmou-se que esse desenvolvimento econômico “no se tradujo, com la excepción muy constrastante de Costa Rica, em uma mejora substantiva de las oportunidades de vida de la inmensa mayoría de la población centroamericana, especialmente de la rural” (ROVIRA MAS, 2005, p. 116).

O crescimento econômico não propiciou uma melhora efetiva das condições de vida da maioria da população latino-americana, centroamericana, por conta do modelo de desenvolvimento “concetrador y excludente” (ROVIRA MAS, 2005, p.116). Este modelo de desenvolvimento econômico tem algumas características:

  • La concentración latifundiária de latierra y la carência de este fator productivo para lamayoria de los campesinos. Además, el número de minifúndios cresció, pero com la característica general de no poder satisfacerlas necessidades básicas de uma família campesina.

  • La distribuciónmuy desigual de losingresos al anterior del mundo rural, y del poder, agregaríamos nosotros.

  • La preferencia por la agricultura de exportacion u eldesinterés por la agricultura de los alimentos básicos, comportamento que se sustenta tanto em las políticas económicas estatales, como enel comportamento de los agricultores que controlanlamayoria de los recursos.

  • La monoproducción y elsubempleo de lafuerza de trabajo agrícola, sobre em lapantación.

  • La indeferencia por laconservación de los recursos y laaceleración de sudepredación. A menudo se continua haciendo agricultura “...como si se tratara de laexploración minera” (VIALES HURTADO, 2000, p. 140).

Essas considerações tecidas sobre a América Latina, o desenvolvimento do capitalismo, da agricultura e o seu incremento possibilita vislumbrar a estrutura de desigualdades sociais que se forjou por várias décadas, permitindo: a concentração latifundiária, as políticas estatais que buscaram fomentar a agricultura voltada para a exportação em detrimento da produção de alimentos básicos para a população campesina, o aumento de minifúndios para suprir as necessidades das famílias campesinas, as desigualdades no mundo rural, a exploração e a aceleração da depredação do meio ambiente, entre outros problemas sociais.

Nos anos de 1970 e 1980, a América Latina, a América Central era essencialmente uma região campesina, rural, agrária, tendo uma população mais elevada no espaço rural do que no espaço urbano, ou seja, a demografia rural tinha um percentual maior que a do espaço urbano, e o PIB era mais agrário (RIVAS Apud VIALES HURTADO, 2000, 139).

As cidades da América central eram e são diferentes das cidades dos EUA, sendo marcadas por gritantes desigualdades sociais, pobreza urbana e segregação sócio- espacial, expressando uma cisão entre a cidade legal e regulada e a cidade ilegal informal, problemas ambientais, com riscos e desastres urbanos. Diante disso, ressaltou-se que as cidades centroamericanas são “el reino da pobreza, la informalidade y la ausência de infraestructura, equipamentos y servicios básicos” (PORTES, LAGOS Apud LAGOS, 2004, p. 258).

Assim, considerando-se essa realidade das cidades da América Central, depreende-se as imigrações ilegais de populares latino-americanos com destino os EUA. A imigração para os EUA representa a luta e o desejo de melhores condições de trabalho e vida. A política externa dos norte-americanos na fronteira com o México, de repressão às imigrações ilegais, geram conflitos e muitas vezes faz sucumbir o sonho de “fazer a vida na América” nestes tempos de globalização.

Segundo Hurtado (2000) a década de 1980 foi marcada por um processo de modernização excludente, rumo à globalização. Isso favoreceu a transformação das relações rurais e dos atores sociais, “la economia campesina la principal perdedora em el cambio - dada la subordinacíon el capitalismo nacional y mundial” (VIALES HURTADO, 2000, p. 141).

Na década de 1980, alguns fatos históricos foram importantes para a expansão do capitalismo em termos globais e maior difusão do discurso neoliberal: Margaret Thatcher em 1979 se tornou a primeira ministra na Grã-Bretanha; Ronald Reagan chegou a presidência dos EUA em 1981; em 1989 houve a queda do Muro de Berlim e a ex-União soviética passou por transformações no final da década de 1980 e início dos anos de 1990, devido a perestroika e a glasnost no governo de Mikhail Gorbachev; ainda em 1989 se estabeleceu o Consenso de Washington e a imposição da cartilha neoliberal. Com base no Consenso de Washington se propalou a defesa do Estado mínimo, de corte nos gastos públicos e de políticas de privatizações, liberalização comercial e não intervenção do Estado na economia, desregulamentação das leis trabalhistas, enfim novos ajustes fiscais (HOBSBAWM, 1995).

Todas essas transformações que marcaram a História mundial nas últimas décadas do século XX, deram impulso à difusão do discurso neoliberal e aos novos contornos da economia de mercado, em direção à globalização, e teve repercussões na América Latina.

Disso decorre a constatação de que nas últimas décadas do século XX e início do século XXI, a América Latina experimentou o abandono da política de industrialização autônoma. Pois, alguns países latino-americanos buscaram seguir as recomendações da ortodoxia liberal e o Consenso de Washington (1989), com o objetivo de inserção em um novo modelo de desenvolvimento, pautado em economias abertas no âmbito global, seguindo as orientações da cartilha e discurso ideológico do neoliberalismo (PORTES, HOFFMAN, 2003).

