Resumo: O presente artigo tem como objetivo discutir a presença de práticas educativas na prostituição a partir do diálogo com a perspectiva decolonial, tomando como base experiências da Associação Sergipana de Prostitutas. Nesse sentido, sua problemática central envolve os seguintes questionamentos: Como se configuram as práticas educativas na prostituição? É possível um diálogo entre a Educação e o estudo da prostituição em uma perspectiva crítica e decolonial? Para responder esses questionamentos, realizamos uma revisão bibliográfica investigando o que diz a literatura no campo da Educação sobre a prostituição. Depois, empregamos uma pesquisa documental com as marcas de experiências da ASP. Como referencial teórico utilizamos as compreensões da Pedagogia Decolonial de Walsh (2008). Evidenciamos que as ações realizadas pela ASP são pedagogias outras, capazes de educar mulheres na prática da prostituição.
Palavras-Chaves: Decolonial, Educação, Prostituição.
Abstract: This article aims to discuss the presence of educational practices in prostitution from a decolonial perspective, based on the experiences of the Associação Sergipana de Prostitutas. In this sense, its central problem involves the following questions: How are the educational practices in prostitution configured? Is a dialogue between Education and the study of prostitution possible from a critical and decolonial perspective? To answer these questions, we conducted a literature review investigating what the literature in the field of Education indicates regarding prostitution. Then, we employed documental research with the marks of ASP experiences. As a theoretical referential we used Walsh's (2008) understandings of Decolonial Pedagogy. We found that the actions performed by the ASP are alternative pedagogies, capable of educating women in the practice of prostitution.
Keywords: Decolonial, Education, Prostitution.
ARTIGO
Práticas educativas na prostituição: experiências na Associação Sergipana de Prostitutas
Educational practices in prostitution: experiences in the Associação Sergipana de Prostitutas
Recepção: 15 Novembro 2022
Aprovação: 15 Novembro 2022
No universo da prostituição, as mulheres têm suas vidas marcadas por uma tentativa de controle e repressão sexual. As reações contra essas minorias têm sido marcadas por tentativas de invisibilizar essas sujeitas e higienizar os seus espaços de convivência, tornando essencial demarcar lugares de (re)existências possíveis. A prostituição é uma prática de ruptura. Demarca um ponto de diferença entre normatividades de corpo, de gênero, de moral e de sexualidade (RAGO, 2008). Ação de re(existir), que questiona o poder vigente e produz outras formas de existência, resistência, e conhecimentos outros. Assim, para o presente texto, elegemos o objetivo de discutir a presença de práticas educativas na prostituição, a partir do diálogo com a perspectiva decolonial, tomando como base experiências da Associação Sergipana de Prostitutas (ASP).
Essa Associação foi fundada em 5 de agosto de 1990 pela prostituta Maria Niziana Castelino, mais conhecida como Candelária, que teve sua atuação voltada, sobretudo, para a assistência às Prostitutas que trabalham nas ruas da cidade de Aracaju-SE. Atualmente, com o falecimento de Candelária, as ações da instituição estão paralisadas. Durante anos a missão da ASP consistiu em batalhar para a educação das prostitutas em Sergipe, com isso desenvolver um trabalho de cunho humanizador, transgressor e, acima de tudo, preocupada com a saúde e uma vida digna para essas mulheres tão oprimidas.
Com apoio do Ministério da Saúde, a ASP prestava atendimento às prostitutas e desenvolvia atividades de educação sexual, processos de conscientização sobre direitos, sobre a autoestima, entre diversas outras. Assim, tratava-se de um espaço de vivência e (re)existência dessas mulheres e fazia parte do movimento de prostitutas que, em Sergipe, protagonizou o debate em torno dos seus direitos. Vale pontuar que se tratava de um período em que assistência a essas mulheres era ausente, sendo essas tidas como invisíveis ou indesejáveis. É nesse lugar que as mulheres se articulavam reafirmando a vida e modos “outros” de ser sujeitos. Partindo desse princípio nos perguntamos: como se constituiu o processo de construção de práticas educativas na ASP?
Segundo Lugones (2014, p. 939) a resistência “[...] não é fim ou a meta da luta política, mas sim [...] seu começo, sua possibilidade”. Para tanto, Fanon (2005) aponta que resistir é uma prática cotidiana de agentes em posição desprivilegiada nos vários campos das relações de poder. Diante da possibilidade de produção de práticas educativas que podem provocar rachaduras nas relações de poder, as organizações das mulheres prostitutas constituem-se em (re)existência, em pedagogia que rompe barreiras e amplia possibilidades existenciais, sociais e políticas.
Desse modo, o conceito de Pedagogia Decolonial, formulado por Catherine Walsh, é ferramenta que mobiliza a análise de práticas educativas elucidadas neste texto. Para Walsh (2013), a Pedagogia Decolonial não é pensada em um sentido instrumental do ensino e transmissão do conhecimento, ou seja, não está restrita a espaços escolarizados. Assim, “como falou uma vez Paulo Freire, a Pedagogia se entende como metodologia imprescindível dentro de e para as lutas sociais, políticas, ontológicas e epistêmicas de libertação” (WALSH, 2013, p. 29). Dessa forma, realizamos uma pesquisa com os documentos da ASP para que pudessem evidenciar práticas educativas na prostituição, trazendo o olhar decolonial para interrogar e estabelecer o processo de escrita. Os documentos trazem em si marcas, que podem se apresentar como reveladoras dos contextos histórico-sociais e das intenções presentes em suas elaborações.