Esse modelo de desenvolvimento neoliberal condenou muitos camponeses às relações de trabalho de subserviência e a busca de empregos assalariados no mundo capitalista e globalizado (VIALES HURTADO, 2000). Por isso, afirmou-se que “la falta de atencíon a los pobres enel modelo ‘neoliberal’ há sido evidente” (VIALES HURTADO, 2000, p. 151).

Para Portes e Hoffman (2003), o modelo de desenvolvimento neoliberal ampliou a deterioração das relações humanas no mundo do trabalho, ampliando as desigualdades sociais, e consequentemente a pobreza. Desta maneira, asseverou-se que “com pocas excepciones, ser obrero na América Latina significa ser pobre” (PORTES, HOFFMAN, 2003, p. 24).

O modelo de desenvolvimento neoliberal é marcado pela concentração do capital e da riqueza nas mãos de poucos em detrimento da maioria da população. Devido aos interesses dos homens de negócios, propala-se o discurso de valorização do Estado mínimo com menos encargos sociais, profícuo ao desenvolvimento da economia de mercado no contexto mundial ou transnacional.

Na década de 1990, com o desenvolvimento do capitalismo no contexto transnacional, em ritmo de globalização, os Estados nacionais alinhados ao discurso neoliberal buscaram e buscam estabelecer novas políticas de ajustes, apresentando consequências, como: aumento do desemprego; baixa no percentual de emprego formal; aumento de trabalhadores na economia informal, ou seja, o crescimento de trabalhadores trabalhando por conta própria e de microempresários; aumento da violência criminal nos espaços urbanos das cidades; aumento dos processos de imigração da população em busca de perspectivas melhores de vida, entre outras expectativas para superação da pobreza e das desigualdades sociais, entre outros problemas (PORTES, HOFFMAN, 2003).

Sendo assim, Portes e Hoffman (2003) nos chama a atenção para a seguinte realidade latino-americana:

La concentracíon Del empleo formal y el aumento de la desigualdade del ingresso que se asocian com el modelo econômico neoliberal han tenido consecuencias menos pacificas que la microempresa y eltrabajo por centapropia. Em el nuevo mercado de todos contra todos promovido por la ideologia dominante, no es soprendente que alguns de los membros de la sociedade menos favorecidos busquen justicia dejando de lado el marco normativo existente. Em la mayoria de las grandes ciudades latino-americanas se aprecia em consecuencia uan mayor criminalidade e inseguridad ciudadana (PORTES, HOFFMAN, 2003, 31).

Nesse contexto de globalização, de desigualdades sociais e pobreza, diante da ausência de políticas públicas efetivas dos Estados nacionais para o combate destes problemas, os atores sociais encontram diferentes estratégias de sobrevivência no mundo do trabalho e na sociedade, como: desde a busca por emprego formal como o emprego informal, muitas vezes se tornando em microempresários; há aqueles que extrapolam as normativas da sociedade, ou seja, da justiça, inserindo-se no mundo da criminalidade; imigrações ilegais com destino a países onde se sonha ter uma vida melhor, por exemplo, latino-americanos que buscam entrar ilegalmente nos EUA, e/ou imigram para o Brasil, tais como os venezuelanos, entre outros.

No mundo contemporâneo e no passado um fato social ocorrido e que ocorre, estudado por especialistas, e nas últimas décadas do século XX e início do século XXI publicizado na mídia, é o processo imigratório. Por exemplo: no Brasil, noticiários nos informam sobre a chegada de haitianos/as, africanos/as, bolivianos/as, venezuelanos/as, entre outros.

Essas notícias nos indicam processos imigratórios para o nosso país, as pessoas vem em busca de trabalho, estudo, etc., com a esperança de outras possibilidades de vida, já que em seu país de origem as condições econômicas, sociais e/ou políticas não lhes favoreceram bem estar social e qualidade de vida.

João Fábio Bertonha, historiador, um dos grandes especialistas de História Contemporânea, no capítulo: “Transnacionalismo e diáspora: reavaliando conceitos e paradigmas teóricos das imigrações”, que compõe o livro Imigração e imigrantes: uma coletânea transdisciplinar (2015), organizado por André Gattaz e Vanessa Paola Rojas Fernandez, convida-nos a refletir sobre os processos imigratórios do presente e do passado.

Bertonha expõe que no mundo contemporâneo são recorrentes os processos imigratórios e a necessidade de compreendê-los, ou seja, as “necessidades de compreensão dos contínuos movimentos de pessoas no mundo” (BERTONHA, 2015, p. 55).

Ele ressalta que nos últimos anos, tempos de globalização, especialistas oriundos especialmente da área de Ciências Sociais, buscaram entender os processos imigratórios e pensaram o conceito de transnacionalismo, e suas implicações para o estudo das migrações internacionais atuais. Dentre estes especialistas, destacam-se: Wallerstein, COHEN (1997), COHEN e VERTOTEC (1999) e GLICK-SCHILLER et al. (1992), entre outros (BERTONHA, 2015).

Bertonha (2015) fez a ressalva de que o conceito de transnacionalismo deve ser usado com cuidado, visto que nem todo processo de migração é transnacional, ou seja, marcado por “contínuas idas e vindas entre países de adoção e de origem” (BERTONHA, 2015, p. 57).