Ainda, para verificar como é compreendida a Prostituição no campo da Educação, realizamos uma revisão de literatura na produção acadêmica dessas áreas para verificar possíveis interlocuções e dissidências entre a Prostituição e a Educação. Com o recorte de 10 anos de publicações, usamos o descritor “Prostituição e Educação” nos indexadores Scielo, EBSCO e Google Scholar. Foram encontrados 09 (nove) artigos em periódicos qualificados; 03 (três) nos anais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), sendo 01 (um) no grupo de trabalho (GT 23) Gênero, Educação e Sexualidade; e 02 (dois) trabalhos no GT 06 em Educação Popular.
No contexto brasileiro, a partir dos anos 2000, nota-se um crescimento na produção de trabalhos sobre prostitutas. Os estudos mostram que pesquisadores têm tomado sob diferentes perspectivas a Prostituição enquanto tema de estudo. Tais informações podem ser observadas nos discursos de autores dos textos aqui evidenciados. Diante dos estudos sobre a prostituição em geral, observamos que muitos dos trabalhos realizados estão atrelados às estratégias de saúde, à exploração sexual de crianças e adolescentes, ao tráfico de pessoas e às violações de direitos. Foi observado ainda que a prostituição habita, nas pesquisas, o lugar da marginalidade, da subalternidade, sendo raros os trabalhos que tratam do tema de uma maneira empoderadora ou positiva.
A autora que se sobressai imediatamente no processo de revisão bibliográfica é Fabiana Rodrigues de Sousa. Em sua pesquisa, Sousa (2016) define a prostituição como uma prática social complexa, perpassada por diversos aspectos, como economia, cultura, política, sexualidade, moralidade, relações de gênero, entre outros. Essa definição predomina na produção estudada, já que a autora possui 7 artigos em periódicos além de 2 trabalhos no GT 06 (Educação Popular) da ANPED
A pesquisadora, em sua produção, dialoga diretamente com a prostituição, considerando uma prática educativa, mesmo que informal. Com isso, retoma noções de educação popular presentes na obra de Freire (2022) que entende a educação não somente restrita a espaços institucionalizados ou formais, mas presente em todas as relações socioculturais. Enfatiza a necessidade de se entender as prostitutas enquanto sujeitas produtoras de conhecimento, visto que em suas práticas também existem transmissões de saberes. Sousa (2014) propõe uma mudança de paradigma epistemológico necessária ao estudo da prostituição, visto que compreender os sujeitos do conhecimento para além das visões coloniais tradicionais, em busca de formas outras de viver, poder e saber, é uma postura decolonial (OLIVEIRA; CANDAU, 2010). Deste modo, ela subverte a ideia da prostituta enquanto vítima, ressaltando sua agência (SOUSA, 2018).
Com isso, discorre sobre diferentes aspectos da produção e da transmissão do conhecimento na prostituição. Exemplos do que destaca como práticas educativas, dentro deste fazer, estão: a observação e o diálogo de prostitutas mais novas com prostitutas mais velhas; a educação sexual; o empoderamento em relação a questões de gênero, raça e classe; a educação popular; entre outras (SOUSA, 2016). Em todas essas práticas, a autora entende as prostitutas dentro de um campo cultural em que as relações interpessoais entre essas mulheres produzem aprendizagens outras, num processo dialógico e constante, modelo educacional pensado por Freire (2022).
Em relação à postura adotada na transmissão desses saberes, Sousa (2015, p. 165) reforça que essas práticas “configuram-se como práticas coletivas de ensinar-e-aprender pautadas no diálogo, na horizontalidade das interações pedagógicas e na vivência ativa e partilhada da construção do saber”. Logo, as prostitutas promovem processos educativos que incitam a construção de saberes entre sujeitos em condições de subalternidade, permitindo a produção de novos significados sobre o mundo a partir de suas realidades (FREIRE, 2022).
Para a autora, estudar a prostituição é perceber as prostitutas para além de uma posição de medo, de sofrimento. Elas possuem, pelo contrário, uma posição de ousadia, de enfrentamento a padrões vigentes, às normas performativas relacionadas à feminilidade e à sexualidade (SOUSA, 2014). Dessa forma, a prostituta pode contribuir com a Educação por ser uma sujeita de fronteira, de rompimento. Walsh (2009) corrobora com essa ideia ao propor que a Educação deve partir principalmente da consideração das diferenças. Diferenças de posições sociais, culturais, econômicas ou históricas. A partir da diferença, é possível pensar em uma educação inclusiva, que abranja todos os sujeitos em suas particularidades e potencialidades.
Matos, Vasconcelos e Sucupira (2020) também trazem um diálogo com as práticas educativas na prostituição e fazem inicialmente uma crítica à metodologia tradicional de pesquisa em Educação com prostitutas. Apontam que essa geralmente traz uma visão cristalizada da prostituição, retratando-a apenas em uma ótica de libertinagem e promiscuidade, sem considerar os saberes presentes nessa prática, mesmo que empíricos e informais (MATOS; VASCONCELOS; SUCUPIRA, 2020). Enfatizam, assim, a necessidade de uma expansão do universo de significados relacionados à prostituição e aos métodos pedagógicos tradicionais. Expansão essa de significados necessária para trazer olhares outros para populações muitas vezes invisibilizadas. Segundo Mota Neto (2018), foi Paulo Freire um dos primeiros autores a pensar no que seria um processo de decolonização da educação como necessário para que seja verdadeiramente libertadora. Enfatiza-se, assim, a compreensão de que normas formais de educação restringem possibilidades, ignoram dinâmicas populares ligadas ao saber popular e tornam a educação como isolada do mundo concreto.
Por sua vez, Galvão (2020) estuda os saberes de emancipação na prostituição. Em sua pesquisa, a partir de aportes teóricos da educação popular, busca entender os sentidos atribuídos pelas prostitutas em relação ao seu fazer, além dos processos educativos presentes na prostituição a partir da consideração dos saberes de experiência. Para tanto, o autor respalda-se na fundamentação teórica decolonial. Constatou que, para além de estereótipos diversos, as prostitutas nem sempre entendem seu trabalho como um martírio (GALVÃO, 2020). Assim como nas outras produções, verificou práticas educativas na prostituição, mas percebeu que às prostitutas é negado o direito de agência, controle do próprio corpo e da própria história. Assim, verificou-se como uma postura de pesquisador/a carregado/a de moralidades e colonialidades diversas pode implicar num processo que se aproxima de um paternalismo.
Prada (2018) enfatiza como, muitas vezes, setores do movimento feminista, principalmente o feminismo radical, tendem a ignorar qualquer tipo de possibilidade de permitir às prostitutas o direito de escolha de se manterem ou não dentro da realidade da prostituição. Assim, muitas vezes, em nome de uma suposta postura de “salvação” acaba-se por ignorar os desejos presentes naquelas mulheres de atuarem nesse ofício. Essa afirmação, porém, não ignora as possibilidades de violências e explorações contra as prostitutas, mas entende que se deve respeitar as suas intencionalidades.
Dessa forma, verifica-se que dentro do material teórico que relaciona a Prostituição e a Educação, por mais que as produções sejam constituídas de ausências, nas poucas presenças encontradas pode-se observar a desconstrução e a construção de epistemologias outras na Educação, tendo como base as práticas educativas na prostituição. Ou seja, é possível perceber que alguns autores começaram a despertar interesse sobre estudos que apontam a possibilidade de constituição de práticas educativas na atuação das prostitutas.
Pensar a prostituição na educação é, de certa forma, propor uma educação transgressora, que aprende e ensina a transgredir (hooks, 2017). Transgressão essa tida como base para processos de transformação. Os artigos pesquisados mostram como essas mulheres têm em seus saberes transmitidos algo vital para suas sobrevivências. A educação aparece também enquanto fundamental para incitar processos organizativos em prol de ações de (re)existência. A prostituição incomoda e provoca reações nos que entram em contato com ela: repulsa, nojo, ódio, desprezo. Transformamnas em seres abjetos. Toca nas cicatrizes coloniais presentes nos corpos normatizados e as abre novamente, enfatizando modos outros de subjetivação.
Como afirmam Tardif e Lessard (2005), a educação e a pedagogia sempre estão envolvidas em esferas políticas, independentemente do contexto em que se apresentem. Em uma sala de aula formal também há política, e os saberes transmitidos enfatizam determinados interesses presentes na sociedade. Já a prostituição mostra o desenvolvimento de processos educativos que, ao contrário, visam romper com as expectativas sociais, e não as manter. Assim, o estudo dessa prática na educação se mostra relevante ao mostrar as práticas educativas para além de processos de adaptação. Estudar a prostituição na educação direciona o pesquisador a entender esse campo do conhecimento como parte fundamental de processos de transformação, seja individual ou social.
Dessa maneira, com o levantamento realizado, evidencia-se um certo crescimento de estudos do campo da educação sobre o tema da prostituição. Todos os trabalhos encontrados dentro do escopo das produções relacionadas diretamente à educação enfatizam essa prática de uma forma humanizada, trazendo dignidade a uma população oprimida. Desse modo, esses dados nos permitiram o reconhecimento de que é preciso pensar de maneira mais contundente esse tema e ampliar as discussões no campo. Assim, as experiências da ASP podem ser mais uma contribuição nesse sentido.
Somos educados em diversos espaços. A Educação está presente em casa, na rua, na igreja ou na escola. Todos nós envolvemos partes das nossas vidas com a educação, seja ao aprender ou ao ensinar. A prática educativa é ação que ocorre em nível social. Ou seja, o ser humano é educado durante a vida. Isso acontece dentro de diferentes práticas sociais, e na vida da prostituição não é diferente.