Segundo Bertonha (2015) as idas e vindas das pessoas entre países de adoção e de origem foram limitadas, devido a pouca disponibilidade de recursos financeiros e/ou a condição de imigrantes ilegais.

No documentário LaBestia há a representação de processos imigratórios ilegais de latino-americanos, da América Central, que com poucos recursos financeiros deixam seus países de origem, arriscam suas vidas e se lançam a saga de pegar trens até chegar a fronteira México-EUA. Esses imigrantes desejam obter sucesso nessa travessia e adentrarem em alguma cidade norte-americana, com o objetivo de terem acesso ao emprego, ao dinheiro, e consequentemente melhores condições de vida.

Esses imigrantes da América Central, quando entram ilegalmente nos Estados Unidos, não têm condições de continuas viagens de idas e vindas entre o país de adoção e o país de origem, onde geralmente deixaram suas famílias, as pessoas queridas.

Para Bertonha (2015), nem todo processo migratório é transnacional, e este conceito deve ser utilizado com cuidado pelo pesquisador. Sendo assim, ele expôs que “a transnacionalidade, num sentido físico, atingiu apenas uma parte de imigrantes, de hoje e de ontem, e é um erro tentar generalizá-la para todos” (BERTONHA, 2015, p. 58).

Bertonha também destaca outra possiblidade de transnacionalismo, ou seja, as pessoas que estão fora do país de origem procuram manter laços com as pátrias de origem. Isso ocorre por meio do acesso às notícias da pátria de origem através de jornais, televisão, internet e cartas; remessas de dinheiro aos familiares, entre outras práticas (BERTONHA, 2015).

Ele concordou com Alejandro Portes, e expôs que o conceito de transnacionalismo deve ser aplicado a determinadas experiências humanas, ou seja, ao movimento de trabalhadores que circulavam e circulam fisicamente entre o país de adoção e o de origem; e as ações de militantes políticos, geralmente refugiados fora de seu país, mas que permanecem conectados a sua nação de origem e/ou ideologia (BERTONHA, 2015).

Assim, pode-se compreender que as imigrações ilegais que ocorrem entre a América Central e os Estados Unidos são expressões de transnacionalismo. Embora, parte dos populares que sobrevivem e conseguem adentrar o país estadunidense ilegalmente, não têm condições de viagens de idas e vindas da nação de adoção ao país de origem, em decorrência da política de imigração e o risco de deportação.

Os processos imigratórios ilegais da América Central com destino os EUA, são processos imigratórios transnacionais, porque envolvem pessoas de diferentes nacionalidades, latino-americanos que querem conquistar um espaço no mundo do trabalho estadunidense, melhorar suas condições econômicas, e consequentemente possibilitar melhores condições de vida aos familiares que permaneceram no país de origem, principalmente quando conseguem enviar remessas de dinheiro.

Imigrações de latino-americanos para os EUA: o documentário La Bestia, a saga de populares da América Central

O documentário LaBestia ou The beast, de direção do mexicano Pedro Ultreras, tem a duração de 1:18:02 min, relatou e fez a representação de centroamericanos da Guatemala, El Salvador, Nicarágua e Honduras que se lançaram a travessia de Chiapas, México com destino os EUA, por meio de caminhadas, andanças a pé de vários quilômetros, viagens de várias semanas entre vagões de trens ou em cima destes, passando por diversas cidades da fronteira do norte: Mexicali, Nogales, CiudadJuárez e Piedras Negras; e os que sobrevivem a longa viagem tentam atravessar a fronteira com a ajuda de coiotes.

Nesse documentário se deu visibilidade ao processo de imigrações ilegais, ou seja, de imigrantes da América Central, que chegaram e chegam a transitar entre dez a quinze trens entre o México - EUA, com a esperança e o objetivo de entrar em uma das cidades norte-americanas, conseguir trabalho que garanta o acesso ao bem estar social deles e de familiares que permaneceram nos países de origem.

Nesse início do século XXI, em tempos de globalização, esse documentário relatou e denunciou a saga e a luta de imigrantes da América Central de diversas nacionalidades, que saíram e saem de seus países de origem com o destino os EUA. Uma travessia permeada de problemas: a escassez de água, comida e dinheiro; os roubos; os acidentes que levam imigrantes a permanecerem em cadeiras de roda, pois alguns têm braços e pernas decepados; os vários óbitos de imigrantes durante a travessia; o desaparecimento de imigrantes; as prisões por forças policiais e deportações, devido às ações de representantes da polícia de imigração; entre outros problemas.

Esses problemas apresentados durante a longa viagem de travessia América Central- EUA demonstram as condições aviltantes com que os migrantes foram submetidos para superarem as desigualdades sociais e a pobreza, na esperança de trabalho e bem estar na nação estadunidense, mesmo diante do todos os riscos anteriormente elencados e a condição ilegal.

No documentário foram apresentados diversos depoimentos de homens e mulheres da América Central, oriundos de países diferentes, mas com uma realidade comum: a pobreza; a ausência de políticas públicas efetivas de seus respectivos Estados- nacionais de origem, que visassem o combate das desigualdades sociais e a pobreza; e a esperança de adentrarem nos EUA, em busca de melhores perspectivas de trabalho e vida, e livrarem-se do “reino da pobreza”.