Pensar em conhecimentos outros é considerar que, na matriz epistemológica do mundo, existe um saber que rege e oprime todos os outros. Esse se chama saber colonial, que se impõe em diversos registros da experiência humana, seja em relação à experiência do conhecimento, dos modos de ser, dos modos de poder (WALSH, 2009). Consequentemente, ele molda as percepções tanto sociais quanto individuais quanto à epistemologia e o saber. Delimita o que é válido ou não a partir de critérios cartesianos, positivistas, que muitas vezes desconsideram aspectos inerentes à realidade do povo.
Existem iniciativas que rompem com esse poder político e epistemológico a partir de resistências diversas e, mediante isso, afirmam seus modos de produzir conhecimento e vida. A ASP foi uma dessas iniciativas e se tornou um lócus de resistência.
Candelária, criadora da associação, não possuía nenhum tipo de instrução formal, era uma mulher que pode ser considerada como dentro do espectro do analfabetismo. No entanto, usou do seu saber que vai além das expectativas formais e normativas, para, com o auxílio de personalidades sergipanas (sendo muitos seus antigos clientes), criar os primeiros projetos da associação. Ela tinha um desejo que a moveu ao desconhecido em busca de produzir e torcer a ordem social. Chegou a ser presa diversas vezes por sua insubmissão. Isso ilustra como o saber pode e é construído também a partir das experiências (hooks, 2017).
No momento da fundação da ASP, em 1990, a AIDS estava em um período de grande proliferação. Considerando as prostitutas como uma população de risco, por conta da alta exposição ao sexo sem preservativos, se elas já eram marginalizadas, a discriminação aumentou ainda mais. Elas eram completamente desprezadas pela sociedade em geral, e na realidade sergipana não era diferente. As prostitutas eram consideradas dentro de uma lógica de não-humanidade, um mecanismo típico da colonialidade e uma justificação para a barbárie (LUGONES, 2014). A associação surge nesse contexto, em uma ausência de ações efetivas do Estado em prol dessas mulheres, que esquecidas, estavam adoecendo e morrendo de diferentes tipos de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs).
Usualmente, tende-se a abordar a prostituição a partir de uma ótica relacionada a um coitadismo, a um processo de sofrimento e opressão que ocorreria com as prostitutas. A ASP, sendo uma instituição dirigida por essas mulheres, entendia a armadilha por trás de tais boas intenções. Tais perspectivas salvacionistas ocultavam e silenciavam os saberes e as capacidades de (re)existência da prostituição.
Os saberes construídos nesse espaço de aprendizagem são permeados pelas questões que envolvem os cuidados com o corpo e com diversas práticas de prevenção. Cuidar do corpo é cuidar de si e, ao realizar e incentivar esse cuidado, é estimulada a valorização da prostituta enquanto sujeita. É desenvolvida a não conformidade com os rótulos negativos a elas impostos. Elas transcendem expectativas sobre como deveriam se portar enquanto mulheres e prostitutas, enaltecendo sua autenticidade como pessoas que experienciam as marcas da sexualidade sobre seus corpos (ARAÚJO; MATTOS, 2016).
Assim, ao nos depararmos com os documentos da ASP, observamos marcas de uma educação informal. Entre as atividades encontradas nos documentos, observamos a educação em saúde. Essa é entendida como um processo educativo que visa a compreensão da sociedade sobre temas diversos relacionadas à saúde, aumentando sua capacidade de autonomia e inserção nesse tema (FALKENBERG et al, 2014). Logo, é um processo de agenciamento da população, sendo seu alvo, principalmente, as comunidades menos favorecidas ou que sofrem algum tipo de violência.
Nas práticas da ASP, a educação em saúde era realizada de diversas maneiras, sendo ofertadas oficinas e palestras ministradas em parceria com diversos órgãos nacionais e internacionais com o objetivo de orientar sobre as questões que envolvem prevenção e tratamento das DSTs. Tais ações faziam parte do cronograma semanal de atividades. Além disso, existiam ações realizadas “in loco” (como ilustra a figura 01), nas regiões de trabalho das prostitutas. Muitas vezes a própria Candelária atuava com elas, distribuindo camisinhas ensinando o seu uso, além de alertar as “suas meninas” dos perigos de relações sexuais inseguras e de tudo o que envolve a realização de programas.

Apesar da parceria com órgãos públicos, ressaltamos que seus interesses não estavam relacionados a práticas de engajamento e construção de resistência, mas de uso da ASP como ferramenta de higienização social e de um ensino com uma transmissão de saberes “neutra” e “apolítica”. A ASP não se subordinava a esse desejo, sendo subversiva, inclusive tratando sobre diversos temas sociais em suas atividades.
Na figura a seguir (figura 02) apresentamos um dos recursos utilizados nas campanhas de divulgação das atividades realizadas.

Na imagem acima observamos uma revista em quadrinhos sobre a importância do uso da camisinha. Esse material era usado nas oficinas e rodas de conversa para orientar as prostitutas sobre a necessidade de prevenção das DSTs. O conteúdo desse material tem como foco a AIDS. Nesse período, especificamente no ano 1995, Aracaju vivia um cenário de alta dos casos de pessoas infectadas. Com o surgimento e disseminação rápida do HIV e aumento da incidência de outras DST, o preservativo passou a ser difundido como a principal forma de proteção e prevenção para essas infecções. Segundo Candelária, esse foi um período de fortalecimento das ações que envolviam as questões de saúde, como prevenções e tratamentos dessa doença.
Para essas mulheres, os métodos preventivos ligados aos cuidados com o corpo são de suma importância. As prostitutas optam pela camisinha, já que protege contra DSTs, pois o principal instrumento de trabalho trata-se do corpo e este deve ser cuidado. A prevenção e o tratamento das DSTs são atos de empoderamento e apropriação dos seus direitos, sendo que, infectadas ou não, precisam exercer sua prática. Para tanto, é necessário o autocuidado, estimulado pela ASP de forma a produzir resistência. Nesse sentido, observamos que é no espaço do corpo que sabotam e transgridem regras de uma sociedade que deseja a norma.
Essas mulheres defendem a importância do sexo seguro. Esse se configura também como uma das formas de promover seus direitos sociais e sexuais, pois a prostituição é de ordem social e política. Um ato de fissura contra qualquer ato de poder e controle. Existe um jogo de saberes e poderes que marcam a sexualidade, tendo em vista que a prostituição tem sido posta em debate, na maioria das vezes, em vias de uma intenção de higienização social. A ASP ressalta a prostituta para além desses desejos e promove sua agência perante as opressões.
Tendo isso em conta, a corporeidade da prostituta envolve diversas nuances. Como afirma Rago (2008), historicamente no Brasil as prostitutas eram usadas de uma maneira a controlar a sexualidade feminina. Se as prostitutas representavam mulheres que possuíam agência sobre seus corpos e suas sexualidades, eram tidas como o exemplo a não ser seguido por mulheres consideradas “direitas”. Era comum, inclusive no movimento sufragista e feminista brasileiro do início do século XX, enfatizar a prostituta como o exemplo do que uma mulher não deveria ser (RAGO, 2008).
Dessa forma, um dos exemplos de atuação da ASP na produção de agenciamos do feminino é o uso promovido e divulgado por ela da camisinha feminina, que sempre foi forte desde o surgimento dessa opção de preservativo. O estímulo e a prevenção pelo acesso ao preservativo feminino constituem-se como práticas de cuidado, ao mesmo tempo que práticas educativas. Ao enfatizar essa possibilidade, por meio da educação, se estimula também a própria noção da mulher como uma sujeita passível de escolhas, de desejos.
Além de constituir ferramenta de prevenção e proteção, significa empoderamento, pois as prostitutas podem ter o preservativo e utilizá-lo, independente da vontade do homem. Uma prática de afirmação de si e negação da submissão ao masculino. Isso tem contribuído na superação das questões de gênero influenciadas pela sociedade patriarcal, que sempre promove o homem como dono do poder de decisão. As mulheres aprendem que a decisão pelo uso do preservativo pode ser delas. Nesse sentido, orientar as prostitutas, no que tange aos cuidados de saúde, é uma forma de criar resistência, pois empodera e impõe direitos sobre seus corpos. Elas aprendem sobre resistir, para se manter existindo em um cenário de dor e violência.
Assim, tais fatores ilustram o papel da ASP como uma instituição educativa para além da questão da prostituição. Ela se apresenta como uma instituição em relação aos direitos da mulher e dos direitos humanos de uma forma geral. Tal fato é reiterado por Almir Santana, médico sergipano conhecido como o primeiro a se permitir atender pessoas com o vírus da AIDS no estado.
O que ela mais defende não é apenas a profissional de sexo, mas a mulher em si. Então, ela sempre defende os direitos da mulher, os direitos de dar assistência à saúde. Ela sempre briga por isso que as mulheres e, no caso as profissionais do sexo, sejam bem atendidas, porque acima de tudo, elas são cidadãs. (CANDELÁRIA – AQUELA QUE CONDUZ A LUZ, 2006)
Dentro das práticas educativas eram utilizados diversos recursos pedagógicos. De figuras, a quadros, a cartilhas, a folhetos, entre os documentos da ASP foram encontradas inúmeras maneiras de se transmitirem os saberes propagados. Destaca-se, ainda, que o uso desses recursos de aprendizado foi fundamental nas atividades da ASP, pois segundo o livro de presença de atividades, muitas dessas mulheres não eram alfabetizadas. Suas trajetórias de vida são marcadas pela interrupção da vivência escolar. Muitas dessas mulheres abandonaram a escola pela necessidade de trabalhar porque são provedoras e, por vezes, por conta de casamento e gravidez. Dessa forma, o uso de ilustrações e atividades lúdicas auxilia em seus aprendizados.
Nessa perspectiva, uma ferramenta lúdica e didática utilizada nas ações da associação é o “cordel das DST”, que versa sobre a importância da prevenção.