Nesse artefato cultural há também depoimentos de representantes de Direitos Humanos e de padres que coordenam albergues que recebem imigrantes durante o processo de imigrações ilegais. Tanto populares como os representantes de albergues construíram e constróem redes de solidariedade para garantir aos imigrantes o acesso a água, a alimentação, os cuidados de ferimentos (desde os pés machucados às partes do corpo, braços e pernas) que foram decepados em acidentes de trem, entre outros recursos necessários durante a travessia.

Muitos imigrantes, homens e mulheres têm seus sonhos encerrados com a morte e/ou por conta da mutilação de seus corpos (braços e pernas decepados), chegando a permanecer em cadeiras de rodas nos albergues que prestam apoio aos populares da América Central.

Imigrantes com corpos mutilados em albergue que presta apoio aos que se acidentaram durante a travessia Chiapas, México - USA




Documentário La Bestia. Disponível no You Tube <https://www.youtube.com/watch?v=1siX-O0LfU8> Acesso em: 15 nov. 2018 out. 2018

La Bestia nos convidou e convida a pensar e a analisar as condições de vida das populações nas cidades da América Central, enfim da América Latina, fazendo-nos refletir acerca dos Estados-nacionais e da ausência de políticas públicas que garantam o desenvolvimento do capital, e ao mesmo tempo, promova o combate efetivo da pobreza e das desigualdades sociais.

Esse documentário, tal como os filmes e outros artefatos culturais da mídia, constituem-se em textos culturais. Os filmes, os jornais, as revistas e as músicas são textos culturais, presentes na sociedade. Diante destes textos culturais, como o cinema, os indivíduos podem produzir seus próprios significados, visto que a “hegemonia é negociada, renegociada, vulnerável a ataques e à subversão” (VALIM, 2012, p. 288). Os textos culturais podem oferecer “recursos que os indivíduos podem atacar ou rejeitar na formação de suas identidades, em oposição aos modelos dominantes” (VALIM, 2012, p. 288).

De acordo com suas vivências as pessoas podem aceitar a ideologia, o discurso e imagens hegemônicos veiculados na mídia, e/ou negociar ou renegociar, ao produzir práticas de resistência e/ou de subversão.

É interessante analisar os textos culturais, como o cinema, o documentário, entre outros no contexto do “circuito comunicacional”. Por isso, pode-se questionar: o que se entende por “circuito comunicacional”?

Valim denomina como “circuito comunicacional” a “análise da produção e da economia política dos textos” (VALIM, 2012, p. 289), a interpretação textual, a recepção do público e como os diferentes atores sociais fazem uso dos textos culturais (VALIM, 2012). Sendo assim, Valim apresentou sua compreensão de “circuito comunicacional”:

Por meio do que denomino “circuito comunicacional”, compreendo o sentido de uma cena à medida que tomo sua relação com todo o filme, e inversamente, apreendo o sentido do filme, na medida em que compreendo o sentido das cenas. Outrossim, o circuito comunicacional se constitui mediante a relação que os filmes mantêm com seu contexto e outros meios, contato que dinamiza a veiculação de representações sociais e a sua compreensão pelos atores sociais. [...] o sentido é algo histórico. [...] O sentido e a significação das representações são, portanto contextuais (VALIM, 2012, p. 294).

No âmbito da História social é interessante analisar os filmes, os documentários e outros textos culturais, levando-se em consideração o contexto de produção, o circuito comunicacional, os sentidos e os significados atribuídos por diversos atores sociais, em determinado tempo e contexto histórico. Por isso, os sentidos e os significados são contextuais. A análise dos textos culturais se torna instigante aos pesquisadores e as pesquisadoras, e favorece a ampliação dos estudos históricos.

Assim, depreende-se que o documentário La Bestia é um dos artefatos culturais da mídia que no ensino de História da América, especificamente da América Latina, possibilita dar visibilidade: as desigualdades sociais e pobreza das populações da América Central; o questionamento do modelo de desenvolvimento econômico neoliberal; a discussão acerca dos imigrantes que visam burlar a política de imigração dos EUA, na esperança de acesso ao emprego no mundo do trabalho, e superação da pobreza e das desigualdades sociais, em tempos de globalização.

Imigrações de venezuelanos para o Brasil: conflitos e xenofobia

Na contemporaneidade, diante dos novos contornos da História política nacional, após a deposição da presidenta Dilma Rousseff por meio do processo de impeachment em 2016 sob a “justificativa” de combate à corrupção em nosso país, alguns discursos políticos foram e são recorrentes, como: a necessidade de pôr fim à criminalidade, a promoção da segurança, a união do povo brasileiro para a “reconstrução” da nação, o desenvolvimento da economia, o combate ao desemprego, a “necessidade” de reformas, como da previdência e administrativa, etc.

Para compreender esse fato histórico que marcou a História política do Brasil, Anderson (2016) destaca que após oito anos de permanência na presidência da República (2003-2010) Luís Inácio Lula da Silva, escolheu Dilma Rousseff, uma ex-guerrilheira do Regime militar pós-1964, para ser sua sucessora.

Em 2010, Rousseff venceu a eleição presidencial, e iniciou seu mandato presidencial em 2011. Ela foi reeleita em 2014, e iniciou o 2º governo em 2015. Dilma já não dispunha de tanta popularidade quanto o ex-presidente Lula.

Segundo Anderson (2016) “[d]a noite para o dia, o Partido dos Trabalhadores (PT), que desfrutara do mais longo e maior índice de aprovação do Brasil, tornou-se o partido mais impopular do país” (ANDERSON, 2016, p. 2).