Minha amiga, minha ouvinte, um recado para você, agora vou te contar o que é DST. Parece complicado mas nada é tão impossível, DST é doença sexualmente transmissível. Gonorreia, cancro mole, sífilis, crista de galo, nomes feios e engraçados. Melhor mesmo é prevenir do que só remediar e é usando camisinha que a coisa chega pra lá. (BRASIL, 1994)
A arte, representada nesse trecho de cordel, utiliza a identidade nordestina de maneira lúdica para trazer educação em saúde sobre a importância do uso da camisinha. São saberes tradicionais que dialogam com a realidade concreta e imediata das prostitutas, que trazem sentidos e possibilitam formas de se pensar a sexualidade. Sendo assim, o saber é mediado a partir da realidade vivida. Além disso, os aprendizados consolidados na experiência são referências, por meio das quais elas fazem a leitura de si e da realidade (FREIRE, 1987). Pelas reflexões de leituras freireanas, acreditamos na importância dessas mulheres aprenderem sobre o universo que as cercam, no sentido de estabelecerem lutas para contrapor as estruturas sociais em que se dão as relações de poder que as oprimem.
Confrontar a realidade vivida é método dialógico em vias de buscar o desvelamento e a transformação, o que remete às noções desenvolvidas por Paulo Freire sobre a educação popular. Uma das subversões à norma, presentes na concepção freireana, é de que para se ser um educador não necessariamente é preciso que se tenha um processo formativo oficial, acadêmico. O educador pode, então, ser todo aquele que possui um saber acumulado ao longo de sua existência, de suas experiências, detendo certa influência e respeito de seu grupo social o bastante para desenvolver ensinamentos e processos educativos. (GADOTTI, 2012).
Brandão (2016) aponta para a função das práticas de educação popular de, além do desenvolvimento de aprendizagens, construir um sentido de urgência para uma luta coletiva e revolucionária. Nas práticas da ASP, para além de um ensino instrumental, havia um ensino político. Era mostrado que sim, essas mulheres possuem direitos dignos de serem conquistados e garantidos. Exemplo disso foi a luta da ASP e de Candelária, em consonância com o movimento brasileiro de prostitutas, de reconhecer a prostituição dentro do cadastro brasileiro de ocupações, fato que foi alcançado por meio dessa luta coletiva.
É justamente por meio da educação que se desenvolvia o sentido de uma luta política. Eram ensinados diversos aspectos sobre o feminismo, a luta de classes, a valorização e a autoestima. O conjunto de conhecimentos desse “currículo” desenvolvia estratégias de enfrentamento em prol da conquista de direitos individuais e sociais. Ou seja, um processo de desconstruir estigmas, construindo visões positivas e empoderadoras de si mesmas. Ao mesmo tempo, desnaturalizar os processos opressores, com desenvolvimento da percepção de que a marginalização não é inerente aos povos oprimidos, mas realizada por atores reais, que os marginalizam e podem ser combatidos e vencidos (FANON, 2005).
Entre os conteúdos políticos tratados na ASP, encontramos a cartilha produzida pelo XII Encontro Nacional Feminista, ocorrido em Salvador-Bahia, no período de 28 de outubro a 1 de novembro de 1997, com o tema Gênero com diversidade no país da exclusão. O material trata sobre resistências, conquistas e perspectivas, sendo usado nas rodas de conversas que aconteciam semanalmente na Associação. É marca de como a presença do movimento de prostitutas no Brasil fortaleceu a organização dessas mulheres na sociedade, já que na vivência da instituição eram ensinadas sobre os contextos teórico-práticos que cercam o feminismo.
Em vista disso, verificamos nessas práticas pedagógicas uma perspectiva emancipatória e crítica nos revelando como o movimento de mulheres teve influência nas pedagogias presentes nos embates pelo empoderamento feminino, a liberdade sexual e a agência sobre o próprio corpo. O estudo de temas feministas nas experiências da ASP sugere que as mulheres podem desenvolver diversos processos educativos, tais como aprender a ouvir, a respeitar o outro, a ser cautelosa, a cuidar de si e das colegas de ocupação, a lutar por seus direitos, entre outros.
Nesse sentido, as práticas educativas realizadas na ASP não visavam adaptações, normatizações ou conformidades, como muitas vezes currículos de ordem tradicional e escolar tendem a fazer com os alunos. Tratava-se de um currículo vivo, que destoava do sentido de moldar um padrão esperado de comportamento ou existência. Permitia e produzia a valorização das próprias vidas daquelas mulheres, para que pudessem ser o que são. Para tanto, eram consideradas as subjetividades e particularidades de cada uma delas, pela construção de estratégias de (re)existência, autonomia, de afirmação de seus modos de vida.
Sendo assim, a ASP é exemplo de prática decolonial de resistência, subvertendo preconceitos, estigmas. Tal sabotagem da norma propicia diálogos de vida, sobrevivência, acolhimento, saúde e construção de diferentes saberes (WALSH, 2009). É espaço contra hegemônico, de comunhão em prol da re(existência), porque é dentro desse movimento que elas aprendem sobre seus direitos, de resistir a toda forma de violência. É na Associação que são discutidas questões que envolvem os direitos humanos, a cidadania da prostituta e a luta pela conquista das mulheres na vida social.
No “Documento referencial para ações de prevenção das DST e da AIDS” que faz parte do material didático utilizado na ASP, encontramos uma discussão importante sobre a luta por garantia de direitos e cidadania das prostitutas que são excluídas do mundo social e dos espaços políticos. No Brasil, nos anos de 1990, a reivindicação de direitos foi pauta dos movimentos de prostitutas que se organizavam, pleiteando o seu lugar social na sua história de vida. Elas são sujeitas que, com sua própria voz, têm adentrado em contextos/espaços para serem ouvidas.
Assim, a organização de movimentos de prostitutas é lugar de enfrentamentos, que produz fissuras necessárias no sistema social. Este movimento emerge de experiências subalternas, é articulado a partir da história de um grupo social de mulheres que resistem. Essa resistência nada mais é do que uma das formas de expressão do poder (FOUCAULT, 1979).
De acordo com Candelária, a ASP fez parte desse movimento promovendo o debate em torno do protagonismo no âmbito da vida prostituta. Nesse espaço, as mulheres criam brechas e sabotam o sistema normativo que tenta silenciá-las. Desse modo, a ASP foi também o lugar de produção de existência outra, já que é nesse espaço que elas podem falar e serem ouvidas. Os saberes e formulações pedagógicas, elaboradas por mulheres nos seus espaços, contribuem para construção de políticas inclusivas. Por isso, apostamos na potência da organização de prostitutas como lugar de luta e ressignificações das normas e aprendizados outros.
A ASP também atuava na promoção de inclusão social de suas associadas. Nela, as mulheres tinham também possibilidade de aprender uma outra profissão, pois eram ofertados cursos profissionalizantes, realizados em parceria com o sistema S: Senai, Sesi, Senac e Sesc. Elas aprendiam sobre corte e costura, cabeleireira, manicure, culinária, artesanato etc. Nesses cursos eram ensinados não apenas o conteúdo específico, mas também uma introdução sobre possibilidades de inserção no mercado de trabalho, bem como os direitos da prostituta como cidadã. Nesse sentido, enxergamos uma preocupação não apenas em formar profissionais, mas formar sujeitas conscientes do seu lugar social.
Tal fato ilustra a construção de uma educação não “bancária”, como denominava Freire (1987) àquela educação tradicional de transmissão de saberes de um mestre para um “aluno” (aquele que não contém luz). A ASP para além de processos de educação em saúde, educação política ou educação feminista, (re)educava essas sujeitas para a vida. Um processo de deseducar, desconstruir, para depois reconstruir um novo jeito de se entender no mundo, para além de colonialidades que marcam seus corpos tão estigmatizados (WALSH, 2009).
A inclusão realizada pela ASP se tratava muito de mostrar que existem opções. Que a prostituição não se apresenta na vida dessas mulheres como uma imposição das circunstâncias sociais em que elas se constituíram. Não havia julgamentos nem para as que desejavam continuar “na batalha”, nem para quem dela desejasse sair. Eram desveladas as perspectivas objetificantes e fatalistas, que encerravam a discussão sobre as possibilidades existenciais dessas mulheres antes mesmo de serem iniciadas. Para Freire (2022), um outro objetivo de uma educação como prática da liberdade é também o de romper com o fatalismo ontológico que cobre como um véu as possibilidades transformativas da vida dos sujeitos.
Para além de um ensino instrumental, a ASP era um espaço de ruptura, de fratura em um sistema de esquecimento em relação às prostitutas. Um esquecimento tanto objetivo, considerando a ausência de políticas públicas efetivas e empoderadoras para essas mulheres, tanto subjetivo, ao se desconsiderar que elas sofriam e sofrem diversas violências. Mesmo que no Brasil o exercício da prostituição não seja crime, a sociedade impregna nas mulheres da vida um aprisionamento subjetivo significante (DINIZ; MAYORGA, 2018). O modo da prostituta de se colocar no mundo é invalidado, podendo gerar sentimentos profundos de não-pertencimento, desvalimento, baixa autoestima, fatores esses que podem levar ao adoecimento. As prostitutas encontravam na ASP justamente um contraponto a essa realidade.
Logo, as práticas que povoam a ASP dizem sobre caminhos ainda por se construir para a vida, e sobre o cuidado ali produzido. Em outros termos, bem ali junto a processos de organização dessa instituição, existe um território de ensino, de organização de corpos, trazendo formas de ação, aprendizado. Um processo contínuo de não resignação, combustível para a transformação (MARTÍN-BARÓ, 2017)
Em vista disso, buscamos pensar ASP como um espaço que vai além do lugar de um simples encontro, que produz e ressignifica saberes e possíveis práticas educativas. As experiências educativas englobavam o aprendizado de aspectos objetivos e concretos, como a prevenção de violências, a proteção contra DSTs, como cobrar por um programa, como se maquiar, como cuidar das colegas de ponto. Ao mesmo tempo, tratavam de aspectos subjetivos e simbólicos, como o ser mulher, a autoestima, o reconhecimento de si mesma enquanto ser humano. Em meio a isso, o diálogo sobre a necessidade de aquisição de direitos que possam tornar essas mulheres enquanto cidadãs incluídas na sociedade.