Anderson teceu algumas considerações acerca da política empreendida pelos governos Lula e Dilma, do crescimento e do decréscimo econômico no Brasil nos últimos anos:

No último ano do governo Lula, quando a economia global estava ainda se recuperando da primeira onda do crash financeiro de 2008, a economia brasileira cresceu 7,5%. Ao assumir o governo, Dilma instituiu uma política de controle contra o superaquecimento da economia, o que deixou satisfeita a imprensa financista, naquilo que parecia ser uma política semelhante a que Lula teve durante o início de seu primeiro mandato. Mas, tão logo o crescimento experimentou uma queda vertiginosa e as finanças globais pareceram sombrias novamente, o governo seu prumo, criando um pacote de medidas que visavam priorizar os investimentos em desenvolvimentos subsidiados. As taxas de juros foram reduzidas, a moeda se desvalorizou e foi imposto um limitado controle sobre o movimento do capital (http: //blogjunho.com.br/crise-no-brasil/#ftn1) No embalo de todo esse estímulo, durante a primeira metade de sua presidência, Dilma desfrutou de um índice de aprovação de 75%. Mas, ao invés de decolar, a economia desacelerou de um crescimento medíocre de 2,72% em 2011 Para mero 1% em 2012. Além disso, com uma inflação que já ultrapassava os 6%, em abril de 2013, o Banco Central aumentou os juros de forma abrupta, minando assim a Base da “nova matriz econômica” de Guido Mantega, o ministro da Fazenda. Dois meses depois, o país foi acometido por uma onda de protestos de massas cuja origem estava nas passagens de ônibus de São Paulo e no Rio, mas que rapidamente aumentaram sua dimensão tornando-se expressões generalizadas de descontentamento com os serviços públicos e, estimulados pela mídia, também de hostilidade contra um Estado incompetente [...] (ANDERSON, 2016, p. 2-3)

Anderson relatou que além da desaceleração do crescimento econômico brasileiro, diferentes fatos colaboraram para a impopularidade dos governos do PT, tais como: o “Mensalão”; o “Petrolão”; o escândalo da “Lava Jato”; enfim as denúncias de corrupção no âmbito do Estado brasileiro, envolvendo políticos, representantes de empresas estatais (por exemplo: da Petrobrás) e de empresas privadas, o escândalo da Odebrecht, entre outros; e também a publicização disso tudo na mídia.

Por isso, na primavera de 2014, no Brasil, manifestações massivas nas ruas foram feitas contra o governo Dilma, solicitando o impeachment desta, sendo propaladas na mídia. E grupos conservadores da sociedade brasileira, tais como: o PSDB; o PMDB (que retirou seu apoio ao governo Dilma, as divergências entre a Presidenta e Temer); a mídia, por exemplo: a revista Veja; os empresários formados por uma alta classe média; os banqueiros; entre outros, procuraram inflamar mais ainda a deposição da presidenta Dilma. Somando-se a bancada política do Congresso Nacional de protestantismo evangélico e conservadora, surgiram grupos radicais, como: “Vem Pra Rua”, “Movimento Brasil Livre”, “Revoltados On-Line (ROL)” (ANDERSON, 2016, p. 11), que intensificaram suas ações contra o governo Dilma (ANDERSON, 2016).

A organização sindical e o próprio PT não conseguiram frear essas manifestações contra o governo Dilma. Como afirma Anderson (2016), em setembro de 2015 as manifestações para a deposição da Presidenta se ampliaram, representando a difusão do movimento pró-impeachment de Dilma. Ele ressalta que “[n]aquele momento, cerca de 80% da população queria que ela fosse embora” (ANDERSON, 2016, p. 12).

Nesse contexto histórico, será que o problema era apenas o governo Dilma? Anderson enfatiza que nesse processo de crise política aguda, Dilma era o alvo menos importante. “Para FHC, o alvo principal a ser destruído era Lula e não apenas por questão de vingança [...], mas porque havia o risco, dada a sua popularidade, de que ele voltasse em 2018” (ANDERSON, 2016, p. 14).

Ele ainda salienta que houve um processo de desqualificação do ex-presidente Lula, intensificando-se com a divulgação de denúncias de corrupção, a fim de criminalizá-lo. E nesse cenário o poder Judiciário brasileiro ganhou visibilidade na mídia, por exemplo: o juiz Sérgio Moro, com a Lava Jato e a autorização de condução coercitiva de Lula a Polícia Federal, em março de 2016. Ainda fazem parte desse capítulo da crise política brasileira, os vazamentos de conversas entre Lula e Dilma com a permissão de Moro.

Desta maneira, pode-se depreender que múltiplos fatos contribuíram para a intensificação das manifestações massivas nas ruas contra o governo Dilma, levando-a ao impeachment do cargo da presidência da República, apoiado por setores conservadores da sociedade brasileira.