A prostituta é entendida em sua totalidade, sendo a prostituição apenas uma de suas faces. As práticas educativas englobam essa totalidade. Na ASP as mulheres desenvolviam projetos e “práticas educativas que possibilitam a proposição de outros achados na perspectiva da pedagogia decolonial”, conforme aprendemos com Catherine Walsh (2013, p.19).
Observamos a importância dos saberes construídos nesses espaços de aprendizagem, permeados pelas questões de gênero, de raça, de classe e de pedagogias alternativas. Destacamos, por consequência, outras metodologias, outros currículos praticados através das experiências vividas (COLLINS, 2016, p.32). Conhecimentos outros podem contribuir para o acolhimento e formação das prostitutas envolvidas nas associações, porque dizem de como elas se fortalecem, criam estratégias e geram aprendizagens outras.
A resistência, para muitos povos marginalizados, é requisito básico para a existência, para a sustentação da própria vida. Na prostituição, não é diferente. Considerando o contexto de constituição da ASP, é importante entender que o empoderamento feminino desenvolvido, em meados da década de 1990, foi um forte ato de resistência. As prostitutas, e as mulheres de forma geral, enfrentavam um cenário de invisibilidade, ainda maior que atualmente.
Mesmo diante disso, a ASP trazia ações pedagógicas pautadas na luta por liberdade feminina, direitos sexuais e sociais. Outra questão que devemos considerar é que estamos falando de uma instituição composta por mulheres com baixa escolaridade e consequentemente com pouco acesso às informações. Na contramão, elas criaram brechas ao trazerem para o movimento de prostitutas Sergipano pautas que permitiram a construção de aprendizados outros.
Desse modo, encontramos marcas nos argumentos de Walsh (2013) para pensar aspectos das pedagogias adotadas na Associação. A autora propõe atentarmos para as pedagogias que proporcionem uma forma diferente de perceber, compreender e experienciar a realidade. As pedagogias decoloniais, a nosso ver, possibilitam rompimentos nas colonialidades, pois permitem a criação de práticas outras em diálogo com epistemologias outras, a fim de incluir todas as partícipes nesses processos de aprendizagens.
Portanto, reconhecemos possibilidades de formação presentes nas ações da ASP quando nos debruçamos sob os materiais didáticos usados em suas atividades. Acreditamos na promoção de espaços outros de aprendizagem. Ao participar das ações educativas, desenvolvidas na Associação, essas mulheres instituem, em conjunto, a gestação de projetos de vida nos quais podem fazer articulação, sendo respeitadas como sujeitas que tem o direito de ser quem são, sem a necessidade de adaptação à moral vigente para serem vistas (ARAÚJO; MATOS, 2016). Ao assumirem-se enquanto sujeitas de suas práticas, elas resistem.
Essas ações educativas planejadas e executadas por prostitutas configuram-se como espaços coletivos de aprender pautados no diálogo. São ações pedagógicas que insurgem na vivência ativa e partilhada da construção do saber. São pedagogias outras que emergem da luta e da organização dessas mulheres que se reinventam em seus modos de ser e viver.
A partir da análise tanto das produções teóricas dessas áreas, quanto dos documentos da ASP, foi possível observar que na prostituição existe transmissão e produção de saberes, mesmo que informais, que têm sentido tanto instrumental e prático, quanto formador e gerador de resistência e autonomia.
O ato de união das prostitutas em associações pode gerar sentimento de pertencimento e de potência que cria brechas, fissuras em normativas, expectativas sociais sobre elas. As produções acadêmicas sobre a prostituição na Educação exemplificam que, a partir de uma postura decolonial, é possível pesquisar sem julgamentos. É possível valorizar saberes subalternizados, esquecidos, ignorados, para reconhecer seus valores tanto sociais, quanto acadêmicos. É possível aprender com as práticas educativas da prostituição, pelas suas experiências na associação.
Os saberes transmitidos na prostituição transformam, protegem e formam para o enfrentamento da vida na prostituição, ao mesmo tempo em que essa construção não é baseada na resignação, mas na afirmação de si. Pensar em possibilidades das prostitutas de se afirmarem enquanto sujeitas, permitiu observar o poder transformador das práticas educativas quando elas tomam como base a negação do saber dominante.
Para nós, a ASP é possibilidade viva de ensinamentos, de pedagogias outras para a constituição de aprendizados para a vida. Conhecimentos que se tecem em espaços de (re)existência e que contribuem para o rompimento dos silêncios aos quais culturalmente as prostitutas foram/são submetidas. Desse modo, a organização de um grupo inferiorizado, voltado ao enfrentamento às múltiplas formas de opressão e à construção normativa do social, produz uma educação outra. Assim, as ações realizadas pela associação são pedagogias outras, capazes de educar mulheres na prática da prostituição. A ASP é experiência vivida, é memória deixada nas marcas de suas práticas educativas à vida possível.