Dilma Roussef foi a primeira mulher eleita para a presidência da República no Brasil, o primeiro governo correspondeu ao período: (2011-2014), reeleita em 2014 para cumprir o segundo mandato (2015-2018), foi destituída do poder após a votação de trinta e um de agosto de 2016, onde representantes políticos do Senado Federal aprovaram o impeachment da Presidenta, sob a “justificativa” de que havia ocorrido crime de responsabilidade fiscal. Devido a este golpe de Estado, o vice-presidente Michel Temer assumiu a presidência da República, considerado como um governo ilegítimo que passou “a implementar, em articulação com a ala conservadora do Congresso Nacional, uma série de retrocessos nas políticas sociais e nos direitos conquistados pela população brasileira desde o século XX” (GOMES, 2017, p. 16).

A História política brasileira recente tem sido marcada por diferentes fatos: a crise política do governo Dilma e seu impeachment em 2016; a chegada de Temer a presidência da República (2016 - 2018); a prisão coercitiva do ex-presidente Lula devido às ações de representantes da Operação Lava Jato, coordenada pelo juiz Sérgio Moro; a condenação por crime de corrupção do ex-presidente Lula em primeira e segunda instância pela Justiça brasileira e a prisão dele no governo Temer em 2018.

Na História do Brasil Republicano, Luiz Inácio Lula da Silva foi o primeiro presidente condenado e preso. Em 2017, em primeira instância, Lula foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, pelo Juiz Sérgio Moro, com a sentença de nove anos e seis meses de prisão. Em 2018, em segunda instância, o ex-presidente Lula teve a sentença confirmada e aumentada por unanimidade para doze anos e um mês de prisão, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), por conta do caso do triplex em Guarujá - SP. Imediatamente, após a confirmação de condenação do ex-presidente Lula em segunda instância, o juiz Sérgio Moro expediu o mandato de prisão (GARCEL, 2018).

Os apoiadores e as apoiadoras de Lula não queriam que ele se entregasse e fosse preso por conta dessa condenação. Mas, Lula não quis ser um foragido da Justiça, depois da resistência, do “comício” e discurso em Santo André - SP em sete de abril de 2018, ele se entregou a Polícia Federal para ser preso e iniciar o cumprimento de sua sentença, embora discorde desta. Os defensores de Lula já fizeram várias tentativas de recursos e pedidos de habeas corpus junto a Justiça, porém sem êxito2 .

Nestes tempos de incertezas e do governo Temer, após várias décadas de lutas e conquistas dos Movimentos sociais no Brasil, é importante a sociedade e organizações sociais estarem atentas às práticas políticas contemporâneas em nosso país, para que mais retrocessos não ocorram nas políticas educacionais, sociais e nos direitos trabalhistas.

Considerando-se a História do tempo presente, no Brasil, boa parte dos discursos políticos de combate à corrupção e a criminalidade, de promoção do desenvolvimento econômico, do combate ao desemprego, entre outros problemas sociais, para que o nosso país não se tornasse “Cuba” e/ou “Venezuela”, tiveram anuência de parcela conservadora da sociedade civil brasileira, avessa ao Partido dos Trabalhadores (PT) e as políticas públicas sociais dos últimos treze anos, principalmente nesta eleição presidencial ocorrida em outubro de 2018, quando houve a eleição para presidência da República, de Jair Bolsonaro como presidente e do general Mourão Filho como vice-presidente, ambos do Partido Social Liberal (PSL).

Durante a campanha eleitoral, o presidente eleito teve alguns slogans de propaganda, tais como as expressões “Bolsonaro, honesto, cristão e patriota”, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, entre outras (PSL, 2018), propalando a cultura política brasileira pautada em princípios, valores e costumes associados a moral, a religião e ao patriotismo nas propagandas políticas, no jingle “Campanha Bolsonaro - Muda Brasil - Eleições 2018” (PSL, 2018), nas redes sociais, nas camisetas, nos adesivos distribuídos aos populares, entre outras imagens e práticas de divulgação:



Brasil: campanha eleitoral Bolsonaro 2018
PSL. Imagens da Campanha eleitoral Bolsonaro 2018. Disponível em: < https://br.pinterest.com/lusogel4/presidente-bolsonaro/> Acesso em: 15 nov. 2018.

Por cultura política entende-se o conjunto de valores, de representações, de práticas políticas, que extrapolam o universo institucional, são inerentes aos grupos individuais ou coletivos, estes apresentam uma identidade, tendo leituras em comum do passado e novos projetos, delineando tempos vindouros (PRIORI, BRUNELO, 2018; BERSTEIN, 1998).

Assim, pode-se expor que o discurso de Bolsonaro foi validado nas urnas, visto que a maioria de votos levou-o a eleição para presidente da República, ou seja, por aqueles e aquelas que partilharam de valores e costumes difundidos pelo PSL durante a campanha eleitoral, ao propor um projeto de “mudança” para o Brasil (opondo-se aos governos petistas), no sentido de “salvaguardar” a “democracia”, a defesa da família tradicional, os valores cristãos e morais, combater a corrupção, impedir que o país se tornasse Cuba e/ou Venezuela (expressando aversão a estes países da América Latina, construindo caminhos para a xenofobia).

Os recentes contornos da História política brasileira, em tempos de globalização, de deposição da presidenta Dilma Rousseff (2016), do governo de Michel Temer (2016 - 2018), da condenação do ex-presidente Lula e prisão em 2018, da vitória de Jair Bolsonaro (2018) para presidência da República e a derrota de Fernando Haddad (PT), de mudanças no cenário político, levam nos a pensar sobre possíveis retrocessos nas políticas sociais de combate a pobreza e as desigualdades sociais, e da difusão da aversão aos estrangeiros, à xenofobia.

Desta maneira, neste último momento do texto, objetiva-se analisar a reportagem de dezoito, vinte e um, e vinte e três de agosto de 2018, da Folha de São Paulo, uma das expressões da grande imprensa brasileira, que publicizou conflitos existentes entre brasileiros e venezuelanos na cidade de Pacaraima, no estado de Roraima, região de fronteira entre Brasil e Venezuela, onde há um processo imigratório crescente de venezuelanos.

Essas reportagens da Folha de São Paulo deram visibilidade aos conflitos e tensões sociais entre venezuelanos e brasileiros na cidade de Pacaraima, no estado de Roraima. Roraima é o Estado menos populoso do Brasil, e chegou a receber cerca de 130 mil venezuelanos. Pacaraima tem em média 5 mil habitantes no espaço urbano, nos últimos meses recebeu mais de 3 mil imigrantes venezuelanos, que adentram a fronteira Venezuela - Brasil, em busca de trabalho, moradia, dinheiro, assistência médica no Sistema Único de Saúde (SUS), enfim melhores condições de vida. Pois, o país de origem sob a presidência de Nicolás Maduro enfrenta uma crise econômica que compromete às condições de vida da maioria da população venezuelana (PRADO, MELLO, 2018).

A Folha de São Paulo em seus textos jornalísticos apresentou diferentes olhares sobre o processo de imigração de venezuelanos para o Brasil e deu voz a diferentes atores sociais: brasileiros que são contra a vinda de venezuelanos para cá; brasileiros que buscam criar redes de solidariedade para garantir abrigo e alimentação aos venezuelanos; imigrantes venezuelanos; autoridades políticas brasileiras, desde o poder público local ao nacional; e representante da Comissão de Direitos Humanos; entre outros. Assim, verificou-se que diversos discursos circularam nas páginas da Folha de São Paulo, como se pode observar a seguir nos depoimentos de pessoas entrevistadas em Pacaraima:

Fernando Abreu, brasileiro, professor e aposentado, é contra a vinda de venezuelanos para o Brasil: “Nós vamos impedir que eles fiquem aqui, estamos defendendo nossa casa, nossa integridade física” [...] “Quase todos que estavam aqui eram criminosos, usavam as crianças para pedir dinheiro para eles” (BOECHAT, 2018, p. 2)

O Pároco de Pacaraima, Jesús Bobadilha, defensor dos direitos de imigrantes venezuelanos e que criou uma rede de solidariedade para prestar apoio a estes, responsável por oferecer mais de 1.500 refeições por dia aos refugiados, relatou:

“Só um suicida seria estúpido o bastante para passar a noite nas ruas aqui, a violência está no ar, não há nada de calmo em Pacaraima” [...] Eles têm realizado o que chamam de carreata da paz, mas não há nada pacífico nelas, são verdadeiras patrulhas” [...] Já perdi 50% dos meus fiéis, mas não me importo, estou seguindo as palavras do evangelho (BOECHAT, 2018, p. 3).

O Imigrante venezuelano, Gustavo Luces denunciou as perseguições aos venezuelanos no Brasil: “Antes do sol cair precisamos correr para casa, há grupos de brasileiros rondando e caçando os venezuelanos” (BOECHAT, 2018, p. 1). Outro venezuelano, Miguel Ángel Garciá asseverou: “A própria polícia faz vista grossa para os motorizados (motociclistas) que estão fazendo as patrulhas. Estamos sendo tratados como lixo, como animais” (BOECHAT, 2018, p. 2).

Já a autoridade política brasileira, a governadora do estado de Roraima, Suely Campos afirmou: “Estou atendendo venezuelanos e nossos brasileiros estão ficando para atrás” (MELLO, PRADO, 2018, p. 1).

Para Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas Direitos Humanos, “Esse clima de tensão é um ambiente propício para a criação de boatos, que se espalham por meio das redes sociais, e levam a episódios lamentáveis [...]”(MELLO, PRADO, 2018, p. 4).

Constatou-se que houve uma preocupação dos jornalistas de formar a opinião pública sobre o processo de imigração de venezuelanos para o Brasil a partir de múltiplos depoimentos/discursos, diversas concepções de mundo.

Foi recorrente nos textos jornalísticos os depoimentos de brasileiros que são contra a vinda de imigrantes venezuelanos para cá, difundindo práticas de xenofobia, tais como: discursos contra os imigrantes venezuelanos, associando-os a “ladrões” e “criminosos”; criação de “milícias” brasileiras, os “motociclistas”, que buscam coibir a entrada e a permanência de venezuelanos no Brasil, por meio de perseguições e práticas de violência, como atear fogo nos poucos pertences dos venezuelanos; a difusão de vídeos e boatos depreciativos sobre venezuelanos nas redes sociais, como no whats - App e no Facebook, entre outros discursos (MELLO, PRADO, 2018).

Diante disso tudo se constatou que essas múltiplas ações contra os imigrantes venezuelanos foram e são expressões de práticas de xenofobia. Embora no Brasil existam redes de solidariedade para buscar acolher os venezuelanos, ainda impera os comportamentos de aversão a estes latino-americanos. Basta retomar o depoimento do Pároco Bobadilha, que teve um decréscimo de fiéis em sua igreja, devido à prática de prestar apoio e auxílio aos venezuelanos, fornecendo-lhes refeições diariamente.

No Brasil, o governo de Jair Bolsonaro, em vigência desde primeiro de janeiro de 2019, já sinalizou novos tempos. Já nos primeiros dias de seu governo, Bolsonaro informou a Organização das Nações Unidas (ONU) que o Brasil se retirava do Pacto Global para a Migração. Este pacto foi assinado no último mês do governo Temer, pelo ministro das Relações Exteriores Aloysio Nunes. Para o atual Presidente, sob a égide de um discurso nacionalista, “Não é qualquer um que entra em nossa casa” (BOLSONARO Apud ESTADÃO CONTEÚDO, 2019).

Com o governo Bolsonaro novos contornos estão sendo delineados acerca da política externa de imigração, em tempos de globalização, do neoliberalismo, discursos de reformas, por exemplo a Previdência, entre outras. Para alguns, o governo Bolsonaro representa esperança na construção de um Brasil melhor. Para outros, este governo representa retrocessos, tempos de incertezas, lutas e resistências.

Diante disso, constatou-se que o governo Bolsonaro inaugurou uma nova política externa brasileira acerca do tema imigração, um outro olhar sobre as populações que compõem os processos imigratórios. Estarealidade indicaquesãotemposdifíceisparaaimigraçãodevenezuelanosparao Brasil, como também de outros seres humanos oriundos de processos imigratórios.

Assim, evidenciou-se que os processos de imigrações de latino-americanos, da América Central com destino os EUA, e de venezuelanos para o Brasil, têm suas singularidades. É interessante ressaltar que estes processos imigratórios também têm aspectos em comum, por exemplo: o sonho dos imigrantes, que muitas vezes está associado à conquista de uma vida melhor, com trabalho, moradia e acesso aos bens necessários a vida digna, ou seja, a expectativa de superarem a pobreza e as desigualdades sociais, a que foram relegados, nestes tempos de globalização e de expansão do neoliberalismo.

Considerações finais

O documentário La Bestia e as reportagens do jornal Folha de São Paulo possibilitaram pensar os processos imigratórios de populações da América Central e venezuelanos, as redes de solidariedades de apoio aos imigrantes, como também pensar as tensões sociais nas regiões de fronteira entre México - EUA, Venezuela- Brasil. E com isso vislumbrar as práticas de violência contra as imigrações ilegais por representantes da polícia da nação estadunidense, como de populares brasileiros que expressaram aversão e repressão aos imigrantes venezuelanos.

Esses artefatos culturais da mídia no ensino de História da América, da América Latina, da América Central e da História do Brasil possibilitam problematizar e/ou compreender que os projetos de vida dos imigrantes de saírem de seus países de origem, em sua maioria, estavam e estão associados a luta de latino-americanos para superar a pobreza, a exclusão social e as desigualdades sociais nestes tempos de globalização e expansão do neoliberalismo.

As tensões sociais geradas no âmbito dos processos imigratórios indicam que os Estados nacionais latino-americanos ainda precisam ampliar as políticas públicas de combate à pobreza, a exclusão social e as desigualdades sociais. Em um contexto de expansão do capitalismo em termos globais, onde impera a difusão do discurso de Estado mínimo (ajustes fiscais, reformas e privatizações), desonerando-o de políticas públicas que favoreçam o bem estar social da maioria da população.

As desigualdades sociais e os processos imigratórios persistem na região America Central, enfim na América Latina, e estão longe de serem resolvidos com pacificação e sem xenofobia. Pois, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump insiste na realização da promessa de campanha eleitoral de construção de um muro entre o EUA e o México, a fim de evitar a imigração ilegal para aquele país. Já no Brasil, o governo Bolsonaro inaugurou uma nova política externa ao informar a ONU a retirada do Brasil do Pacto Internacional de migração.

Há que se fazer uma ressalva, no mundo contemporâneo os processos imigratórios não são problemas apenas dos Estados Unidos, da América |Central, da América Latina. Esse problema afeta outras regiões, como a Europa.

Nestes tempos de globalização, de expansão do capitalismo no contexto transnacional, a questão é como cada país irá tratar e resolver os assuntos afetos aos processos imigratórios “ilegais”. Os estadistas de cada país irão resolver essa questão com respeito aos Direitos Humanos e/ou desrespeito, repressão e uso de violência, difundindo- se práticas de xenofobia, ou seja, de aversão ao estrangeiro imigrante.

Sendo assim, é importante estarmos atentos as políticas externas sobre as imigrações concebidas como “ilegais” dos países no mundo contemporâneo, em tempos de globalização e da expansão do neoliberalismo. No sentido de depreender o que as nações estão fazendo com as populações que imigraram e imigram m para outros países, com a expectativa de: melhores condições de vida e trabalho, superação da pobreza e das desigualdades sociais; fuga de guerras; perseguições políticas e/ou religiosas, entre outros problemas.

Referências

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Notas

2 Recentemente, em 07 de novembro de 2019, quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal deliberou e barrou a permanência na prisão de condenados em segunda instância. Assim, o juiz federal Danilo Pereira Junior determinou a soltura do ex-presidente Lula. Lula saiu da prisão, em 08 de novembro, sexta-feira, sendo recepcionado por lideranças e outras pessoas do PT, e jornalistas que o aguardavam (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 2019).


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